CSM/SP: Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Rejeição do pedido pelo oficial de registro de imóveis – Dúvida inversa julgada procedente – Titular do domínio interditado antes da vigência do atual estatuto da pessoa com deficiência – Incapacidade absoluta decretada em processo judicial que não pode ser revista na via administrativa – Entendimento jurisprudencial no sentido de que não flui o prazo da prescrição aquisitiva contra interditado antes da entrada em vigor da Lei 13.146/2015 – Reconhecimento da usucapião deve ser induvidoso – Apelação não provida.


Apelação Cível nº 0009113-66.2023.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 0009113-66.2023.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 0009113-66.2023.8.26.0100

Registro: 2023.0001072391

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0009113-66.2023.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante CARLOTA MARIA FERREIRA, é apelado 11º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 5 de dezembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 0009113-66.2023.8.26.0100

APELANTE: Carlota Maria Ferreira

APELADO: 11º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 39.164

Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Rejeição do pedido pelo oficial de registro de imóveis – Dúvida inversa julgada procedente – Titular do domínio interditado antes da vigência do atual estatuto da pessoa com deficiência – Incapacidade absoluta decretada em processo judicial que não pode ser revista na via administrativa – Entendimento jurisprudencial no sentido de que não flui o prazo da prescrição aquisitiva contra interditado antes da entrada em vigor da Lei 13.146/2015 – Reconhecimento da usucapião deve ser induvidoso – Apelação não provida.

Trata-se de apelação interposta por Carlota Maria Ferreira contra a r. sentença proferida pela MMª Juíza Corregedora Permanente do 11º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital, que julgou procedente a dúvida inversamente suscitada e manteve a recusa de registro da aquisição da propriedade pela usucapião extraordinária do imóvel da matrícula nº 73.364 porque o titular do domínio foi qualificado como absolutamente incapaz por sentença transitada em julgado antes da entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146/2015, o que só pode ser revisto na via judicial. Além disso, a sentença destaca entendimento jurisprudencial para fundamentar a negativa do Registrador quanto à não fluência do prazo prescricional contra a pessoa com deficiência interditada antes da vigência do referido Estatuto (fls. 95/99). Afirma a apelante, em síntese, que a pessoa com deficiência não é absolutamente incapaz ante a atual legislação, de sorte a não se aplicar o disposto no artigo 198, I, do Código Civil, admitindo-se a fluência da prescrição contra o proprietário do imóvel, interditado por ser pessoa com deficiência. Invoca manifesta insegurança jurídica provocada pela sentença recorrida porque ignora decreto de usucapião de outro imóvel, nos autos do processo de nº 0149625-27.2008.8.26.0100, que tramitou perante a 1ª Vara de Registros Públicos, de propriedade do mesmo interditado, em favor do então locatário, Mario Cesar Santos Pedroso. Pede, então, a reversão da sentença, para que lhe seja reconhecido o domínio do imóvel indicado na petição inicial (fls. 114/125).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 172/177).

A recorrente apresentou petição acompanhada de documentos (fls. 182/187), sobre os quais a Procuradoria Geral de Justiça tomou ciência e se manifestou pela reiteração do parecer anterior (fls. 195).

É o relatório.

Desde logo, importa consignar que a interessada apresentou reclamação, recebida como dúvida inversa pela decisão a fls. 46, contra a rejeição do 11º Oficial de Registro de Imóveis da Capital do pedido de usucapião extrajudicial e consequente negativa de registro, do imóvel de matrícula nº 73.364 daquela serventia, sob fundamento de que não corre a prescrição contra os incapazes, situação ostentada pelo titular do domínio, em razão de interdição, forte nos artigos 197, 198 e 1.244 do Código Civil.

A r. sentença manteve o indeferimento, destacando a interdição do proprietário do imóvel decretada antes da entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o que só pode ser revisto na via judicial, além de dar respaldo à negativa do Registrador ao citar precedentes jurisprudenciais quanto à não fluência do prazo prescricional contra a pessoa com deficiência interditada antes da vigência do referido Estatuto.

Pois bem.

Da certidão de matrícula do imóvel (fls. 34/37), colhesse a informação de que o proprietário Iorbe Pereira dos Santos, também conhecido por Iorbe Pereira Simões ou Iorbe dos Santos é interditado (R.4, datado de 18/05/1982).

A interdição de Iorbe foi decretada por sentença transitada em julgado em 17 de julho de 1979 (fls. 38). Vale dizer, reconheceu-se sua incapacidade absoluta por sentença transitada em julgado antes da vigência do Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146/2015.

Nestas condições, não se vislumbra possível, no âmbito deste processo administrativo de dúvida, afastar a incapacidade absoluta do proprietário do imóvel reconhecida em sentença judicial transitada em julgado e permitir a fluência do prazo de prescrição aquisitiva contra ele.

E como mencionado na r. sentença recorrida, há entendimento jurisprudencial no sentido de que o reconhecimento da incapacidade do titular do domínio do bem usucapiendo, em sentença de interdição proferida antes da vigência do Estatuto da Pessoa com Deficiência, impede o curso do prazo prescricional aquisitivo.

Neste sentido, destaca-se:

“USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA. Pleito fundado em alegação de posse mansa e pacífica sobre o imóvel usucapiendo. Contrato de locação do imóvel ao falecido marido da autora juntado em contestação. Locatário tem somente posse direta e ad interdicta, com dever de restituição, incompatível com o animus domini exigido no art. 1.238 do Código Civil. Ausência de prova da inversão da qualidade da posse. Reconhecimento da prescrição aquisitiva deve ser estreme de dúvidas. Incapacidade absoluta da ré impede a prescrição aquisitiva. Incapacidade absoluta reconhecida antes do advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Artigos 198 e 1.244 do Código Civil. Sentença de improcedência da ação mantida. Recurso não provido” (Apelação Cível nº 1006838-46.2017.8.26.0001; 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo; Relator: Francisco Loureiro; data do julgamento: 14 de março de 2023)Inviável, portanto, prosseguir com a usucapião na via administrativa porquanto o reconhecimento do domínio deve ser induvidoso.

Eventual deferimento da pretensão em hipótese outra, ainda que guarde semelhança com a situação vertente, não autoriza seja deferido o pedido ante a negativa fundada do Registrador. Quanto à última petição apresentada pela recorrente, em que alega a concordância do Registrador em outro caso envolvendo o mesmo titular do domínio, vê-se que isso não corresponde à realidade.

O Oficial não manifestou assentimento quanto ao deferimento do pedido de usucapião, mas apenas aduziu que: “Em caso de ser julgado procedente o pedido, a matrícula do imóvel será aberta em consonância com os elementos constantes dos autos”.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 14.03.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

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2VRP/SP: Legitimidade, em concreto, da Negativa de concessão do benefício da gratuidade para a lavratura de Escritura Pública de Inventário.


Processo 1156991-75.2023.8.26.0100

Pedido de Providências – Tabelionato de Notas – C.B. – – N.B. – – Y.S.B. – Juiz(a) de Direito: LETICIA DE ASSIS BRUNING VISTOS, Cuida-se de representação formulada por C. B. e outros, que se insurgem quanto à negativa de concessão do benefício da gratuidade para a lavratura de Escritura Pública de Inventário perante o Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas do 32º Subdistrito – Capela do Socorro, da Capital. Os autos foram instruídos com os documentos de fls. 06/89. O Senhor Interino, responsável pela delegação vaga, prestou esclarecimentos (fls. 94/115). A parte Representante retornou aos autos para reiterar os termos de seu protesto inicial (fls. 117). O Ministério Público ofertou parecer (fls. 131/132). É o breve relatório. Decido. Trata-se de pedido de providências instaurado a partir de representação relativa à suposta negativa de concessão do benefício da gratuidade para a lavratura de Escritura Pública de Inventário perante o Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas do 32º Subdistrito – Capela do Socorro, da Capital. Narra a parte Reclamante que solicitou a concessão do benefício da gratuidade para a lavratura de Escritura Pública, por não ter condições de arcar com os custos do ato notarial. Aduz que a edição da Resolução 326/2020 (combinada com a Resolução 35/2007), ambas do CNJ, prevê o benefício àqueles que declararem a condição de pobreza. Entendendo que a negativa, pela serventia extrajudicial, é infundada, interpôs a presente Representação. A seu turno, o Senhor Interino veio aos autos para esclarecer que a negativa da concessão do benefício da gratuidade se fundou no fato de que não foi constatado, pela unidade, o estado de pobreza da parte interessada, na concepção jurídica do termo, não obstante a alegação efetuada. Nesse sentido, explanou o Designado que o pedido de gratuidade foi deduzido somente ao fim de todo o procedimento, após inclusive a lavratura do ato, coibindo a devida análise do pedido pela unidade de notas. Ainda, a documentação comprobatória de miserabilidade foi requerida às partes, constatando-se que o rendimento mensal médio de cada um dos herdeiros é da soma de R$ 8.500,00, valor bem acima do critério de pobreza adotado pela própria Defensoria Pública e corroborado pela jurisprudência majoritário do TJSP. Por conseguinte, explica o Senhor Interino que foi emitida a devida nota devolutiva e informado à parte interessada que poderiam impugnar a decisão. Todavia, decidiram os interessados representar diretamente a esta Corregedoria Permanente. A seu turno, a parte Representante, instada a se manifestar quanto aos esclarecimentos prestados, reiterou os termos de sua insurgência inicial, deduzindo que a serventia descumpre a Resolução CNJ 326/2020. Pois bem. Primeiramente, consigno que não há dúvidas da previsão legal de gratuidade aos reconhecidamente pobres, nos termos da mencionada Resolução CNJ 326/2020. Por outro lado, sabidamente, não há uma norma jurídica objetiva que fixe um teto de rendas para concessão do benefício da gratuidade, competindo ao serviço extrajudicial o exame de caso a caso de modo a estabelecer um critério igualitário. Com efeito, é devidamente assentado na doutrina e nas normas administrativas que regem a matéria, bem como em firmes precedentes deste Juízo Corregedor Permanente (p. ex.: 0045661-95.2020.8.26.0100; 0013594-43.2021.8.26.0100 e 1024142- 76.2022.8.26.0100) que a declaração de pobreza não pode ser aceita por si só, devendo ser contextualizada mediante a apresentação de documentos comprobatórios da alegada miserabilidade, nos termos do item 80.2, do Capítulo XVI, das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça. Nesse sentido, a declaração acerca da situação jurídica de pobreza não tem caráter absoluto, portanto, observado o respeito à intimidade, deve a Serventia Extrajudicial solicitar maiores esclarecimentos acerca dos rendimentos dos requerentes. Do contrário, a afirmação seria absoluta. No mais, o deferimento do benefício da gratuidade, de maneira indiscriminada, contemplando aqueles que não são, de fato, pobres, na acepção jurídica do termo, traz prejuízos aos cofres públicos, afetando negativamente o cidadão que realmente necessita do amparo do poder estatal. O item 80.2, do Capítulo XVI, das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça, é claro ao afirmar a possibilidade de questionamento da declaração efetuada, ao deduzir que se o Tabelião de Notas, motivadamente, suspeitar da veracidade da declaração de miserabilidade, deverá comunicar o fato ao Juiz Corregedor Permanente, por escrito, com exposição de suas razões, para as providências pertinentes. Ademais, em situação análoga, o disposto no item 3.1, Capítulo XVII, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, ao referir o procedimento de habilitação para o casamento, indica a possibilidade de se averiguar o status de pobreza declarado, destacando-se, assim, o caráter não-absoluto de tal declaração. 3.1. Os reconhecidamente pobres, cujo estado de pobreza será comprovado por declaração do próprio interessado ou a rogo, sob pena de responsabilidade civil e criminal, estão isentos de pagamento de emolumentos pela habilitação de casamento, pelo registro e pela primeira certidão, assim como pelas demais certidões extraídas pelos Registros Civis das Pessoas Naturais, podendo o Oficial solicitar documentos comprobatórios em caso de dúvida quanto à declaração prestada. Sem menos, Alberto Gentil aponta pela possibilidade e necessidade de verificação minuciosa da declaração de miserabilidade, nos seguintes termos: “(…) entendemos que a melhor compreensão do termo “insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas e os honorários (…)” [CPC, art. 98] ainda é exigir da parte interessada na benesse legal a demonstração de insuficiência econômica para o custeio das despesas do Processo e emolumentos. Desse modo, prestigiado o acesso efetivo à justiça na busca da concretização de direitos dos necessitados, ainda manteremos um sistema pautado na boa-fé objetiva e razoabilidade. Boa-fé objetiva, pois trata-se de comportamento leal da parte arcar com as despesas judiciais e extrajudiciais se possui patrimônio suficiente para tanto, ainda que tenha que se desfazer de parte dele. Afinal, prestado um serviço público que exige contrapartida, não se mostra razoável a concessão da gratuidade apenas pela falta de liquidez patrimonial do beneficiado. [Gentil, Alberto. Registros Públicos. – 2º ed. – Rio de Janeiro: Forense; MÉTODO, 2021. P. 53]. Na mesma senda direciona a jurisprudência dominante, a exemplo: (…) Com efeito, a gratuidade da justiça é devida apenas àqueles com comprovada insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios, conforme vigente regramento do NCPC, art. 98. Mesmo na plena vigência da Lei 1.060/50, os requisitos ali estabelecidos eram avaliados à luz do que dispõe a CF – art. 5°, LXXIV, que determina que a assistência jurídica integral e gratuita é devida aos que efetivamente comprovarem insuficiência de recursos. Assim, é lícito ao Juízo tanto exigir a apresentação de documentos comprobatórios quanto denegar o beneficio se os elementos dos autos desde logo indicarem a ausência dos requisitos para a concessão do beneficio. No caso concreto, o que se verifica é que um dos agravantes tem valores expressivos em aplicações financeiras (fls. 155), marcadas pela fácil liquidez, situação a elidir a declaração de pobreza apresentada. Disso tudo decorre que os agravantes não são pobres na acepção juridica do termo, de modo que foi bem o juizo monocrático ao indeferir os beneficios da justiça gratuita. (…) (TJSP, Agravo de Instrumento 2118797-42.2016.8.26.0000, 1ª C. de Direito Privado, Rel. Durval Augusto Rezende, j. 09.09.2016). Diante disso, no caso concreto, não houve ilícito funcional a ensejar quebra de confiança na atuação do Senhor Designado ou falha na prestação do serviço extrajudicial, em acertada negativa que visa coibir a concessão do benefício desmedidamente, sem justa necessidade, e garantir a manutenção da gratuidade para aqueles que efetivamente não têm condições de arcar com as custas e emolumentos dos atos extrajudiciais. Por conseguinte, a insurgência formulada pela parte Representante não pode prosperar, razão pela qual mantenho a negativa imposta pelo Senhor Interino, devendo os interessados providenciar o recolhimento das custas devidas para o prosseguimento do ato. Não havendo outras medidas de cunho administrativo a serem adotadas, determino o arquivamento dos autos. Ciência ao Senhor Designado e ao Ministério Público. P.I.C. – ADV: JEFFERSON ZAMITH (OAB 393310/SP), JEFFERSON ZAMITH (OAB 393310/SP), JEFFERSON ZAMITH (OAB 393310/SP) (DJe de 14.03.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

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