1VRP/SP: O ITBI incide no momento em que título hábil à transferência da propriedade imobiliária é apresentado para registro na matrícula.


Processo 1079550-52.2022.8.26.0100

Dúvida – REGISTROS PÚBLICOS – Gabriel Nunes Ramires – Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para determinar o registro do título. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: LUANA DA SILVA MONTEIRO (OAB 308283/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1079550-52.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – REGISTROS PÚBLICOS

Suscitante: 14º Oficial de Registro de Imoveis da Capital

Suscitado: Gabriel Nunes Ramires

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Gabriel Nunes Ramires diante da negativa em se proceder ao registro da carta de arrematação expedida pelo juízo da 16ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Capital no processo de autos n. 0219528-23.2006.8.26.0100 (matrícula n. 175.217 daquela serventia).

O Oficial informa que o registro do título foi adiado em razão de atraso no recolhimento do ITBI, que deveria ter ocorrido em quinze dias da data da arrematação (14/02/2020), de modo que necessária complementação, inclusive com encargos, na forma da legislação municipal (arts. 165 e 167 do Decreto n. 59.579/20); que devida, ainda, retificação do documento de arrecadação municipal – DAMSP para fazer constar a data correta da transação; que a legislação impõe aos registradores controle rigoroso do recolhimento de tributos, sob pena de responsabilidade pessoal.

Documentos vieram às fls. 04/471.

Em manifestação dirigida ao Oficial, a parte suscitada aduz que o fato gerador do ITBI somente ocorre com a transferência efetiva da propriedade imobiliária, o que se dá mediante registro, pelo que não há que se falar em complementação; que a fiscalização registral deve se restringir à verificação sobre a existência ou não do recolhimento do tributo e não sobre a correção do valor recolhido (fls. 07/11).

Em impugnação, a parte acrescenta que impetrou mandado de segurança contra a Prefeitura do Município de São Paulo para ver reconhecido seu direito à inexigibilidade dos encargos moratórios, sendo que liminar foi concedida (processo de autos n. 1045341-04.2022.8.26.0053 – 15ª Vara da Fazenda Pública da Capital), pelo que registro é possível (fls. 472/476).

O Ministério Público opinou pela improcedência (fls. 479/481).

É o relatório.

Fundamento e Decido.

No mérito, a dúvida é improcedente.

De início, vale destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real.

O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7).

Neste sentido, também a Ap. Cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:

“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.

E, ainda:

“REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA.

O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência – pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).

Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.

Não se desconhece, ainda, que, para os registradores, vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art.134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei 8.935/1994).

Todavia, acerca desta matéria, o Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo).

Nesse sentido, os seguintes julgados do E. Conselho Superior da Magistratura:

“Ao oficial de registro incumbe a verificação de recolhimento de tributos relativos aos atos praticados, não a sua exatidão” (Apelação Cível 20522-0/9- CSMSP – J.19.04.1995 – Rel. Antônio Carlos Alves Braga).

“Todavia, este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 996-6/6 CSMSP, j. 09.12.2008 – Rel. Ruy Camilo).

“Este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 0009480- 97.2013.8.26.0114 – Campinas – j. 02.09.2014 – Rel. des. Elliot Akel).

Nessa mesma linha, este juízo já decidiu em casos análogos que também versavam sobre a exigência do correto recolhimento de ITBI (autos de número 1115167-78.2019.8.26.0100, 1116491-06.2019.8.26.0100 e 1059178-53.2020.8.26.0100).

É certo que os artigos 1º, inciso I, 2º, inciso V, e 15 do Decreto Municipal n. 51.627/2010, que regulamentou a Lei Estadual n. 11.154/1991, preveem hipótese de incidência do imposto sobre transmissão onerosa inter vivos de bens imóveis em caso de arrematação (ITBI), a ser recolhido antes da assinatura da carta ou, no caso de embargos, do trânsito em julgado da sentença que os julgar.

O Decreto n. 55.196, de 11 de junho de 2014, repetiu as mesmas regras:

“Art. 1º O Imposto sobre Transmissão “Inter Vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição ITBI-IV tem como fato gerador: (…)

I – a transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso:

a) de bens imóveis, por natureza ou acessão física; (…)

Art. 2º: Estão compreendidos na incidência do Imposto (…):

V – a arrematação, a adjudicação e a remissão; (…)

Art. 16. Na arrematação, adjudicação ou remição, o Imposto deverá ser pago dentro de 15 (quinze) dias desses atos, antes da assinatura da respectiva carta e mesmo que esta não seja extraída.

Parágrafo único. Caso oferecidos embargos, o prazo será de 10 (dez) dias, a contar do trânsito em julgado da sentença que os rejeitar”.

Entretanto, o fato gerador do ITBI é a transmissão da propriedade, que somente se opera pelo registro do negócio jurídico perante a serventia imobiliária (artigos 156, inciso II, da Constituição Federal; 1.245 do Código Civil; 35, inciso I, do Código Tributário Nacional, e 1º, inciso I, “a”, do Decreto Municipal n. 55.196/2014).

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do ARE n.1.294.969/SP, fixou a seguinte tese (Tema 1124):

“O fato gerador do imposto sobre transmissão ‘inter vivos’ de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro”.

“Recurso Extraordinário com Agravo. Tributário. Mandado de Segurança. Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis – ITBI. Fato gerador. Cobrança do tributo sobre cessão de direitos. Impossibilidade. Exigência da transferência efetiva da propriedade imobiliária mediante registro em cartório. Precedentes. Multiplicidade de recursos extraordinários. Entendimento consolidado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Controvérsia constitucional dotada de repercussão geral. Reafirmação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Agravo conhecido. Recurso Extraordinário desprovido” (STF ARE n. 1.294.969 RG/SP Ministro Luiz Fux j. 15.12.2020).

Note-se que o decidido em sede de repercussão geral consolidou o entendimento já adotado pela Suprema Corte, de que o imposto de transmissão somente pode ser exigido quando da efetiva transferência do domínio (destaque nosso):

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO TRIBUTÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DEVIDO PROCESSO LEGAL. ITBI. FATO GERADOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. 1. A jurisprudência do STF se consolidou no sentido de que suposta ofensa aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório e dos limites da coisa julgada, quando a violação é debatida sob a ótica infraconstitucional, não apresenta repercussão geral. Precedente: RERG 748.371, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, DJe 1º.8.2013. 2. A transferência do domínio sobre o bem torna-se eficaz a partir do registro público, momento em que incide o Imposto Sobre Transferência de Bens Imóveis (ITBI), de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Logo, a promessa de compra e venda não representa fato gerador idôneo para propiciar o surgimento de obrigação tributária. 3. Agravo regimental a que se nega provimento” (ARE n. 807.255/AgR Min. Edson Fachin j. 06.10.2015).

Em outras palavras, o ITBI incide no momento em que título hábil à transferência da propriedade imobiliária é apresentado para registro na matrícula.

Assim e em tendo havido recolhimento sem identificação de hipótese de flagrante irrazoabilidade ou erro de cálculo, óbice não subsiste.

Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para determinar o registro do título.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 26 de agosto de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito (DJe de 30.08.2022 – SP)

FonteDiário da Justiça Eletrônico

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Negativa de registro de certidão de regularização fundiária – Ausência de requisitos da Lei 13.465/2017 – Inexistência de núcleo urbano informal – Ausência de adensamento humano – Existência de glebas vazias, cuja regularização deverá se submeter à Lei n.º 6.766/79 – Apelação a que se nega provimento.


Apelação Cível nº 1000524-56.2021.8.26.0450

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1000524-56.2021.8.26.0450
Comarca: PIRACAIA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1000524-56.2021.8.26.0450

Registro: 2022.0000482687

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000524-56.2021.8.26.0450, da Comarca de Piracaia, em que é apelante W & W EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES EIRELI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOAS JURÍDICAS DA COMARCA DE PIRACAIA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v. u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), XAVIER DE AQUINO (DECANO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 21 de junho de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº1000524-56.2021.8.26.0450

APELANTE: W & W Empreendimentos e Participações Eireli

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Piracaia

VOTO Nº 38.708

Registro de Imóveis – Dúvida – Negativa de registro de certidão de regularização fundiária – Ausência de requisitos da Lei 13.465/2017 – Inexistência de núcleo urbano informal – Ausência de adensamento humano – Existência de glebas vazias, cuja regularização deverá se submeter à Lei n.º 6.766/79 – Apelação a que se nega provimento.

Trata-se de apelação interposta por W&W EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES EIRELI em face da r. sentença de fls. 221/223, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Piracaia, negando registro a certidão de regularização fundiária e respectiva abertura de matrículas.

Da nota devolutiva de fls. 117 constaram os seguintes óbices:

“1) Não é possível o registro pleiteado pelos motivos expostos abaixo (art. 42, parágrafo único da Lei 13465/2017):

De acordo com o inciso II do art. 11 da citada lei define como núcleo urbano informal, as áreas caracterizadas como clandestino, irregular ou no qual não foi possível realizar a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente à época de sua implantação;

Já o inciso II do art. 13 da Lei /2017, diz que a regularização fundiária visa regularizar os núcleos urbanos informais ocupados por população não qualificada na 13465hipótese de que trata o inciso I do referido artigo.

Como se pode observar do teor acima, conclui-se que o núcleo urbano informal é o assentamento humano, ou seja, a ocupação da população em unidades imobiliárias, com a existência de edificações e equipamentos públicos capazes de permitir que o lcoal seja minimamente utilizado como moradia;

Não se pode admitir a aplicação da legislação de regularização fundiária para glebas vazias e sem edificações (sem a implantação no local, de um núcleo urbano); Somente será cabível a regularização fundiária nos moldes da Lei n.º 13.465/2017 se houver no local um adensamento populacional, ou seja, pessoas vivendo em situação de irregularidade, onde se comprova a irreversibilidade da situação criada pela ocupação ilegal da área (marco temporal: ocupações consolidadas até 22 de dezembro de 2016);

Tendo em vista que a área em questão não se enquadra nos requisitos mencionados acima, o presente registro é indeferido por esta serventia.

Mantemos o entendimento de que, conforme exposto no Manual de Aprovação de Projetos Habitacionais, expedidos pelo GRAPROHAB, o empreendimento em questão (não habitado) poderá ser apreciado pelo Graprohab, posto que o Decreto 52.053/07 se coaduna com a Lei n.º 13465/2017 no sentido de que o referido órgão não visa regularizar loteamos habitados, apenas, ou seja:

Tipos de empreendimentos que não são analisados pelo Graprohab: Empreendimentos Implantados Regularização

“Os projetos de regularização para empreendimentos implantados e habitados; aprovados e implantados anterior à data de criação do GRAPROHAB; ou registrados no CRI, não se enquadram no artigo 5º do Decreto 52.053/07 (pág. 17 do citado Manual)”

Diante do exposto acima, a parte deve encaminhar ao Graprohab o Projeto de Loteamento para aprovação e não o projeto de Regularização Fundiária, induzindo o órgão em erro.”

Em suas razões, a recorrente sustenta, em suma, que obteve a informação de que o GRAPROHAB não analisa loteamentos que possuem toda a infraestrutura e que a fixação e utilização dos equipamentos públicos na área demonstra estar consolidado; que após análise da situação fática o projeto de REURB foi aprovado pelo Município e emitida a CRF em questão; que se trata de registro com base no art. 15, inciso XV da Lei 13.465/2017; que foi apresentada listagem com os nomes dos proprietários das unidades que aguardam o registro de contrato de compra e venda; que foi reservada área máxima para uso público; que os promotores do parcelamento cumpriram as orientações técnicas emitidas pela Secretaria de Habitação; que o caso é sui generis e o fato de o loteamento ainda não possuir o adensamento humano não constitui impedimento para o registro.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 293/296).

É o relatório.

A recorrente apresentou requerimento de registro de regularização de loteamento objetivando o registro da CRF expedida pela Municipalidade de Piracaia, São Paulo, sob o n.º 04/2020, acompanhado de demais documentos.

O título foi qualificado negativamente nos termos da nota devolutiva de fls. 117 supramencionada.

O pleito telado contempla o registro do empreendimento “núcleo habitacional Loteamento Boa Vista”, localizado na Estrada Municipal José Augusto Peçanha Brandão PRC488, Piracaia, São Paulo, composto por 106 lotes, numa área total de 36.696,62m², integralmente de propriedade da recorrente.

Em suma, o óbice registral é o não enquadramento da situação às hipóteses previstas na Lei n.º 13.465/17, ausente situação de adensamento humano no local ou edificações.

A despeito dos argumentos trazidos com as razões recursais, a apelação não comporta provimento. Consoante disposto no art. 11, II, da Lei 13.465/2017:

“Art. 11. Para fins desta Lei, consideram-se:

II – núcleo urbano informal: aquele clandestino, irregular ou no qual não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente à época de sua implantação ou regularização”.

E, nos termos do art. 13 do mencionado Diploma Legal, há duas modalidades de Reurb, cujo pressuposto é a existência de núcleos urbanos informais ocupados, in verbis:

“Art. 13. A Reurb compreende duas modalidades:

I – Reurb de Interesse Social (Reurb-S) – regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda, assim declarados em ato do Poder Executivo municipal; e

II – Reurb de Interesse Específico (Reurb-E) – regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados por população não qualificada na hipótese de que trata o inciso I deste artigo.”

Na lição de Paola de Castro Ribeiro Macedo [1]:

“Por núcleo urbano informal, entende-se o assentamento humano clandestino ou irregular, situado em área urbana ou rural, com usos e características urbanas, constituído de unidades imobiliárias, com área inferior ao módulo mínimo de parcelamento rural, ou no qual não tenha sido possível realizar a titulaççao dos seus ocupantes (art. 11, I e II da Lei n.º 13.465/17).

Como se vê, o núcleo urbano informal, que será objeto da regularização, contém a ideia de assentamento humano, ou seja, ocupação da população em unidades imobiliárias, com a existência de edificações e equipamentos públicos capazes de permitir que o local seja minimamente utilizado como moradia ou outras atividades urbanas.”

E prossegue a autora:

“José Afonso da Silva explica, do ponto de vista urbanístico, o conceito de núcleo urbano: Cidade, no Brasil, é um núcleo urbano qualificado por um conjunto de sistemas político-administrativo, econômico não agrícola, familiar e simbólico como sede do governo municipal, qualquer que seja sua população. A característica marcante da cidade no Brasil consiste no fato de ser um núcleo urbano, sede do governo municipal.

Enfim, do ponto de vista urbanístico, um centro populacional assume características de cidade quando possui dois elementos essenciais: a) unidades edilícias – ou seja, o conjunto de edificações em que os membros da coletividade moram ou desenvolvem suas atividades produtivas, comerciais, industriais ou intelectuais; b) equipamentos públicos – ou seja, os bens públicos e sociais criados para servir às unidades edilícias e destinados à satisfação das necessidades de que os habitantes não podem prover-se diretamente e por sua própria conta (grifos nossos).

Ora, se o núcleo urbano pressupõe a existência de edificações e equipamentos públicos, o núcleo urbano informal, referido na Lei, pressupõe os mesmos requisitos. A diferença reside na irregularidade na implantação das unidades imobiliárias, que pode ser do ponto de vista jurídico, ambiental, urbanístico ou registral.

Desta maneira, somente será cabível considerar o aparato jurídico da regularização fundiária trazido pela Lei 13.465/2017 se houver no local um adensamento populacional, ou seja, pessoas vivendo em situação de irregularidade na área em questão.

Então, não se pode admitir a aplicação da legislação de regularização fundiária para glebas vazias, sem edificações, nas quais houve venda de terrenos subdividiso, de maneira ilegal, mas sem a implantação no local de um núcleo urbano. Isso porque a regularização fundiária tem caráter excepcional, que implica na atenuação das regras jurídicas em razão a irreversibilidade da situação criada pela ocupação ilegal da área. (g.n.)

Nesta ordem de ideias, conclui-se, pois, que, ausente situação de adensamento humano no local ou edificações, inaplicável a regularização fundiária nos moldes da Lei n.º 13.465/2017 a situação telada, mantendo-se, pois, o óbice registrário.

Não se está, por certo, a exigir que todas as unidades imobiliárias estejam efetivamente ocupadas dentro de um universo de diversas outras habitadas para fins da Lei n.º 13.465/2017.

O caso telado é, contudo, diverso. Não há unidades habitadas no local. Inexiste núcleo urbano informal. Apenas glebas vazias, cuja regularização deverá se submeter aos institutos convencionais da Lei n.º 6.766/79.

A utilização do sistema de regularização fundiária, com atenuação das regras jurídicas, exige, por certo, a ocupação predominante de pessoas a configurar o núcleo urbano informal, sob pena de contemplar glebas vazias, alienadas de maneira irregular.

Acerca da qualificação registrária da Certidão de Regularização Fundiária, relevante consignar trecho da Apelação n.º 1001229-85.2018.8.26.0506, de relatoria do então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco:

“E apesar do procedimento de registro não comportar a análise do mérito administrativo das certidões, licenças e autorizações expedidas pelo Poder Público, deve o Oficial de Registro qualificar esses atos para verificar se atendem à finalidade a que se destinam, ou seja, à congruência entre o seu conteúdo e o efeito que se destina a produzir, pois, ainda como decidido por este Col. Conselho Superior da Magistratura no julgamento da Apelação Cível nº 72.365-0/7, de que foi relator o Desembargador Luís de Macedo:

A qualificação registrária não é um simples processo mecânico, chancelador dos atos já praticados, mas parte, isso sim, de uma análise lógica, voltada para a perquirição da compatibilidade entre os assentamentos registrários e os títulos causais (judiciais ou extrajudiciais), sempre feita à luz das normas cogentes em vigor”.

Fixado, assim, em Lei o objeto da regularização fundiária não cabe a Administração Pública escolhê-lo.

Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua discricionariedade administrativa, concluindo que:

“discricionariedade, portanto, é a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente”. [2]

O poder discricionário consiste, assim, na faculdade concedida pela norma jurídica à Administração para que esta emane os atos administrativos, gozando de liberdade na escolha da conveniência e oportunidade. Essa liberdade, não reside no ato por completo, pois quanto à competência, à forma e à finalidade, a Administração está vinculada ao disposto em lei.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

NOTAS:

[1] Regularização Fundiária Urbana e seus Mecanismos de Titulação dos Ocupantes: Lei n.º 13.465/2017 e Decreto n.º 9.310/2018/Paola de Castro Ribeiro Macedo. São Paulo: Thomson Reuters, Brasil, 2020. (Coleção Direito Imobiliário; vol. V/Alberto Gentil de Almeida Pedroso, coordenador).

[2] 10 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e controle jurisdicional, p.48. (DJe de 26.08.2022 – SP)

Fonte: INR Publicações

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