1VRP/SP: Registro de Imóveis. A comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento sob o regime da separação obrigatória, embora admitida nos termos da súmula 377/STF, depende do exercício de pretensão e de efetiva demonstração do esforço comum. Nesse contexto, não cabe ao Oficial Registrador qualificar negativamente o título com base na presunção do esforço comum


Processo 1047164-66.2022.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Ricardo Nemes de Mattos – Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida suscitada pelo Oficial do 16º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Ricardo Nemes de Matos e, em consequência, determino o registro do título. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: RICARDO NEMES DE MATTOS (OAB 157715/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1047164-66.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 16º Oficio de Registro de Imoveis da Capital

Suscitado: Ricardo Nemes de Mattos

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 16º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Ricardo Nemes de Matos, tendo em vista negativa em se proceder ao registro de formal de partilha dos bens deixados pelo falecimento de Eurico Marcus Marques Mattos, que tem por objeto o imóvel da matrícula n. 30.793 daquela serventia.

A devolução do título foi motivada pela comunicação do imóvel ao patrimônio do cônjuge sobrevivente, Etles Maziero Marques Mattos, com quem Eurico estava casado pelo regime da separação obrigatória de bens quando da aquisição (súmula n. 377/STF), o que não foi observado pela partilha.

O Oficial informa que a exigência se sustenta no princípio da continuidade; que a partilha não poderia ter abrangido o imóvel integralmente por pertencer ao casal; que não ignora o atual posicionamento do STJ, mas a qualificação observou acórdãos do CSM no sentido de que a súmula estabelece a presunção do esforço comum; que referidas decisões têm caráter normativo; que não ignora o decidido por este juízo no processo de autos n.1119149-32.2021.8.26.0100, mas entende que o CSM não alterou seu entendimento.

Documentos vieram às fls. 04/704.

Em manifestação dirigida ao Oficial, a parte suscitada aduz que, diante da natureza judicial do título, a qualificação deve se restringir somente a aspectos formais; que a distribuição dos bens na partilha não pode ser questionada, porque deliberada por partes maiores e capazes, com homologação judicial; que a atual interpretação dada pelo STJ à súmula 377/STF é no sentido de que, embora se comuniquem os bens adquiridos na constância do casamento pelo regime da separação obrigatória, o esforço comum na aquisição deve ser comprovado; que há decisão desta Vara neste sentido (processo de autos n. 1119149-32.2021.8.26.0100 – fls. 06/08).

Em sede de impugnação, a parte suscitada reiterou suas razões (fls. 705/708).

O Ministério Público opinou pela improcedência (fls.711/713).

É o relatório.

Fundamento e decido.

De início, vale destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real.

O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7).

Neste sentido, também a Ap. Cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:

“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.

E, ainda:

“REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA.

O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência – pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).

Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.

No mérito, a dúvida é improcedente por dois motivos.

Por primeiro, porque o cônjuge sobrevivente, Etles Maziero, participou do inventário e concordou expressamente com a partilha, reconhecendo que o imóvel não foi adquirido pelo casal em esforço comum (fls. 428/436, 458/475, 511/542), o que foi devidamente homologado pelo juízo competente (fls. 653/657).

Por segundo, porque, como já observado em caso análogo, há que se cumprir o dever de uniformização da jurisprudência, com respeito à sua integridade e coerência.

Vejamos, então, os fatos.

A matrícula n. 30.793 indica que o imóvel foi adquirido pelo falecido Eurico Marcus Marques Mattos no ano de 2011 (fls. 702/704), quando estava casado com Etles Maziero Marques Mattos pelo regime da separação obrigatória de bens (fl. 137).

Com o falecimento de Eurico em 18 de agosto de 2020, o imóvel foi partilhado em ação de inventário (processo de autos n. 1082119-94.2020.8.26.0100, 5ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central desta Capital), oportunidade em que foi reconhecido por todos os interessados, inclusive o cônjuge supérstite, como de titularidade exclusiva do autor da herança (item 11, fls. 112/126, item 11, fl.458, item 1, fl. 470, item 1, fl. 538 e fls. 653/657).

O Oficial Registrador exigiu, para registro, a retificação do título para respeito à meação do cônjuge sobrevivente (fl. 20), apoiando-se na súmula 377 do STF e em julgados do C. Conselho Superior da Magistratura, como o seguinte:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura Pública de Inventario e Partilha Extrajudicial – Falecida proprietária casada no regime da separação obrigatória de bens – Bem adquirido na constância do casamento – Cônjuges falecidos – Inventário da falecida esposa por meio do qual a totalidade do imóvel é partilhada – Impossibilidade de registro – Aplicabilidade da Súmula 377 do STF – Cabimento da retificação do título – Apelação não provida” (TJSP; Apelação Cível 1004533- 95.2018.8.26.0505; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Ribeirão Pires – 1ª Vara; Data do Julgamento: 07/11/2019; Data de Registro: 25/11/2019).

Entretanto, como já visto, na hipótese, a partilha se deu judicialmente, com reconhecimento, pelo cônjuge sobrevivente, de que o imóvel em questão não fora adquirido pelo esforço comum.

Ademais, embora a interpretação da súmula 377 do STJ quanto à necessidade de prova do esforço comum seja tema extremamente controvertido, que leva a interpretações divergentes, inclusive no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a corte em questão já o analisou em duas oportunidades para uniformização.

Primeiramente, nos Embargos de Divergência nº1.171.820/PR, a corte superior concluiu que o reconhecimento do esforço comum do casal na aquisição onerosa de bens dependeria de prova. Foi nesse sentido o julgamento, que teve a seguinte ementa:

“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS (CC/1916, ART. 258, II; CC/2002, ART. 1.641, II). DISSOLUÇÃO. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE. PARTILHA. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. PRESSUPOSTO DA PRETENSÃO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS.

1. Nos moldes do art. 258, II, do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos (matéria atualmente regida pelo art. 1.641, II, do Código Civil de 2002), à união estável de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens.

2. Nessa hipótese, apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição, devem ser objeto de partilha.

3. Embargos de divergência conhecidos e providos para negar seguimento ao recurso especial” (EREsp 1171820/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 21/09/2015).

Para correta aplicação do precedente, é importante verificar os elementos que envolvem o caso concreto.

Conforme indicado expressamente no corpo do referido acórdão:

“A tese central da controvérsia cinge-se, portanto, em definir se, na hipótese de união estável envolvendo sexagenário e cinquentenária, mantida sob o regime da separação obrigatória de bens, a divisão entre os conviventes dos bens adquiridos onerosamente na constância da relação depende ou não da comprovação do esforço comum para o incremento patrimonial”.

Também o fato de o aresto embargado cuidar da hipótese de partilha de bens foi destacado nos seguintes termos:

“Aqui, o fenômeno sucessório é elemento meramente circunstancial da tese ora discutida, o que não afasta a similitude fática entre os arestos confrontados, porque as eventuais peculiaridades da sucessão não foram levadas em conta, pois o que pretendia a convivente supérstite era a meação dos bens”.

Naquele julgamento, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino pronunciou voto-vencido, no qual defendeu a aplicação da regra do artigo 5º da Lei n. 9.278/96, que estabelece exatamente a presunção legal do esforço comum na aquisição onerosa de bens na constância de união estável.

A Ministra Maria Isabel Gallotti, por sua vez, seguiu a maioria, lembrando que a lei civil que determina o regime da separação obrigatória para o sexagenário afasta a presunção do esforço comum, sendo que os bens adquiridos antes da entrada em vigor da Lei n. 9.278/96 têm sua propriedade disciplinada pelo ordenamento jurídico anterior, que não estabelecia essa presunção de esforço comum.

Posteriormente, no julgamento dos Embargos de Divergência nº1.623.858/MG, a necessidade de prova do esforço comum foi reafirmada, com expressa indicação de releitura da antiga súmula 377/STF, fixando-se nova compreensão, com a seguinte ementa:

“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. CASAMENTO CONTRAÍDO SOB CAUSA SUSPENSIVA. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS (CC/1916, ART. 258, II; CC/2002, ART. 1.641, II). PARTILHA. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. PRESSUPOSTO DA PRETENSÃO. MODERNA COMPREENSÃO DA SÚMULA 377/STF. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS.

1. Nos moldes do art. 1.641, II, do Código Civil de 2002, ao casamento contraído sob causa suspensiva, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens.

2. No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição.

3. Releitura da antiga Súmula 377/STF (No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento), editada com o intuito de interpretar o art. 259 do CC/1916, ainda na época em que cabia à Suprema Corte decidir em última instância acerca da interpretação da legislação federal, mister que hoje cabe ao Superior Tribunal de Justiça.

4. Embargos de divergência conhecidos e providos, para dar provimento ao recurso especial” (EREsp 1623858/MG, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 23/05/2018, DJe 30/05/2018).

Neste caso, como anotado no acórdão:

“(…) a moldura fática e jurídica dos arestos confrontados é idêntica: saber se a comunicação/partilha dos bens adquiridos na constância de casamento submetido ao regime da separação legal de bens depende da comprovação do esforço comum na aquisição do acervo”.

O fenômeno sucessório, tal como no EREsp nº1.171.820, foi considerado elemento meramente circunstancial da celeuma.

Verificou-se que a súmula 377/STF apenas apregoa a comunicação dos bens, mas não esclarece se a comunicabilidade depende de algum outro requisito, permitindo a presunção pelo esforço comum do casal na aquisição do acervo ou exigindo comprovação desse esforço.

A conclusão foi de que a presunção do esforço comum conduz à ineficácia do regime da separação obrigatória por exigir produção de prova negativa para se comprovar que o ex-cônjuge ou ex-companheiro nada contribuiu para a aquisição onerosa do bem.

A regra, portanto, é a aplicação do regime da separação.

A comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento sob o regime da separação obrigatória, embora admitida nos termos da súmula 377/STF, depende do exercício de pretensão e de efetiva demonstração do esforço comum.

Nesse contexto, não cabe ao Oficial Registrador qualificar negativamente o título com base na presunção do esforço comum.

O artigo 489, §1º, VI, do CPC, dispõe que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial que deixe de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Note-se que a Corregedoria Permanente é exercida por órgão judicial, embora em procedimento administrativo, não jurisdicional.

A hipótese ora analisada se enquadra perfeitamente no precedente invocado: embora aquele trate de união estável, envolve a aplicação subsidiária do regime da separação obrigatória, o qual incide no caso concreto, sendo que a presunção do esforço comum prevista na Lei n. 9.278/96 se refere apenas ao reconhecimento da união estável, não se aplicando à situação sub judice.

Ressalta-se, por fim, que, nos termos da ementa do EREsp 1.623.858, a interpretação da súmula 377/STF é mister que hoje cabe ao STJ.

Assim, considerando que referida súmula é o fundamento básico da orientação firmada pelo C. Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, se definida sua releitura pelo STJ, toda a jurisprudência deve ser uniformemente orientada, como disciplina o artigo 926 do CPC, o que passou a ser feito por este juízo.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida suscitada pelo Oficial do 16º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Ricardo Nemes de Matos e, em consequência, determino o registro do título.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 06 de junho de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito (DJe de 08.06.2022 – SP).

Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito




1VRP/SP: Registro de Imóveis. Formal de Partilha. Partilha desigual. ITBI exigível.


Processo 1040864-88.2022.8.26.0100

Dúvida – Averbação ou registro de sentença na matrícula do imóvel – Osmar Rocha de Souza – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: PEDRO GOMES DOS SANTOS JUNIOR (OAB 410950/SP) (Acervo INR – DJe de 07.06.2022 – SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1040864-88.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Averbação ou registro de sentença na matrícula do imóvel

Requerente: Osmar Rocha de Souza

Requerido: Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital do Estado de São Paulo

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de ação de obrigação de fazer movida por Osmar Rocha de Souza contra o Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital em razão da negativa em se proceder ao registro de formal de partilha expedido pelo juízo da 11ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central da Comarca de São Paulo (ação de divórcio litigioso, processo de autos n. 1003052-46.2021.8.26.0100), o qual envolve o imóvel da matrícula n. 209.809 daquela serventia.

O óbice registrário decorre da necessidade de se submeter a partilha previamente à análise do fisco estadual, com apresentação, se o caso, de guia e comprovante de pagamento do imposto de transmissão, bem como da respectiva declaração e certidão de homologação (fl. 20).

A parte sustenta que foi casada com Lígia Barbosa de Mello Souza; que, por ocasião do divórcio, foram partilhados de forma amigável os bens adquiridos na constância do casamento; que, diante da divisão igualitária dos bens, não há hipótese de incidência do ITCMD; que devem ser considerados os valores dos bens e direitos que couberam a cada um dos consortes em relação ao valor total do patrimônio partilhado, com respeito ao patrimônio particular de cada um; que, independentemente da forma como os bens foram divididos, não há excesso de meação (por doação) se os valores partilhados foram iguais; que não há que se falar em manifestação do fisco, uma vez que houve provimento jurisdicional homologando a partilha; que há necessidade de tutela de urgência para registro do título, uma vez que o imóvel foi negociado.

Documentos vieram às fls. 13/32.

O feito foi recebido como dúvida (inversa), sem tutela de urgência. Pelo decurso do trintídio legal da última prenotação, determinou-se a reapresentação do título (fl. 33/34).

A parte suscitada manifestou-se pelo recebimento do pedido como dúvida diante da impugnação de todas as exigências formuladas (fls. 38/42). Juntou documentos às fls. 43/46.

Com o atendimento, o Oficial manifestou-se às fls. 48/50, informando que a partilha dos bens do casal deve ser submetida ao fisco estadual para verificação acerca da incidência do ITCMD (Decreto n. 46.655/02); que, se for o caso, devem ser exibidos guia e comprovante de pagamento, bem como declaração do ITCMD e certidão de homologação a ser expedida pela Fazenda Estadual (Portaria CAT n. 89/2020); que incumbe ao fisco a verificação do valor atribuído aos bens, com definição de partilha igualitária ou não; que há imposição legal ao Oficial de fiscalização do recolhimento do imposto (arts. 30, XI, e 31, V, Lei 8.935/94).

Documentos vieram às fls. 51/120.

O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 124/127).

É o relatório.

Fundamento e Decido.

No mérito, a dúvida é procedente. Vejamos os motivos.

De início, vale destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real.

O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7).

Neste sentido, também a Ap. Cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:

“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.

E, ainda:

“REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA.

O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência – pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).

Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.

Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

Esta conclusão se reforça pelo fato de que vigora, para os registradores, ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/73; artigo 134, VI, do CTN e artigo 30, XI, da Lei 8.935/1994), bem como pelo disposto pelo item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

No que tange ao ITCMD, a Lei Estadual n. 10.705/2000 (artigos 8º, I, e 25), bem como o Decreto Estadual n. 46.655/2002 que a regulamenta (artigo 48), também estabelecem atribuições ao oficial registrador neste mesmo sentido:

“Artigo 8º – Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

I – o tabelião, escrivão e demais serventuários de ofício, em relação aos atos tributáveis praticados por eles ou perante eles, em razão de seu ofício;

(…)

Artigo 25 – Não serão lavrados, registrados ou averbados pelo tabelião, escrivão e oficial de Registro de Imóveis, atos e termos de seu cargo, sem a prova do pagamento do imposto.

(…)

Artigo 48 – Não serão lavrados, registrados ou averbados pelo tabelião, escrivão e oficial de Registro de Imóveis, atos e termos de seu cargo, sem a prova do recolhimento do imposto ou do reconhecimento de isenção ou não incidência, quando for o caso (Lei 10.705/00, art. 25)”.

No caso concreto, verifica-se que a partilha realizada em razão do divórcio cuidou de quatro imóveis pertencentes ao casal, ao lado de outros bens, de modo que o seu conjunto foi partilhado de modo igualitário, uma vez considerados os valores indicados (itens 1 a 6, fl. 23).

Todavia, ao considerarmos somente os bens imóveis, verifica-se partilha desigual: o imóvel localizado na rua Ouvidor Peleja, n. 543, apto. 163, Saúde, São Paulo, valor de R$850.000,00, bem como 23,474% do imóvel localizado na rua França Pinto, 832, apto. 104, Vila Mariana, São Paulo, valor de R$900.000,00, o que corresponde a R$211.266,00, foram atribuídos à parte suscitada, totalizando R$1.061.266,00.

Por outro lado, coube à mulher o correspondente a 76,526% do último imóvel referido, valor de R$688.734,00, bem como o imóvel localizado na rua Juritis, 665, Parque das Araucárias, Distrito de Monte Verde, Camanducaia, Minas Gerais, valor de R$350.000,00, e o lote 49-B, da quadra C, do loteamento Parque das Araucárias, Distrito de Monte Verde, Camanducaia, Minas Gerais, valor de R$100.000,00, o que totaliza R$1.138.734,00.

Constata-se, assim, a existência de partilha desigual (excesso de meação em favor da mulher), que receberá tratamento tributário próprio conforme haja ou não reposição onerosa.

Essa reposição onerosa é a compensação financeira feita com patrimônio próprio do cônjuge beneficiado àquele prejudicado na partilha.

Note-se que se, na divisão, um dos cônjuges adquire onerosamente a meação do outro sobre determinado imóvel, configura-se o fato gerador do ITBI, que é a transmissão inter vivos a qualquer título por ato oneroso de bem imóvel. Se não houver compensação financeira, considera-se doada essa parte desproporcional, pelo que incide ITCMD.

Assim, para ingresso do título no fólio real, impõe-se prévia declaração à Secretaria da Fazenda Estadual, a quem incumbe a fiscalização do recolhimento do ITCMD (base de cálculo utilizada e homologação), com comprovação do recolhimento eventualmente devido (artigos 2º, II, §5º, e 11, §2º, da Lei Estadual n. 10.705/00, e artigos 8º e 26, do Decreto Estadual n. 46.655/02):

“Artigo 2º – O imposto incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito havido:(…)

II – por doação. (…)

§ 5º – Estão compreendidos na incidência do imposto os bens que, na divisão de patrimônio comum, na partilha ou adjudicação, forem atribuídos a um dos cônjuges, a um dos conviventes, ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão.

(…)

Artigo 11 – Não concordando a Fazenda com valor declarado ou atribuído a bem ou direito do espólio, instaurar-se-á o respectivo procedimento administrativo de arbitramento da base de cálculo, para fins de lançamento e notificação do contribuinte, que poderá impugnálo.

(…)

§ 2º – As disposições deste artigo aplicam-se, no que couber, às demais partilhas ou divisões de bens sujeitas a processo judicial das quais resultem atos tributáveis”.

“Artigo 8.º – Tratando-se de transmissões ocorridas na esfera judicial, as hipóteses previstas nas alíneas “a”, “b” e “c” do inciso I e “a” do inciso II do artigo 6º também ficam condicionadas ao seu reconhecimento pela Secretaria da Fazenda, que será realizado no âmbito dos procedimentos relativos à declaração, previstos nos artigos 21 e 26, observados os prazos e demais condições ali estabelecidas.

(…)

Artigo 26 – Na hipótese de doação realizada no âmbito judicial, independentemente da obrigatoriedade da sua inclusão na declaração prevista no artigo anterior, o contribuinte, no prazo de 15 (quinze) dias a contar do trânsito em julgado da sentença, fica obrigado a apresentar declaração, na forma e para fins indicados nos artigos 21 a 23, que deverá reproduzir todos os dados constantes da partilha, instruída com a guia comprobatória do recolhimento do imposto”.

Vale observar que não se questiona a competência do juízo do divórcio para partilhar os bens comuns por sentença, como na espécie (fls. 26/27).

Como vimos, a questão em debate neste âmbito administrativo é outra e envolve a necessidade de avaliação da transmissão operada com a partilha pelo fisco, recolhendo-se tributo, se o caso, para ingresso do título no fólio real, notadamente à vista do regramento referido acima, que é respaldado pela jurisprudência:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Carta de sentença extraída de ação de partilha decorrente de divórcio – Partilha que indica os bens atribuídos à mulher e os seus respectivos valores, sem, contudo, especificar os que couberam ao marido – Transação para a partilha que, na forma como realizada, faz presumir a existência de transmissão por ato “inter vivos” – Necessidade de comprovação da declaração e do recolhimento do Imposto de Transmissão, ou de demonstração de sua isenção – Recurso não provido” (CSM – Apelação n. 1005693-44.2018.8.26.0445 – Rel. Pinheiro Franco – j. 26.11.2019).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Carta de sentença extraída de ação de divórcio consensual – Exigência consistente na apresentação da anuência da Fazenda do Estado com a declaração e o recolhimento do Imposto de Transmissão ‘Causa Mortis’ e de Doação de Quaisquer Bens e Direitos – ITCMD – Carta de sentença que somente foi instruída com o protocolo da declaração do ITCMD e com as guias de recolhimento, o que impossibilita a análise da alegação de que foi adotada base de cálculo superior aos valores venais dos imóveis transmitidos – Recurso não provido” (CSM – Apelação n. 1018134-43.2019.8.26.0309 – Rel. Des. Ricardo Anafe – j.18.06.2020).

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 03 de junho de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito (DJe de 07.06.2022 – SP)

Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito