Apelação Cível nº 1001080-08.2024.8.26.0659
Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001080-08.2024.8.26.0659
Comarca: VINHEDO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação Cível nº 1001080-08.2024.8.26.0659
Registro: 2024.0000772763
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001080-08.2024.8.26.0659, da Comarca de Vinhedo, em que é apelante ASSOCIAÇÃO DOS PROPRIETÁRIOS DE VILLA MONTEVERDE, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE VINHEDO.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para julgar a dúvida improcedente, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 15 de agosto de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1001080-08.2024.8.26.0659
Apelante: Associação dos Proprietários de Villa Monteverde
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Vinhedo
VOTO Nº 43.516
Registro de imóveis – Carta de adjudicação – Título judicial que se sujeita à qualificação registral – Desqualificação por inobservância ao princípio da continuidade – Decisão proferida nos autos do processo judicial reconhecendo, expressamente, a responsabilidade do executado pela dívida relacionada aos imóveis penhorados – Comprovação da intimação da titular do domínio para ciência da execução – Aplicação analógica do art. 799, inciso IV, do código de processo civil – Título devidamente instruído com as peças do processo judicial relativas a esses atos – Peculiaridades do caso concreto que justificam o afastamento do óbice apresentado ao registro do título – Apelação provida.
Trata-se de apelação interposta por Associação dos Proprietários em Villa Monteverde contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoa Jurídica e Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas de Vinhedo/SP, que manteve a recusa de registro da carta de adjudicação extraída dos autos do Processo nº 003059-86.2005.8.26.0659, tendo por objeto os imóveis matriculados sob nºs 74.013 e 74.014 junto ao 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Jundiaí/SP (fls. 1051/1053).
Sustenta a apelante, em síntese, que os imóveis adjudicados foram objeto de acordo nos autos da ação de divórcio do casal (Processo nº 2521/01), comprometendo-se a proprietária tabular, Débora Cristina Vianna, a transferir ao ex-marido, Jean Pierre Achilles, os imóveis matriculados sob nºs 74.013 e 74.014 junto ao 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Jundiaí/SP. Aduz que, embora não cumprido o acordo, nos autos da ação de cobrança ajuizada contra Jean Pierre Achilles Baeté, em fase de execução de sentença (Processo nº 0003059-86.2005.8.26.0659), foi reconhecida, por decisão judicial, sua responsabilidade pelo pagamento da dívida relativa aos referidos imóveis, tendo sido a titular de domínio devidamente intimada a respeito. Afirma que também em outras ações judiciais foi analisada a questão da titularidade dominial do imóveis e declarada a responsabilidade de Jean Pierre Achilles Baeté pelas respectivas despesas, de maneira que o óbice apresentado pela registradora não merece prevalecer (fls. 1070/1082).
A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 1107/1109).
É o relatório.
Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada a seus requisitos formais e sua adequação aos princípios registrais, conforme o disposto no item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:
“117. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.”
Este Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n.º 413-6/7; Apelação Cível n.º 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível n.º 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível n.º 1001015-36.2019.8.26.0223).
In casu, foi apresentada para registro a carta de adjudicação extraída dos autos da ação de cobrança ajuizada pela Associação dos Proprietários em Villa Monteverde, ora apelante, contra Jean Pierre Achilles Baeté (Processo nº 0003059-86.2005.8.26.0659 – 614/05 da 1ª Vara Cível da Comarca de Vinhedo/SP), tendo por objeto os imóveis matriculados sob nºs 74.013 e 74.014 junto ao 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Jundiaí/SP.
O título foi qualificado negativamente pela Oficial ao argumento de que haveria ofensa ao princípio da continuidade registral, pois os imóveis não se encontram registrados em nome daquele que figurou como réu/executado na ação de cobrança.
Não há dúvidas de que os imóveis em questão ainda se encontram registrados em nome de Débora Cristina Vianna Baeté (fls. 1041/1042 e 1043/1044), que não figurou no polo passivo da referida ação.
E como é sabido, para ingresso do título no fólio real, o executado deve ostentar a condição de proprietário ou titular de direitos inscritos. Por força do princípio da continuidade, qualquer título de transmissão do imóvel só pode ter ingresso e dar causa a um registro stricto sensu se nele constarem, como afetados, referidos titulares de domínio. Deve, pois, haver perfeito encadeamento entre as informações inscritas e as que se pretendem inscrever, o que não ocorre no caso em pauta.
A propósito, ensina Afrânio de Carvalho: “O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subseqüente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público” (Registro de Imóveis, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 253).
Ademais, a alienação forçada em processo judicial encerra forma de transmissão derivada do direito de propriedade. A propósito, diversos são os precedentes deste Colendo Conselho Superior da Magistratura no sentido da impossibilidade de registro de carta de arrematação ou de adjudicação quando o imóvel não se encontra em nome daqueles que figuraram no polo passivo da lide (TJSP; Apelação Cível 1012624-54.2023.8.26.0068; Relator (a): Francisco Loureiro(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Barueri – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 13/06/2024; Data de Registro: 18/06/2024; TJSP; Apelação Cível 1017551-34.2021.8.26.0068; Relator (a): Fernando Torres Garcia(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Barueri – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 31/08/2023; Data de Registro: 05/09/2023; TJSP; Apelação Cível 1020648-60.2019.8.26.0602; Relator(a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 28/4/2020; Data de Registro: 14/5/2020).
No caso concreto, porém, houve decisão judicial reconhecendo, expressamente, a responsabilidade do executado pelos débitos relacionados aos imóveis, que deram ensejo às penhoras averbadas nas respectivas matrículas (AV. 2/74.013, fls. 1041/1042 e AV. 2/74.014, fls. 1043/1044).
Por outro lado, ficou comprovada a intimação da titular de domínio (fls. 657), que chegou a ingressar nos autos (fls. 813/815), mas sem nada requerer. Inequívoca, pois, sua ciência sobre a execução, aplicando-se por analogia o disposto no art. 799, inciso IV, do Código de Processo Civil.
A providência, é certo, permite assegurar eventual direito ou interesse da titular de domínio e, ao mesmo tempo, superar o obstáculo da violação ao princípio da continuidade.
Ressalte-se, a propósito, que a carta de arrematação está devidamente instruída com as peças do processo judicial relativas a esses atos.
É preciso entender que o princípio da continuidade enfrentou recentes dilemas ao se deparar com determinadas situações jurídicas, como a ineficácia relativa do ato ou do negócio jurídico e a extensão da responsabilidade civil a terceiros não devedores. Não são propriamente exceções à continuidade, mas apenas o reconhecimento de que certos atos são relativamente ineficazes, ou que terceiros são responsáveis patrimoniais sem serem devedores.
Além dos casos de ineficácia do negócio jurídico, a situação jurídica de terceiros responsáveis, ou de responsabilidade sem débito, também cria aparente desafio ao princípio da continuidade.
A obrigação vista como relação complexa, integrada de dois elementos, quais sejam, débito (shuld) e responsabilidade (haftung) é criação da doutrina alemã e, embora passível de críticas, gera explicação razoável para inúmeras situações em que o responsável pelo pagamento da dívida não é o devedor. O débito consiste no dever de prestar, na necessidade de observar determinado comportamento. A responsabilidade, na sujeição de bens do devedor ou de terceiro aos fins próprios da execução, ou, melhor, na relação de sujeição sobre o patrimônio.
O reconhecimento judicial da ineficácia do negócio jurídico, ou, ainda, da responsabilidade de terceiros sobre débitos alheios não são indiferentes ao registro imobiliário.
A rigidez do sistema , positivada no princípio da continuidade, cede diante das situações da ineficácia e da extensão da responsabilidade reconhecidas em decisões judiciais.
Nesse cenário, considerando as peculiaridades da hipótese em análise, o óbice imposto pela registradora merece ser afastado.
Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar a dúvida improcedente.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 23.08.2024 – SP)
Fonte: DJE/SP.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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