Incompetência do Juízo de Registros Públicos – Desacolhimento – Pedido que objetiva tão somente a inclusão do regime de bens na certidão de casamento e não a alteração de algum dado constante do documento – Competência da Vara de Família e Sucessões afastada – Preliminar rejeitada – Retificação de registro civil – Procedência do pedido – Inconformismo – Desacolhimento – Autores que se casaram no Japão – Pretensão de inclusão do regime de bens na certidão de casamento – Possibilidade – Ausência de previsão de regime de bens na transcrição – Incidência da lei do país em que tiverem os nubentes domicílio – Observância do art. 7º, § 4º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Consulado do Brasil em Nagoia, Japão, que aplica a lei do país de origem e diz que se os nubentes forem brasileiros e quiserem estipular regime de bens diferente de comunhão parcial deverão realizar pacto antenupcial – Inexistência do referido pacto no caso dos autos – Ausência de violação da verdade registral – Dados faltantes do traslado que poderão ser inseridos posteriormente por averbação – Aplicação do art. 13, § 9º, da Resolução nº 155/2012 do Conselho Nacional de Justiça – Autores que são brasileiros e pleitearam de comum acordo a incidência do regime de comunhão parcial de bens que é o adotado pela lei brasileira na ausência de convenção – Sentença mantida – Recurso desprovido.


ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1116140-96.2020.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, são apelados ANDERSON LUIZ AKAMINE e LUCIANA NAOMI HIGA AKAMINE.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Preliminar rejeitada. Recurso desprovido. V.U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores ERICKSON GAVAZZA MARQUES (Presidente sem voto), JAMES SIANO E MOREIRA VIEGAS.

São Paulo, 12 de abril de 2022.

J.L. MÔNACO DA SILVA

RELATOR

Assinatura Eletrônica

Voto : 36604

Apelação : 1116140-96.2020.8.26.0100

Apelante : Ministério Público do Estado de São Paulo

Apelado : Anderson Luiz Akamine e outra

Comarca : São Paulo

Juiz : Dra. Juliana Dias Almeida de Filippo

INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO DE REGISTROS PÚBLICOS – Desacolhimento – Pedido que objetiva tão somente a inclusão do regime de bens na certidão de casamento e não a alteração de algum dado constante do documento – Competência da Vara de Família e Sucessões afastada – Preliminar rejeitada.

RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL – Procedência do pedido – Inconformismo – Desacolhimento – Autores que se casaram no Japão – Pretensão de inclusão do regime de bens na certidão de casamento – Possibilidade – Ausência de previsão de regime de bens na transcrição – Incidência da lei do país em que tiverem os nubentes domicílio – Observância do art. 7º, § 4º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Consulado do Brasil em Nagoia, Japão, que aplica a lei do país de origem e diz que se os nubentes forem brasileiros e quiserem estipular regime de bens diferente de comunhão parcial deverão realizar pacto antenupcial – Inexistência do referido pacto no caso dos autos – Ausência de violação da verdade registral – Dados faltantes do traslado que poderão ser inseridos posteriormente por averbação – Aplicação do art. 13, § 9º, da Resolução n. 155/2012 do Conselho Nacional de Justiça – Autores que são brasileiros e pleitearam de comum acordo a incidência do regime de comunhão parcial de bens que é o adotado pela lei brasileira na ausência de convenção – Sentença mantida – Recurso desprovido.

Trata-se de ação de retificação de registro civil ajuizada por Anderson Luiz Akamine e outra, tendo a r. sentença de fls. 62/65, de relatório adotado, julgado procedente o pedido.

Inconformado, apela o Ministério Público alegando, preliminarmente, a incompetência do Juízo. Aduz que as Varas de Registros Públicos são competentes para julgamento referente aos atos de registro civil de pessoas naturais, de registro civil de pessoas jurídicas, de registro de títulos e documentos e de registro de imóveis, nos termos do art. 38, inc. I, do Decreto-Lei Complementar n. 3/1969 e do art. 1º, § 1º, da Lei n. 6.015/1973. Afirma que a douta magistrada é competente para apreciar e decidir sobre eventual erro na transcrição da certidão de casamento, o que não é o caso dos autos. Relata que o pedido deve ser apreciado pela Vara de Família e Sucessões. No mérito, sustenta, em suma, que os autores não juntaram documento do Consulado-Geral do Brasil no Japão (v. fls. 56/57). Entende que ao deferir a retificação houve desrespeito à verdade registral. Pede a redistribuição do feito para a Vara de Família e Sucessões, ou, subsidiariamente, a improcedência do pedido em razão da não juntada dos documentos mencionados no item 159.3, Capítulo XVII, das NSCGJ. Requer, pois, o provimento do recurso (v. fls. 96/101).

Recurso respondido (v. fls. 80/84).

É o relatório.

O recurso não merece provimento.

De início, a preliminar de incompetência do Juízo de Registros Públicos não merece acolhimento, pois o pedido objetiva tão somente a inclusão do regime de bens no assento de transcrição da certidão de casamento e não a alteração de algum dado constante do documento, o que afasta a competência da Vara de Família e Sucessões.

No mérito, é caso de aplicar o disposto no art. 252 do RITJSP e ratificar os fundamentos da r. sentença apelada, proferida nos seguintes termos:

“Vistos.

ANDERSON LUIZ AKAMINE e LUCIANA NAOMI HIGA AKAMINE qualificados aos autos, propõem a presente ação com pedido de retificação de seu assento de casamento. Afirmam que contraíram matrimônio no ano de 1994, no Japão, e que ali não foi realizada qualquer anotação acerca do regime de bens, ante ao silêncio da lei local. Assim, postulam pela retificação do traslado lavrado perante o 1° Cartório de Registro Civil da Sé, para que conste o regime da comunhão parcial de bens como o escolhido pelo casal. Com a inicial, foram juntados os documentos das fls. 06/15.

O Ministério Público ofertou parecer, opinando pelo incompetência deste Juízo (fls. 33/37).

É o relatório.

FUNDAMENTO E DECIDO.

O pedido comporta acolhimento.

Pretendem as partes suprir omissão existente quanto ao regime de bens aplicável ao matrimônio, este ocorrido no ano de 1994, na cidade de Nanao, província de Ishiwaka, Japão.

Dispõe o artigo 7° da da LINDB, dispõe: “A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e dos direitos de familia”.

De igual forma, prevê o item 4.3.9 do Manual de Serviço Consular Jurídico, do Ministério das Relações Exteriores, que: ” O regime jurídico patrimonial dos bens dos cônjuges, legal ou convencional, ainda que de dois brasileiros, em casamentos celebrados no exterior, por autoridades estrangeiras, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, ao do primeiro domicílio do casal”.

Acerca da hipótese tratada nestes autos, prevê o item 4.3.10, em seu item III: ” Quando o regime de bens adotado não constar na certidão estrangeira de casamento, a Autoridade Consular deverá solicitar que o interessado assine declaração, sob as penas da lei, que ficará arquivado no Posto, sobre a eventual existência de pacto antenupcial (ver ANEXOS):

a) o pacto antenupcial eventualmente existente (regime convencional) deverá ser apresentado pelo declarante;

b) a Autoridade Consular deverá verificar se a definição do regime pactuado corresponde àquela de um dos regimes previstos no Código Civil brasileiro: comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens, separação de bens ou participação final nos aquestos (ver NSCJ 4.3.46). Em caso negativo, ver a NSCJ 4.3.13. Em caso positivo, deverá, ao lançar os dados do casamento no SCI, marcar o regime brasileiro de bens correspondente e incluir a seguinte anotação no campo “Observação adicional”:

“(Regime de bens brasileiro), conforme o estabelecido no pacto antenupcial, registrado/reconhecido em (data), no/na (cartório/órgão de registro/reconhecimento do pacto), nos termos da legislação do/da/dos/das (país ou, se for o caso, do estado, cantão, província, departamento, entre outros). Aplica-se o previsto no § 5º do Art. 13 da Resolução CNJ nº 155/2012.X

Sendo as partes brasileiras e residindo em território nacional, flagrante o prejuízo da omissão constatada, que deve aqui ser suprida.

Acaso a união tivesse sido celebrada no Brasil, a situação poderia ser corrigida por mera averbação nos termos do item 159.3, do Capítulo XVII das NSCGJ, que assim dispõe: “Faculta-se a averbação do regime de bens posteriormente, sem a necessidade de autorização judicial, mediante apresentação de documentação comprobatória”.

Ainda que não se vislumbre formalmente erro no ato que deu ensejo ao traslado de fls. 12,/13 a omissão deve ser sanada por este Juízo, mormente porque inexiste qualquer prejuízo a terceiros, e o regime pretendido, qual seja, o da comunhão parcial, já é o adotado por nosso legislador, conforme previsto pelo 1640 do CC.

Permanecendo a omissão, as partes sofreriam toda a sorte de dissabores, sobretudo ante as relações negociais, o que foi demonstrado pela nota devolutiva de fls 14/15.

De outro lado, há compatibilidade do regime pretendido com a legislação brasileira, nos termos exigidos pelo Manual do Serviço Consular e Jurídico do Ministério das Relações Exteriores (NSCJ, 4.3.4.6).

Assim, embora não haja correção a ser sanada, a omissão merece acolhida, de forma que seja averbado no traslado existente a informação de que o regime de bens adotado pelas partes é o da comunhão parcial.

(…)

Posto isso, JULGO PROCEDENTE o pedido nos termos da inicial, para o fim de que seja averbado no assento de transcrição da certidão de casamento de fls. 12/13 que o regime adotado pelas partes foi o da “comunhão parcial”, cabendo à própria parte autora providenciar, junto ao cartório competente, no prazo de 30 dias (a contar do trânsito em julgado), sob pena de multa processual a ser imposta por este Juízo, por ato atentatório à dignidade da Justiça, as averbações/anotações das retificações aqui deferidas nos respectivos assentos”.

E mais, os autores casaram-se no Japão e o cartório de registro de imóveis recusou-se a realizar a averbação de contrato de compra e venda de imóvel por

não constar o regime de bens na certidão de casamento (v. fls. 14/15). Nota-se que na certidão de transcrição de fls. 12/13 possui a informação “não consta” quanto ao regime de bens.

Pois bem, na página do Consulado-Geral do Brasil em Nagoia há orientação específica a respeito do regime de bens:

“REGIME DE BENS: o regime de bens tem por finalidade regular o patrimônio anterior e posterior ao casamento. Quando ambos os nubentes forem brasileiros (não portadores de dupla nacionalidade brasileira/japonesa) e queiram estipular um regime de bens diferente de COMUNHÃO PARCIAL DE BENS, deverão comparecer ao Consulado antes do casamento na prefeitura japonesa e solicitar a lavratura de Escritura Pública de Pacto Antenupcial” (http://nagoia.itamaraty.gov.br/ptbr/casamento.xml#Regras%20gerais, item 4).

Ora, inexiste qualquer informação quanto à realização de pacto antenupcial no caso dos autos.

Ressalte-se, ainda, o disposto no art. 13, § 9º, da Resolução n. 155/2012 do Conselho Nacional de Justiça:

“O traslado do assento de casamento de brasileiro ocorrido em país estrangeiro deverá ser efetuado mediante a apresentação dos seguintes documentos:

(…)

§ 9º Os dados faltantes poderão ser inseridos posteriormente por averbação, mediante a apresentação de documentação comprobatória, sem a necessidade de autorização judicial”.

Dessa forma, não há falar em violação da verdade registral, considerando a expressa previsão para inserção de dados faltantes e a comprovação pelos autores da omissão quanto ao regime de bens pelo país de origem.

Ademais, os autores são brasileiros (v. fls. 12) e pleitearam de comum acordo a incidência do regime de comunhão parcial de bens, que é o adotado pela lei brasileira na ausência de convenção.

Não foi por outra razão que a douta Procuradora de Justiça oficiante, Dra. Elaine Maria Barreira Garcia, no excelente parecer de fls. 93/98 opinou pelo desprovimento do recurso.

Sendo assim, a procedência do pedido era mesmo de rigor.

Em suma, a r. decisão apelada não merece nenhum reparo, devendo ser mantida por seus jurídicos fundamentos.

Ante o exposto, pelo meu voto, rejeito a preliminar e nego provimento ao recurso.

J.L. MÔNACO DA SILVA

Relator – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1116140-96.2020.8.26.0100 – São Paulo – 5ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. J. L. Mônaco da Silva – DJ 18.04.2022

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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Procedimento de Controle Administrativo – Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Paraná – Prática de atos em registros de imóveis – Certidões negativas de débito – Lei 8.212/91 – Exigência – Impossibilidade – ADI 394/DF – Precedente do CNJ – PP 0001230-82.2015.2.00.0000 – Corregedorias estaduais – Observância obrigatória – Pedido procedente – 1. Procedimento de Controle Administrativo contra dispositivos do Código de Normas da do Foro Extrajudicial da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado Do Paraná que exigem a comprovação da quitação de débitos tributários para operações em registros de imóveis (arts. 551 e 552) – 2. A legalidade da existência de certidões negativas de débitos tributários pelos notários e registradores foi apreciada pelo Conselho Nacional de Justiça no julgamento do PP 0001230-82.2015.2.00.0000, cuja decisão é de observância obrigatória por todas as Corregedorias estaduais – 3. Ao julgar recurso administrativo no PP 0001230-82.2015.2.00.0000, o Plenário deste Conselho ratificou o entendimento segundo o qual a decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 394/DF foi ampla e tornou inexigível a comprovação de débitos tributários nas operações em registros de imóveis, inclusive aquelas previstas pelas alíneas “b” e “c” da Lei 8.212/91 – 4. Diante da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 394/DF e deste Conselho no PP 0001230-82.2015.2.00.0000, os notários e registradores do Estado do Paraná devem ser abster der exigir a apresentação de certidões negativas de débitos para prática de atos de registros de imóveis – 5. Pedido julgado procedente


Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO – 0010545-61.2020.2.00.0000

Requerente: MAXIPAS SAUDE OCUPACIONAL LTDA

Requerido: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ – CGJPR

EMENTA

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ. PRÁTICA DE ATOS EM REGISTROS DE IMÓVEIS. CERTIDÕES NEGATIVAS DE DÉBITO. LEI 8.212/91. EXIGÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. ADI 394/DF. PRECEDENTE DO CNJ. PP 0001230-82.2015.2.00.0000. CORREGEDORIAS ESTADUAIS. OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. PEDIDO PROCEDENTE.

1. Procedimento de Controle Administrativo contra dispositivos do Código de Normas da do Foro Extrajudicial da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado Do Paraná que exigem a comprovação da quitação de débitos tributários para operações em registros de imóveis (arts. 551 e 552).

2. A legalidade da existência de certidões negativas de débitos tributários pelos notários e registradores foi apreciada pelo Conselho Nacional de Justiça no julgamento do PP 0001230-82.2015.2.00.0000, cuja decisão é de observância obrigatória por todas as Corregedorias estaduais.

3. Ao julgar recurso administrativo no PP 0001230-82.2015.2.00.0000, o Plenário deste Conselho ratificou o entendimento segundo o qual a decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 394/DF foi ampla e tornou inexigível a comprovação de débitos tributários nas operações em registros de imóveis, inclusive aquelas previstas pelas alíneas “b” e “c” da Lei 8.212/91.

4. Diante da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 394/DF e deste Conselho no PP 0001230-82.2015.2.00.0000, os notários e registradores do Estado do Paraná devem ser abster der exigir a apresentação de certidões negativas de débitos para prática de atos de registros de imóveis.

5. Pedido julgado procedente.

ACÓRDÃO 

O Conselho, por unanimidade, julgou procedente o pedido, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 29 de abril de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Sidney Madruga, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votaram, em razão das vacâncias dos cargos, os Conselheiros representante da Justiça do Trabalho, representante do Ministério Público Estadual e os representantes do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

RELATÓRIO

A SENHORA CONSELHEIRA JANE GRANZOTO (RELATORA): Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA) proposto por Maxipas Saúde Ocupacional Ltda. contra dispositivos do Código de Normas do Foro Extrajudicial da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Paraná (CGJPR) que exigem a comprovação da quitação de débitos tributários para operações em registros de imóveis (arts. 551 e 552).

Aduziu que tentou registrar imóvel que lhe foi destinado após a cisão parcial da empresa que figurava como proprietária, no entanto, o ato não foi efetivado em razão da necessidade de apresentação de certidões negativas de débitos previdenciários da empresa cindida. Sustentou que o Oficial do Registro de Imóveis fundamentou a exigência nos arts. 551 e 552 do Código de Normas do Foro Extrajudicial da CGJPR.

Argumentou que a condição imposta para o registro do imóvel é inconstitucional, conforme teria decidido o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 394. Ressaltou ser esse o entendimento do Conselho Nacional de Justiça assentado no julgamento do Pedido de Providências 0001230-82.2015.2.00.0000.

Reafirmou que os dispositivos do Código de Normas do Foro Extrajudicial da CGJPR, impugnados neste procedimento, contrariam decisão da Corte Suprema e violam frontalmente os incisos XXXV e LIV, do art. 5º, da Constituição Federal, bem como o princípio da legalidade.

A requerente destacou que a comprovação da quitação de débitos tributários para operações em registros de imóveis depõe contra o livre exercício da atividade econômica e impede o exercício do direito de o contribuinte discutir a validade da norma ou a cobrança do tributo. Assinalou que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade da citada exigência e a tese já foi aplicada por este Conselho.

Em caráter liminar, pediu a suspensão dos arts. 551 e 552 do Código de Normas do Foro Extrajudicial da CGJPR. No mérito, pugnou pela confirmação do provimento cautelar.

Nos termos da decisão Id421885, o pedido cautelar foi indeferido.

A CGJPR apresentou informações no Id 4225388 para registrar que os arts. 551 e 552 do Código de Normas do Foro Extrajudicial não condicionam ou exigem a comprovação de débitos tributários. Esclareceu que a redação dos citados dispositivos apenas elenca providências e cuidados que devem ser adotados na realização de atos de registro imobiliário.

Alegou que permanecem vigentes disposições do Código de Normas do Foro Extrajudicial que exigem a Certidão Negativa de Débitos (CND) para a prática de alguns atos extrajudiciais, nos termos do art. 30, inciso IX, da Lei 8.935, de 18 de novembro de 1994.

Argumentou que os notários e registradores foram cientificados por meio do Ofício Circular 7, de 9 de janeiro de 2018, acerca de decisão judicial que determinou a inexigibilidade da apresentação de certidão negativa (ou positiva com efeitos de negativa) de débitos tributários, exceto os previdenciários. Assinalou que os oficiais de registro são instruídos a alertar os interessados que optam por não apresentar as certidões acerca da importância da comprovação da quitação para fins de responsabilidade pelo pagamento de eventuais tributos em aberto.

Sustentou que na ADI 394/DF não houve pronunciamento sobre a exigência de comprovação dos débitos previdenciários prevista na Lei 8.212, de 24 de julho de 1991.

Em 3 de fevereiro de 2021, foi proferida decisão que determinou a suspensão do feito até o julgamento definitivo do Pedido de Providências 0001230-82.2015.2.00.0000 (Id4245504). A tramitação dos autos foi restabelecida em 22 de outubro de 2021.

Os autos foram inicialmente distribuídos à então Conselheira Candice Lavocat Galvão Jobim e, em razão do término do mandato da relatora originária, foram redistribuídos à Conselheira que me antecedeu na vaga em 9 de dezembro de 2021.

É o relatório.

Brasília, data registrada no sistema.

Jane Granzoto

Conselheira

VOTO

A SENHORA CONSELHEIRA JANE GRANZOTO (RELATORA): Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA) proposto por Maxipas Saúde Ocupacional Ltda. contra dispositivos do Código de Normas do Foro Extrajudicial da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Paraná (CGJPR) que exigem a comprovação da quitação de débitos tributários para operações em registros de imóveis (arts. 551 e 552).

O requerente pugna pelo controle de legalidade dos arts. 551 e 552 do Código de Normas do Foro Extrajudicial da CGJPR ao argumento de que a exigência de comprovação de débitos tributários para operações em registro de imóveis contraria a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 394/DF e viola frontalmente os incisos XXXV e LIV, do art. 5º, da Constituição Federal.

A pretensão do requerente comporta acolhimento.

Conforme registrado pela decisão Id4234028, a questão de direito suscitada nos autos, qual seja, a legalidade da existência de certidões negativas de débitos tributários pelos registradores de imóveis foi apreciada pelo Conselho Nacional de Justiça no julgamento do PP 0001230-82.2015.2.00.0000.

Ao apreciar recurso administrativo interposto contra decisão monocrática da Corregedoria Nacional de Justiça, o Plenário deste Conselho ratificou o entendimento segundo o qual a decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 394/DF tornou inexigível a comprovação de débitos tributários nas operações em registros de imóveis. Confira-se a ementa do julgado:

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. IMPUGNAÇÃO DE PROVIMENTO EDITADO POR CORREGEDORIA LOCAL DETERMINANDO AOS CARTÓRIOS DE REGISTRO DE IMÓVEIS QUE SE ABSTENHAM DE EXIGIR CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO NAS OPERAÇÕES NOTARIAIS. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 47 E 48 DA LEI N. 8.2012/91. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. 1. Reconhecida a inconstitucionalidade do art. 1º, inciso IV da Lei nº 7.711/88 (ADI 394), não há mais que se falar em comprovação da quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições pecuniárias compulsórias para o ingresso de qualquer operação financeira no registro de imóveis, por representar forma oblíqua de cobrança do Estado, subtraindo do contribuinte os direitos fundamentais de livre acesso ao Poder Judiciário e ao devido processo legal (art. 5º, XXXV e LIV, da CF). 2. Tendo sido extirpado do ordenamento jurídico norma mais abrangente, que impõe a comprovação da quitação de qualquer tipo de débito tributário, contribuição federal e outras imposições pecuniárias compulsórias, não há sentido em se fazer tal exigência com base em normas de menor abrangência, como a prevista no art. 47, I, “b”, da Lei 8.212/91. 3. Ato normativo impugnado que não configura qualquer ofensa a legislação pátria, mas apenas legítimo exercício da competência conferida ao Órgão Censor Estadual para regulamentar as atividades de serventias extrajudiciais vinculadas ao Tribunal de Justiça local. RECURSO IMPROVIDO.

Embora o PP 0001230-82.2015.2.00.0000 tenha examinado a conduta da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro que determinou aos cartórios fluminenses que se abstivessem de exigir a Certidão Negativa de Débitos (CND) em operações notariais, posteriormente ficou expressamente esclarecido que a deliberação deste Conselho deve ser observada pelas Corregedorias estaduais e não ficou restrita às partes do procedimento, vejamos:

EXTRAJUDICIAL. RECURSO ADMINISTRATIVO NO PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. ACÓRDÃO PROLATADO PELO PLENÁRIO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA FUNDADO EM PREMISSAS APLICÁVEIS PARA ALÉM DA ESFERA SINGULAR DAS PARTES DESTE PROCEDIMENTO. OBSERVÂNCIA PELOS DEMAIS ÓRGÃOS CORRECIONAIS LOCAIS. DESDOBRAMENTO LÓGICO E CONSEQUENCIAL DA DECISÃO. PLEITO DE EDIÇÃO DE PROVIMENTO. CRITÉRIOS QUE PARAMETRIZAM O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E SEUS ÓRGÃOS QUANDO DO EXERCÍCIO DO SEU PODER REGULAMENTAR. AUSÊNCIA. ARQUIVAMENTO. PEDIDO DE CONSULTA FORMULADO POR CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA DE ESTADO. PREJUDICADO. 1. Quando a decisão se firmar em substrato jurídico que transcende a órbita singular das partes de um procedimento, inclusive na hipótese em que tiver sido extirpado do ordenamento jurídico — por decisão do Supremo Tribunal Federal em controle abstrato de constitucionalidade — ato legislativo que estava a lastrear regramento emanado da Justiça dos estados e do Distrito Federal e dos Territórios, a consequência jurídica necessária desse advento material/processual será espraiar efeitos sobre os atos normativos da Justiça de todas as esferas federativas que estiverem erigidos sobre esse mesmo pilar então ceifado. Esse entendimento não se confunde com a deliberada atribuição de eficácia erga omnes ou de efeito vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário, por aprovação expressa de recomendação ou de enunciado administrativo, das decisões proferidas pelo Conselho Nacional de Justiça. Trata-se, em verdade, de desdobramento lógico e consequencial das decisões assentadas em fundamentos de tal ordem. 2. Por essa razão, os termos do acórdão prolatado neste Pedido de Providências n.º 0001230-82.2015.2.00.0000 (Id. 2290052) devem ser observados pelas Corregedorias-Gerais da Justiça dos estados e do Distrito Federal e dos Territórios na edição ou na atualização dos atos normativos de suas competências que versem sobre a matéria em debate neste expediente, quais sejam, de que “reconhecida a inconstitucionalidade do art. 1º, inciso IV da Lei nº 7.711/88 (ADI 394), não há mais que se falar em comprovação da quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições pecuniárias compulsórias para o ingresso de qualquer operação financeira no registro de imóveis, por representar forma oblíqua de cobrança do Estado, subtraindo do contribuinte os direitos fundamentais de livre acesso ao Poder Judiciário e ao devido processo legal”; e que “tendo sido extirpado do ordenamento jurídico norma mais abrangente, que impõe a comprovação da quitação de qualquer tipo de débito tributário, contribuição federal e outras imposições pecuniárias compulsórias, não há sentido em se fazer tal exigência com base em normas de menor abrangência, como a prevista no art. 47, I, “b”, da Lei 8.212/91” (CNJ – RA – Recurso Administrativo em PP – Pedido de Providências – Corregedoria – 0001230-82.2015.2.00.0000 – Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – 28ª Sessão Virtual – julgado em 11/10/2017). 3. O Conselho Nacional de Justiça, no exercício do poder regulamentar que lhe confere a Constituição da República de 1988, deve analisar, em cada caso, a necessidade da edição de ato normativo destinado a tratar de certo conteúdo em determinado contexto de tempo e, por essa razão, mediante pedido ou mesmo de ofício, pode tanto reconhecer a necessidade de exercer, em dadas circunstâncias, sua competência legiferante quanto, por outro lado, diferi-la para melhor oportunidade. 4. Recurso a que se nega provimento. (CNJ – RA – Recurso Administrativo em PP – Pedido de Providências – Corregedoria – 0001230-82.2015.2.00.0000 – Rel. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA – 92ª Sessão Virtual – julgado em 10/09/2021)

Cumpre anotar que a CGJPR argumentou que a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 394/DF não declarou a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, de modo que, em sua compreensão, permaneceria válida a exigência da certidão prevista no art. 47, inciso I, alíneas “b” e “c”, da referida lei [1]. Todavia, o ponto suscitado pela CGJPR foi apreciado pelo Plenário deste Conselho no julgamento do PP 0001230-82.2015.2.00.0000, tendo sido assinalado que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de norma mais abrangente e, nesta circunstância, não haveria sentido em manter a exigência da Lei 8.212/91. Peço vênia para adotar como fundamento o seguinte trecho do voto condutor no referido Pedido de Providências:

O Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a inconstitucionalidade do supracitado inciso IV, alínea “b”, subtraiu-o do ordenamento jurídico porque incompatível com a ordem constitucional vigente, de modo que não há mais que se falar em comprovação da quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições pecuniárias compulsórias para o ingresso de qualquer operação financeira no registro de imóveis, por representar forma oblíqua de cobrança do Estado, subtraindo do contribuinte os direitos fundamentais de livre acesso ao Poder Judiciário e ao devido processo legal (art. 5º, XXXV e LIV, da CF).

Dessarte, se o Supremo extirpou do ordenamento jurídico norma mais abrangente, que impõe a comprovação da quitação de qualquer tipo de débito tributário, contribuição federal e outras imposições pecuniárias compulsórias, não há sentido em se fazer exigência com base em normas de menor abrangência, como a prevista no art. 47, I, “b”, da Lei 8.212/91.

Nesse contexto, não há fundamento para a CGJPR exigir a apresentação de certidões negativas de débitos tributários nas operações de registro imobiliário, na forma prevista pelos artigos 551 e 552 do Código de Normas do Foro Extrajudicial da CGJPR, cuja redação é a seguinte [2]:

Art. 551. O recolhimento de tributos incidentes sobre o ato do registro (ITBI, ITCMD, Funrejus, etc.) e a apresentação de Certidão Negativa de Débito (CND) serão descritos de maneira sucinta na matrícula, com a indicação do número da guia, da data e do valor recolhido e do número da certidão, da data de sua emissão e de seu vencimento.

Art. 552. A Certidão Negativa de Débito expedida conjuntamente pela Secretaria da Receita Federal do Brasil – RFB e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN, referente a todos os tributos federais e à Dívida Ativa da União – DAU por elas administradas, deverá ser validada pelo registrador, com impressão da tela de consulta da CND, que corresponde à sua validação, no verso da certidão.

§ 1º Cabe ao registrador, não ao contribuinte, adotar as providências determinadas no caput.

§ 2º As Certidões Negativas de Débito (CND) obtidas em outras Unidades da Federação deverão ser confirmadas pela serventia, adotando-se o mesmo procedimento do caput.

§ 3º Cópia da CND, já validada, deverá ser arquivada em pasta própria, com folhas numeradas e rubricadas, bem como anotação do ato, livro e folhas em que foi utilizada.

Conquanto a CGJPR tenha afirmado em suas informações (Id4225388) que os dispositivos acima transcritos não condicionam as operações em registro de imóveis à apresentação da Certidão Negativa de Débitos (CND), há que se ponderar que a redação dos artigos 551 e 552 do 551 e 552 do Código de Normas do Foro Extrajudicial da CGJPR não é clara e permite interpretações dissonantes.

Com efeito, os dispositivos do normativo da Corregedoria paranaense elencam as certidões negativas expedidas por diversos órgãos públicos a serem apresentadas nas operações de registro imobiliário e tal procedimento conduz ao entendimento de que as CNDs são imprescindíveis à efetivação dos atos registrais.

Ante o exposto e considerando a decisão proferida pelo Supremo Federal na ADI 394/DF e por este Conselho no PP 0001230-82.2015.2.00.0000, julgo procedente o pedido formulado na inicial para determinar que CGJPR  se abstenha de exigir a apresentação de Certidões Negativas de Débitos para operações em registro de imóveis.

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.

Jane Granzoto

Conselheira

Notas:

[1] Art. 47. É exigida Certidão Negativa de Débito-CND, fornecida pelo órgão competente, nos seguintes casos:

I – da empresa:

[..]

b) na alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo;

c) na alienação ou oneração, a qualquer título, de bem móvel de valor superior a Cr$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil cruzeiros) incorporado ao ativo permanente da empresa; (Disponível em http://www.planalto.gov.br /ccivil_03/leis/l8212cons.htm. Acesso em 16 de março de 2022)

[2] Disponível em https://www.tjpr.jus.br/codigo-de-normas-foro-extrajudicial?p_p_id=101_INSTANCE_twMudJDZ cUpA&p_p_lifecycle=0&p_p_state=normal&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-1&p_p_col_pos=1&p_p_col_count=2& a_page_anchor=50827519. Acesso em 16 de março de 2022. – – /

Dados do processo:

CNJ – Procedimento de Controle Administrativo nº 0010545-61.2020.2.00.0000 – Paraná – Rel. Cons. Jane Granzoto – DJ 03.05.2022

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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