Processo 1151777-69.2024.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – Eduardo Stambone – – Karen Cravito Stambone – Isto posto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para afastar o óbice registrário e, consequentemente, determinar o registro do título (prenotação n. 629.401 – fls. 57). Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: FERNANDO CABECAS BARBOSA (OAB 144157/SP), KARINA DA SILVA CABRAL (OAB 505762/SP), KARINA DA SILVA CABRAL (OAB 505762/SP), FERNANDO CABECAS BARBOSA (OAB 144157/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo nº: 1151777-69.2024.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: Eduardo Stambone e outro
Requerido: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de dúvida inversa suscitada por Eduardo Stambone e Karen Cravito pelo 10º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, diante de negativa em se proceder ao registro de escritura pública de venda e compra do imóvel objeto da matrícula n. 159.499 daquela serventia.
A parte alega que, em 27 de maio de 2024, arrematou o citado imóvel em leilão extrajudicial, pelo valor de R$ 811.800,00, recolheu o imposto de transmissão (ITBI) à Prefeitura Municipal de São Paulo, no valor de R$ 24.354,00, correspondente a 3% sobre o valor da arrematação, e firmou a escritura pública de venda e compra lavrada pelo 8º Tabelião de Notas de São Paulo; que, apresentado para registro, o título foi devolvido por meio de nota devolutiva que considerou que o ITBI não poderia ter sido recolhido sobre o valor da arrematação (R$ 811.800,00), exigindo a apresentação de guia complementar ou retificação do recolhimento do ITBI a ser calculado sobre o valor da transação/negócio (escritura de venda e compra), ou seja, o valor venal de referência do imóvel (R$ 1.530.860,00); que, tratando-se de imóvel arrematado em hasta pública, a interpretação é de que o valor venal corresponde ao valor da arrematação, havendo inclusive, orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido; que, nas hipóteses de alienação judicial ou extrajudicial do imóvel por leilão, o valor venal corresponde ao valor pelo qual foi arrematado, inclusive para fins de cálculo do ITBI; que o fato gerador do ITBI é a efetiva transmissão da propriedade, mediante o registro no competente Registro de Imóveis, não havendo incidência no momento da lavratura da escritura ou do contrato de promessa de compra e venda ou no momento da arrematação do imóvel em leilão; que, deste modo, requer o afastamento do óbice para ingresso do título ao fólio real (fls. 01/15).
Documentos vieram às fls. 16/51.
Constatado o decurso do prazo legal da última prenotação, foi determinada a reapresentação do título (fls. 52/53), o que foi atendido (prenotação n. 629.401 – fls. 57).
Em manifestação, o Oficial informou que o título foi apresentado em 1º de julho de 2024, objeto da prenotação n. 622.826, e desqualificado por nota devolutiva com exigência que, por não ter sido reconsiderada, deu origem ao processo de dúvida n. 1120277-82.2024.8.26.0100, julgada prejudicada por sentença, mas não houve comunicação do trânsito em julgado à serventia, o que ensejará o cancelamento daquela prenotação anterior; que o título foi devolvido porque, ao preencher o sistema municipal gerador da guia de ITBI, o requerente informou, no campo correspondente à natureza da transação, tratar-se de uma arrematação quando, na verdade, trata-se de venda e compra, operada por meio de leilão privado, por escolha e conveniência do vendedor, não resultante do leilão extrajudicial previsto na Lei n. 9.514/1997 ou de hasta pública decorrente de decisão judicial; que, assim fazendo, o ITBI foi calculado automaticamente com base no valor da transação (R$ 811.800,00) em detrimento do valor venal de referência (R$ 1.530.860,00); que foi exigida a revisão e o recolhimento complementar do ITBI, com apresentação da guia complementar ou retificadora, com acréscimos legais, conforme exige o artigo 187 do Decreto Municipal n. 62.137/2022; que houve erro na indicação do fato gerador que ocasionou recolhimento a menor, pois se indicada a natureza da transação correta, ou seja, compra e venda, o sistema levaria em consideração o valor venal de referência, que é superior ao valor da transação (Decreto Municipal n. 55.196/2014 e Lei Municipal n. 11.154/1991); e que o artigo 289 da Lei n. 6.015/1973 aduz que, no exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício (fls. 59/62).
O Ministério Público ofertou parecer, opinando pela improcedência da dúvida (fls. 66/68).
É o relatório.
FUNDAMENTO e DECIDO.
De proêmio, cumpre ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Assim, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
Assim dispõe o item 117, Cap. XX, das NSCGJ: “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
No mérito, o óbice pode ser afastado, pelos seguintes motivos.
Os interessados buscam o registro de escritura pública de compra e venda lavrada em 25 de junho de 2024 (livro 3.876, fls. 271/276), pela qual adquiriram do Banco Bradesco S/A. o imóvel da matrícula n. 159.499, do 10º Registro de Imóveis da Capital, arrematado em leilão extrajudicial pelo preço de R$ 811.800,00 (fls. 25/29).
Não se desconhece que, para os Registradores, vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/1973; artigo 134, inciso VI, do CTN e artigo 30, inciso XI, da Lei 8.935/1994).
Todavia, acerca desta matéria, o E. Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo).
Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados do C. Conselho Superior da Magistratura:
“REGISTRO DE IMÓVEIS. ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA. QUALIFICAÇÃO NEGATIVA. QUESTIONAMENTO A RESPEITO DA BASE DE CÁLCULO UTILIZADA PARA RECOLHIMENTO DO IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS – ITBI. ANÁLISE DO OFICIAL REGISTRADOR, NA MATÉRIA CONCERNENTE AO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO, QUE DEVE SE ATER AO SEU RECOLHIMENTO, SEM ALCANÇAR O VALOR NÃO CONFIGURAÇÃO DE FLAGRANTE IRREGULARIDADE NO RECOLHIMENTO. PRECEDENTES DO C. CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA. DÁ-SE PROVIMENTO À APELAÇÃO PARA JULGAR A DÚVIDA IMPROCEDENTE.” (TJSP; Apelação Cível 1014481-63.2023.8.26.0577; Relator: Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de São José dos Campos – 8ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/12/2023; Data de Registro: 19/12/2023)
“Registro de Imóveis. Escritura pública de compra e venda. Qualificação negativa. Questionamento a respeito da base de cálculo utilizada para recolhimento do imposto sobre transmissão de bens imóveis – ITBI. Análise pelo Oficial Registrador, na matéria concernente ao imposto de transmissão, que deve se ater ao seu recolhimento, sem alcançar o valor. Não configuração de flagrante irregularidade no recolhimento. Precedentes do C. Conselho Superior da Magistratura. Dá-se provimento à apelação para julgar a dúvida improcedente.” (TJSP; Apelação Cível 1001415-15.2021.8.26.0309; Relator: Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Jundiaí – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 22/11/2021; Data de Registro: 30/11/2021)
Nessa mesma linha, este Juízo vem decidindo pela insubsistência do óbice quando não caracterizada flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo (processos ns. 1115167-78.2019.8.26.0100, 1116491-06.2019.8.26.0100, 1059178-53.2020.8.26.0100, 1079550-52.2022.8.26.0100, 1063599-18.2022.8.26.0100, 1039109-29.2022.8.26.0100, 1039015-81.2022.8.26.0100, 1149447-36.2023.8.26.0100 e 1185365-04.2023.8.26.0100).
No caso concreto, a escritura de venda e compra indica que o negócio foi realizado pelo valor total de R$ 811.800,00 (fls. 26), com recolhimento, a título de ITBI, da quantia de R$ 24.354,00 (fls. 38/40), que corresponde à aplicação da alíquota de 3% sobre o valor do negócio, qual seja, o valor da arrematação do imóvel em leilão extrajudicial.
O recolhimento do ITBI tomando por base o valor da transação não se mostra flagrantemente incorreto, notadamente diante da tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n. 1.937.821/SP (processo-paradigma do Tema n. 1.113), sob a sistemática da Repercussão Geral:
“a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;
b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN);
c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente”.
Ademais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o seguinte entendimento: nas hipóteses de alienação judicial de imóvel, seu valor venal corresponde àquele pelo qual foi arrematado em hasta pública, inclusive para fins de cálculo do ITBI, o que também se aplica aos casos de leilão extrajudicial, em virtude da sua similaridade com a arrematação judicial:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ITBI. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. BASE DE CÁLCULO. VALOR DA ARREMATAÇÃO. FATO GERADOR. REGISTRO DA TRANSMISSÃO DO BEM IMÓVEL. SÚMULA 83/STJ. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. 1. A irresignação não merece conhecimento. 2. O entendimento aplicado pela Corte paulista está de acordo com o do STJ, o qual afirma que, nas hipóteses de alienação judicial do imóvel, seu valor venal corresponde àquele pelo qual foi arrematado em hasta pública, inclusive para fins de cálculo do ITBI. 3. Ademais, em virtude da similaridade do leilão extrajudicial com a arrematação judicial, aplica-se, mutatis mutandis, o entendimento pacífico na Primeira Seção do STJ de que aquele corresponde a esta. 4. Ademais, o fato gerador do imposto de transmissão é a transferência da propriedade imobiliária, que somente se opera mediante registro do negócio jurídico. Incide, portanto, a regra da Súmula 83/STJ. 5. Recurso Especial não conhecido.” (STJ, REsp n. 1.803.169/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 23/4/2019, DJe de 29/5/2019)
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. IMÓVEL ALIENADO POR ARREMATAÇÃO EXTRAJUDICIAL. ITBI. BASE DE CÁLCULO. VALOR DA ARREMATAÇÃO. I – O STJ tem jurisprudência pacífica no sentido de que, em se tratando de alienação judicial, o valor venal, para os fins da incidência de ITBI, é aquele obtido na arrematação em hasta pública. Precedentes: AgRg no AREsp n. 348.597/MG, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 10/3/2015, DJe de 16/3/2015 e REsp n. 2.525/PR, relator Ministro Armando Rolemberg, Primeira Turma, julgado em 21/5/1990, DJ de 25/6/1990, p. 6027. II – Na arrematação extrajudicial, in casu, que se origina do inadimplemento relacionado à alienação fiduciária, não é necessário o ajuizamento de processo de execução, todavia isso não desnatura o conceito de valor venal, para os fins do art. 38 do CTN, ou seja, o valor deve ser aquele do direito transmitido, aquele obtido no leilão, independentemente do valor da avaliação do imóvel pela municipalidade, isso porque a base de cálculo do tributo deve necessariamente medir as proporções reais do fato sob sua faceta econômica. Precedente: REsp n. 1.803.169/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 23/4/2019, DJe de 29/5/2019. III – Recurso especial provido.” (STJ, REsp n. 1.996.625/PR, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 13/6/2023, DJe de 16/6/2023)
Nesse contexto, a exigência de recolhimento complementar de ITBI tendo como base de cálculo o valor venal de referência do imóvel pode ser afastada, notadamente porque todos os dados informados na guia gerada pela municipalidade para o recolhimento do ITBI podem ser conferidos pelo ente tributante, permitindo sua atuação na hipótese de incongruência. Eventuais diferenças deverão ser perseguidas pela parte credora na via adequada, com base nos dados de que dispõe.
Além disso, não se pode exigir do Oficial, por isso mesmo, uma prudência maior na fiscalização dessas mesmas informações, sendo suficiente a demonstração do recolhimento por meio da guia própria para que se admita o registro.
Isto posto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para afastar o óbice registrário e, consequentemente, determinar o registro do título (prenotação n. 629.401 – fls. 57).
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 10 de outubro de 2024.
Renata Pinto Lima Zanetta
Juíza de Direito (DJe de 14.10.2024 – SP).
Fonte:DJE/SP.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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