TJSP: Apelação Cível – Mandado de Segurança – ITBI – Município de São Paulo – Incidência sobre fração ideal do terreno – Cabimento – Hipótese em que a construção que se deu em regime de administração ou preço de custo, previsto na Lei nº 4.591/64 – Descabimento da inclusão na base de cálculo o valor da construção ou benfeitorias posteriores – Súmulas 110 e 470 do C. STF – Precedentes desta Corte de Justiça – Ordem concedida – Sentença reformada – Recurso provido.


ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1014165-07.2022.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante RONALDO YUZO OGASAWARA, é apelado MUNICÍPIO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores BEATRIZ BRAGA (Presidente) E HENRIQUE HARRIS JÚNIOR.

São Paulo, 31 de agosto de 2022.

BURZA NETO

Relator(a)

Assinatura Eletrônica

APELAÇÃO Nº: 1014165-07.2022.8.26.0053

COMARCA : SÃO PAULO

APELANTE : RONALDO YUZO OGASAWARA

APELADA : MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

INTERESSADO: SECRETÁRIO DA FAZENDA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

JUIZ 1ª INSTÂNCIA: Luis Manuel Fonseca Pires

VOTO Nº 52.601

APELAÇÃO CÍVEL – Mandado de Segurança – ITBI – Município de São Paulo – Incidência sobre fração ideal do terreno – Cabimento – Hipótese em que a construção que se deu em regime de administração ou preço de custo, previsto na Lei nº 4.591/64 – Descabimento da inclusão na base de cálculo o valor da construção ou benfeitorias posteriores – Súmulas 110 e 470 do C. STF – Precedentes desta Corte de Justiça – Ordem concedida – Sentença reformada – Recurso provido.

1. Trata-se de Apelação voltada contra a r. sentença de págs. 92/93, de relatório adotado que, nos autos de Mandado de Segurança impetrado por RONALDO YUZO OGASAWARA em face do SR. SECRETÁRIO DA FAZENDA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, julgou improcedente o pedido e, por conseguinte, denegou a ordem.

Inconformado, recorre RONALDO YUZO OGASAWARA objetivando a reforma do julgado alegando em síntese, e com base em jurisprudência e doutrina citadas em apoio que: a) “conforme hipótese inclusive apresentada pelo Relatório Circunstanciado, no presente caso, não há que se falar na incidência do ITBI sobre as benfeitorias, eis que a construção em questão adotou o regime de incorporação por administração “Preço de custo”, da qual o APELANTE fazia parte da Sociedade em Conta de Participação e, posteriormente, de Associação de Construção, bem como possui Instrumento de Compra e Venda de Fração Ideal e Contrato de Construção.”; b) “apesar de o APELANTE ter recepcionado o Auto de Infração de nº 090.042.993-3 o documento não se encontrava disponível para impugnação perante o sistema “Solução de Atendimento Virtual” da APELADA, o ora APELANTE não encontrou outra maneira a não ser impetrar um mandado de segurança, a fim de demonstrar que o ITBI foi devidamente recolhido e o APELANTE não deveria arcar com quaisquer outras despesas decorrentes deste imposto.”; e c) “o ora APELANTE adotou a forma correta de recolher o ITBI, realizando o recolhimento apenas sobre o valor da fração ideal do terreno, visto que, conforme se demonstra nos documentos anexos e do histórico abaixo, o APELANTE adquiriu o imóvel por meio de Incorporação a Preço de Custo / Administração, nos exatos termos previstos no artigo 58, da Lei nº 4.591/64, (…)”; (págs. 100/107 e docs.).

O Ministério Público, em primeiro grau, deixou de lançar manifestação por não vislumbrar existência de direito público (págs. 88/90), dispensando-se a abertura de vista à d. Procuradoria Geral de Justiça que, em inúmeros casos idênticos, declinou de apresentar parecer ou intervir nos autos por se cuidar de direito disponível.

É o Relatório.

2. O recurso comporta provimento como se verá adiante.

Cuida-se mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por RONALDO YUZO OGASAWARA em face de ato praticado pela PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, na pessoa do Senhor Secretário da Fazenda, Dr. Guilherme Bueno de Camargo, objetivando a anulação do débito fiscal relativo ao ITBI de imóvel construído com recursos próprios denominado Edifício Cosmopolitan Ipiranga, bem como “seja declarada a inexigibilidade do Auto de Infração nº 090.042.993-3 e de todos os valores dele decorrentes, reconhecendo o direito líquido e certo do IMPETRANTE de recolher o ITBI tendo por base de cálculo o valor da fração ideal do terreno existente à época da transmissão imobiliária, já realizado por este em 13.06.2017, quando da outorga da Escritura de Compra e Venda.”

Alegou em resumo a Impetrante/Recorrente em sua inicial que:

“a) em 12 de janeiro de 2012 o IMPETRANTE assinou “Termo de Registro e Reconhecimento de Quotas em Sociedade em Conta de Participação” – Quota 903 (conf. Anexo III), a qual tem como Sócio Ostensiva a Tarjab Incorporações Ltda.;

b) em 02 de maio de 2014 o IMPETRANTE e a Sócia Ostensiva, Tarjab Incorporações Ltda., assinaram distrato ao “Termo de Registro e Reconhecimento de Quotas em Sociedade em Conta de Participação” (conf. Anexo IV), onde foi gerado um crédito dos aportes realizados, sendo que tal crédito foi destinado a aquisição de fração ideal de Imóvel;

c) em 02 de maio de 2014 o IMPETRANTE e Tarjab Incorporações Ltda assinaram “Instrumento Particular de Venda e Compra de Fração Ideal de Terreno” (conf. Anexo V), referente a Unidade Autônoma 903, fração ideal de 0,6400000% pelo valor de R$ 77.247,50 (setenta e sete mil, duzentos e quarenta e sete reais e cinquenta centavos);

d) em 02 de maio de 2014 o IMPETRANTE e Tarjab Incorporações Ltda. assinaram também o “Instrumento Particular de Contrato de Construção e Outras Avenças” (conf. Anexo VI), o qual tem como objeto a construção a preço de custo da Unidade Autônoma 903, correspondente a fração ideal de 0,6400000%;

e) o IMPETRANTE era associado a Associação Cosmopolitan (conf. Anexo VII), com sede na Rua Fiação da Saúde, n.º 40, 9º Andar, inscrita sob n.º CNPJ 18.163.935/0001-54, associação destinada a construção do Empreendimento Cosmopolitan, a qual comparece como anuente no “Instrumento Particular de Contrato de Construção e Outras Avenças”;

f) Concluída a obra do Empreendimento Cosmopolitan, o IMPETRANTE e Tarjab Incorporações Ltda. consolidaram as obrigações dos instrumentos supra referidos por meio da Escritura de Venda e Compra, lavrada em 13 de junho de 2017, junto ao 10º Tabelião de Notas de São Paulo, Livro 2.572 e Folhas 83 (conf. Anexo VIII).

Cumpre esclarecer, então, Vossa Excelência, que a construção do imóvel realizada pela TARJAB INCORPORAÇÕES LTDA., conforme demonstram os documentos em anexo é uma Incorporação Imobiliária a Preço de Custo.”

Concedida parcialmente a liminar pelo d. Juízo de primeiro grau (págs. 66/68), vieram as informações/contestação do MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (págs. 76/84), o que desaguou na r. sentença denegatória da ordem, ora recorrida.

Pois bem.

Como é cediço, a base de cálculo de ITBI, conforme consta no artigo 38 do CTN, é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, e assim sendo é o negócio jurídico entabulado e o preço ali descrito quando da lavratura da escritura que revelará a base de cálculo do ITBI.

Logo, a base de cálculo do ITBI se define pelo valor venal já previamente conhecido pelo contribuinte, pelo valor declarado quando da lavratura do instrumento de compra e venda, não podendo ser incluída na base de cálculo o valor referente a eventuais e futuras edificações e/ou benfeitorias.

E como a propriedade imobiliária se adquire pelo registro do título junto ao cartório de imóveis competente, operando-se, então, o fato gerador (CC, art. 1.245 e CTN, art. 35, I), em consonância com a jurisprudência do STJ e do STF: a promessa de cessão de direitos à aquisição de imóvel não é fato gerador de ITBI e que a cobrança do Imposto de Transmissão Intervivos de Bens Imóveis está vinculada à existência de registro do instrumento no cartório competente (AgRg no REsp 982625/RJ, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, julg. Em 03/06/2008, e AgReg no A.I. 646.443/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, julg. em 16/12/2008).

Embora a Municipalidade sustente que a Impetrante não tenha apenas adquirido “a fração ideal de um terreno eles compraram unidades autônomas identificadas (Unidade 0903 9° Andar – localizada no Condomínio Edifício Cosmopolitan Ipiranga fls. 16 e seguintes), pagando por essas unidades um preço único, certo e fechado, englobando fração ideal do terreno e construção.” e que “o impetrante não trouxe aos autos qualquer documento que comprove que a construção foi realizada às suas expensas, não existindo, portanto, direito líquido e certo”, por ausência de juntada de faturas, duplicatas e recibos (págs. 80/81), os documentos juntados nos autos amparam a pretensão inaugural.

Senão vejamos.

À semelhança do que ocorreu em outro feito (Processo nº 1078896-46.2021.8.26.0053 págs. 159/161), o impetrante demonstrou que adquiriu como sócio oculto, quotas de sociedade formada por grupo de investidores, com objetivo de investimento e aplicação de recursos financeiros, na área imobiliária, juntamente com a TARJAB INCORPORAÇÕES LTDA. (sócia ostensiva), para fins de projeto imobiliário a preço de custo denominado Edifício Cosmopolitan Ipiranga (págs. 13).

De fato, segundo o objeto social da referida sociedade: “A sociedade terá por objetivo a formação de um grupo de investidores come propósito específico de aplicar recursos financeiros, de modo não solidário, em todo o tipo de base imobiliária revelado pela TARJAB INCORPORAÇÕES LTDA., desde que limitado ao desenvolvimento de projeto imobiliário a PREÇO DE CUSTO especialmente, a ser desenvolvidos nos imóveis situados na Rua Salvador Simões e Rua Visconde de Pirajá”. (Cláusula 1ª págs. 45/51).

Demonstrado, também, pelo “Instrumento Particular de Venda e Compra de Fração Ideal de Terreno”, a aquisição pelo Impetrante da Unidade Autônoma 903, fração ideal de 0,6400000% pelo valor de R$ 77.247,50 (setenta e sete mil, duzentos e quarenta e sete reais e cinquenta centavos) (págs. 15/20), sendo certo que o Impetrante e TARJAB INCORPORAÇÕES LTDA. firmaram também “Instrumento Particular de Contrato de Construção e Outras Avenças” (págs. 21/44), o qual comprova que a construção teve como objeto a construção a preço de custo da referida unidade:

“Cláusula 4ª – O(s) COMPRADOR(A/ES), na qualidade de CONDÔMINO(S), declarando estar de pleno acordo com o plano de incorporação ao qual doravante vincula(m)- se para todos os efeitos de direito, ratificando, ainda, aos termos da “Ata de Instituição de Abertura de Assembleias datada de 02/1/2012” e assembleias realizadas posteriormente, pelo presente Instrumento, contrata(m), como de fato contratado têm, a TARJAB INCORPORAÇÕES LTDA., para o fim específico de, sob regime de empreitada ou de administração, também conhecido por PREÇO DE CUSTO, na forma prevista na Lei 4.591/64, responsabilizar-se pela execução integral da construção do empreendimento e da unidade autônoma tipo referida no quadro resumo”. (destaquei);

Tais documentos, à evidência, revelam suficientes e comprovam que o impetrante, como sócio oculto, fez parte de grupo de pessoas que empreenderam a construção de unidades imobiliárias com o dispêndio de valores próprios, de sorte que não houve aquisição de imóvel já construído, mas de fração ideal do terreno, cuja construção nele foi erigida sob o regime da Lei nº 4.591/64.

Logo, diante desse quadro, incabível a exigência do ITBI nos moldes apontados pela Fazenda Municipal no Auto de Infração de págs. 11/12.

A matéria sub judice não é nova e este E. Tribunal de Justiça já teve oportunidade de apreciar questão análoga. Confira-se:

APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO Mandado de Segurança ITBI Incidência sobre fração ideal do terreno Construção que se deu em regime de administração ou preço de custo, previsto na Lei nº 4.591/64 Exclusão da base de cálculo do valor da construção posterior STF, Súmulas 110 e 470 Precedentes desta Câmara Recursos desprovidos. (Apelação nº 1078896-46.2021.8.26.0053, 14ª Câmara de Dir. Público, Rel. Des. OCTAVIO MACHADO DE BARROS, julg. 07/04/2022);

APELAÇÃO – Mandado de segurança – ITBI – Imóvel adquirido na planta. Imposto que deve ser calculado apenas sobre o valor do terreno. Descabimento da cobrança sobre o valor de obra futura, custeada pelo adquirente. Aplicabilidade das Súmulas 110 e 470 do STF. Precedentes desta Corte. Sentença concessiva da segurança mantida. Recurso não provido. (Apelação nº 1017374-42.2018.8.26.0564, 14ª Câmara de Dir. Público, Rel. Des. JOÃO ALBERTO PEZARINI, julg. 30/06/2020);

APELAÇÃO – Mandado de segurança – Município de São Bernardo do Campo – ITBI – Base de cálculo – Sentença que concedeu a segurança para determinar o recolhimento do tributo apenas sobre o valor do terreno e não sobre a totalidade do contrato de transmissão – Base de cálculo que não pode conter valor de construção futura – Inteligência das Súmulas 110 e 470 do STF – Sentença mantida – RECURSO DESPROVIDO. (Apelação nº 1006649-28.2017.8.26.0564, 14ª Câmara de Dir. Público, Rel. Des. MÔNICA SERRANO, julg. 27/09/2018);

Ademais, a não incidência do ITBI sobre construção futura está sedimentada nos entendimentos sumulados do C. Supremo Tribunal Federal, in verbis:

Súmula 110: O imposto de transmissão “inter vivos” não incide sobre a construção, ou parte dela, realizada pelo adquirente, mas sobre o que tiver sido construído ao tempo da alienação do terreno.

Súmula 470: O imposto de transmissão “inter vivos” não incide sobre a construção, ou parte dela, realizada, inequivocamente, pelo promitente comprador, mas sobre o valor do que tiver sido construído antes da promessa de venda.

Diante dessas considerações e por tais fundamentos, a concessão da segurança era a medida que se impunha e que ora se decreta para se declarar a nulidade do Auto de Infração nº 090.042.993-3 e a inexigibilidade de todos os valores dele decorrentes, reconhecido o direito líquido e certo do Impetrante de recolher o ITBI tendo por base de cálculo o valor da fração ideal do terreno existente à época da transmissão imobiliária. Custas ex lege.

Por derradeiro, considera-se prequestionada toda matéria infraconstitucional e constitucional, observando-se que é pacífico no Superior Tribunal de Justiça que, tratando-se de préquestionamento, é desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais, bastando que a questão posta tenha sido decidida.

E mais, os embargos declaratórios, mesmo para fins de prequestionamento, só são admissíveis se a decisão embargada estiver eivada de algum dos vícios que ensejariam a oposição dessa espécie recursal (EDROMS-18205/SP, Ministro FELIX FISCHER, DJ-08.05.2006 p.240).

Ante o exposto, DÁ-SE provimento ao recurso.

LUIZ BURZA NETO

Relator – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1014165-07.2022.8.26.0053 – São Paulo – 18ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Luiz Burza Neto – DJ 01.09.2022

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito




CNJ: Consulta – Lei de arbitragem – Registros públicos – Efeitos e desdobramentos – Art. 221, IV, da Lei 6.015/1973 – Alcance da expressão carta de sentença – Equiparação entre a sentença arbitral e a judicial – Corregedoria Nacional de Justiça – Parecer – Consulta respondida.


Autos: CONSULTA – 0008630-40.2021.2.00.0000

Requerente: CÂMARA IBERO AMERICANA DE ARBITRAGEM MEDIAÇÃO EMPRESARIAL

Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

EMENTA

CONSULTA. LEI DE ARBITRAGEM. REGISTROS PÚBLICOS. EFEITOS E DESDOBRAMENTOS. ART. 221, IV, DA LEI 6.015/1973. ALCANCE DA EXPRESSÃO CARTA DE SENTENÇA. EQUIPARAÇÃO ENTRE A SENTENÇA ARBITRAL E A JUDICIAL. CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA. PARECER. CONSULTA RESPONDIDA.

DECISÃO 

Trata-se de Consulta, na qual a Câmara Ibero-Americana de Arbitragem e Mediação Empresarial (CIAAM) formula questionamento ao Conselho Nacional de Justiça acerca da possibilidade de a carta extraída de processo arbitral constituir carta de sentença (art. 221, IV, da Lei 6.015/73), assim como de os notários e registradores formarem carta de sentença referente à sentença arbitral, para efeito de ingresso nos registros públicos (Id 4547855).

Considerando a criação da Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro no âmbito da Corregedoria Nacional de Justiça – CN (Portaria 53, de 15.10.2020), solicitei à unidade a emissão de parecer, o que foi atendido sob a Id 4784144.

É o relatório. Decido.

A CIAAM formula questionamento ao CNJ (Id 4547855):

1) Acerca da possibilidade de a carta extraída de processo arbitral constituir carta de sentença conforme previsto no Art 221, IV, da Lei nº 6.015/73 (com redação conferida pela Lei Federal 13.484/17 em seus arts. 97 e 110 e Art. 214 do Tomo II das Normas da Corregedoria de Justiça do TJSP) e sobre a possibilidade de notários e registradores formarem carta de sentença referente a sentença arbitral, tudo para efeito de ingresso nos registros públicos.

2) Da desnecessidade de carta de sentença devendo o TABELIÃO, REGISTRO DE IMÓVEIS, efetivar a sentença arbitral, sem exigência de promoção de cumprimento de sentença perante o Poder Judiciário ou qualquer manifestação prévia do Poder Judiciário, conforme determina o Art. 214 TOMO II da Corregedoria do TJSP, como ainda, os artigos 97 e 110 da Lei Federal 13.484/17 e LRP, como ainda da Lei Federal 9.307/96 (LArb).

3) Se basta o pedido da parte, ou procurador, para que sejam realizadas as anotações, averbações etc., quanto a imóveis determinados em sentença arbitral, conforme art. 97 e 110 da Lei 13.484/17.

4) Se no caso do ITEM 3 basta o tabelião exercendo a prerrogativa do Art. 214 do TOMO II DAS NORMAS DA DD. CORREGEDORIA GERAL DE JUSTIÇA DO TJSP, promover a carta de sentença, sem exigir qualquer autorização judicial ou manifestação do Poder Judiciário, como exposto e fundamentado.

O artigo 89 do RICNJ [1], ao atribuir ao Plenário do Conselho Nacional de Justiça a incumbência de esclarecer dúvida quanto à aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de sua competência, estabeleceu como requisitos para o conhecimento do pedido ser a consulta formulada em tese; possuir interesse e repercussão gerais; e conter a indicação precisa do seu objeto.

Art. 89. O Plenário decidirá sobre consultas, em tese, de interesse e repercussão gerais quanto à dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de sua competência.

§ 1º A consulta deve conter indicação precisa do seu objeto, ser formulada articuladamente e estar instruída com a documentação pertinente, quando for o caso.

§ 2º A resposta à consulta, quando proferida pela maioria absoluta do Plenário, tem caráter normativo geral.

Examinando as indagações formuladas, tenho por preenchidos os pressupostos regimentais do CNJ, pois voltadas a elucidar o alcance da expressão “carta de sentença” prevista no art. 221, IV, da Lei 6.015 [2], de 31.12.1973, assim como a regularidade de atos cartorários decorrentes dessa interpretação.

Art. 221 – Somente são admitidos registro:

[…]

IV – cartas de sentença, formais de partilha, certidões e mandados extraídos de autos de processo.

Instada a se manifestar, a douta Corregedoria Nacional de Justiça pontuou que nos autos do PP 0004727-02.2018.2.00.0000 foi esclarecido que “a expressão ‘carta de sentença’ contida no art. 221, IV, da Lei n. 6.015/73 deve ser interpretada no sentido de contemplar tanto a carta de sentença arbitral como sentença judicial” (Id 3719676).

Nesse contexto, penso que a discussão suscitada pela consulente, nesta parte, encontra-se superada. Em relação aos demais pontos, o parecer exarado pela CN pondera que não há ato normativo, originado na Corregedoria Nacional de Justiça, impediente de que registradores inscrevam cartas de sentença arbitrais.

Por estes fundamentos, acolho como razões de decidir a manifestação técnica exarada pela Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro, ratificada pela Corregedoria Nacional de Justiça (Id 4784144 e 4818077).

No acervo de atos produzidos pela Corregedoria Nacional de Justiça consta a Decisão Id 3719676, que foi lavrada em 26/08/2019, para os autos do Pedido de Providências n. 0004727- 02.2018.2.00.0000.

A transcrição segue feita a seguir, na íntegra:

“(…) Cuida-se de consulta instaurada pelo CONSELHO NORTE E NORDESTE DE ENTIDADES DE MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM – CONNEMA – em desfavor do CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.

O requerente questiona se “Afigura-se tecnicamente correto considerar e interpretar o termo ‘cartas de sentença’ contido no art. 221 da Lei Federal nº 6.015/73 no sentido de contemplar tanto a carta de sentença judicial, quanto a proveniente de sentença/processo arbitral, já que os efeitos desta são plenamente equiparados aos daquela, inclusive garantindo o acesso aos registros públicos, dentre estes o imobiliário? ”.

Indaga se, “No tocante às normas notariais e registrais estabelecidas pelos Tribunais de Justiça Estaduais, podem os notários e oficiais de registro formar, a pedido da parte interessada, cartas de sentença referentes às sentenças arbitrais, adquirindo, portanto, acesso aos fólios registrais? ”.

As corregedorias Estaduais e do Distrito Federal foram intimadas a se manifestar sobre o tema tratado no presente expediente (Id 3172854).

A decisão constante do Id 3667905, determinou a redistribuição dos autos à Corregedoria Nacional de Justiça para decisão, uma vez que foi observado que se trata de matéria de competência da Corregedoria Nacional de Justiça, na forma do art. 8º, inciso XII, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça.

É, no essencial, o relatório.

Pois bem, as decisões de um árbitro possuem a mesma eficácia que as decisões proferidas pelo Poder Judiciário conforme interpretação da Lei n. 6.015/73, do CPC/2015 e da Lei n. 9.307/96.

Inicialmente, registra-se que nos termos do art. 18 da Lei Federal n. 9.307/96 (Lei de Arbitragem), o árbitro é o juiz de fato e de direito da causa submetida à sua jurisdição de modo que a sentenças proferidas por ele não estão sujeitas a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.

Ainda, o art. 31 da supracitada Lei, preceitua que a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário.

“art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.”

O Novo CPC, inclusive, em seus art. 515, estabelece que a sentença arbitral deve ser considerada como título executivo judicial e assim executada, o que demonstra, mais uma vez, que sentenças proferidas por árbitro possuem mesma eficácia que sentenças proferidas pelo Poder Judiciário.

“art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título:

I – as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa;

II – a decisão homologatória de autocomposição judicial;

III – a decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza;

IV – o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal;

V – o crédito de auxiliar da justiça, quando as custas, emolumentos ou honorários tiverem sido aprovados por decisão judicial;

VI – a sentença penal condenatória transitada em julgado;

VII – a sentença arbitral;

VIII – a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça;

IX – a decisão interlocutória estrangeira, após a concessão do exequatur à carta rogatória pelo Superior Tribunal de Justiça;

X – (VETADO).

§ 1º Nos casos dos incisos VI a IX, o devedor será citado no juízo cível para o cumprimento da sentença ou para a liquidação no prazo de 15 (quinze) dias.

§ 2º A autocomposição judicial pode envolver sujeito estranho ao processo e versar sobre relação jurídica que não tenha sido deduzida em juízo.”

Sobre o tema, destaco a lição de Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza:

Com efeito, não há como negar o ingresso no fólio real das sentenças arbitrais que decidam questões referentes a direitos patrimoniais relativos a imóveis. Tendo e produzindo os mesmos efeitos da sentença judicial, não pode ser vedado o acesso ao registro das sentenças arbitrais.

A equiparação da decisão arbitral à sentença judicial foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal na SE 5.206 – Espanha – Ag Rg (resumo em Inf. STF 71, de 12/05/97, mencionado em nota ao art. 35 da Lei 9.307 por Theotônio Negrão, Código de Processo Civil, Saraiva, 31a edição).

O título formal a ser apresentado ao serviço de registro de imóveis deve ser a carta de sentença, pois os demais títulos judiciais (formais de partilha, certidões e mandados) não podem ser expedidos pelos árbitros. Não têm os árbitros poder para: extrair mandados, que são ordens judiciais; certidões, que são atos administrativos, ou seja, emanam do serviço público; ou formais de partilha, que decorrem de inventário, sempre judicial.

Equiparada à carta de sentença judicial, está a carta de sentença arbitral, assim como aquela e todo e qualquer título apresentado para registro (em sentido lato), sujeita à qualificação registral. Vale a advertência de Álvaro Pinto de Arruda, ao se referir à qualificação dos títulos: “todos eles estão sujeitos à obediência aos mesmos princípios e ao cumprimento de idênticas cautelas”.

Há quem critique a inclusão da carta de sentença como título judicial com ingresso no registro, por ser documento que objetiva a execução provisória (arts. 589 e 590 do C.P.C.). No entanto, tal é a definição da carta de sentença em sentido estrito, enquanto a Lei 6.015 utiliza a expressão no sentido amplo, em vários dispositivos (arts. 97; 100, §§ 3o e 4o; 221, IV; 222).

Assim, apresentada carta de sentença arbitral para registro (em sentido lato), ao oficial de registro caberá examiná-la, em obediência ao princípio da legalidade.

(SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de. As relações entre os Serviços Extrajudiciais (Registrais e Notariais) e a Lei de Arbitragem (Lei 9.307, de 23/09;1996). Boletim Eletrônico do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, s.l., n. 1947, 23 de ago. 2005. Disponível em http://www.irib.org.br/obras/as-relacoes-entre-os-servicosextrajudiciais-registrais-e-notariais-e-a-lei-de-arbitragem-lei-9-307-de-23-09-1-996).

No mesmo sentido é a lição do eminente professor Joel Dias Figueira Jr.:

“Em síntese, a sentença arbitral põe termo a toda controvérsia objeto da convenção de arbitragem submetida ao conhecimento do juiz privado; por conseguinte, em observância ao princípio do deduzido e do dedutível, se alguma parcela do conflito originário, por qualquer razão, deixou de ser decidida na jurisdição arbitral, não mais se poderá submetê-la à nova arbitragem, tampouco ao conhecimento do Estado-juiz, operando-se a preclusão a respeito de tudo que foi ou poderia ter sido deduzido, mas não o foi. Assertiva inversa também é verdadeira, ou seja, independentemente da natureza do litígio, as questões que já foram apreciadas pelo poder Judiciário e fizeram coisa julgada não podem ser objeto de nova apreciação, desta feita em sede de juízo arbitral.

Por outro lado, anda impede que a liquidação de uma sentença judicial condenatória seja atribuída à jurisdição arbitral, pois as partes podem optar por um resultado mais rápido e qualificado para a simples definição dos limites da condenação (quantum debeatur), sem a mínima possibilidade de reapreciação, pelos árbitros, de matéria já decidida pelo Estado-juiz.

6. SUCESSÃO E EFETIOS DA SENTENÇA ARBITRAL

Infere-se do art. 31 da LA que sentença arbitral produza os mesmos efeitos entre as partes litigantes e os seus sucessores, a exemplo do que se verifica com a sentença proferida pelo Estado-juiz, o que remete o intérprete a refletir acerca da sucessão processual das partes na pendência do juízo arbitral.

A sentença arbitral resolve o conflito que foi submetido à cognição do juízo privado, põe fim à relação jurídico-processual arbitral, e, faz coisa julgada entre as partes litigantes, não beneficiando ou prejudicando terceiros estranhos à lide, e, sendo de natureza condenatória, constituirá título executivo judicial (CPC, art. 515,VII), e, consistindo em pagamento de prestação em dinheiro e a que determinar a conversão de prestação de fazer, de não fazer ou de dar a coisa em prestação pecuniária, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária (CPC, art. 495).

Diante da omissão da lei de regência acerca do evento morte de uma das partes ou perda de capacidade de seu representante legal ou de seu procurador, socorremo-nos dos regramentos das instituições arbitrais, ou, se necessário e excepcionalmente, ao CPC, no que couber.” (Figueira Jr., Joel Dias, Arbitargem , 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2019, pag. 356)

Cite-se, ainda, o seguinte artigo publicado na Revista de Arbitragem e Mediação:

“O art. 221, IV, da LRP diz que se admite o registro da carta de sentença. Dentro daquela ideia inicial de se ler o “velho” com os olhares do “novo”, entendemos que a expressão “carta de sentença” deverá englobar, também, a sentença arbitral, inclusive a parcial, desde que comprovado o seu trânsito em julgado. Não é necessário provar que a parte perdedora não ajuizou a ação anulatória de sentença arbitral, prevista no art. 32 da LA. A propósito, o manejo dessa ação não impede o cumprimento de sentença pelo vencedor, salvo se o juiz togado suspender a eficácia da sentença arbitral por meio de tutela de urgência. ”

(Trecho extraído do artigo: BERALDO, Leonardo de Faria. A eficácia das decisões do árbitro perante o registro de imóveis. REVISTA DE ARBITRAGEM E MEDIAÇÃO. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 58, jul./set. 2018.)

A propósito, confira enunciado publicado pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF) e aprovados na I Jornada Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios:

Enunciado 9 A sentença arbitral é hábil para inscrição, arquivamento, anotação, averbação ou registro em órgãos de registros públicos, independentemente de manifestação do Poder Judiciário. ”

Assim, a sentença arbitral, possui os mesmos efeitos da sentença judicial como título executivo, há uma equiparação eficaz, e nesta conformidade, assume prerrogativas de título hábil para o acesso ao registro imobiliário.

Portanto, a expressão “carta de sentença” contida no art. 221, IV, da Lei n. 6.015/73, deve ser interpretada no sentido de contemplar tanto a carta de sentença arbitral como sentença judicial.

Ante o exposto, julgo procedente o presente procedimento para esclarecer que a expressão “carta de sentença” contida no art. 221, IV, da Lei n. 6.015/73 deve ser interpretada no sentido de contemplar tanto a carta de sentença arbitral como sentença judicial.

À Secretaria Processual para alterar a classe processual para Pedido de Providencias. Após arquivem-se os presentes autos.

(…)”

Vê-se, portanto, que a dúvida acerca do alcance da expressão “carta de sentença” foi solvida em ocasião anterior, pela Corregedoria Nacional de Justiça, nos autos do PP n. 0004727- 02.2018.2.00.0000.

Resta, portanto, tão-somente indicar que, à luz do raciocínio jurídico exposto naquela ocasião anterior, não há ato normativo, originado na Corregedoria Nacional de Justiça, impediente de que registradores inscrevam cartas de sentença arbitrais.

Ante o exposto, a Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro opina pelo conhecimento da consulta formulada pela Câmara Ibero-Americana de Arbitragem e Mediação Empresarial, tão-somente para entrega do esclarecimento constante do item anterior.

É o parecer.

Ante o exposto, conheço da consulta e a respondo nos termos da fundamentação antecedente.

Intime-se.

Publique-se nos termos do art. 140 do RICNJ. Em seguida, arquivem-se, independentemente de nova conclusão.

Brasília, data registrada no sistema.

Conselheiro

Notas:

[1] Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/124.

[2] Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. – – /

Dados do processo:

CNJ – Consulta nº 0008630-40.2021.2.00.0000 – Rel. Min. Mário Goulart Maia – DJ 29.09.2022

Fonte: INR Publicação

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito