CSM/SP: Registro de imóveis – Escritura pública de compra e venda – Registro negado – Justificativa de que há ofício judicial arquivado na serventia dando ciência ao registrador da proibição de transferência de imóveis inventariados, dentre os quais o imóvel objeto da dúvida, já registrado em nome de terceiro, alienante – Ausência de averbação da indisponibilidade junto à matrícula – Óbice afastado – Dúvida improcedente – Recurso provido, com determinação para apuração dos fatos junto ao juízo corregedor permanente.


Apelação Cível nº 1005796-14.2022.8.26.0218

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1005796-14.2022.8.26.0218
Comarca: GUARARAPES

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1005796-14.2022.8.26.0218

Registro: 2024.0000271540

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1005796-14.2022.8.26.0218, da Comarca de Guararapes, em que são apelantes JOSE LUIZ NIEMEYER DOS SANTOS e MARIA CLARA NIEMEYER DOS SANTOS, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE GUARARAPES.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso, com determinação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 1º de abril de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1005796-14.2022.8.26.0218

APELANTES: Jose Luiz Niemeyer dos Santos e Maria Clara Niemeyer dos Santos

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Guararapes

VOTO Nº 43.268

Registro de imóveis  Escritura pública de compra e venda  Registro negado  Justificativa de que há ofício judicial arquivado na serventia dando ciência ao registrador da proibição de transferência de imóveis inventariados, dentre os quais o imóvel objeto da dúvida, já registrado em nome de terceiro, alienante  Ausência de averbação da indisponibilidade junto à matrícula  Óbice afastado  Dúvida improcedente  Recurso provido, com determinação para apuração dos fatos junto ao juízo corregedor permanente.

Cuida-se de apelação interposta por JOSÉ LUIZ NIEMEYER DOS SANTOS e MARIA CLARA NIEMEYER DOS SANTOS em face da r. sentença de fls. 69/71, que em procedimento de dúvida inversa manteve o óbice ao registro de escritura pública de venda e compra em relação ao imóvel identificado na matrícula 14.568 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Guararapes, em razão da existência de arquivamento, na Serventia, de ofício datado de 30.01.2014, oriundo dos autos do processo judicial 0012009-31.1993.8.12.0001 do juízo da Vara das Sucessões de Campo Grande, com proibição ao Registrador de promover transação ou transferência dos imóveis inventariados, de titularidade do falecido Luiz Fernando Silveira dos Santos.

A apelação sustenta, em síntese, o desacerto da sentença proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente, considerando a inexistência de ônus que impeça o registro perseguido junto à matrícula 14.568; ausência de averbação de bloqueio, indisponibilidade ou qualquer outra anotação assemelhada. Além disso, sustentam que são proprietários do imóvel desde o ano de 2010; anterior à decisão de indisponibilidade; que a ordem de proibição foi feita no ano de 2014; que são terceiros de boa-fé; que foram averbados sucessivos financiamentos rurais e o arquivamento do referido ofício na Serventia jamais foi publicizado, tanto que solicitadas as certidões para lavratura da escritura pública restaram elas negativas. Por fim, informam que foi apresentada expressa anuência do Advogado que patrocina os interesses do terceiro que requereu a proibição da transferência do imóvel, de modo que prejudicada a ordem judicial que justificou a recusa do Registrador (fls. 74/80).

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento do apelo (fls. 108/109).

É o Relatório.

O apelo merece provimento, devendo ser afastado o óbice levantado pelo Oficial para registro da escritura pública de compra e venda objeto da dúvida, com determinação para providências no âmbito da Corregedoria Permanente.

Os apelantes apresentaram ao Oficial de Registro de Imóveis de Guararapes a escritura pública de venda e compra lavrada pelo Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de Guararapes, título pelo qual os apelantes alienaram o imóvel descrito na matrícula 14.568 a Luiz Augusto de Arruda Miranda e Carmem Alexandrina da Cruz Miranda, na data de 11 de março de 2022, conforme páginas 232/238 do Livro 254, com prenotação e nota devolutiva com a seguinte exigência (fl. 37):

“Não foi possível o registro da presente Escritura Pública, uma vez que apresentado um Ofício nº 106-2014-flf datado de 30/01/2014, da Vara de Sucessões de Campo Grande/MS, autos nº 0012009-31.1993.8.12.0001, Arrolamento Comum, em que foi oficiado a ciência de que estão proibidas, até decisão judicial em contrário, qualquer transação de transferência ou compra e venda, conforme Vistos datado de 08/01/2014, dos autos.”

Em sua resposta, o Registrador informou que “de fato, na matrícula 14.568, não consta qualquer ônus, que impeça o registro perseguido, a não ser, como consta dos autos, “cientificação” do Juízo das Sucessões de Campo Grande da proibição ali mencionada. Esta Serventia a fim de salvaguardar direitos de terceiros e sua responsabilização, expediu Nota de Exigência (fls. 37), para se saber se a ação principal foi ou não ajuizada no prazo ali determinado. Informando que não houve por parte do Juízo de Mato Grosso do Sul, qualquer determinação de bloqueio, indisponibilidade, ou qualquer outro tipo de mandado a ser cumprido. Referida “ciência”, apenas foi informada no indicador real do imóvel” (fl. 56).

O ofício subscrito pelo MM. Juiz de Direito da Vara de Sucessões de Campo Grande foi juntado a fl. 31, consignando ao Registrador a “proibição de proceder qualquer transação de transferência ou compra e venda em relação aos imóveis do inventariado Luiz Fernando Silveira dos Santos, CPF 037.989.548-01, até decisão judicial em contrário.”

Ainda que o conteúdo do processo judicial de onde partiu a ordem de indisponibilidade seja relativamente indiferente ao desfecho da dúvida e à questão registral, vale ressaltar que o ofício foi recepcionado na Serventia após 08.01.2014, acompanhado do teor da decisão judicial (fls. 34/36), que foi fundamentada na preservação dos interesses dos adquirentes de boa-fé a partir da remota e futura possibilidade de anulação da partilha tendo por objeto os bens do inventariado Luiz Fernando Silveira dos Santos. O pedido de retificação da partilha foi indeferido, mas, lastreado no poder geral de cautela, o MM. Juiz de Direito determinou que fossem oficiados “todos os Cartórios de Registros Imobiliários onde se encontram registrados os bens imóveis inventariados para que fiquem cientes que estão proibidos, até decisão judicial em contrário, de proceder qualquer transação de transferência ou compra e venda em relação aos referidos imóveis”, decisão datada de 08.01.2014. Entendeu o Magistrado que a ação anulatória de partilha seria a ação correta a ser movida pelo herdeiro preterido em face dos adquirentes dos referidos imóveis, obrigatória a inclusão daqueles no polo passivo, imprescindível a demonstração de má-fé.

É de se deduzir que o imóvel em questão era objeto do arrolamento, mas os direitos hereditários referentes a ele já haviam sido transmitidos, tanto assim que o de cujus não mais figura como titular de domínio do imóvel da matrícula 14.568.

Independentemente disso, há de ser feita uma observação a respeito da qualificação que merecia ter sido realizada pelo Registrador quando da recepção do ofício judicial na Serventia.

Ao recepcionar o oficio judicial, cabia ao Registrador têlo protocolado, prenotado e qualificado, examinando-o à luz dos princípios do direito registral, em especial à continuidade. Ocorre que, como informado pelo Registrador, o ofício judicial não foi objeto de averbação e tampouco se verificou qualquer outra modalidade de anotação de indisponibilidade junto à matrícula do imóvel, de modo que, quando da lavratura da escritura pública objeto desta dúvida, não se colheu certidão positiva a respeito da referida restrição de indisponibilidade.

Conforme reiterados precedentes do Col. Conselho Superior da Magistratura e da Corregedoria Geral da Justiça, a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registraria. Neste sentido, as Apelações Cíveis n°s 71.397-0/5 e 76.101-0/2, ambas da Comarca da Capital, na Apelação Cível n° 30.657-0/2, da Comarca de Praia Grande, e o parecer e r. decisão prolatados em consulta formulada no Processo CG n° 2008/00037890.

A qualificação registral é “o juízo prudencial, positivo ou negativo, da potência de um título em ordem a sua inscrição predial, importando no império de seu registro ou de sua irregistração” (Ricardo Dip, Registros de Imóveis (Princípios), Descalvado: Primvs, p. 113, n. 361). O Oficial de Registro de Imóveis chega à formulação desse juízo ao debruçar-se sobre “(i) o título em sentido formal; (ii) o título em sentido material e (iii) os registros que importem concretamente na relação com estes títulos” (Ricardo Dip, loc. cit., p. 163, n. 413). Esse é, portanto, o objeto material da qualificação registral, ou seja, “a parcela da realidade objetiva a que” essa qualificação “se deve dirigir” (op. cit., p. 149, n. 395).

No caso em exame, constava no ofício judicial a determinação de proibição de transferência dos bens de Luiz Fernando Silveira dos Santos. No entanto, na matrícula do imóvel constava como titulares JOSÉ LUIZ NIEMEYER DOS SANTOS e MARIA CLARA NIEMEYER DOS SANTOS. Assim, existia divergência entre o titular de domínio indicado no ofício judicial e o titular indicado no registro imobiliário.

Essa divergência, a ofender o princípio da continuidade registral, exigia do Registrador a adoção de providências, quer perante o Juízo das Sucessões de onde emanou a ordem, confrontando-a com a desqualificação do título, quer perante o Juízo Corregedor Permanente da Comarca para solução do dissenso, tudo a justificar a prática de acordo com os princípios e às regras registrais.

Entretanto, o Registrador não só deixou de realizar a averbação da indisponibilidade junto à matrícula, como também deixou de provocar o Juízo Corregedor Permanente a respeito do controverso e incompleto ofício judicial recebido.

Em outras palavras: a ordem de indisponibilidade não estava, como ainda não está, inscrita na matrícula (art. 247 da Lei nº 6.015/1973).

Como se sabe, o registro imobiliário é regido por princípios próprios cujo respeito não pode ser afastado pela necessidade da parte obter a prática do ato visando a constituição de direito real, ou de direito pessoal com eficácia real. A segurança jurídica decorrente do Registro Imobiliário somente será obtida mediante estrita observação dos princípios que o regem, cabendo ao Oficial de Registro preservar a integridade do sistema pelo exercício da qualificação que promove como profissional do direito.

Na lição de Afrânio de Carvalho:

“A apresentação do título e a sua prenotação no protocolo marcam o início do processo do registro, que prossegue com o exame de sua legalidade, que incumbe ao registrador empreender para verificar se pode ou não ser inscrito. A inscrição não é, portanto, automática, mas seletiva, porque depende da verificação prévia de estar o título em ordem. Além de a qualificação do título constituir um dever de ofício, o registrador tem interesse em efetuá-la com cuidado, porquanto, se lançar uma inscrição ilegal, fica sujeito à responsabilidade civil.” (Registro de Imóveis, cit., p. 276).

No caso, não se sabe propriamente por quais razões o ofício judicial deixou de ser objeto de averbação, inscrição ou anotação na matrícula do imóvel; por qual razão a indisponibilidade deixou de ser averbada, se por desconhecimento do Oficial, se negligência quanto ao cumprimento de seu dever ou falha técnica.

Seja como for, cabia a ele naquele momento ter adotado as providências necessárias para a correta qualificação do título recepcionado na Serventia e averbação da indisponibilidade, na forma da Subseção XV, Cap. XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, promovendo a averbação; ou diligenciando junto ao Juízo de onde emanou a ordem e/ou, ainda, provocando o Juízo Corregedor Permanente.

Nenhuma destas providências foi feita nos autos.

Não se desconhece a existência de inúmeros precedentes da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo no sentido da impossibilidade de ingresso de título no fólio real, que implique na alienação voluntária do bem, sem o prévio levantamento da indisponibilidade averbada (frise-se: averbada) na matrícula, ainda que aquele tenha sido elaborado em data anterior.

No caso concreto, porém, há uma peculiaridade que afasta a aplicação de tais precedentes. Como já dito, para o imóvel em questão não há indisponibilidade averbada na matrícula nº 14.568 do Oficial de Registro de Imóveis de Guararapes.

Ora, a ordem de indisponibilidade genérica ou específica de determinado imóvel deve ser prenotada e averbada, respeitada a ordem de protocolo, conforme dispõem as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, Capítulo XX do Tomo II:

“9. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

(…) b) a averbação de:

(…) 23. ordens judiciais e administrativas que determinem indisponibilidades de bens;”

Sobre o tema, prevê o Provimento CNJ nº 39/2014, com a redação dada pelo Provimento CNJ nº 142/2023:

“Art. 2º. A Central Nacional de Indisponibilidade terá por finalidade a recepção e divulgação, aos usuários do sistema, das ordens de indisponibilidade que atinjam patrimônio imobiliário indistinto, assim como direitos sobre imóveis indistintos, e a recepção de comunicações de levantamento das ordens de indisponibilidades nela cadastrada.

(…) Art. 7º. A consulta ao banco de dados da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB será obrigatória para todos os notários e registradores do país, no desempenho regular de suas atividades e para a prática dos atos de ofício, nos termos da Lei e das normas específicas.

Art. 8º. A partir da data de funcionamento da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB os oficiais de registro de imóveis verificarão, obrigatoriamente, pelo menos na abertura e uma hora antes do encerramento do expediente, se existe comunicação de indisponibilidade de bens para impressão ou importação (XML) para seu arquivo, visando o respectivo procedimento registral.”

No mesmo sentido, as regras trazidas pelas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

“403. A Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) funcionará no Portal Eletrônico publicado sob o domínio http://www.indisponibilidade.org.br, desenvolvido, mantido e operado, perpetua e gratuitamente, pela Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (ARISP), na Central Registradores de Imóveis, sob contínuo acompanhamento, controle e fiscalização pela Corregedoria Geral da Justiça e pelos Juízos Corregedores Permanentes.

404. A Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) é constituída por Sistema de Banco de Dados Eletrônico (DBMS) que será alimentado com as ordens de indisponibilidade decretadas pelo Poder Judiciário e por órgãos da Administração Pública, desde que autorizados em Lei.

(…)

407. A consulta à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) será obrigatória para todos os notários e registradores do Estado, no desempenho regular de suas atividades e para a prática dos atos de ofício, nos termos da Lei.

408. Os oficiais de registro de imóveis verificarão, obrigatoriamente, pelo menos, na abertura e no encerramento do expediente, se existe comunicação de indisponibilidade de bens e farão a importação dos dados (XML) ou impressão do arquivo para o respectivo procedimento registral.”

Ainda que se alegue que tal disciplina seja posterior à data do oficio judicial em tela, caberia ao Oficial de Registro ter prenotado e averbado a ordem de indisponibilidade existente. Omitindo-se em seu dever de ofício, acabou por incidir em erro que, bem por isso, deverá ser devidamente apurado na esfera disciplinar, pelo MM. Juiz Corregedor Permanente da serventia extrajudicial.

E se não há indisponibilidade averbada na matrícula, o óbice imposto pelo registrador não merece subsistir. A esse respeito, preveem as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça que:

“108.3. Quando se tratar de ordem genérica de indisponibilidade de determinado bem imóvel, sem indicação do título que a ordem pretende atingir, não serão sustados os registros dos títulos que já estejam tramitando, porque estes devem ter assegurado o seu direito de prioridade. (…).”

As ordens genéricas de indisponibilidade não prenotadas e averbadas devem se submeter ao princípio da prioridade, de maneira que não será suspenso o registro dos títulos que estejam tramitando.

Na lição de Afrânio de Carvalho: “O princípio da prioridade significa que, num concurso de direitos reais sobre um imóvel, estes não ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por uma relação de precedência fundada na ordem cronológica do seu aparecimento: prior tempore potior jure. Conforme o tempo em que surgirem, os direitos tomam posição no registro, prevalecendo os anteriormente estabelecidos sobre os que vierem depois.” (Registro de Imóveis, 4a ed., Editora Forense, 1998, p. 181).

Os títulos apresentados a registro serão, então, qualificados conforme a data de prenotação e sofrerão os efeitos de quaisquer outros fatos impeditivos que houverem, antes, acedido conhecimento do Oficial de Registro de Imóveis e dados ao Protocolo: prior in tempore, potior in iure, isto é, prevalece o fato jurídico com precedência, no tempo.

Em outras palavras, a inscrição de título já prenotado não será sustada e a prioridade deverá ser assegurada. É sabido que o número de ordem determina a prioridade do título e que, portanto, não havendo notícia da anterior prenotação da ordem de indisponibilidade e respectiva averbação na matrícula, há que ser concluída a qualificação do título protocolado pelos apelantes.

Em suma, a sentença há de ser reformada para afastar o óbice imposto ao registro pretendido pelos apelantes, extraindo-se cópias do presente feito e respectivo encaminhamento ao MM. Juiz Corregedor Permanente para as providências cabíveis na esfera disciplinar, com abertura de expediente de acompanhamento junto à DICOGE, solicitando-se informações a respeito, no prazo de 30 dias.

Ante o exposto, meu voto é pelo provimento do recurso, admitindo-se o registro do título, com observação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 04.04.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

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1VRP/SP: Registro de Imóveis. Averbação de “Declaração de Potencial Construtivo Passível de Transferência. Ainda que a requerente figure como única proprietária do prédio tombado integrante do condomínio, que correspondente à “Unidade Bloco A – Melhoramentos”, ela já não mais detém o domínio da totalidade do terreno que serviu como base para o cálculo do potencial construtivo passível de transferência, sendo que a responsabilidade pela preservação do imóvel tombado passou a ser dos atuais proprietários das unidades autônomas integrantes do condomínio, na proporção das suas respectivas frações ideais do terreno.


Processo 1024871-34.2024.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Companhia Melhoramentos de São Paulo – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências para manter os óbices registrários. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: LUIS RODRIGO MARGARIDO PIRES DE ALMEIDA (OAB 258520/SP), LUIS RODRIGO MARGARIDO PIRES DE ALMEIDA (OAB 258520/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo nº: 1024871-34.2024.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 10º Oficial de Registro de Imóveis da capital

Suscitado: Companhia Melhoramentos de São Paulo e outro

Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta

Vistos.

Trata-se de pedido de providências formulado pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Companhia Melhoramentos de São Paulo e Exto Live Empreendimentos Imobiliários Ltda., diante de negativa em proceder à averbação de “Declaração de Potencial Construtivo Passível de Transferência – SMDU/DEUSO 0142/16”, envolvendo o imóvel da matrícula n. 76.155 daquela serventia.

O Oficial informa que o título recebeu qualificação negativa pelos seguintes motivos: o potencial construtivo passível de transferência de 5.711,15m² foi originado da totalidade do terreno sobre o qual o Condomínio “Vila Romana Nobre” foi implantado (R17/76.155, de 27.04.2021) e, portanto, vincula-se a totalidade de suas 139 unidades autônomas, matriculadas sob nºs. 159.116 a 159.254, e, além disso, tendo havido o registro da instituição e especificação do condomínio, a incorporadora e a proprietária da unidade “Bloco A – Melhoramentos” não têm legitimidade para requerer a pretendida averbação.

O Oficial esclarece que, pelo teor da referida declaração, consta que “o imóvel sito à Rua Tito, 479, nesta Capital, com área total de terreno de 11.422,30 m² de acordo com a referida matrícula, de propriedade de Companhia Melhoramentos de São Paulo, tombado pelo Conpresp através da Resolução nº 05/2009, dispõe de 5.711,15m² de potencial construtivo passível de transferência, originado sem a doação do terreno cedente …”; que, com o registro da incorporação, o imóvel ficou afetado pelo empreendimento, deixando de existir como um todo, criando assim o que é designado pela lei como “condomínio de frações ideais”, ou seja, deixou de existir “um único imóvel como um todos, passando a ser formado por diversas unidades autônomas, às quais correspondem frações ideais no terreno; que, no caso concreto, ainda que na ocasião do tombamento a interessada Companhia Melhoramentos de São Paulo fosse titular de domínio da totalidade do imóvel (terreno com a área de 11.422,30 m² e prédio com 16.290,00 m²), posteriormente, a mesma vendeu uma fração ideal de 76,5559% do imóvel, reservando para si a fração ideal de 23,4441%, deixando de ter disponibilidade sobre a totalidade do terreno.

O Oficial aduz que, ainda que a requerente figure como única proprietária do prédio tombado integrante do condomínio, que correspondente à “Unidade Bloco A – Melhoramentos”, ela não mais detém o domínio da totalidade do terreno que serviu como base para o cálculo do potencial construtivo passível de transferência, sendo que a responsabilidade pela preservação do imóvel tombado passou a ser dos atuais proprietários das unidades autônomas integrantes do condomínio, na proporção das suas respectivas frações ideais do terreno, haja vista que o cálculo do potencial construtivo corresponde ao resultado da multiplicação da área do terreno pelo Coeficiente de Aproveitamento (CA) aprovado pela legislação, de acordo com a zona da cidade onde está localizado o imóvel; que, ao transmitir a fração ideal do terreno de 76,5559% do terreno, ainda que mantida a construção já existente, para que sobre a totalidade do terreno fosse construído o condomínio, pode-se concluir que foram transmitidos também eventuais direitos à percepção dos benefícios oriundos da transmissão do potencial construtivo; que a averbação requerida somente pode ser acolhida se requerida expressamente pelo condomínio, representado pelo síndico, após aprovação em assembleia geral extraordinária convocada para tal fim.

Documentos vieram às fls. 04/188.

Em manifestação dirigida ao Oficial, e em impugnação, a parte interessada alega que a Companhia Melhoramentos de São Paulo, à época em que era proprietária da totalidade do imóvel descrito e caracterizado na matrícula n. 76.155 do 10º Registro de Imóveis da Capital, sofreu Tombamento Definitivo do referido imóvel, decorrente da Resolução 05/CONPRESP/2009, de 16 de setembro de 2009, e promoveu a correspondente averbação do tombamento na matrícula, em 13 de dezembro de 2017 (Av. n 19 e n. 22); que houve expedição de “Declaração de Potencial Construtivo Passível de Transferência SMDU/DEUSO n. 0142/16”, em 11 de junho de 2016, e, no âmbito do Processo Administrativo Municipal n. 6025.2020/0020566-6, exigiu-se a apresentação da matrícula imobiliária contendo averbação da Declaração de Potencial Construtivo Passível de Transferência.

Sustenta que a transferência de potencial construtivo caracteriza um instrumento previsto na legislação municipal há quase quatro décadas, iniciando-se com a Lei Municipal n. 9.725/84; que, nos termos da legislação, fica autorizada a transferência do potencial construtivo de imóveis urbanos, privados ou públicos, para fins de viabilizar, principalmente, a obtenção de recursos financeiros pelo proprietário visando à preservação do bem de interesse histórico, paisagístico, ambiental, social ou cultural; que a transferência é materializada por Declaração de Potencial Construtivo Passível de Transferência, que atesta a quantidade de metros quadrados passíveis de transferência, dependendo, a efetivação da transferência, da posterior Certidão de Potencial Construtivo; que, ultimada a tramitação do pedido junto aos órgãos municipais, outorgada a Escritura de Cessão e Transferência de Potencial Construtivo, averbada na matrícula imobiliária, com posterior publicação no Diário Oficial do Município, será expedida Certidão de Transferência de Potencial Construtivo pela SMDU para utilização pela cessionária no imóvel receptor; que, diversamente do informado pelo Oficial, a responsabilidade pela preservação do imóvel tombado não passou a ser dos atuais proprietários das unidades autônomas integrantes do condomínio, mas continua sendo exclusivamente da Companhia Melhoramentos de São Paulo, única proprietária da Unidade Bloco A, que é justamente o prédio histórico tombado; que obteve junto à PMSP a declaração de existência de 5.711,15m² de potencial construtivo passível de transferência, originado sem doação de terreno para Municipalidade; que o proprietário de unidade autônoma do Bloco B jamais poderia ser cotitular do potencial construtivo do imóvel tombado, se apropriando desse resultado financeiro decorrente da venda do potencial construtivo, como forma de geração de caixa, por exemplo, sem qualquer destinação ou aplicação específica com a finalidade de manutenção do imóvel tombado; que a Municipalidade, mesmo ciente da incorporação e do condomínio instituído, não questionou a titularidade do potencial construtivo; que o requerimento de averbação deve ser firmado somente pelas pessoas jurídicas das coproprietárias, ora interessadas, e não pelo condomínio e/ou tampouco pelos titulares das 139 unidades autônomas; requer o afastamento do óbice para averbação do título na matrícula mãe n. 76.155 ou, alternativamente, na matrícula filha n. 159.116, específica da Unidade Bloco A (fls. 141/150 e 189/204). Juntou documentos (fls. 205/207).

O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 210/212).

É o relatório.

FUNDAMENTO e DECIDO.

De proêmio, cumpre destacar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

No Sistema Registral, vigora o princípio da legalidade estrita: o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

Nesse sentido, dispõe o item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ): “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

No mérito, o pedido é procedente.

A parte requerente busca a averbação da “Declaração de Potencial Construtivo Passível de Transferência – SMDU/DEUSO 0142/16”, na matrícula n. 76.155 do 10º Registro de Imóveis da Capital.

Pelo teor da referida declaração emitida pela Prefeitura do Município de São Paulo, em 13 de junho de 2.016, consta que “o imóvel sito à Rua Tito, 479, nesta Capital, com área total de terreno de 11.422,30 m² de acordo com a referida matrícula, de propriedade de Companhia Melhoramentos de São Paulo, tombado pelo Conpresp através da Resolução nº 05/2009, dispõe de 5.711,15m² de potencial construtivo passível de transferência, originado sem a doação do terreno cedente …” (fls. 185).

De acordo com a certidão da matrícula n. 76.155 do 10º Registro de Imóveis da Capital (fls. 07/140), verifica-se que, em 19 de maio de 2.017, a proprietária Companhia Melhoramentos de São Paulo vendeu uma parte ideal correspondente a 76,5559% do imóvel a Exto Live Empreendimentos Imobiliários Ltda (R.16, fls. 12), reservando para si a fração ideal de 23,4441%; em 23 de novembro de 2017, houve averbação do tombamento definitivo da totalidade do imóvel da matrícula (AV.19, fls. 13); em 08 de setembro de 2.017, procedeu-se ao registro da incorporação imobiliária do empreendimento denominado Condomínio Vila Romana Nobre, formado por dois blocos: Bloco A – Melhoramentos e Bloco B – Clock Vila Romana (R.21, fls. 14); em 27 de abril de 2021, foi registrada a instituição e especificação de condomínio, sob a denominação Condomínio Vila Romana Nobre, tendo sido abertas na mesma data as matrículas nºs. nºs. 159.116 a 159.254, referentes a todas as unidades autônomas (R.171, fls. 80/80), seguida de averbação da convenção de condomínio (AV.172, fls. 81).

Na espécie, com o registro da instituição e especificação de condomínio na matrícula n. 76.155, houve a alteração do regime jurídico da propriedade, configurando uma nova realidade jurídica, dando origem formal ao condomínio edilício e, consequentemente, às unidades autônomas com frações ideais nas áreas comuns do condomínio (matrículas nºs. 159.116 a 159.254).

Com efeito, a especificação e instituição de condomínio estão disciplinadas no artigo 1.332 do Código Civil e dizem respeito a: I discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns; II a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns; III o fim a qual as unidades se destinam.

Uma vez regularmente instituído o condomínio edilício, o mesmo será representado pelo síndico, com a respectiva legitimidade, nos termos do artigo 1.348 do Código Civil.

No tocante à legitimidade para requerer averbação, dispõem os artigos 13 e 217 da Lei de Registros Públicos:

“Art. 13. Salvo as anotações e as averbações obrigatórias, os atos do registro serão praticados:

I – por ordem judicial;

II – a requerimento verbal ou escrito dos interessados;

III – a requerimento do Ministério Público, quando a lei autorizar.

Art. 217. O registro e a averbação poderão ser provocados por qualquer pessoa, incumbindo-lhe as despesas respectivas”.

O item 120, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, por simetria, prevê:

“As averbações serão feitas a requerimento dos interessados, com firma reconhecida, instruído com documento comprobatório fornecido pela autoridade competente, dispensado o reconhecimento de firma no requerimento quando for assinado perante o Registrador ou seu preposto”.

No caso concreto, como dito, tendo havido o registro da instituição e especificação de condomínio na matrícula n. 76.155, sob a denominação Condomínio Vila Romana Nobre, esse passa a ser legitimado para requerer averbação na aludida matrícula, devidamente representado pelo síndico, após aprovação em assembleia geral extraordinária convocada para tal fim.

Importante mencionar que as normas a serem respeitadas quando da qualificação registral são aquelas vigentes no momento de apresentação do título a registro, em atenção ao princípio tempus regis actum.

Vale dizer, ainda que a requerente figure como única proprietária do prédio tombado integrante do condomínio, que correspondente à “Unidade Bloco A – Melhoramentos”, ela já não mais detém o domínio da totalidade do terreno que serviu como base para o cálculo do potencial construtivo passível de transferência, sendo que a responsabilidade pela preservação do imóvel tombado passou a ser dos atuais proprietários das unidades autônomas integrantes do condomínio, na proporção das suas respectivas frações ideais do terreno.

Isso porque, o potencial construtivo corresponde ao resultado da multiplicação da área do terreno pelo Coeficiente de Aproveitamento (CA) aprovado pela legislação, de acordo com a zona da cidade onde está localizado o imóvel.

Embora tenha sido determinada a preservação do Edifício e área de proteção ao seu redor, o Potencial Construtivo Passível de Transferência foi calculado sobre a área total do terreno, agora ocupado em sua maior proporção pelo Condomínio Vila Romana Nobre, vinculando-se às 139 unidades autônomas.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências para manter os óbices registrários.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 01 de abril de 2024.

Renata Pinto Lima Zanetta

Juíza de Direito (DJe de 02.04.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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