Processo nº: 1113077-24.2024.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Requerente: Faculdades Metropolitanas Unidas Associação Educacional
Requerido: 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Faculdades Metropolitanas Unidas Ltda. (FMU), diante de negativa em se proceder ao registro de instrumento particular denominado “primeiro termo aditivo ao contrato de locação de imóvel para fins comerciais”, envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 56.307 daquela serventia (prenotação n. 664.476).
O Oficial informa que em 05 de junho de 2024, por intermédio do sistema eletrônico do ONR, o interessado protocolou uma digitalização simples de um instrumento particular denominado “primeiro termo aditivo ao contrato de locação de imóvel para fins comerciais”, no qual figuram como partes IPE – Empreendimentos Imobiliários Ltda. – ME, na qualidade de locadora, e a suscitada, Faculdades Metropolitanas Unidas Ltda., na qualidade de locatária, tendo por objeto o imóvel da matrícula n. 56.307; que o documento apresentado consiste em uma simples digitalização de um aditamento de contrato de locação, o qual, além de não tratar de documento nato digital, sequer foi digitalizado de acordo com o previsto no artigo 5º do Decreto Federal n. 10.28/2020, o que revela causa prejudicial para a qualificação do título diante da impossibilidade de analisar meras cópias; que a inobservância da correta digitalização de documentos físicos também se aplica ao instrumento da 23ª alteração do contrato social da suscitada e ao instrumento de procuração.
O Oficial informa ainda, que o objeto da desqualificação registral se trata única e exclusivamente do primeiro aditivo ao contrato de locação firmado entre as partes; que, por se tratar de aditamento à uma relação jurídica anterior, mister se faz a apresentação do contrato originário firmado entre as partes, sem o qual não é possível exaurir a qualificação exaustiva do título; que, em seu requerimento para suscitação de dúvida, o interessado confessa que o contrato original foi extraviado, mas defende que “a relação contratual locatícia entre FMU e IPE é longa, e, portanto, existem outros documentos probatórios dessa relação contratual, que poderiam, de forma subsidiária, dar guarida ao registro do referido contrato de locação”, razão pela qual apresenta “o processo judicial em que contendiam as partes, qual seja processo 1051778-85.2020.8.26.0100, em trâmite na 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem de São Paulo-SP”, em que “entre as folhas 139 a 149 está o contrato cujo registro foi solicitado”.
O Oficial esclarece que não compete à serventia qualificar processo judicial, mas apenas cumprir ordens judiciais emanadas da autoridade competente mediante a apresentação de título hábil a registro, nos termos do artigo 221 da Lei de Registros Públicos e artigo 1.273 e seguintes das Normas Judiciais da Corregedoria Geral da Justiça; que, havendo processo judicial entre as partes em que se discute a relação locatícia, em tese, nada impediria que o interessado formulasse pedido ao juízo cível a expedição de mandado judicial para o fim pretendido; que o aditamento que se pretende registrar já foi objeto de qualificação em outras duas oportunidades (prenotações n. 662.600 e n. 660.315); que, mesmo se tratando de mera cópia, as formalidades legais para que fosse possível seu eventual futuro ingresso no fólio real foram relacionadas ao interessado, quais sejam: a) necessidade da apresentação do instrumento pelo qual houve a alteração da denominação da locadora, em observância aos princípios registrários da continuidade e da especialidade subjetiva decorrentes dos artigos 195 e 237 da Lei de Registros Públicos; b) provas de representação da locadora, locatária e intervenientes; c) reconhecimento de firmas de todos os escritos particulares; que embora se trate de simples cópia de aditamento desprovido das formalidades legais, fato que tornaria prejudicada a qualificação do título, e que no requerimento o interessado se insurgiu apenas com relação à impossibilidade de aceitação do aditamento como instrumento apto ao registro, visando evitar eventual nova discussão sobre a mesma questão, o Oficial entendeu por bem deixar consignado na oportunidade todas as exigências cabíveis ao referido título (fls. 01/06).
Documentos vieram às fls. 07/27.
Em manifestação dirigida ao Oficial, e em impugnação apresentada nos autos, a parte suscitada aduz que o contrato de locação inicial foi celebrado em 10 de setembro de 2014, com aditivo celebrado 02 de julho de 2018, tratando-se, portanto, de relação contratual existente entre as partes há muitos anos; que em razão do lapso temporal transcorrido, o contrato original exigido foi extraviado, não sendo possível sua apresentação; que houve alteração na razão social da locadora de “Instituto Paulistano de Ensino Ltda.” para “IPE – Empreendimentos Imobiliários Ltda.”; que houve o protocolo da via original do aditivo contratual celebrado entre as partes, sob a prenotação n. 666.401, de modo que há sim documentação original de posse do cartório; que a fidelidade da cópia foi comprovada inclusive por processo judicial juntado; que a recusa ao ingresso registrário não se sustenta, havendo um paradoxo, pois a cópia do contrato de locação é válida para as partes contratantes, foi considerada válida para a justiça (juízos de primeiro e segundo graus analisaram os contratos) e somente o Oficial não considerou “válida”; que, sendo assim, requer o afastamento do óbice para ingresso do título no fólio real (fls. 15/18 e 33/40). Juntou documentos (fls. 41/2.582).
O Ministério Público ofertou parecer, opinando seja a dúvida julgada prejudicada, com observação (fls. 2.586/2.588).
É o relatório.
FUNDAMENTO e DECIDO.
Preliminarmente, cumpre observar que a dúvida encontra-se prejudicada porque a parte suscitada não apresentou a via original do título que pretende registrar, limitando-se a juntar simples cópia de instrumento particular digitalizado sem a observância dos padrões técnicos exigidos e critérios estabelecidos no art. 5.º do Decreto Federal n. 10.278/2020.
No caso, constata-se que o instrumento particular pactuado em 02 de julho de 2.018, originalmente um documento físico, foi digitalizado pelo apresentante e encaminhado eletronicamente para o 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, por intermédio do sistema eletrônico do Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis – ONR.
O Oficial Registrador, ao verificar que o título consubstancia simples digitalização de um aditamento a contrato de locação, o qual não trata de documento nato digital e não foi digitalizado de acordo com o previsto no art. 5º do Decreto n. 10.278/2020, emitiu nota devolutiva, esclarecendo à parte interessada que seria necessária a apresentação do título original para protocolo.
A parte interessada, por sua vez, deixou de providenciar o encaminhamento da via original do título para a serventia imobiliária. No requerimento de suscitação de dúvida, limitou-se a afirmar que o contrato original exigido foi extraviado; que a via original do aditivo contratual celebrado entre as partes encontrada por acaso pela parte foi protocolado sob a prenotação n. 666.401; e que a fidelidade da cópia foi comprovada inclusive nos autos do processo judicial em que fora juntada.
Pese o alegado, não restou comprovado protocolo superveniente da via original do título na serventia. De qualquer forma, a dúvida estaria prejudicada, haja vista que não é possível, no curso de dúvida ou de pedido de providências, alterar o título apresentado visando atendimento de exigência formulada (itens 39.5.1 e 39.7, Cap.XX, das NSCGJ).
No que pertine ao objeto da prenotação n. 664.476, ora em exame, o título original não foi remetido ao Oficial do Registro de Imóveis, como determina o artigo 198 da Lei n. 6.015/73.
E neste aspecto, a jurisprudência do Egrégio Conselho Superior da Magistratura é pacífica no sentido de que a não apresentação da via original do título que se pretende registrar prejudica a dúvida, seja por conta da previsão normativa da necessidade do protocolo do título em seu original em processo de dúvida (item 39, Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça), seja pela necessidade de se examinar a sua autenticidade.
No Sistema Registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais: o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
A Lei de Registros Públicos preceitua que a forma do título é indispensável para sua admissão no Registro de Imóveis. Somente podem ser admitidos a registro os títulos hábeis que assumam a forma prevista em lei (art. 221 LRP).
Assim, a qualificação registral incide, dentre outros tantos requisitos, na qualidade do próprio título, não se admitindo o acesso de documento apresentado com deficiência formal. A avaliação do título e seus requisitos legais recaem diretamente na análise de sua autenticidade, regularidade formal e conteúdo.
Vale dizer, a ausência de apresentação do original não permite ao registrador realizar a qualificação do título apresentado.
As decisões administrativas em matéria registral imobiliária são firmes neste sentido: “A cópia constitui mero documento e não instrumento formal previsto como idôneo a ter acesso ao registro e tendo em vista uma reavaliação qualificativa do título, vedado o saneamento intercorrente das deficiências da documentação apresentada (…)” (Apelação Cível n° 33.624-0/4, Rel. Des. Márcio Bonilha, j. 12/9/1996), merecendo destaque os seguintes precedentes do C. Conselho Superior da Magistratura:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA PREJUDICADA – AUSÊNCIA DO TÍTULO – FORMAL DE PARTILHA – RECURSO NÃO CONHECIDO.” (TJSP; Apelação Cível nº 0000702-10.2013.8.26.0480; Relator (a): HAMILTON ELLIOT AKEL ; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 18/03/2014).
“DÚVIDA. Necessidade de apresentação de documentos originais, não podendo haver registro de cópia de títulos. Ausência de impugnação de todos os itens da nota de devolução. Dúvida prejudicada. Recurso não conhecido. REGISTRO DE IMÓVEIS Imprescindibilidade de recolhimento do imposto de transmissão. Impossibilidade de ingresso registral.” (TJSP; Apelação Cível 1009025-47.2015.8.26.0114; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 20/07/2017).
“REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente. Escritura pública de compra e venda e cessão, retificada e ratificada por outra escritura. Outorgantes vendedores falecidos – Não apresentação do título original para protocolo. Dúvida prejudicada Recurso não conhecido.” (TJSP; Apelação Cível 1004656-53.2017.8.26.0271; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 18/07/2019).
“REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente. Mandado de adjudicação compulsória – Não apresentação do título original para protocolo. Dúvida prejudicada. Recurso não conhecido.” 1004035-82.2018.8.26.0348; (TJSP; Apelação Relator: Pinheiro Cível Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Mauá – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/12/2019; Data de Registro: 12/12/2019).
Ainda assim, como estamos na via administrativa, visando evitar novo questionamento futuro, passo à análise dos óbices impugnados, o que é possível segundo entendimento do E. Conselho Superior da Magistratura:
“REGISTRO DE IMÓVEIS Recusa de ingresso de título Resignação parcial Dúvida prejudicada Recurso não conhecido Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação. Correta descrição dos imóveis envolvidos em operações de desdobro e fusão – Princípio da especialidade objetiva – Manutenção das exigências. Exibição de certidões negativas de débitos federais, previdenciários e tributários municipais – Inteligência do item 119.1. do Cap. XX das NSCGJ – Precedentes deste Conselho – Afastamento das exigências. Exibição de certidões de ações reais, pessoais reipersecutórias e de ônus reais – Exigência que encontra amparo na letra “c” do item 59 do Capítulo XIV das NSCGJ e na Lei nº 7.433/1985 – Manutenção das exigências.” (Apelação n. 1000786-69.2017.8.26.0539 Relator Des. Pereira Calças) Importante ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
É o que se extrai do disposto no item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ): “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
No caso concreto, a parte suscitada pretende o registro de instrumento particular denominado “primeiro termo aditivo ao contrato de locação de imóvel para fins comerciais”, no qual figuram como partes IPE – Empreendimentos Imobiliários Ltda. – ME, na qualidade de locadora, e a suscitada, Faculdades Metropolitanas Unidas Ltda., na qualidade de locatária, tendo por objeto o imóvel da matrícula n. 56.307 do 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital.
No entanto, o instrumento particular pactuado em 02 de julho de 2.018, originalmente constituído de forma física desde a sua impressão até as assinaturas, foi digitalizado pelo apresentante e encaminhado eletronicamente para o serviço de registro imobiliário, por meio do sistema eletrônico do ONR.
Trata-se, portanto, de título digitalizado sem a observância dos padrões técnicos exigidos e critérios estabelecidos no art. 5.º do Decreto n. 10.278/2020, nos termos do art. 324 do Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ e itens 365 e 366, do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, para a recepção de título encaminhado eletronicamente para a unidade de serviço de registro.
A Lei de Registros Públicos, em seu art. 1º, § 4º, preceitua que as serventias extrajudiciais não poderão recusar a recepção, a conservação ou o registro de documentos em forma eletrônica produzidos conforme os critérios estabelecidos pela Corregedoria Nacional de Justiça:
Art. 1º. Os serviços concernentes aos Registros Públicos, estabelecidos pela legislação civil para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, ficam sujeitos ao regime estabelecido nesta Lei.
(…)
§ 4º É vedado às serventias dos registros públicos recusar a recepção, a conservação ou o registro de documentos em forma eletrônica produzidos nos termos estabelecidos pela Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça. Nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a matéria vem disciplinada nos itens 365 e seguintes do Capítulo XX:
365. A postagem e o tráfego de traslados e certidões notariais e de outros títulos, públicos ou particulares, elaborados sob a forma de documento eletrônico, para remessa às serventias registrais para prenotação (Livro nº 1 Protocolo) ou exame e cálculo (Livro de Recepção de Títulos), bem como destas para os usuários, serão efetivados por intermédio da Central Registradores de Imóveis.
366. Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registro de imóveis deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico) e serão gerados, preferencialmente, no padrão XML (Extensible Markup Language), padrão primário de intercâmbio de dados com usuários públicos ou privados e PDF/A (Portable Document Format/Archive), ou outros padrões atuais compatíveis com a Central de Registro de Imóveis e autorizados pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo.
(…)
366.5. A recepção de instrumentos públicos ou particulares, em meio eletrônico, quando não enviados sob a forma de documentos estruturados segundo prevista nestas Normas, somente será admitida para o documento digital nativo (não decorrente de digitalização) que contenha a assinatura digital de todos os contratantes.
O Provimento CNJ n. 149/2023, que instituiu o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ, regulamentou os padrões técnicos para a recepção, pelos oficiais de registros de imóveis, de títulos digitalizados que forem encaminhados eletronicamente, por meio das centrais de serviços eletrônicos ou ONR, nos seguintes termos (destaques nossos):
Art. 324. Todos os oficiais dos registros de imóveis deverão recepcionar os títulos nato-digitais e digitalizados com padrões técnicos, que forem encaminhados eletronicamente para a unidade a seu cargo, por meio das centrais de serviços eletrônicos compartilhados ou do Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR), e processá-los para os fins do art. 182 e §§ da Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973.
§ 1.º Considera-se um título nativamente digital:
I – O documento público ou particular gerado eletronicamente em PDF/A e assinado com Certificado Digital ICP-Brasil por todos os signatários e testemunhas:
II – a certidão ou traslado notarial gerado eletronicamente em PDF/A ou XML e assinado por tabelião de notas, seu substituto ou preposto;
III – o resumo de instrumento particular com força de escritura pública, celebrado por agentes financeiros autorizados a funcionar no âmbito do SFH/ SFI, pelo Banco Central do Brasil, referido no art. 61, “caput” e parágrafo 4.º da Lei n. 4.380, de 21 de agosto de 1964, assinado pelo representante legal do agente financeiro;
IV – as cédulas de crédito emitidas sob a forma escritural, na forma da lei;
V – o documento desmaterializado por qualquer notário ou registrador, gerado em PDF/A e assinado por ele, seus substitutos ou prepostos com Certificado Digital ICP-Brasil; e
VI – as cartas de sentença das decisões judiciais, entre as quais, os formais de partilha, as cartas de adjudicação e de arrematação, os mandados de registro, de averbação e de retificação, mediante acesso direto do oficial do Registro de Imóveis ao processo judicial eletrônico, mediante requerimento do interessado.
§ 2.º Consideram-se títulos digitalizados com padrões técnicos aqueles que forem digitalizados de conformidade com os critérios estabelecidos no art. 5.º do Decreto n. 10.278, de 18 de março de 2020.”
Como se vê, para a recepção de título encaminhado eletronicamente ao Registro de Imóveis, não basta apenas a remessa eletrônica do título. É preciso analisar o seu enquadramento como título nato digital ou título digitalizado e, assim, verificar se há observância dos requisitos legais e normativos.
Não sendo assim, pode o Oficial de Registro exigir a apresentação do original.
Na hipótese, não se trata de um título nato digital, na forma do citado § 1º, pois o documento não foi gerado em PDF/A, não há assinatura de notário, registrador ou seus prepostos com Certificado Digital ICP-Brasil, e sequer constam as assinaturas dos demais signatários indicados no instrumento particular.
Por outro lado, na forma do citado § 2º, o título particular pode ser acolhido em formato eletrônico, mas desde que estruturado conforme padrões próprios de arquitetura eletrônica para o recebimento de assinatura digital de todos os signatários e testemunhas.
O Decreto n. 10.278/2020, ao estabelecer a técnica e os requisitos para a digitalização de documentos públicos ou privados, a fim de que os documentos produzam os mesmos efeitos legais dos documentos originais, dispõe:
Art. 5º – O documento digitalizado destinado a se equiparar a documento físico para todos os efeitos legais e para a comprovação de qualquer ato perante pessoa jurídica de direito público interno deverá:
I – ser assinado digitalmente com certificação digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, de modo a garantir a autoria da digitalização e a integridade do documento e de seus metadados;
II – seguir os padrões técnicos mínimos previstos no Anexo I; e
III – conter, no mínimo, os metadados especificados no Anexo II.
É certo que, no concernente aos metadados mínimos especificados no inciso III do citado dispositivo, conforme especificados no Anexo II, em relação aos oficiais de registros de imóveis, não há denifição sobre o “Hash (chekcsum) da imagem; Algoritmo que mapeia uma sequência de bits (de um arquivo em formato digital), com a finalidade de realizar a sua verificação de integridade”.
De todo modo, na espécie, a digitalização do documento denominado “primeiro termo aditivo ao contrato de locação de imóvel para fins comerciais” (fls. 19/20), da 23ª alteração ao contrato social e do instrumento de procuração (fls. 21/22) realizada pela parte sem a utilização dos padrões técnicos exigidos pelo Decreto n. 10.278/2020, o que impede a sua recepção pelo oficial de registro de imóveis com base no §2º do art. 324 do Provimento CNJ. 149/2023.
No tocante à exigência para apresentação do contrato de locação originário firmado entre as partes, deve ser mantida.
Como se sabe, o contrato de locação envolve relação jurídica de natureza pessoal entre locador e locatário, de modo que suas cláusulas vinculam apenas os contratantes, sem afetar terceiros. Em regra, a locação não tem eficácia real, embora possa ingressar no registro imobiliário para assumir essa eficácia real quanto à sua vigência e ao direito de preferência do locatário.
Para ingressar no registro imobiliário, o título deve assumir a forma prevista em lei, nos termos do artigo 221 da Lei de Registros Públicos:
“Art. 221 – Somente são admitidos registro:
I – escrituras públicas, inclusive as lavradas em consulados brasileiros;
II – escritos particulares autorizados em lei, assinados pelas partes e pelas testemunhas, com as firmas reconhecidas;
III – atos autênticos de países estrangeiros, com força de instrumento público, legalizados e traduzidos na forma da lei, e registrados no cartório do Registro de Títulos e Documentos, assim como sentenças proferidas por tribunais estrangeiros após homologação pelo Supremo Tribunal Federal;
IV – cartas de sentença, formais de partilha, certidões e mandados extraídos de autos de processo.
(…)”
Assim, os escritos particulares, como contrato de locação e respectivo aditamento, para que sejam hábeis e passíveis de ingresso no fólio registral imobiliário, devem conter assinatura de todas as partes, com as firmas reconhecidas.
Na espécie, o título encaminhado para registro consiste única e exclusivamente no primeiro aditivo ao contrato de locação anteriormente firmado entre as partes.
Por se tratar de aditamento a uma relação jurídica anterior, fica evidente que a qualificação exaustiva do título pelo Oficial Registrador somente será possível com a apresentação do contrato de locação originário celebrados entre as partes.
A suscitada apresentou, na serventia imobiliária, cópia do processo judicial em que litigam as partes (processo 1051778-85.2020.8.26.0100, em trâmite na 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem da Comarca da Capital), com a finalidade de comprovar que a relação contratual locatícia é longa e que existem outros documentos probatórios que poderiam, de forma subsidiária, em seu entender, “dar guarida ao registro do referido contrato de locação”, indicando que “entre as folhas 139 a 149 está o contrato cujo registro foi solicitado”.
No entanto, ante o disposto no artigo 221, inciso IV da Lei de Registros Públicos, não cabe ao Oficial Registrador realizar a qualificação do processo judicial, mas apenas cumprir ordens judiciais expedidas sob chancela do Poder Judiciário, emanadas de autoridade judiciária competente, e que assumam a forma, sob o aspecto formal, de instrumento adequado para o ingresso no fólio real (cartas de sentença, formais de partilha, certidões e mandados extraídos de autos de processo).
Ante a relevância do aspecto formal do título judicial, as Normas Judiciais da Corregedoria Geral da Justiça (Tomo II), na regulamentação do tema, traçam minucioso regramento a ser observado pelos Ofícios Judiciais quando da expedição de títulos e ordens judiciais destinadas aos serviços de registro, a fim de que os títulos judiciais sejam expedidos com os requisitos formais necessários para o ingresso registrário (artigos 221 a 224, 1.273, das NSCGJ, Tomo I).
No caso, porém, o Oficial informou que não tomou conhecimento de instrumento judicial extraído dos autos processuais para a finalidade pretendida pelo interessado.
No tocante à exigência para apresentação do instrumento pelo qual houve a alteração da denominação da locadora, deve ser mantida.
Consta da matrícula nº 56.307, do 4º Registro de Imóveis da Capital, que figura como proprietária Instituto Paulistano de Ensino Ltda., ao passo que no instrumento particular de aditamento, consta como parte locadora IPE – Empreendimentos Imobiliários Ltda. ME.
O título deve estar em conformidade com o conteúdo inscrito no registro (artigos 195 e 237 da Lei n. 6.015/73):
“Art. 195 Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.
(…)
Art. 237 Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.”
Por força do princípio da continuidade, o registro não pode ser realizado sem a correspondência lógica entre o título atual e os anteriores para garantir a existência de uma vinculação lógica, sequencial e ininterrupta entre o título, o fólio real, os sujeitos de direitos inscritos e o imóvel.
Sob o enfoque da continuidade subjetiva, impõe-se a observância obrigatória da correlação subjetiva entre os sujeitos indicados no título causal e os titulares de direitos reais inscritos no fólio real, de modo a assegurar a permanente integridade da cadeia de titularidade de direito real na matrícula.
Tendo a pessoa jurídica alterado os termos do seu contrato e, principalmente, sua denominação social, essa alteração deve ser averbada na matrícula, como determina o artigo 167, II, 5, da Lei de Registros Públicos.
Finalmente, tratando-se de requisito essencial que a pessoa jurídica esteja devidamente representada pelas pessoas que de fato possam praticar atos em seu nome, indispensável a comprovação da representação da locadora, locatária e intervenientes.
Diante do exposto, JULGO PREJUDICADA a dúvida suscitada, observando que todos os óbices subsistem.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 13 de agosto de 2024.
Renata Pinto Lima Zanetta
Juíza de Direito (DJe de 15.08.2024 – SP)
Fonte: DJE/SP.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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