Número do processo: 1123608-09.2023.8.26.0100
Ano do processo: 2023
Número do parecer: 80
Ano do parecer: 2024
Parecer
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 1123608-09.2023.8.26.0100
(80/2024-E)
Registro de imóveis – Escrituras de cessão de bem individualizado e de inventário extrajudicial – Registros sequenciais da partilha e da cessão – Insurgência a respeito do registro da partilha entre os herdeiros – Cabimento – Cessões sobre imóvel singular realizadas antes das partilhas e confirmadas por ocasião da lavratura das escrituras de inventário – Registros sequenciais que modificam a essência dos títulos apresentados – Adjudicação de bem diretamente ao cessionário que decorre da interpretação dos títulos – Determinação de cancelamento das inscrições realizadas, de realização de novos registros e de devolução ao usuário dos valores cobrados a maior – Parecer pelo provimento do recurso.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,
Trata-se de recurso de apelação interposto por Jaciro Ribeiro contra a sentença de fls. 260/264, que considerou corretos os atos de registro praticados pelo Oficial do 6° Registro de Imóveis da Capital e, por consequência, negou ao usuário o direito de ressarcimento dos emolumentos pagos.
Sustenta o recorrente, em síntese, que, por meio das escrituras lavradas, os bens foram adjudicados diretamente à cessionária, não tendo havido atribuição de meação às viúvas e aos herdeiros. Aduz que a transferência dominial direta não fere nenhum princípio registral e torna o custo de inscrição do negócio muito mais acessível. Pede a “correção dos registros dos títulos em questão e o ressarcimento de valores” (fls. 275/291).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 301/303).
É o relatório.
De início, recebo a apelação interposta como recurso administrativo.
Isso porque a decisão contra a qual o recorrente se insurge não foi proferida em procedimento de dúvida, pressuposto para a interposição de apelação com fundamento no artigo 202 da Lei nº 6.015/73. Trata-se de decisão proferida por Juiz Corregedor Permanente, contra a qual, na forma do artigo 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, cabe recurso administrativo a ser julgado pelo Corregedor Geral da Justiça.
De acordo com a sentença recorrida, “o imóvel objeto da matrícula 18.395 era de titularidade de Norbert Engelmeier e de sua mulher, Vermiglia Engelmeier, e de Franz Wesenauer e de sua mulher, Theresia Wesenauer; que as prenotações n. 806.690 e 806.692 envolveram: 1) escrituras públicas de inventário, partilha e adjudicação, lavradas pela 1° Tabeliã de Notas e Protesto de Letras e Títulos de São Caetano do Sul-SP em 09/05/2023; 2) escritura denominada “Escritura Pública de Cessão de Direitos Hereditários”, lavrada pela mesma tabeliã em 30/04/2021, em que os herdeiros de Franz e Theresia alienaram seus direitos sobre o imóvel a terceiro; 3) escritura denominada “Escritura Pública de Cessão de Direitos de Meação e Hereditários”, lavrada pela mesma tabeliã em 3010412021, em que a viúva meeira e os herdeiros de Norbert alienaram seus direitos sobre o mesmo imóvel a terceiro; que os títulos indicam que as partes alienaram bem imóvel determinado e não “direitos hereditários”, a título universal; que, em consequência, foram praticados os seguintes atos de registro em sentido estrito na matrícula 18.395: 1) R. 7 – Partilha causa mortis entre meeira e herdeiros dos bens deixados pelo falecimento de Franz Wesenauer; 2) R. 9 – Partilha causa mortis entre os herdeiros dos bens deixados por Theresia Wesenauer; 3) R. 10 – Transmissão inter vivos, a título oneroso, entre os herdeiros que receberam o imóvel no R.7 e R.9 para a cessionária/adquirente; 4) R. 13 – Partilha causa mortis entre meeira e herdeiros dos bens deixados por Norbert Engelmeier; 5) R. – 14 Transmissão inter vivos, a título oneroso, da meeira e herdeiros que receberam no R. 13 para a adquirente/cessionária” (fls. 261).
Após r. decisão de primeiro grau que indeferiu seu pedido, insurge-se o recorrente contra a forma como as inscrições foram lançadas, requerendo, inclusive, a devolução dos emolumentos pagos a mais. Como as cessões ocorreram antes da partilha e a cessionária assinou a escritura de inventário, insiste o recorrente que o bem não deveria ter sido partilhado entre os sucessores dos falecidos. Segundo seu entendimento, após a averbação da morte dos proprietários, o bem já deveria ter sido transferido diretamente à cessionária.
O reclamo encontra amparo no art. 30 da Lei Estadual nº 11.331/02, que assegura a qualquer interessado o direito de reclamar ao Juiz Corregedor Permanente em caso de cobrança a maior ou a menor de emolumentos e despesas.
Sem prejuízo da responsabilidade disciplinar, os notários e registradores sujeitam-se ao pagamento de multa de 100 a 500 UFESPs caso recebam valores não previstos ou maiores que os previstos nas tabelas de custas e emolumentos e, na hipótese de recebimento de importâncias indevidas ou excessivas, além da multa, impõe-lhes a restituição do décuplo da quantia irregularmente cobrada do usuário (art. 32, I e § 3°, ambos da Lei Estadual nº 11.331/02).
No caso em análise, não obstante alguns precedentes desta Corregedoria Geral e do c. Conselho Superior da Magistratura em sentido contrário, tem razão o recorrente.
Pela análise das escrituras públicas acostadas aos autos, resta claro que os interessados formalizaram cessões de bem individualizado pertencente a diferentes espólios (art. 1.793, §2° e §3°, do CC). Em seguida, houve a lavratura de duas escrituras públicas de inventário e partilha, por meio das quais os herdeiros dos proprietários do imóvel adjudicaram o bem à empresa R3 Fortunato Empreendimentos e Participações Ltda. (fls. 24/28 e 119/121).
Nota-se que as cessões de direitos hereditários sobre o imóvel singular foram celebradas muito antes da partilha; que nas escrituras de inventário, as cessões foram confirmadas, com a adjudicação do imóvel à cessionária; e que o representante da cessionária se fez presente por ocasião da lavratura de todas as escrituras, inclusive as de inventário e partilha.
Diante dessa situação, deveria o Oficial ter registrado as partilhas, adjudicando o bem diretamente à cessionária. Em vez disso, o Oficial, em qualificação que se afasta da essência dos títulos que lhe foram apresentados, registrou as partilhas para, em seguida, registrar as transmissões à cessionária (fls. 18/22).
Nesse ponto, convém ressaltar que a cessão de direitos hereditários só tem lugar antes da partilha. Depois dela, individualizados os bens que formavam o espólio, haveria compra e venda. E pela leitura das escrituras, nota-se que os sucessores dos proprietários deixaram claro que a intenção deles era a cessão, e não a realização de uma compra e venda posterior à partilha.
A interpretação dada pelo Oficial, na prática, acabaria com a figura da cessão de direitos hereditários (art. 1.793 do CC), uma vez que o registrador, em respeito ao princípio da saisine, seria sempre obrigado a registrar a partilha do bem entre os herdeiros, que recebem o bem assim ocorre a abertura da sucessão (art. 1.784 do CC), para só aí registrar a cessão.
E o fato de o art. 1.793 do Código Civil qualificar como ineficaz a cessão de bem específico, pendente a indivisibilidade da herança, também não justifica as inscrições realizadas pelo Oficial. Como ressaltado por Mauro Antonini, na obra Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência:
“Observe-se que o § 3° não comina de nulidade tal disposição sem prévia autorização judicial. Prevê simplesmente que é ineficaz. A alienação se ornará eficaz se houver autorização judicial posterior, convalidando-a; ou, ainda, se, consumada a partilha, o bem alienado vier a compor o quinhão do alienante” (in Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência : Coord. Cézar Peluso – 9. Ed. Rev. e atual. – Barueri, SP : Maneie, 2015, p. 2.054).
No caso em tela, como o bem objeto de cessões singulares veio a compor os quinhões dos cedentes, os negócios jurídicos são válidos e eficazes.
Verifica-se, portanto, que o Oficial de Registro de Imóveis interpretou de forma equivocada as escrituras de inventário e partilha, o que deu origem aos registros ora questionados.
Na realidade, os cessionários sub-rogaram nos direitos dos herdeiros. Podem se habilitar diretamente no inventário, judicial ou extrajudicial, a adjudicarem o imóvel para si diretamente.
Na matrícula nº 18.395 do 6° Registro de Imóveis da Capital apenas os registros de três partilhas deveriam ter sido efetuados: a de Franz Wesenauer (fls. 25), a de Theresia Wesenauer (fls. 26) e a de Norbert Engelmeier (fls. 119). As averbações dos óbitos dos proprietários (Av.6, Av.8 e Av.12) são desnecessárias, pois a morte é pressuposto para o registro da partilha e da realização do inventário extrajudicial. E os registros das transmissões dos sucessores à cessionária (R.10 e R.14) também não se justificam, uma vez que, como se viu, desnaturam a essência das cessões realizadas.
Assim, como houve equívoco na qualificação registrária dos títulos, deverá o registrador cancelar as inscrições efetuadas; realizar o registro das três partilhas, adjudicando o bem diretamente à cessionária; e devolver todos os valores cobrados a maior.
Em caso muito semelhante, já decidiu esta Corregedoria Geral de Justiça, em parecer elaborado pelo MM. Juiz Gustavo Henrique Bretas Marzagão, aprovado pelo então Corregedor Geral de Justiça, Des. José Renato Nalini:
“Reclamação – Registro de Imóveis – Cobrança de emolumentos para registro de escritura pública de inventário e partilha – Registro feito em desconformidade com o título – Registro, ainda, de cessão de direitos hereditários – Impossibilidade – Cobrança indevida caracterizada – Ausência de má-fé, dolo ou erro grosseiro – Determinação de devolução simples, corrigida monetariamente desde o desembolso, bem como de cancelamento do registro da cessão de direitos hereditários e de retificação do registro da partilha – Recurso provido em parte” (CGJ/SP Recurso Administrativo nº 61322/2012, j. em 18/1/2013).
Não é, todavia, o caso de aplicação do §3° do art. 32 da Lei Estadual nº 11.331/2002:
“§ 3° – Na hipótese de recebimento de importâncias indevidas ou excessivas, além da pena de multa, o infrator fica obrigado a restituir ao interessado o décuplo da quantia irregularmente cobrada.”
Com efeito, embora tenha havido erro do registrador, não se vislumbra dolo ou má fé na espécie. Anoto que há precedentes recentes que fundamentam as inscrições realizadas pelo Oficial.
Acerca da excepcionalidade da cobrança em décuplo, cito a decisão exarada em 1° de março de 2004 pelo então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Mário Antônio Cardinale, nos autos do processo nº 80/04, em que aprovado parecer elaborado pelo MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria, José Marcelo Tossi Silva, com a seguinte ementa:
“Emolumentos – Oficial de Registro de Imóveis – Cobrança em excesso – Ausência de dolo ou má-fé – Devolução em décuplo indevida – Recurso não provido”.
Nesses termos, o parecer que respeitosamente submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de receber a apelação como recurso administrativo, dando-lhe provimento para determinar: a) o cancelamento da AV.6, do R.7, da AV.8, do R.9, do R.10, da AV.12, do R.13 e do R.14 da matrícula nº 18.395 do 6° Registro de Imóveis da Capital (fls. 20/22); b) a realização do registro das escrituras de partilha de fls. 24/28 e 119/121, com uma inscrição para cada falecimento (Franz Wesenauer – fls. 25, Theresia Wesenauer – fls. 26 e Norbert Engelmeier – fls. 119), adjudicando o bem diretamente à cessionária; c) a restituição do valor de emolumentos cobrado a maior, devidamente corrigido pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça de São Paulo a partir da data do pagamento.
Sub censura.
São Paulo, data do registro no sistema.
Carlos Henrique André Lisboa
Juiz Assessor da Corregedoria
DECISÃO: Vistos. Aprovo o parecer apresentado pelo MM. Juiz Assessor da Corregedoria e por seus fundamentos, ora adotados, recebo a apelação como recurso administrativo e a ele dou provimento para determinar: a) o cancelamento da AV.6, do R.7, da AV.8, do R.9, do R.10, da AV.12, do R.13 e do R.14 da matrícula nº 18.395 do 6º Registro de Imóveis da Capital (fls. 20/22); b) a realização do registro das escrituras de partilha de fls. 24/28 e 119/121, com uma inscrição para cada falecimento (Franz Wesenauer – fls. 25, Theresia Wesenauer – fls. 26 e Norbert Engelmeier – fls. 119), adjudicando o bem diretamente à cessionária; c) a restituição do valor de emolumentos cobrado a maior, devidamente corrigido pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça de São Paulo a partir da data do pagamento. São Paulo, 15 de fevereiro de 2024. (a) FRANCISCO LOUREIRO, Corregedor Geral da Justiça. ADV: JACIRO RIBEIRO, OAB/SP 179.953 (em causa própria).
Diário da Justiça Eletrônico de 20.02.2024
Fonte: DJE/SP.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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