TJSP: Apelação – Usucapião – Indeferimento da inicial – Ausência de registro da matrícula perante o cartório de registro de imóveis – Sentença anulada – A inexistência de registro imobiliário do bem, objeto de ação de usucapião não impossibilita o reconhecimento da aquisição de domínio mormente porque juntado o memorial descritivo que permite a individualização e identificação do terreno – A usucapião como forma de aquisição originária da propriedade prevalece sobre o registro imobiliário – Precedentes – Deram provimento ao recurso


ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1008525-51.2021.8.26.0152, da Comarca de Cotia, em que são apelantes MANOEL GONÇALVES DE OLIVEIRA e LEONOR DE OLIVEIRA, é apelado JUÍZO DA COMARCA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores SILVÉRIO DA SILVA (Presidente sem voto), CLARA MARIA ARAÚJO XAVIER E BENEDITO ANTONIO OKUNO.

São Paulo, 25 de fevereiro de 2022.

ALEXANDRE COELHO

Relator(a)

Assinatura Eletrônica

APELAÇÃO nº 1008525-51.2021.8.26.0152

APTE: MANOEL GONÇALVES DE OLIVEIRA E OUTRO

APDO: N/C

VOTO nº 20792/aaz

APELAÇÃO – USUCAPIÃO – INDEFERIMENTO DA INICIAL – AUSÊNCIA DE REGISTRO DA MATRÍCULA PERANTE O CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS – SENTENÇA ANULADA – A inexistência de registro imobiliário do bem, objeto de ação de usucapião não impossibilita o reconhecimento da aquisição de domínio mormente porque juntado o memorial descritivo que permite a individualização e identificação do terreno – A usucapião como forma de aquisição originária da propriedade prevalece sobre o registro imobiliário – Precedentes – DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Trata-se de apelação interposta pelos autores contra a respeitável sentença de fls. 93/96, cujo relatório ora se adota, que indeferiu a petição inicial e julgou extinta a ação de usucapião por ele proposta, nos termos dos artigos 321 e 485 do Código de Processo Civil.

Busca a parte autora a anulação da r. Sentença, sustentando que: i) o imóvel não possui registro, conforme certidão negativa de registro; ii) a ação de usucapião é forma originária de aquisição de propriedade e como tal, pode sanar qualquer vício registral; iii) a ação foi instruída com planta planimétrica e memorial descritivo assinado por engenheiro competente, bem como, com a relação dos vizinhos confrontantes.

É o relatório.

A teor do que se vê nos autos, a parte autora propôs ação de usucapião juntando para tanto certidão negativa de matrícula do imóvel, carnê de IPTU – Impostos Territorial Urbano, planta e memorial descritivo, bem como, certidão negativa de distribuições cíveis e de execução fiscal em face da parte autora e, ainda, declaração de concordância dos vizinhos confrontantes ao imóvel.

Sobreveio despacho determinando a emenda da inicial, concedendo o prazo de 30 dias para a realização de pesquisas e juntada da matrícula do imóvel com a indicação do proprietário no polo passivo.

Após a manifestação do autor, o r. Juízo a quo indeferiu a inicial, por ausência de documento indispensável à propositura da ação.

Respeitado o entendimento do douto Juízo a quo, a causa merecia solução diversa.

Com efeito, a juntada da matrícula do imóvel não é requisito indispensável para a propositura da ação de usucapião, especialmente se o C.R.I – Cartório de Registro de Imóveis emitiu certidão negativa e a parte autora juntou outros documentos capazes de caracterizar e individualizar o imóvel quanto à sua localização e confrontação.

Feita tais considerações, é de se ver que o autor cooperou com o Juízo, ao trazer outros documentos para instruir a inicial tais como planta planimétrica e memorial descritivo, como se viu.

Nesse sentido:

EMENTA – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE USUCAPIÃO – EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO – INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL – AUSÊNCIA DA MATRÍCULA DO IMÓVEL – DILIGÊNCIAS INEXITOSAS PERANTE CARTÓRIOS DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA – NÃO LOCALIZAÇÃO DO PROPRIETÁRIO – BEM INDIVIDUALIZADO PELO MEMORIAL DESCRITIVO E PLANTA – CITAÇÃO POR EDITAL – PARTE HIPOSSUFICIENTE – GRATUIDADE DA JUSTIÇA – PRECEDENTES DO E. STJ, DESTA CÂMARA – SENTENÇA REFORMADA. PROVIMENTO. 1. A ausência da juntada de certidão de matrícula do imóvel usucapiendo não é motivo para extinção sem resolução de mérito do processo, ante a juntada do memorial descritivo e planta, cujos documentos se mostram hábeis para a individualização e identificação do terreno, tendo em conta que a usucapião, como forma de aquisição originária da propriedade, caracterizada, entre outros requisitos, pelo exercício inconteste e ininterrupto da posse, prevalece sobre o registro imobiliário, não obstante os atributos de sua obrigatoriedade e perpetuidade, em ração da inércia prolongada do proprietário em exercer os poderes decorrentes do domínio (STJ: REsp n° 952.125/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, J. 07/06/2011, DJe 14/06/2011).2. Apelação Cível à que se dá provimento, cassando-se a sentença, para o regular prosseguimento do feito. (Apelação TJ/PR nº 0017952-48.2018.8.16.0031, 17ª Câmara Cível, julg. Em 14/10/2021).

Portanto, in casu, o indeferimento da inicial por falta de juntada de documentos se mostrou medida drástica e prematura, o que impõe a anulação da r. sentença para o regular prosseguimento da ação.

Com o intuito de se evitar a necessidade de oposição de embargos declaratórios para o específico fim de prequestionamento, como forma de se viabilizar a interposição de recursos nas instâncias superiores, fica, desde logo, prequestionada toda a matéria apontada, seja ela constitucional ou infraconstitucional e até mesmo infralegal, na medida em que houve a análise e consequente decisão em relação a todas as questões controvertidas, ressaltando que há muito já se pacificou o entendimento de que não está o colegiado obrigado a apreciar individualmente cada um dos dispositivos legais suscitados pelas partes.

Ante o exposto, pelo presente voto, DÁ-SE PROVIMENTO à apelação, para o fim de se anular a sentença, nos termos acima expostos.

ALEXANDRE COELHO

Relator

(assinatura eletrônica) – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1008525-51.2021.8.26.0152 – Cotia – 8ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Alexandre Coelho – DJ 07.03.2022

Fonte: INR – Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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Direito empresarial – Recurso Especial – Ação de execução de título executivo extrajudicial – Nota promissória – Duplicidade de datas de vencimento – LUG – Defeito suprível – Operação de crédito – Intervalo de tempo e confiança – Elementos essenciais – Vontade do emitente – Presunção – Provimento – 1. Ação de execução de título executivo extrajudicial – nota promissória – 2. Ação ajuizada em 05/08/2013. Recurso especial concluso ao gabinete em 17/09/2021. Julgamento: CPC/2015 – 3. O propósito recursal consiste em definir se a aposição de datas de vencimentos distintas em nota promissória inquina o título de crédito de nulidade – 4. Embora a formalismo constitua princípio regulamentador dos títulos de crédito, pode a lei enumerar determinado requisito e, ainda assim, admitir a possibilidade de a cártula não o conter expressamente – ou de o conter de forma irregular, com a presença de vícios supríveis – sem que o título perca sua eficácia própria – 5. Um desses defeitos supríveis é o da divergência entre os valores da dívida inscritos no título, cuja solução prevista na Lei Uniforme de Genebra (art. 6º) é de fazer prevalecer a expressão grafada por extenso ou aquela de menor quantia, as quais, presumivelmente, correspondem à vontade do emitente da cártula – 6. A data de vencimento da dívida constitui requisito não essencial da nota promissória, pois, em virtude da ausência desse elemento, considera-se que o valor é exigível à vista, por se presumir ser essa a vontade do emitente do título – 7. A interpretação sistemática da LUG permite inferir que, para a solução de questões relacionadas a defeitos supríveis ou requisitos não essenciais, o critério a ser adotado deve ser pautado pela busca da vontade presumida do emitente – 8. Dentre os elementos essenciais de uma operação de crédito inclui-se a concessão de um prazo para pagamento da obrigação, de modo que, por envolver operação dessa natureza, a emissão de uma nota promissória autoriza a presunção de que a efetiva vontade do emitente é a de que o vencimento ocorresse em data futura, após sua emissão – 9. Nesse cenário, se, entre duas datas de vencimento, uma coincide com a data de emissão do título – não existindo, assim, como se entrever, nessa hipótese, uma operação de crédito –, deve prevalecer a data posterior – 10. Recurso especial conhecido e não provido.


RECURSO ESPECIAL Nº 1.964.321 – GO (2021/0187398-6)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : BRUNNO WALYSON FERREIRA DE MEDEIROS

ADVOGADOS : JULIANE RODRIGUES DE OLIVEIRA – GO043617

PRISCILA SILVA MACHADO – GO047699

RECORRIDO : MCA ENGENHARIA LTDA

ADVOGADOS : RAPAHEL BROM – GO021501

ELISA BROM DE FREITAS – GO035307

ADRIANNE CARDOSO ASSIS – GO046529

EMENTA

DIREITO EMPRESARIAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. NOTA PROMISSÓRIA. DUPLICIDADE DE DATAS DE VENCIMENTO. LUG. DEFEITO SUPRÍVEL. OPERAÇÃO DE CRÉDITO. INTERVALO DE TEMPO E CONFIANÇA. ELEMENTOS ESSENCIAIS. VONTADE DO EMITENTE. PRESUNÇÃO. PROVIMENTO.

1. Ação de execução de título executivo extrajudicial – nota promissória.

2. Ação ajuizada em 05/08/2013. Recurso especial concluso ao gabinete em 17/09/2021. Julgamento: CPC/2015.

3. O propósito recursal consiste em definir se a aposição de datas de vencimentos distintas em nota promissória inquina o título de crédito de nulidade.

4. Embora a formalismo constitua princípio regulamentador dos títulos de crédito, pode a lei enumerar determinado requisito e, ainda assim, admitir a possibilidade de a cártula não o conter expressamente – ou de o conter de forma irregular, com a presença de vícios supríveis – sem que o título perca sua eficácia própria.

5. Um desses defeitos supríveis é o da divergência entre os valores da dívida inscritos no título, cuja solução prevista na Lei Uniforme de Genebra (art. 6º) é de fazer prevalecer a expressão grafada por extenso ou aquela de menor quantia, as quais, presumivelmente, correspondem à vontade do emitente da cártula.

6. A data de vencimento da dívida constitui requisito não essencial da nota promissória, pois, em virtude da ausência desse elemento, considera-se que o valor é exigível à vista, por se presumir ser essa a vontade do emitente do título.

7. A interpretação sistemática da LUG permite inferir que, para a solução de questões relacionadas a defeitos supríveis ou requisitos não essenciais, o critério a ser adotado deve ser pautado pela busca da vontade presumida do emitente.

8. Dentre os elementos essenciais de uma operação de crédito inclui-se a concessão de um prazo para pagamento da obrigação, de modo que, por envolver operação dessa natureza, a emissão de uma nota promissória autoriza a presunção de que a efetiva vontade do emitente é a de que o vencimento ocorresse em data futura, após sua emissão.

9. Nesse cenário, se, entre duas datas de vencimento, uma coincide com a data de emissão do título – não existindo, assim, como se entrever, nessa hipótese, uma operação de crédito –, deve prevalecer a data posterior.

10. Recurso especial conhecido e não provido.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso especial nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze.

Brasília (DF), 15 de fevereiro de 2022(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:

Cuida-se de recurso especial interposto por BRUNNO WALYSON FERREIRA DE MEDEIROS, fundamentado exclusivamente na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ/GO.

Recurso especial interposto em: 10/02/2021.

Concluso ao Gabinete em: 17/09/2021.

Ação: de execução de título executivo extrajudicial – nota promissória -, ajuizada por MCA ENGENHARIA LTDA, em desfavor do recorrente (e-STJ fls. 133-135).

Sentença: acolheu a exceção de pré-executividade apresentada pelo recorrente, para reconhecer a nulidade da nota promissória que aparelha a presente ação executiva – uma vez que contém a indicação de duas datas de vencimento -, extinguindo o processo, com resolução do mérito (e-STJ fls. 133-135).

Acórdão: deu provimento à apelação interposta pela recorrida para, cassando a sentença combatida, declarar válido o título objeto da execução, determinando o retorno dos autos à origem para regular processamento do feito. O acórdão foi assim ementado:

RECURSO DE APELAÇÃO. EXCEUÇÃO CÍVEL. NOTA PROMISSÓRIA COM DUAS DATAS DE VENCIMENTO. MERO ERRO MATERIAL QUE NÃO RETIRA DO TÍTULO A SUA CERTEZA, LIQUIDEZ E EXIGIBILIDADE. PRESCRIÇÃO AFASTADA. 1. Havendo mais de uma data de vencimento da dívida na nota promissória, a solução do impasse deve perpassar pela busca da vontade presumida do emitente, de modo que, se uma das datas coincide com a data de emissão do título, deve prevalecer a data posterior, considerando que, por envolver operação de crédito, presume-se que a vontade do emitente das notas seria a de que o vencimento se desse após a emissão. Precedente: STJ – REsp 1730682/SP, DJe 11/05/2020. 2. Considerando que o vencimento da dívida ocorreu no dia 01/07/2012, que a ação de execução foi ajuizada no dia 05/08/2013, e que é de 3 anos o prazo para ajuizamento da ação de execução (art. 70, Lei Uniforme de Genebra), afasta-se a alegada prescrição, devendo, portanto, dar-se continuidade ao processo de execução na origem. Recurso conhecido e provido. Sentença cassada (e-STJ fl. 216).

Embargos de declaração: opostos pelo recorrente, foram acolhidos apenas para conceder ao mesmo os benefícios da justiça gratuita e, via de consequência, integrar o dispositivo do acórdão embargado para fazer constar que a condenação dos ônus sucumbenciais e a verba honorária ficará sob condição suspensiva de exigibilidade (e-STJ fls. 242-248).

Recurso especial: alega violação dos arts. 55 da Lei 2.044/1908; 33 e 77 da Lei Uniforme de Genebra. Sustenta que:

a) a data de vencimento do título é requisito essencial para a sua validade, de maneira que a inobservância deste requisito formal não só atrai a nulidade para a cártula, como também compromete a sua exigibilidade, maculando a execução como um todo; e

b) na espécie, como constam da nota promissória duas datas de vencimento distintas, deve-se reconhecer a nulidade do título executivo, uma vez que há norma expressa que exige a precisão da data do pagamento na nota promissória (e-STJ fls. 252-259).

Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/GO inadmitiu o recurso especial interposto por BRUNNO WALYSON FERREIRA DE MEDEIROS (e-STJ fls. 276-278), ensejando a interposição de agravo em recurso especial (e-STJ fls. 282-293, que foi provido e reautuado em recurso especial, para melhor exame da matéria (e-STJ fl. 312).

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (RELATOR):

O propósito recursal consiste em definir se a aposição de datas de vencimentos distintas em nota promissória inquina o título de crédito de nulidade.

Aplicação do Código de Processo Civil de 2015 – Enunciado Administrativo n. 3/STJ.

1. ESCLARECIMENTO PRELIMINAR

1. A questão atinente às consequências jurídicas decorrentes do preenchimento equivocado da data de vencimento de notas promissórias foi enfrentada por este órgão colegiado por ocasião do julgamento do REsp 1.730.682/SP (DJe 11/5/2020) e do REsp 1.920.311/MG (DJe 20/05/2021).

2. Todavia, diante da ausência de julgados da 4ª Turma que convirjam com o entendimento a seguir propugnado, faz-se necessário trazer novamente o tema para deliberação deste colegiado, na medida em que, inexistindo jurisprudência consolidada acerca da questão no âmbito da Segunda Seção, inviável o julgamento monocrático.

3. O entendimento a seguir, vale consignar, foi por mim externado, em sua essência, quando do julgamento dos recursos especiais retro identificados.

2. DO FORMALISMO CAMBIÁRIO E DA SANABILIDADE DE DEFEITOS NÃO ESSENCIAIS

4. Como é cediço, o formalismo constitui fator preponderante para a existência dos títulos de crédito, de modo que, como regra, se faltar ao menos um dos requisitos que a lei considera essenciais, o documento não poderá desfrutar do tratamento especial a eles conferido.

5. É, pois, o rigor formal o pressuposto que garante segurança jurídica àqueles que se utilizam dos títulos de crédito como instrumento de circulação de riquezas.

6. Todavia, nem todos os requisitos definidos em lei são essenciais para que o documento ostente natureza de título de crédito, havendo situações em que se pode relevar a ausência de alguma informação ou suprir a presença de algum vício.

7. Em regra, esses requisitos não essenciais e/ou defeitos sanáveis contam com previsão no próprio texto legal, como ocorre, por exemplo, com as situações constantes nos arts. 6º e 76 da Lei Uniforme de Genebra (promulgada pelo Dec. 57.663/66), relativas à existência de divergência entre as expressões do valor da dívida e à ausência de indicação da data de vencimento.

8. A “promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada” é requisito da nota promissória, conforme elencado no art. 75, item 2, da lei retro citada; todavia, é possível sanar vício concernente ao preenchimento em duplicidade do valor da dívida sem que a cártula perca seus efeitos cambiais (art. 6º, primeira parte, da LUG).

9. O próprio diploma normativo estabelece solução objetiva para eventual ambiguidade do valor expresso no título, resolvendo, de antemão, qualquer dúvida que pudesse acometer os titulares a respeito da extensão do crédito nele contido, garantindo segurança à circulação da cártula.

10. A resposta adotada pelo legislador quanto a esse ponto específico foi a de que deveria prevalecer a expressão que indicasse com maior grau de certeza qual teria sido o conteúdo da obrigação segundo a manifestação de vontade do emitente. Elegeu, para esse fim, a indicação feita por extenso ou, na hipótese de diversas indicações discordantes, a de quantia inferior.

11. De fato, prevalece, especificamente quanto ao tema, o princípio de que “a soma escrita em letras oferece maior garantia de verdade, por se achar menos exposta a erro, adição ou falsidade do que a soma expressa em algarismos” (MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Vol. III, Tomo II, Campinas: Bookseller, 2003, p. 287, sem destaque no original).

12. Segundo consigna a doutrina, a finalidade dessa regra encontra-se na intenção do legislador de “evitar que, saindo o título das mãos do seu criador (sacador), pudesse o beneficiário, ou terceiro adquirente, alterar o seu valor, acrescentando outras quantias, quer por extenso, quer em algarismo, para compelir o devedor a pagar soma superior àquela a que se obrigou” (ROSA JR., Luiz Emygdio. Títulos de crédito. 7ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 126, sem destaque no original).

13. O valor expresso em um determinado título de crédito, portanto, de acordo com essa orientação, pode ter sua extensão restringida, em caso de ambiguidade, àquele que mais garanta segurança ao emitente/devedor quanto a eventuais adições ou falsidades inscritas nas cártulas pelos beneficiários do título.

3. DA OMISSÃO NA INDICAÇÃO DA DATA DO VENCIMENTO.

14. A época do pagamento – ainda que seja enumerada como um dos requisitos da nota promissória, conforme estabelece a Lei Uniforme de Genebra, em seu art. 75, item 3 – não constitui elemento imprescindível para validade do título.

15. Segundo regra expressa do art. 76, segunda parte, da LUG, a omissão quanto à data de vencimento não retira a eficácia cambial da cártula, haja vista ser presumido que a intenção do emitente era de que o vencimento se desse à vista.

16. Cumpre mencionar que a essência do entendimento de que a ausência da data de vencimento acarreta a presunção de que a dívida é exigível à vista integra, também, a teoria geral das obrigações (art. 331 do Código Civil). De acordo com abalizada doutrina, “a ausência de termo interpreta-se como reserva, por parte do credor, da faculdade de exigir a prestação em qualquer momento” (TEPEDINO, Gustavo (et. al.). Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Vol. I, 3ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2014, p. 629, sem destaque no original).

17. De igual maneira, a regra de que, na omissão da cártula, o vencimento da dívida dar-se-á à vista, constante no art. 76, primeira parte, da LUG, “se justifica porque as demais modalidades de vencimento dependem de manifestação de vontade do sacador para a sua caracterização” (MARTINS, Fran. Títulos de Crédito, 17ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 142).

18. Trata-se, portanto, de presunção segundo a qual, na nota promissória, diante da não manifestação do emitente, deve-se assumir que sua vontade era e de submeter a exigibilidade da dívida à potestade do credor, já que essa é a regra dos negócios jurídicos em geral.

4. DOS VENCIMENTOS DIFERENTES E SUCESSIVOS E DO ART. 33 DA LEI UNIFORME DE GENEBRA.

19. Se, de um lado, o silêncio quanto à época do pagamento é suprível pela presunção legal de que a vontade do emitente era o vencimento à vista; de outro, sua manifestação expressa em sentido oposto aos limites formais da lei acarreta a perda da eficácia cambial do documento.

20. De fato, segundo a Lei Uniforme de Genebra, o sacador, respeitadas as modalidades preestabelecidas, tem a liberdade de fixar a data do vencimento do título, de forma que a nota promissória somente pode ser emitida: (i) à vista; (ii) a certo termo da vista; (iii) a certo termo da data; ou, ainda, (iv) em dia certo.

21. Assim, a liberdade do emitente na fixação das modalidades de vencimento é explicitamente restringida pela LUG, que, ao dispor serem nulas notas promissórias “com vencimentos diferentes ou com vencimentos sucessivos”, estabelece a regra da perda da eficácia da “cambial com qualquer outra modalidade de vencimento, que não uma das previstas no art. 33, alínea 1ª, assim como a cambial com vencimentos sucessivos, ou seja, a prestações” (BIMBATO, José Mario. Lei cambial comentada: Letra de câmbio e nota promissória. Barueri: Minha Editora, 2013, sem destaque no original).

22. A LUG repete, quanto ao tema, a disciplina do revogado Decreto 2.044/1908, no qual prevalecia que, “para estabelecer bases seguras a respeito do vencimento das letras de câmbio, a lei explica os quatro modos por que podem elas ser passadas”, e que, ademais, “a letra de câmbio pagável por prestação não corresponderia ao seu escopo e a sua função; incisa ficaria a soma e múltiplas as épocas do vencimento” (MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Vol. III, Tomo II, Campinas, Bookseller, 2003, p. 313-314, sem destaque no original).

23. O art. 33 da LUG retira, portanto, a eficácia cambial do documento em que a manifestação de vontade do devedor tenha sido exprimida fora dos limites de sua atuação lícita, ou seja, que estabeleça: (i) modalidades de pagamento distintas das previstas; ou (ii) vencimentos sucessivos, que são aqueles que representem pagamentos fracionados em prestações.

5. DA INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DOS ARTS. 6º, 33, 75 E 76 DA LUG E DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ.

24. A Lei Uniforme de Genebra, considerando o panorama até aqui traçado, tratou expressamente de três alternativas decorrentes das atitudes do devedor/emitente quanto à época do pagamento: (i) se omite, o que acarreta a presunção legal de que o pagamento deve ser feito à vista ou a critério do credor, circunstância que não retira a eficácia do título de crédito (art. 76, primeira parte); (ii) manifesta vontade de fixar uma modalidade de vencimento dentre aquelas previstas no art. 33, o que garante a eficácia da cártula; ou (iii) escolhe modalidade de vencimento diversa, situação que implicará a invalidade da nota promissória.

25. O escopo buscado pela LUG, portanto, é o de preservar ao máximo a manifestação de vontade do emitente da cártula, ainda que essa vontade tenha sido expressa por meio do silêncio.

26. Esse é, também, o intuito da norma do art. 6º da LUG, que considerou que divergências na expressão do valor da dívida deveriam dar ensejo à preservação da vontade presumida do emitente da cártula, estabelecida pela lei como a expressão por extenso ou a menos valiosa.

27. Assim, embora a LUG não tenha enfrentado especificamente a hipótese de divergência entre datas de vencimento apostas na cártula, como ocorrido na espécie, afigura-se consentâneo com o espírito da lei considerar que se trata de defeito suprível – sobretudo porque a data de vencimento constitui requisito dispensável da nota promissória.

28. Vislumbrando-se, portanto, disparidade entre a expressão numérica e a grafia por extenso da data em que a dívida se torna exigível, a interpretação sistemática da Lei Uniforme autoriza que seja preservada a vontade presumida do emitente do título no momento de sua confecção.

6. DA VONTADE PRESUMIDA DO EMITENTE QUANTO AO VENCIMENTO.

29. A nota promissória consiste em título de crédito próprio, de modo que, como tal, se destina à concessão de um prazo para pagamento do valor nela estampado. A vontade presumida do emitente de um título dessa espécie, então, é que seu pagamento ocorra em data futura, não fazendo sentido lógico que a data de sua emissão coincida com a data do vencimento.

30. A doutrina ressalta que o tempo é elemento essencial do crédito: “o intervalo ou a distância de tempo entre a prestação e a contraprestação […] é o elemento essencial do crédito, traduz a manifestação da confiança, que lhe serve de base ou fundamento” (MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Op. cit., p. 67, sem destaque no original).

31. Portanto, se a LUG não possui regra expressa acerca da disparidade de expressões da data de vencimento da dívida constantes de um mesmo título, deve prevalecer a interpretação que empreste validade à manifestação de vontade cambial de uma promessa futura de pagamento, a qual, na nota promissória, envolve, necessariamente, a concessão de um prazo para a quitação da dívida.

32. De se destacar, na nota promissória, a necessidade de respeito à manifestação originária de vontade, pois “o emitente da nota promissória é quem cria o título […] e sendo assim é ele quem vai dispor sobre a modalidade de pagamento do título” (MARTINS, Fran. Op. cit., p. 280, sem destaque no original).

33. Diante disso, se, entre duas datas de vencimento, uma coincide com a data de emissão do título – não existindo, assim, como se entrever uma operação de crédito –, deve prevalecer a data posterior, uma vez que, por ser futura, autoriza a presunção de que se trata da efetiva manifestação de vontade do devedor.

7. DA HIPÓTESE DOS AUTOS.

34. No particular, o Tribunal de origem assentou as seguintes premissas fáticas:

(i) “a nota promissória executada possui divergência entre a data de vencimento constante do cabeçalho (01/07/2012), a data de vencimento anotado por extenso (1º de julho de 2009) e a data de sua assinatura (01/07/2009)” (e-STJ fl. 212); e

(ii) “a data mencionada por extenso é idêntica à data da assinatura” (e-STJ fl. 212);

35. Nesse contexto, transpondo-se o entendimento propugnado neste voto para a hipótese concreta, tem-se que a presunção que milita em favor do devedor é a de que sua vontade era adimplir as obrigações respectivas na data de vencimento aposta numericamente no cabeçalho da nota promissória, uma vez que é a única data futura inscrita no título.

36. O acórdão impugnado, portanto, não está a exigir reforma.

8. CONCLUSÃO.

Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial interposto por BRUNNO WALYSON FERREIRA DE MEDEIROS e NEGO-LHE PROVIMENTO, a fim de manter o acórdão recorrido quanto à validade do título executivo que aparelha a demanda executiva.

Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/15, considerando o trabalho adicional imposto ao advogado da parte agravada em virtude da interposição deste recurso, majoro os honorários fixados anteriormente em 12% (doze por cento) sobre o valor da condenação (e-STJ fl. 215) para 14% (catorze por cento), observada eventual concessão da gratuidade de justiça. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.964.321 – Goiás – 3ª Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJ 18.02.2022

Fonte: INR – Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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