CSM/SP: Registro de Imóveis – Carta de adjudicação – Título judicial que se sujeita à qualificação registral – Inexistência de ordem judicial – Modo derivado de aquisição da propriedade – Área cujo desmembramento se pretende inferior a fração mínima de parcelamento – Inobservância ao que dispõem os arts. 65 da Lei 4.505/64 e 8º da Lei 5.868/72 – Cabimento do registro no CAR – Descrição da área a ser adjudicada que deve estar com pontos georreferenciados – Prescindibilidade de georreferenciamento da área remanescente do imóvel objeto da adjudicação, que não está sujeita a abertura de nova matrícula – Dúvida inversa julgada procedente – Apelação a que se nega provimento.


Apelação Cível nº 1000535-38.2021.8.26.0595

Espécie: APELAÇÃO CÍVEL
Número: 1000535-38.2021.8.26.0595
Comarca: SERRA NEGRA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1000535-38.2021.8.26.0595

Registro: 2022.0000533613

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000535-38.2021.8.26.0595, da Comarca de Serra Negra, em que é apelante NATANIEL MARTINS CORREA JUNIOR, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SERRA NEGRA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 4 de julho de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1000535-38.2021.8.26.0595

APELANTE: Nataniel Martins Correa Junior

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Serra Negra

VOTO Nº 38.724

Registro de Imóveis – Carta de adjudicação – Título judicial que se sujeita à qualificação registral – Inexistência de ordem judicial – Modo derivado de aquisição da propriedade – Área cujo desmembramento se pretende inferior a fração mínima de parcelamento – Inobservância ao que dispõem os arts. 65 da Lei 4.505/64 e 8º da Lei 5.868/72 – Cabimento do registro no CAR – Descrição da área a ser adjudicada que deve estar com pontos georreferenciados – Prescindibilidade de georreferenciamento da área remanescente do imóvel objeto da adjudicação, que não está sujeita a abertura de nova matrícula – Dúvida inversa julgada procedente – Apelação a que se nega provimento.

Cuida-se de apelação interposta por NATANIEL MARTINS CORREA JÚNIOR contra a r. Sentença (fls. 219/221) que julgou procedente a dúvida inversa e manteve a recusa do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Serra Negra em registrar a carta de adjudicação extraída dos autos do Processo n.º 0000865-38.2010.8.26.0595, que tramitou perante a 2ª Vara Cível da Comarca de Serra Negra.

Da nota devolutiva de fls. 27 constaram os seguintes óbices ao registro do título:

“1) Conforme planta de fls. 743, bem como memorial descritivo de fls. 720/722, a área que se pretende adjudicar possui 8.763,17 metros quadrados, sendo esta inferior a fração mínima de parcelamento para o imóvel rural, qual seja, 3,0 ha.

Ainda, conforme consta na planta mencionada, não há qualquer via pública oficial que tenha seccionado o imóvel, sendo que o local de passagem é identificado como “acesso particular”. Assim, não é possível o desdobro do imóvel, tendo em vista a área ser menor que a fração mínima de parcelamento, bem como não ser a adjudicação modo originário de aquisição, a ensejar abertura de Matrícula de área abaixo do legalmente permitido;

2) Deverá ser apresentado o documento de inscrição do imóvel rural no CAR, nos termos do item 125.2, Cap. XX, das NSCGJ;

3) A descrição da área a ser adjudicada, bem como o remanescente do imóvel, deverão estar descritos com pontos georreferenciados, nos termos do art. 225, § 3º, da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73); Em razão de desfalque parcial, o remanescente precisa ser especializado, pois os dados constantes na Matrícula não bastam para a abertura de matrícula da área remanescente. A falta de descrição de remanescente só é cabível quando ocorre a aquisição originária de propriedade, o que não se verifica no presente caso (adjudicação = modo derivado de aquisição da propriedade)”

Alega o recorrente, em suma, que as exigências são indevidas, uma vez que a r. decisão que deferiu a adjudicação do bem determinou a abertura de nova matrícula como se a área fosse objeto de aquisição por usucapião.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo parcial provimento do recurso (fls. 285/288).

É o relatório.

Inicialmente, recorde-se que o título judicial também se submete à qualificação pelo Oficial, tal como dispõe o item 117 do Capítulo XX do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, cujo teor é o seguinte:

“117. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.”

Nesse sentido, convém destacar o seguinte trecho extraído de caso análogo:

“De início, saliente-se que a origem judicial do título não impede a sua qualificação nem implica desobediência, como está no item 117 do Capítulo XX do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça e, no mais, é lição corrente deste Conselho Superior da Magistratura (mencione- se, por brevidade, o decidido na Apelação Cível n.º 0003968-52.2014.8.26.0453, j. 25.2.2016). Observe-se, ademais, que in casu se trata, verdadeiramente, de título judicial (passível, portanto, de qualificação), e não de ordem judicial (hipótese em cumprimento seria coativo e independeria do exame de legalidade próprio da atividade registral) (Apelação Cível 1018352-48.2021.8.26.0100, Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator Corregedor Geral Desembargador RICARDO ANAFE, data do julgamento: 14/12/2021 grifo não no original)”.

Este C. Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (TJSP; Apelação Cível 0003968-52.2014.8.26.0453; Relator PEREIRA CALÇAS; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Pirajuí – 1ª Vara; Data do Julgamento: 25/2/2016; Data de Registro: 13/4/2016).

No caso telado, a despeito do alegado pelo recorrente, caracteriza-se a carta de adjudicação como título judicial, de modo que a negativa exarada pelo Oficial não representa ilegalidade.

Há diferença entre ordem judicial e título judicial.

Evidencia-se, a primeira, pela natureza obrigatória, em que ato jurisdicional de juiz demanda a realização de determinado ato, sob pena de descumprimento, independentemente da verificação de requisitos legais pelo Oficial, salvo excepcionalmente quando houver manifesta incompetência em razão da matéria.

De outro lado, os títulos judiciais, conquanto sua origem judicial, são passíveis de qualificação. É pacífico o entendimento jurisprudencial de que a eles cabe a análise formal, das peculiaridades extrínsecas do título, para verificação do cumprimento dos princípios registrais.

Não se desconhece, ademais, que, em data relativamente recente, o C. Conselho Superior da Magistratura chegou a reconhecer que a arrematação/adjudicação constituía modo originário de aquisição da propriedade.

Contudo, tal entendimento acabou não prevalecendo, pois o fato de inexistir relação jurídica ou negocial entre o antigo proprietário e o adquirente (arrematante ou adjudicante) não é o quanto basta para afastar o reconhecimento de que há aquisição derivada da propriedade.

Como destaca Josué Modesto Passos:

“diz-se originária a aquisição que, em seu suporte fático, é independente da existência de um outro direito; derivada, a que pressupõe, em seu suporte fático, a existência do direito por adquirir. A inexistência de relação entre titulares, a distinção entre o conteúdo do direito anterior e o do direito adquirido originariamente, a extinção de restrições e limitações, tudo isso pode se passar, mas nada disso é da essência da aquisição originária”.[1]

Além disso, o fato de se achar o recorrente na posição de adjudicante não o escusa de cumprir as determinações legais sublinhadas pelo Oficial acerca do CAR e do georreferenciamento da área adjudicada.

Mesmo que dispensada a reserva legal (art. 12, §8º, da Lei n.º 12.651/12), em virtude da área adjudicada encerrar imóvel rural para fins de registro imobiliário, compete exigir o Cadastro Ambiental Rural CAR, nos termos do art. 29 da Lei n.º 12.651/12:

“Art. 29. É criado o Cadastro Ambiental Rural – CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.

(…)

§ 3º – A inscrição no CAR é obrigatória e por prazo indeterminado para todas as propriedades e posses rurais.” Assim tem decidido este C. Conselho Superior da Magistratura:

“Registro de Imóveis Desapropriação Parcial de Área Rural Aquisição originária da propriedade Rodovia em área rural Modificação geodésica do imóvel Cabimento do registro no CAR, nos termos do Código Florestal e das NSCGJ Recurso não provido”.[2]

E, a partir da redação dos arts. 176, § 3º e 225, § 3º, da Lei n.º 6.015/73, infere-se que, na hipótese em que há destaque de parcela de imóvel rural, existe a necessidade de regular apresentação da planta e do memorial descritivo georreferenciados, contendo as coordenadas georreferenciadas, notadamente pela repercussão no imóvel objeto da adjudicação no aspecto da especialidade objetiva.

“Art. 176, § 3º – Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1º será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.” (g.n.)

“Art. 225 § 3º- Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.”

Na expressão consagrada de Afrânio de Carvalho:

“(…) o requisito registral da especialidade do imóvel, vertido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto heterogêneo em relação a qualquer outro”.[3]

Não se pode olvidar, ainda, do teor do art. 2º do Decreto n.º 5.570/2005:

“Art. 2º A identificação do imóvel rural objeto de ação judicial, conforme previsto no § 3º do art. 225 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, será exigida nas seguintes situações e prazos:

I – imediatamente, qualquer que seja a dimensão da área, nas ações ajuizadas a partir da publicação deste Decreto;

II – nas ações ajuizadas antes da publicação deste Decreto, em trâmite, serão observados os prazos fixados no art. 10 do Decreto nº 4.449, de 2002.” Prescindível, de outro giro, a apresentação de memorial descritivo georreferenciado da área remanescente do imóvel objeto da matrícula n.º 19.230 (item 3 da nota devolutiva de fls. 27).

A uma porque não se pode impor ao adjudicante o ônus de providenciar a retificação do todo, impedindo-se o registro stricto sensu para aguardar o georreferenciamento da integralidade, tornando praticamente o imóvel inalienável mediante execução judicial, com prejuízo para credores e para a própria dignidade da Justiça.

É neste sentido o entendimento deste Conselho Superior da Magistratura:

“Registro de Imóveis – Dúvida – Título judicial – Arrematação – Execução forçada – Fração ideal – Falta de georreferenciamento, que já é obrigatório para imóvel em questão – Alienação coativa parcial para cujo registro não se pode exigir, entretanto, a inserção das coordenadas georreferenciadas – Inteligência dos §§ 3º-5º da Lei n. 6.015/1973, do inciso II do § 2º do Decreto n. 4.449/2002, e do item 10.1 do Cap. XX do Tomo II das NSCGJ – Apelação a que se dá provimento para reformar a r. sentença e afastar o óbice.” [4]

Em segundo lugar, havendo destaque da área adjudicada descrita com pontos georreferenciados, com a abertura de matrícula própria, a área remanescente não está sujeita a abertura de outra matrícula, diversamente do sustentado pelo Senhor Oficial.

A hipótese, ainda que tenha a matrícula original se sujeitado a diversas alienações ao longo do tempo, é de retificação e apuração da área remanescente, sem abertura de nova matrícula.

Dito isso, in casu, contudo, a abertura de matrícula da área adjudicada afigura-se inviável, sendo insuperável o óbice n.º 01 da nota devolutiva de fls. 27.

Infere-se da planta de fls. 743 e do memorial descritivo de fls. 720/722 que a área objeto da adjudicação possui 8.763,17 m², inferior, portanto, a fração mínima de parcelamento para o imóvel rural, qual seja, 3,0 ha.

Com efeito, a Lei n.º 4.505/64, em seu art. 65 diz:

“O imóvel rural não é divisível em área de dimensão inferior à constituição do módulo da propriedade rural”.

O art. 8º da Lei 5.868/72 estabelece:

“Para fins de transmissão, a qualquer título, na forma do art. 65 da Lei n° 4.504, de 30 de novembro de 1964, nenhum imóvel rural poderá ser desmembrado ou dividido em área de tamanho inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração mínima de parcelamento fixado no parágrafo Io deste artigo, prevalecendo a de menor área “.

Nesta ordem de ideias, uma vez ser a área adjudicada menor que a fração mínima de parcelamento, bem como não ser a adjudicação modo originário de aquisição, a ensejar abertura de Matrícula de área abaixo do legalmente permitido, não há como se afastar o óbice.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

NOTAS:

[1] PASSOS, Josué Modesto. A arrematação no registro de imóveis: continuidade do registro e natureza da aquisição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 111 e 112.

[2] Apelação n° 1034507-89.2018.8.26.0114, Desembargador Relator e Corregedor Geral da Justiça, Geraldo Francisco Pinheiro Franco, julgado em 27 de agosto de 2019.

[3] Registro de Imóveis, pág. 206.

[4] CSMSP – Apelação Cível: 1002000-92.2021.8.26.0624, Des. Rel. Ricardo Mair Anafe. (DJe de 09.09.2022 – SP)

Fonte: INR Publicações

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Formal de partilha – Arrolamento – ITCMD – Necessidade de apresentação de certidão de homologação pela Fazenda Estadual – Óbice mantido – Apelação não provida.


Apelação Cível nº 1108290-54.2021.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1108290-54.2021.8.26.0100

Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1108290-54.2021.8.26.0100

Registro: 2022.0000533615

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1108290-54.2021.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante RICARDO JESUS DE SOUZA, é apelado NONO OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 4 de julho de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1108290-54.2021.8.26.0100

APELANTE: Ricardo Jesus de Souza

APELADO: Nono Oficial de Registro de Imóveis da comarca da Capital

VOTO Nº 38.721

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Formal de partilha – Arrolamento – ITCMD – Necessidade de apresentação de certidão de homologação pela Fazenda Estadual – Óbice mantido – Apelação não provida.

Trata-se de apelação interposta por Ricardo Jesus de Souza contra a r. sentença que julgou procedente a dúvida suscitada em razão da recusa do registro de formal de partilha dos bens deixados pelo falecimento de José Jesus de Souza, expedido nos autos do Processo nº 1014023-46.2019.8.26.0100, da 2ª Vara da Família e Sucessões do Foro Regional VIII – Tatuapé, comarca de São Paulo, tendo por objeto a metade ideal do imóvel matriculado sob nº 194.593, junto ao 9º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, porque ausente certidão de homologação do recolhimento do Imposto de Transmissão “Causa Mortis” (ITCMD) pela Fazenda Estadual (fls. 73/75).

Em síntese, alega o apelante estar comprovado, nos autos, o recolhimento do tributo devido, na forma do art. 13, da Lei nº 16.050/2015, que alterou a Lei nº 10.705/2000. Aduz que a Portaria 89/2020, expedida pelo ente fiscal, não pode se sobrepor à lei, razão pela qual o óbice ao pretendido registro deve ser afastado (fls. 84/86).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 106/108).

É o relatório.

O registro do formal de partilha foi negado pelo Oficial, que expediu nota de devolução com a seguinte exigência (fls. 43):

“(…)

O registro do título continua na dependência da Certidão de Homologação da Guia nº 64191767, relativa ao recolhimento do ITCMD, conforme previsto no Art. 12 da Portaria CAT 89/2020”.

Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, que segue as regras vigentes ao tempo em que a inscrição (lato sensu) foi rogada (princípio tempus regit actum).

Quanto ao óbice apresentado pelo registrador, confirmado pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente, é sabido que a prova do recolhimento do ITCMD ou de sua isenção tem amparo na Lei nº 10.705, de 28 de dezembro de 2000 (art. 2º, I, e art. 8º, I), no Decreto nº 46.655, de 01 de abril de 2002 (arts. 21 e seguintes), bem como na Portaria CAT 89/20, de 26 de setembro de 2020 (art. 12).

A Portaria CAT 89/20, que disciplina procedimentos a serem observados pelos cartórios e pelas demais pessoas jurídicas que menciona, em relação a atos praticados sob sua responsabilidade passíveis de tributação pelo Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD, em seu Capítulo IV, art. 12, assim prescreve:

“Art. 12 Quando do registro de alterações na propriedade de imóvel, ocorridas em virtude de transmissão “causa mortis”, os Cartórios de Registro de Imóveis deverão exigir os seguintes documentos:

I–  na hipótese de transmissão realizada por meio de inventário judicial:

a) cópia da Declaração de ITCMD em que constem os imóveis objetos da transmissão, avaliados conforme o capítulo IV da Lei 10.705/2000;

b) certidão de homologação, expedida pela Secretaria da Fazenda e Planejamento, referente ao número da Declaração de ITCMD apresentada e, tratando-se de “Certidão de Homologação Sem Pagamento”, comprovante de pagamento dos débitos declarados na referida declaração de ITCMD;

II – na hipótese de transmissão realizada por arrolamento:

a) cópia da Declaração de ITCMD em que constem os imóveis objetos da transmissão, avaliados conforme o capítulo IV da Lei 10.705/2000;

b) certidão de homologação, expedida pela Secretaria da Fazenda e Planejamento, referente ao número da Declaração de ITCMD apresentada;”.

Como se vê, embora seja desnecessária, no procedimento de arrolamento que tramitou na esfera judicial, a comprovação da quitação do imposto de transmissão ITCMD como requisito para homologação da partilha (arts. 659 e 662, do Código de Processo Civil), é certo que, ao ser apresentado a registro o formal de partilha, o Oficial tem o dever legal de fiscalizar o recolhimento dos tributos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados, sob pena de responsabilização pessoal (art. 289, da Lei nº 6.015/73).

A omissão do delegatário pode levar, inclusive, à sua responsabilidade solidária no pagamento do tributo (art. 134, inciso VI, do Código Tributário Nacional).

No caso concreto, a despeito dos cálculos apresentados e da comprovação de um pagamento a título de ITCMD (fls. 24/28), é certo que o valor recolhido ainda não tinha sido homologado pelo fisco (fls. 66), de maneira que, para efeitos do art. 289, da Lei nº 6.015/1976 c. c. o art. 12, II, da Portaria CAT nº 89/2020, não se pode considerar adimplido.

Não se trata, pois, de discussão a respeito da regularidade da base de cálculo utilizada pelo contribuinte o que extrapolaria as atribuições do registrador , mas de ausência de prova eficaz do pagamento, a qual, nos termos da legislação tributária paulista, só existe quando se apresenta a homologação da autoridade fiscal.

Em outras palavras, discute-se a exigência de cumprimento do disposto no art. 2º, I e art. 8º, I, da Lei nº 10.705/2000, com regulamentação trazida pelos arts. 21 e seguintes, do Decreto nº 46.655/2002, o que torna imprescindível a apresentação da declaração do ITCMD à Fazenda Estadual, para que esta, por meio da certidão de homologação, manifeste concordância com o montante pago.

Por tais razões, sem o atendimento da providência questionada, inviável o pretendido registro. Nesse sentido:

“Registro de Imóveis – Formal de partilha – Comprovação de pagamento do ITCMD – Necessidade de apresentação de certidão de homologação pela Fazenda – Óbice mantido – Recurso não provido.” (TJSP; Apelação Cível 0000534-79.2020.8.26.0474; Rel. DES. RICARDO ANAFE (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Potirendaba – Vara Única; Data do Julgamento: 25/02/2021; Data de Registro: 05/03/2021).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – APELAÇÃO – DÚVIDA – NEGATIVA DE REGISTRO DE FORMAL DE PARTILHA EXPEDIDO EM INVENTÁRIO CONJUNTO – AUSÊNCIA DE MENÇÃO À MEAÇÃO DO CÔNJUGE SUPÉRSTITE – ACERTO DO ÓBICE REGISTRÁRIO – MEAÇÃO QUE INTEGRA A COMUNHÃO – INDIVISIBILIDADE – NECESSIDADE DE PARTILHA COMPROVAÇÃO DE PAGAMENTO DO ITCMD NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO DE HOMOLOGAÇÃO PELA FAZENDA ESTADUAL – ÓBICE MANTIDO – RECURSO NÃO PROVIDO” (TJSP; Apelação Cível 1019035-22.2020.8.26.0100; Rel. DES. RICARDO ANAFE (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 20/10/2021; Data de Registro: 11/11/2021).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – APELAÇÃO – DÚVIDA NEGATIVA DE REGISTRO DE FORMAL DE PARTILHA – NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO DE HOMOLOGAÇÃO PELA FAZENDA ESTADUAL – ÓBICE MANTIDO – RECURSO NÃO PROVIDO” (TJSP; Apelação Cível 1003996-75.2021.8.26.0576; Rel. DES. FERNANDO TORRES GARCIA (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de São José do Rio Preto – 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 11/02/2022; Data de Registro: 04/03/2022).

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 09.09.2022 – SP)

Fonte: INR Publicações

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