CSM/SP: Dúvida – Registro de imóveis – Partilha extrajudicial – Existência de credores do espólio não impede a realização do inventário e partilha por escritura pública, nos termos do item 125, Cap. XVI, das NSCGJ – Impossibilidade de se exigir reserva de bens para registro do título – Partilha já ultimada – herdeiros respondem pelas dívidas da falecida na proporção dos seus quinhões – inteligência do artigo 1.997 do código civil e artigos 642 e 796 do Código de Processo Civil – Recurso provido.


Apelação Cível nº 1002083-97.2022.8.26.0584

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1002083-97.2022.8.26.0584
Comarca: SÃO PEDRO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1002083-97.2022.8.26.0584

Registro: 2024.0000161397

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1002083-97.2022.8.26.0584, da Comarca de São Pedro, em que é apelante SÍLVIA HELENA RIBEIRO FELÍCIO BOIAGO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO PEDRO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 26 de fevereiro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1002083-97.2022.8.26.0584

Apelante: Sílvia Helena Ribeiro Felício Boiago

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Pedro

VOTO Nº 43.095

Dúvida – Registro de imóveis – Partilha extrajudicial – Existência de credores do espólio não impede a realização do inventário e partilha por escritura pública, nos termos do item 125, Cap. XVI, das NSCGJ – Impossibilidade de se exigir reserva de bens para registro do título – Partilha já ultimada – herdeiros respondem pelas dívidas da falecida na proporção dos seus quinhões – inteligência do artigo 1.997 do código civil e artigos 642 e 796 do Código de Processo Civil – Recurso provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Sílvia Helena Ribeiro Felício Boiago contra a r. sentença de fls. 70/71, que julgou “improcedente” dúvida suscitada em virtude de recusa de registro de escritura de inventário, adjudicação e partilha extrajudicial dos bens deixados por Emirene Felicio (fls. 04/09), a qual envolve o imóvel da matrícula n. 2.694 do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Pedro/SP (fls. 04/09 e 55/58), mantendo a exigência da nota de devolução de fl. 35 (prenotação n. 129.628).

Fê-lo a r. sentença, basicamente, sob o argumento de que deve ser realizada a reserva de bens para pagamento das dívidas da de cujus, cuja exigibilidade restou incontroversa. A exigência estaria expressa no artigo 663 do Código de Processo Civil, com previsão correlata no artigo 1.997 do Código Civil, a fixar a responsabilidade da herança pelo pagamento das dívidas da falecida, sendo que a natureza extrajudicial da partilha não exclui a incidência dos dispositivos legais referidos, de natureza cogente.

A parte apelante sustenta, em síntese, que as dívidas da falecida referem-se a execuções fiscais de tributos municipais (ISS fls. 25/31), o que faz incidir o item 117.1, do Cap. XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça; que não se pode exigir a quitação de débitos para com a Fazenda Pública, tampouco a reserva de bens ou a apresentação de certidão negativa para tributos que não guardam relação com o ato registral perseguido, conforme jurisprudência que colaciona.

A parte alega, ainda, que o Supremo Tribunal Federal já se posicionou pela inconstitucionalidade de atos do Poder Público que se traduzam em exercício abusivo e coercitivo de exigência de obrigações tributárias, conforme as súmulas n. 70, 323 e 547 e jurisprudência; que a exigência representa indevida restrição ao acesso do título à tábua registral, imposta de forma oblíqua e ao arrepio do devido processo legal para forçar o contribuinte ao pagamento indireto de tributos, o que caracteriza limitação a interesses privados em desacordo com orientação do Supremo Tribunal Federal.

Aduz, por fim, que os débitos existentes estão sendo discutidos nas respectivas execuções fiscais, ainda pendentes de julgamento, com garantia de contraditório e ampla defesa, bem como que demais providências devem ser tomadas exclusivamente pelo órgão municipal ou federal que detém o crédito e não pelo notário ou registrador (fls. 76/84).

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 100/102).

É o relatório.

De início, vale observar que, embora a dúvida tenha sido julgada improcedente, o comando judicial foi pela manutenção do óbice.

Há que se observar, ainda, que o Oficial dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional. Esta conclusão se reforça pelo disposto no item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais“.

No mérito, porém, o recurso comporta provimento. Vejamos os motivos.

No caso concreto, o Oficial entendeu pela manutenção da recusa de registro de escritura de inventário, adjudicação e partilha extrajudicial dos bens deixados por Emirene Felicio tendo em vista a indicação de dívidas, de modo que necessária reserva de bens para pagamento de tais obrigações.

O posicionamento foi respaldado por precedente deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, no âmbito da Apelação Cível n. 1005161-58.2016.8.26.0019 (fl. 35).

Tal entendimento, no entanto, deve ser revisto.

Veja-se, por primeiro, que não se trata de exigência formulada por ordem de controle rigoroso do recolhimento dos impostos devidos por ocasião do registro do título, a que estão submetidos os Registradores, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art.134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei n. 8.935/1994).

In casu, a exigência é formulada pela necessidade da reserva de bens do espólio em razão de débitos da falecida.

O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de se manifestar sobre a natureza da habilitação de crédito em ação de arrolamento de bens, bem como sobre a necessidade de reserva de bens do espólio no julgamento do REsp. n. 703.884/SC, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi:

“[…] o juiz pode determinar que sejam reservados bens em poder do inventariante para pagar o credor, desde que a dívida esteja consubstanciada em documento que comprove suficientemente a obrigação e a impugnação não se fundar em quitação.

Há aqui verdadeira natureza cautelar, pois, havendo prova suficiente do crédito, o juiz pode determinar a reserva de bens para garantia do pagamento após a solução do litígio que foi remetida às vias ordinárias. Nessas circunstâncias a habilitação apresenta feição de arresto, que, como é cediço, garante a solvência até que se resolva em penhora (art. 818, CPC). Dessa forma, se ao final da disputa o crédito se revelar inexistente ou extinto, extingue-se a reserva de bens e se realiza a sobrepartilha. Se, por outro lado, o crédito for efetivamente devido, a reserva dos bens persiste até que, nas vias ordinárias, sobrevenha a penhora.

Vê-se, dessa forma, que a habilitação é procedimento incidental de natureza híbrida. Inicialmente, forma-se como procedimento de jurisdição voluntária ou não contenciosa, mas pode assumir feições de verdadeira cautelar incidental.

Porque ressalta essa particularidade da habilitação, deve ser lembrado o escólio de Humberto Theodoro Júnior:

“É indispensável o acordo unânime, por que a habilitação, in casu, é não contenciosa. Por isso, não havendo concordância de todas as partes sobre o pagamento, será o credor remetido para os meios ordinários (art. 1.018), ou seja, terá ele de propor a ação contenciosa contra o espólio, que for compatível ao título de seu crédito (execução ou ordinária de cobrança, conforme o caso).

Há, porém, uma medida cautelar que o juiz toma, ex officio, em defesa do interesse do credor que não obtém sucesso na habilitação: se o crédito estiver suficientemente comprovado por documento e a impugnação não se fundar em quitação, o magistrado mandará reservar, em poder do inventariante, bens suficientes para pagar o credor, enquanto se aguarda a solução da cobrança contenciosa (art. 1.018, parág. único)” (Curso de Direito Processual Civil. Vol. III. Procedimentos Especiais. Rio de Janeiro: Forense, p. 2005, p. 267).

A correta percepção da natureza do instituto processual é importante porque daí extraem-se conclusões relevantes. O credor requerente da habilitação pleiteia o pagamento ou, sucessivamente, caso não haja concordância do espólio, a reserva de bens que garantam o pagamento.

Ora, não sendo um procedimento obrigatório, pois, na falta de habilitação, o credor pode, desde logo, buscar a satisfação de seu crédito por meio de ação de cobrança ou de execução movida contra o espólio ou contra os sucessores, há de se concluir que a principal utilidade prática do instituto reside, em última instância, na possibilidade de reserva de bens.

Por isso, caso não seja possível declarar habilitado o crédito, porque a controvérsia entre as partes não o permite, o juiz deve remeter as partes às vias ordinárias de solução de controvérsia, lançando as razões pelas quais entende não ser cabível a providência cautelar de reserva de bens. Nessa perspectiva, deixar de apreciar qualquer dos pedidos subsidiários é fato que significa negar jurisdição, ou melhor dizendo, escusar-se no non liquet.

À princípio, duas podem ser as causas que justificam o indeferimento da reserva de bens: a) a impugnação do espólio se funda em quitação; b) a dívida não está consubstanciada em documento que comprove suficientemente a obrigação. A iliquidez do crédito é irrelevante.

Pontes de Miranda, com acuidade, assevera que “sentença passado em julgado, embora sujeita a liquidação (3ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação de São Paulo, 4 de março de 1942, R. dos T., 140, 145), ou declaratória (art. 4º), é título bastante para a reserva. Mesmo, aí, apenas se reserva. Só se exige prova bastante da obrigação; não, o ser dívida líquida” (Pontes de Miranda. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo XIV. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 141).

Mais que declinar as causas porque não é possível a separação e tampouco a reserva de bens, deve-se ressaltar que a habilitação deve ser ajuizada e julgada antes da partilha integral dos bens. Após, o resultado buscado pelo credor passa a ser inútil, pois aí o credor já não terá nenhuma garantia especial, mas apenas, como a própria lei lhe assegura, as forças da herança tal como transmitidas aos herdeiros”.

No caso concreto, porém, não se vislumbra qualquer oposição por parte dos credores ao registro, notadamente porque há notícia de que os débitos ainda estão sendo discutidos judicialmente (fls. 25/31).

A partilha dos bens do espólio, ademais, já foi realizada extrajudicialmente, com indicação da existência de dívidas fiscais pendentes em nome da falecida e sem reserva para pagamento (fls. 04/09).

Note-se que não havia qualquer obstáculo para a partilha por escritura pública (item 125, do Capítulo XVI, das NSCGJ):

125. A existência de credores do espólio não impede a realização do inventário e partilha, ou adjudicação, por escritura pública“.

Assim, se a partilha é possível mesmo quando existem débitos não quitados do falecido, não se pode impor óbice para o seu registro.

Em verdade, uma vez feita a partilha, ainda que extrajudicialmente, não há mais como se falar em espólio.

E deixando de existir a universalidade de bens (espólio) justamente porque operada a divisão patrimonial do acervo hereditário entre os herdeiros (partilha), não há como se exigir reserva de bens.

Serão os herdeiros, na proporção dos quinhões recebidos, que deverão ser acionados para responder pelas dívidas deixadas pela falecida.

Neste sentido, os artigos 1.997 do Código Civil e 642 e 796 do Código de Processo Civil:

Art. 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube“.

Art. 642. Antes da partilha, poderão os credores do espólio requerer ao juízo do inventário o pagamento das dívidas vencidas e exigíveis. (…)

Art. 796. O espólio responde pelas dívidas do falecido, mas, feita a partilha, cada herdeiro responde por elas dentro das forças da herança e na proporção da parte que lhe coube“.

E, ainda, a jurisprudência (destaques nossos):

“PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTOS FISCAIS DEVIDOS – PRECEDENTE HOMOLOGAÇÃO DE PARTILHA DOS BENS INVENTARIADOS – TRÂNSITO EM JULGADO DE RECURSO FORMULADO CONTRA A PARTILHA – ARTIGO 1796, CODIGO CIVIL – ARTIGO 1026, CPC. 1. ACERTADA E HOMOLOGADA JUDICIALMENTE A PARTILHA DOS BENS INVENTARIADOS, SEM A PRECEDENTE QUITAÇÃO DAS DIVIDAS FISCAIS DO ESPOLIO (ART. 1026, CPC), COM AS LOAS DA INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO, A SOLUÇÃO APROPRIADA E FAVORECER A EXECUÇÃO, NÃO MAIS CONTRA O ESPOLIO E SIM RESPONSABILIZANDO OS SUCESSORES CONTEMPLADOS NA DIVISÃO DOS BENS (ART. 1796, CODIGO CIVIL). PRECEDENTES. 2. POREM, NO CASO, ESSA SOLUÇÃO NÃO PODE SER ADOTADA POR TER SE CONSTITUIDO, COM PROVIMENTO JUDICIAL ANTECEDENTE, A COISA JULGADA, A RESPEITO DA APLICAÇÃO DO ART. 1026, CPC. 3. RECURSO PROVIDO” (REsp n. 27.831/RJ, relator Ministro Milton Luiz Pereira, Primeira Turma, julgado em 31/8/1994, DJ de 19/9/1994).

A exigência formulada na nota de devolução de fl. 35 não pode, portanto, subsistir.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 04.03.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de imóveis – Carta de adjudicação – Qualificação negativa do título – Dúvida julgada procedente – Imóveis rurais – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva – Descrição trazida nas matrículas que não permite a localização dos imóveis no solo – Área imprecisa e ausência de pontos de amarração – Inaplicabilidade do disposto no item 10.1.1, Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ ao caso concreto – Apelação não provida.


Apelação Cível nº 1002335-71.2022.8.26.0238

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1002335-71.2022.8.26.0238
Comarca: IBIÚNA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1002335-71.2022.8.26.0238

Registro: 2024.0000161391

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1002335-71.2022.8.26.0238, da Comarca de Ibiúna, em que é apelante CRISTIANO ARO PEDROSO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE IBIÚNA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 26 de fevereiro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1002335-71.2022.8.26.0238

APELANTE: Cristiano Aro Pedroso

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Ibiúna

VOTO Nº 43.093

Registro de imóveis – Carta de adjudicação – Qualificação negativa do título – Dúvida julgada procedente – Imóveis rurais – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva – Descrição trazida nas matrículas que não permite a localização dos imóveis no solo – Área imprecisa e ausência de pontos de amarração – Inaplicabilidade do disposto no item 10.1.1, Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ ao caso concreto – Apelação não provida.

Trata-se de apelação interposta por Cristiano Aro Pedroso contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Ibiúna/SP, que manteve a recusa do registro da carta de adjudicação oriunda do processo nº 1003299-58.2021.8.26.0704, tendo por objeto os imóveis matriculados sob nos 3.362, 3.363, 3.364, 3.388, 3.389, 5.285 e 5.286 junto àquela serventia extrajudicial (fls. 116/119).

APELAÇÃO CÍVEL nº 1002335-71.2022.8.26.0238

APELANTE: Cristiano Aro Pedroso

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Ibiúna

VOTO Nº 43.093

Registro de imóveis – Carta de adjudicação – Qualificação negativa do título – Dúvida julgada procedente – Imóveis rurais – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva – Descrição trazida nas matrículas que não permite a localização dos imóveis no solo – Área imprecisa e ausência de pontos de amarração – Inaplicabilidade do disposto no item 10.1.1, Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ ao caso concreto – Apelação não provida.

Trata-se de apelação interposta por Cristiano Aro Pedroso contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Ibiúna/SP, que manteve a recusa do registro da carta de adjudicação oriunda do processo nº 1003299-58.2021.8.26.0704, tendo por objeto os imóveis matriculados sob nos 3.362, 3.363, 3.364, 3.388, 3.389, 5.285 e 5.286 junto àquela serventia extrajudicial (fls. 116/119). (Sítio Irmãos Vieira III), 3.388 (Sítio Irmãos Vieira IV), 3.389 (Sítio Irmãos Vieira V), 5.285 (Sítio Residência) e 5.286 (Sítio Ribeirão), todas do livro 02 deste Registro Imobiliário, não possuem corpo certo, ou seja, não possuem suas medidas perimetrais, estando de maneira precária para as suas precisas identificações, portanto, não atendendo ao princípio da especialidade objetiva.

(…)

Sendo assim, se faz necessário que os imóveis em questão sejam RETIFICADOS para que possam atender as suas especializações objetivas, nos termos do artigo 176, § 1º, II, 3 da Lei 6.015/73.”

Para o direito registrário, não basta que o imóvel objeto de inscrição seja determinado; é preciso que seja especializado, isto é, que seja descrito. Dizendo de outro modo, a especialidade diz respeito ao objeto do registro, consistente de imóvel inconfundível com outro, com todas as medidas e amarrações no solo. E tal descrição, tecnicamente, deve ser feita como exigem os arts. 176, § 1º, inciso II, 3, e 225 da Lei nº 6.015/1973, que assim dispõem:

“Art. 176 – (…)

§ 1º A escrituração do Livro nº 2 obedecerá às seguintes normas:

I – cada imóvel terá matrícula própria, que será aberta por ocasião do primeiro registro a ser feito na vigência desta Lei;

II – são requisitos da matrícula:

(…)

3) a identificação do imóvel, que será feita com indicação:

a – se rural, do código do imóvel, dos dados constantes do CCIR, da denominação e de suas características, confrontações, localização e área.”

“Art. 225 – Os tabeliães, escrivães e juizes farão com que, nas escrituras e nos autos judiciais, as partes indiquem, com precisão, os característicos, as confrontações e as localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes e, ainda, quando se tratar só de terreno, se esse fica do lado par ou do lado ímpar do logradouro, em que quadra e a que distância métrica da edificação ou da esquina mais próxima, exigindo dos interessados certidão do registro imobiliário.

§ 1º As mesmas minúcias, com relação à caracterização do imóvel, devem constar dos instrumentos particulares apresentados em cartório para registro.

§ 2º Consideram-se irregulares, para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior.

§ 3 º Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.”

Isso vem explicitado pelas Normas dos Serviços Extrajudiciais, Tomo II, Capítulo XX, itens 57 a 60, 63 a 67, 69 e 70.

Dentre essas orientações, vale destacar:

“77. A identificação e caracterização do imóvel compreendem:

(…)

II – se rural, o código do imóvel e os dados constantes do CCIR, a localização e denominação;

III – o distrito em que se situa o imóvel;

IV – as confrontações, inadmitidas expressões genéricas, tais como “com quem de direito”, ou “com sucessores” de determinadas pessoas, que devem ser excluídas, se existentes no registro de origem, indicando-se preferencialmente os imóveis confinantes e seus respectivos registros.

V – a área do imóvel.”

Não se ignora que, tratando-se de imóveis rurais, é possível a mitigação do princípio da especialidade objetiva, como prevêem as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, Tomo II, Capítulo XX:

“10.1.1. A descrição precária do imóvel rural, desde que identificável como corpo certo e localizável, não impede o registro de sua alienação ou oneração, salvo quando sujeito ao georreferenciamento ou, ainda, quando a transmissão implique atos de parcelamento ou unificação, hipóteses em que será exigida sua prévia retificação.”

Contudo, da leitura dessa norma é possível concluir que, para que tal flexibilização, é preciso que, a despeito da descrição precária do imóvel rural, seja possível identifica-lo como corpo certo e localizável. Em outras palavras, que haja definição geodésica, afastando o risco de sobreposição com imóveis vizinhos.

No caso concreto, na matrícula no 3.362 (fls. 39/44), o imóvel está assim descrito: “DENOMINAÇÃO: – SÍTIO IRMÃOS VIEIRA-I – SITUAÇÃO:- BAIRRO DA RESSACA, zona rural, deste município. DESCRIÇÃO: – UMA GLEBA de terras, com área de 5 (cinco) alqueires, mais ou menos, com as seguintes divisas e confrontações: – Principia em uma valleta no caminho dos Fernandes, segue a rumo, dividindo com estes, até outra valleta; faz canto e segue pela esquerda, dividindo com os mesmos Fernandes até outra valeta; nas divisas dos Camargos; faz canto e segue a esquerda divisando com os Camargos, até outra valleta, nas divisas de Frederico Marcicano e Francisco Marcicano, segue dividindo com estes, até a valleta onde começaram as divisas.”

Na mesma linha, as descrições dos imóveis trazidas nas matrículas nos 3.363, 3.364, 3.388, 3.389, 5.285 e 5.286 (fls. 45/80).

De outro lado, no título consta a adjudicação dos imóveis matriculados sob nos 3.362, 3.363, 3.364, 3.388, 3.389, 5.285 e 5.286, sem que haja notícias de eventual complementação da descrição dos imóveis nos autos da ação judicial (fls. 05).

Ora, a vagueza da descrição dos imóveis relacionados na carta de adjudicação afasta a possibilidade de se adotar, no caso concreto, os precedentes que autorizam o ingresso do título na hipótese de repetição da descrição constante no fólio real.

Tais registros antigos são retrato de uma época, certamente com origem ainda em transcrições, mas são incompatíveis com a certeza e a segurança quanto ao objeto da relação jurídica que exige a L. 6.015/73.

Assim se afirma, pois além de não haver menção a uma área exata (por exemplo, “área de 5 [cinco] alqueires, mais ou menos”) e de suas confrontações fazerem referência a acidentes geográficos e aos nomes dos vizinhos (“valeta”, “caminho dos Fernandes”, “divisas dos Camargos”, “divisas de Frederico Marcicano e Francisco Marcicano”) – fatos que, isolados, não impediriam o registro do título – chama atenção a circunstância de que não há qualquer identificação das medidas perimetrais dos imóveis que encerram a área aproximada referida nas respectivas matrículas, nem da distância de algum ponto identificável até outro ponto do imóvel.

Essa falta de especificação das medidas laterais dos imóveis aliada à mera menção ao nome de vizinhos, cuja titulação se desconhece (proprietários, possuidores ou detentores), impede a localização, no solo, dos imóveis adjudicados.

Não se trata, aqui, de um retorno à posição mais formal que já vigorou na Corregedoria Geral da Justiça e neste Conselho Superior da Magistratura, que, ao exigir estrita observância ao princípio da especialidade objetiva, condicionava o ingresso do título que repete a descrição do registro à prévia retificação da descrição do bem. Essa orientação buscava impedir que as imprecisões das transcrições de origem contaminassem a nova matrícula a ser descerrada.

Na hipótese em análise, pretende-se evitar que descrições que não possibilitam sequer a localização do imóvel sejam repetidas e utilizadas para a prática de novos atos registrais.

Tal entendimento, agora aplicado ao caso concreto, já havia sido exposto quando da elaboração dos comentários ao art. 236 da Lei nº 6.015/1973, antes da mudança de orientação deste C. Conselho Superior da Magistratura:

De um lado, o maior rigor na abertura das matrículas aperfeiçoa o sistema, mas, de outro, cria embaraço às partes que adquirem imóveis fiadas aos dados já constantes do registro, ainda que imperfeitos. A necessidade de prévia retificação pode conduzir, assim, a um indesejado atraso nos registros dos títulos e consequente insegurança aos direitos dos adquirentes. Parece que o posicionamento ideal é o anterior, de rejeitar apenas as descrições com imprecisões de tal modo grave que impeçam a própria localização do imóvel, ou causem riscos concretos de sobreposição” (Francisco Eduardo Loureiro; in Lei de registros públicos: comentada; coordenação José Manuel de Arruda Alvin Neto, Alexandre Laizo Clápis, Everaldo Augusto Cambles. Rio de Janeiro, 2014 g.n.).

Nesse sentido, há recentes julgados sobre o tema:

“Registro de Imóveis – Dúvida – Título notarial – Escritura de venda e compra – Imóvel rural – Princípio da especialidade objetiva – Descrição tabular deficiente – Imóvel que, embora ainda não esteja sujeito a georreferenciamento, vem descrito de modo absolutamente precário, sem nenhum ponto de amarração – Prédio que não pode ser considerado um corpo certo – Impossibilidade de aplicar-se o item 10.1.1 do Capítulo XX do Tomo II das NSCGJ – Apelação a que se nega provimento, mantida a r. sentença.” (TJSP; Apelação Cível 1010738-19.2020.8.26.0361; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Mogi das Cruzes – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 13/05/2021; Data de Registro: 20/05/2021).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – ESCRITURA DE VENDA E COMPRA – IMÓVEL RURAL – PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE OBJETIVA – DESCRIÇÃO DEFICIENTE DO IMÓVEL NO FÓLIO REAL – AUSENTES PONTOS DE AMARRAÇÃO – ÁREA QUE NÃO PERMITE SEJA TRATADA COMO CORPO CERTO – NÃO INCIDÊNCIA DO DISPOSTO NO ITEM 10.1.1 DO CAPÍTULO XX DO TOMO II DAS NSCGJ – APELAÇÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO, MANTIDA A R. SENTENÇA.” (TJSP; Apelação Cível 1020846-73.2021.8.26.0361; Relator (a): Fernando Torres Garcia(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Mogi das Cruzes – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 06/10/2022; Data de Registro: 14/10/2022).

Em suma, o óbice apresentado pelo registrador é mesmo intransponível.

Diante do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 04.03.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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