Apelação Cível nº 1034360-24.2022.8.26.0405
Espécie: APELAÇÃO
Número: 1034360-24.2022.8.26.0405
Comarca: OSASCO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação Cível nº 1034360-24.2022.8.26.0405
Registro: 2024.0000384600
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1034360-24.2022.8.26.0405, da Comarca de Osasco, em que são apelantes MARIA DE FATIMA FERREIRA DOS REIS SANTOS e DORIZETE AGUIAR SANTOS, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE OSASCO.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, com determinação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 25 de abril de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1034360-24.2022.8.26.0405
APELANTES: Maria de Fatima Ferreira dos Reis Santos e Dorizete Aguiar Santos
APELADO: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Osasco
VOTO Nº 43.327
Registro de imóveis – Dúvida – Regularização fundiária de interesse social promovida nos termos da Lei nº 11.977/09 – Listagem de ocupantes inexistente – Termo de promessa de cessão de direitos com prova de quitação – Título hábil para registro – Óbice afastado – Recurso administrativo referente à cobrança dos emolumentos que deve ser encaminhado à corregedoria geral da justiça em autos suplementares – Incidência do disposto no artigo 30 da Lei nº 11.331/2002 – Sentença reformada – Apelação provida, com determinação.
Trata-se de apelação (fls. 81/86) interposta por Maria de Fátima Ferreira dos Reis Santos e Dorizete Aguiar Santos contra a r. sentença (fls. 74/75) proferida pela MMª. Juíza Corregedora Permanente do Primeiro Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Osasco/SP, que, na dúvida suscitada, manteve a recusa de registro do Termo de Promessa de Cessão de Direitos sobre Cota-Parte em Loteamento de Interesse Social, sob fundamento de que referido título não possui acesso ao fólio registral porque não se enquadra nos termos do artigo 167 da Lei nº 6.015/1973.
Os apelantes alegam, em síntese, (i) que o contrato particular, instruído com o termo de quitação, é prova hábil ao deferimento da aquisição da propriedade pela legitimação fundiária, consoante o previsto no item 44, inciso I, do artigo 167 da Lei nº 6.015/73; (ii) que o Município foi omisso ao identificar os ocupantes dos lotes por ocasião da regularização do bairro, mas que, para sanar este problema, a legislação aplicável à regularização fundiária trouxe a possibilidade da aquisição da propriedade, via legitimação fundiária, de forma tardia, apenas exigindo que o ocupante prove que adquiriu o bem, pagou o preço e ali residia quando da regularização fundiária, o que, na espécie, ficou demonstrado; (iii) que, ausente a qualificação dos ocupantes dos lotes regularizados, os interessados/ocupantes podem requerer o domínio sobre a unidade imobiliária perante o CRI competente, apresentando os documentos exigidos pelo parágrafo único do art. 52 da lei da Reurb, em consonância com o que prevê o item 303 do Capítulo XX do Tomo II das Normas de Serviços dos Cartórios Extrajudiciais. Por isso, pedem a reforma da sentença, com a condenação do Oficial, na restituição do décuplo do valor pago a título de emolumentos, haja vista que o primeiro registro conferindo direitos reais em imóvel objeto de Reurb-S é isento de custas e emolumentos, como estabelecem o item 322 do Capítulo XX do Tomo II das NSCGJ e o artigo 13, §1º, incisos I e II, da Lei nº 13.465/2017.
A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 134/137).
É o relatório.
Os ora recorrentes postularam o ingresso, no fólio real, do Termo de Promessa de Cessão de Direitos Sobre Cota-Parte em Loteamento de Interesse Social, datado de 17 de dezembro de 1995 (fls. 09/12), com referência ao imóvel de matrícula nº 114.386, do 1º Oficial de Registro de Imóveis de Osasco (fls. 25), sobrevindo a negativa do registrador, que expediu nota de devolução com o seguinte teor (fls. 26):
“- Conforme constante na matrícula 114.386, o Centro de Cooperação por Moradia Popular 1º de Maio é proprietária da citada matrícula.
– O termo ora apresentado refere-se a Promessa de Cessão de Direitos Sobre Cota-Parte em Loteamento de Interesse Social.
– Conforme exposto acima não é possível o registro pretendido, visto não possuir acesso ao fólio registral, nos termos do art. 167 da Lei 6.015/73.
Obs. Para que surta efeitos contra terceiros, a transmissão deverá ser formalizada através de Escritura Pública, conforme dispõe o art. 108 da Lei 10.406/02”.
Os recorrentes pretendem a aquisição do domínio do imóvel identificado como lote nº 03, da quadra N, do loteamento denominado Jardim 1º de Maio, na Comarca de Osasco, mais bem descrito na certidão de matrícula a fls. 25, e cujo proprietário é o Centro de Cooperação por Moradia Popular 1º de Maio.
O título apresentado a registro é o “Termo de Promessa de Cessão de Direitos sobre Cota-Parte em Loteamento de Interesse Social”, firmado em 17 de dezembro de 1995 (fls. 09/12), pelo qual o Centro de Cooperação por Moradia Popular 1º de Maio se comprometeu a transferir para os promitentes cessionários, Maria de Fátima Ferreira dos Reis Santos e Dorizete Aguiar Santos, a quota parte correspondente a aproximadamente 107,25m² da gleba de terras no local denominado Sítio ou Fazenda dos Andradas ou ainda Martinho Alves, no Município de Osasco, conforme registro no Cartório de Registro de Imóveis da mesma Comarca, matrículas nºs. 6954, 6963, 6962 e 6956, desde logo identificado como lote nº 03 da quadra N.
O “Termo de Quitação sobre Cota-Parte em Loteamento de Interesse Social” também foi apresentado ao Cartório de Registro de Imóveis, e nele consta a quitação da cota parte ideal da promitente cessionária Maria de Fátima Ferreira dos Reis Santos referente à área total “ad corpus do local denominado Sítio ou Fazenda dos Andradas ou ainda Martinho Alves…” (fls. 13).
O imóvel tratado nos autos foi objeto de regularização fundiária de interesse social, como se vê das certidões de matrículas que deram origem à matrícula nº 114.386 (fls. 25), cujas juntadas aos autos são feitas nesta oportunidade.
Constata-se que houve regularização fundiária de interesse social, nos termos da Lei nº 11.977/2009, vigente à época, e o loteamento em que inserido o lote 3 da quadra N recebeu a denominação de “Jardim 1º de Maio”.
Desta sorte, há de se analisar a questão posta sob a ótica da Regularização Fundiária, a qual, tanto na atual Lei nº 13.465/2017, quanto na anterior Lei nº 11.977/2009, abrange medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes.
A Lei nº 11.977/2009, vigente à época, dispunha sobre duas fases de regularização: a primeira, de regularização do solo; e, a segunda, de titulação dos ocupantes.
Na lição de Paola de Castro Ribeiro Macedo:
“Na sistemática da Lei 11.977/2009, havia, de forma clara, duas fases de regularização. A primeira fase, a regularização do solo, fazendo-se nascer um parcelamento do solo em lotes ou a instituição de um condomínio edilício; e a segunda fase, em que iriam ser manejados os possíveis instrumentos para titulação dos ocupantes. Normalmente, inclusive, havia um lapso temporal considerável entre uma fase e outra” (Regularização Fundiária Urbana e seus Mecanismos de Titulação dos Ocupantes, Revista dos Tribunais, Brasil, 2020, Coleção Direito Imobiliário, vol. V. p. 55).
Por titulação dos ocupantes, “entende-se a constituição de título causal capaz de transferir a seus titulares direitos reais registráveis” (ob. cit., p. 222).
E a Lei nº 11.977/2009 previa o instrumento da legitimação de posse para a titulação dos ocupantes, mas também se admitia, por força do artigo 26, §6º, da Lei 6.766/1979, o registro dos contratos de compromisso de compra e venda, cessão, promessa de cessão, ou qualquer outro título que demonstrasse a intenção de venda do imóvel ao ocupante, desde que acompanhados de prova de quitação e de ausência de litígio relacionado ao imóvel.
Apesar do objetivo principal da regularização fundiária ser justamente a concessão de títulos hábeis a tornarem os ocupantes proprietários dos imóveis, a experiência demonstrou que isso nem sempre ocorria, permanecendo a irregularidade na titulação do imóvel.
Com vistas a superar esse problema e alcançar o objetivo de titulação dos imóveis, foi editada a Lei nº 13.465/2017, que substituiu o processo tradicional de legitimação individual, título a título, pelo reconhecimento global da legitimação fundiária e de posse dos beneficiários, “a partir de um cadastro aprovado pelo Poder Público (listagem de ocupantes), constante em Certidão de Regularização Fundiária expedida pelo Município processante, a ser registrada na serventia imobiliária em ato único, juntamente com o projeto de regularização fundiária aprovado (art. 11, inciso VII, Lei nº 13.465/2017)” (Apelação nº 1073614-80.2021.8.26.0100, Conselho Superior da Magistratura; Relator Desembargador Fernando Antônio Torres Garcia; data de julgamento: 21/06/2022).
Na espécie, todavia, não há listagem de ocupantes, pois a regularização fundiária de interesse social ocorreu na vigência da Lei n° 11.977/2009.
Então, há de se admitir a titulação mediante a apresentação de contratos particulares de venda e compra, compromisso de venda, cessão ou promessa de cessão, desde que acompanhados de termo de quitação.
Aliás, mesmo nas regularizações fundiárias realizadas na vigência da nova Lei nº 13.465/2017, em caso de não existir indicação dos beneficiários e dos direitos reais na Certidão de Regularização Fundiária, faz-se o registro do projeto de regularização fundiária, com a abertura de matrícula, e posterior registro da propriedade, por meio de título individual, como estabelece o artigo 42, parágrafo 3º, do Decreto 9.310/2018, que regulamentou a mencionada lei:
“Na falta de indicação dos beneficiários e dos direitos reais na CRF, será feito o registro do projeto de regularização fundiária com abertura de matrícula de cada unidade imobiliária e o direito real será registrado posteriormente, por meio de título individual, ou conforme o disposto no art. 10”.
Disso não destoam as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, Capítulo XX:
“303.2. Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título hábil para aquisição da propriedade, quando acompanhados da respectiva prova de quitação das obrigações do adquirente e serão registrados nas matrículas das correspondentes unidades imobiliárias resultantes da regularização fundiária.
303.3. O registro de transmissão da propriedade poderá ser obtido, ainda, mediante a comprovação idônea, perante o oficial do registro de imóveis, da existência de pré-contrato, promessa de cessão, proposta de compra, reserva de unidade imobiliária ou outro documento do qual constem a manifestação da vontade das partes, a indicação da fração ideal, unidade imobiliária ou unidade, o preço e o modo de pagamento, e a promessa de contratar.
(…)
303.9. Derivando a titularidade atual de uma sucessão de transferências informais, o interessado deverá apresentar cópias simples de todos os títulos ou documentos anteriores, formando a cadeia possessória, e a certidão prevista no item 303.5, de cada um dos adquirentes anteriores.
303.10. No caso do item anterior, o Oficial de Registro de Imóveis realizará o registro do último título, fazendo menção em seu conteúdo que houve transferências intermediárias, independentemente de prova do pagamento do imposto de transmissão intervivos e, se for o caso, do laudêmio, vedado ao oficial do registro de imóveis exigir sua comprovação. (Lei n. 13.465, Art. 13, § 2º)”.
Nesse sentido:
“Atualmente, se a titulação não ocorrer na listagem de ocupantes, ou não tiver sido formalizada no assentamento informal regularizado na vigência da Lei 11.977/2009, possível será o registro desses contratos particulares diretamente no Registro de Imóveis.
Os contratos particulares de venda e compra, compromisso de venda e compra, cessão ou promessa de cessão valerão como título hábil para a aquisição de propriedade, quando acompanhados da prova de quitação das obrigações do adquirente, devendo ser registrados nas matrículas imobiliárias correspondentes, nos termos do art. 26, § 6º, e 41, da Lei 6.766/79 e art. 52, parágrafo único, da Lei 13.465/2017″ (ob. cit., p. 241).
De mesmo teor, aliás, foi o voto proferido na apelação antes mencionada, em que foi relator o então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Fernando Antonio Torres Garcia, merecendo ser destacado o seguinte trecho:
“In casu, não há que se falar em listagem de ocupantes, pois, como já consignado, o procedimento de regularização fundiária ocorreu ainda na vigência da Lei nº 11.977/2009.
Bem por isso, diferentemente do que sustentou o registrador e confirmou a MMª Juíza Corregedora Permanente, não haveria óbice ao registro do instrumento particular de cessão de direitos, acompanhado de prova de quitação, feita pelos antigos aos atuais ocupantes”.
Na situação vertente, igualmente não há óbice ao registro do instrumento particular de promessa de cessão de direitos (fls. 09/12), acompanhado de prova de quitação do preço (fls. 13).
Por fim, quanto ao pedido de condenação à devolução dos valores de emolumentos exigidos no décuplo, sob assertiva de incidir a isenção prevista no artigo 13, inciso I, §º 1º, da Lei nº 13.465/2017, tem-se que a questão merece ser analisada na forma do artigo 30, da Lei 11.331/2002, razão pela qual se determina sejam formados autos suplementares para a apreciação do recurso administrativo, encaminhando-se à Dicoge para o devido processamento.
Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida, com o consequente ingresso do título ao fólio registral, e determino sejam formados autos suplementares para a análise do recurso administrativo no tocante à cobrança dos emolumentos.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 06.05.2024 – SP).
Fonte: DJE/SP
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