TJSP: Mandado de Segurança – ITCMD – Lei Estadual nº 10.705/00 – Herança – Imposto que deve incidir sobre o patrimônio líquido transmitido e não sobre a integralidade do monte-mor, deduzindo-se o passivo da herança, sob pena de confisco e afronta ao princípio da capacidade contributiva – Inteligência dos arts. 1.792 e 1.997 do Código Civil – Precedentes – Recursos não providos.


ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 1016623-14.2021.8.26.0576, da Comarca de São José do Rio Preto, em que é apelante ESTADO DE SÃO PAULO e Recorrente JUÍZO EX OFFICIO, são apelados MARIA HELENA RIBEIRO BORGES, SANDRA HELENA RIBEIRO BORGES CABREIRA MANO e MARTHA HELENA RIBEIRO BORGES NOGUEIRA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:Negaram provimento aos recursos. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores COIMBRA SCHMIDT (Presidente), MAGALHÃES COELHO E EDUARDO GOUVÊA.

São Paulo, 25 de janeiro de 2022.

COIMBRA SCHMIDT

Relator

Assinatura Eletrônica

Voto nº 44.148

Apelação nº 1016623-14.2021.8.26.0576 SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

Remetente: JUÍZO, de ofício.

Apelante: FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Apeladas: MARIA HELENA RIBEIRO BORGES E OUTRAS

Interessado: Delegado Regional Tributário de São José do Rio Preto

MM.ª Juíza de Direito: Dr.ª Tatiana Pereira Viana Santos

MANDADO DE SEGURANÇA. ITCMD. Lei Estadual nº 10.705/00. Herança. Imposto que deve incidir sobre o patrimônio líquido transmitido e não sobre a integralidade do monte-mor, deduzindo-se o passivo da herança, sob pena de confisco e afronta ao princípio da capacidade contributiva. Inteligência dos arts. 1.792 e 1.997 do Código Civil. Precedentes. Recursos não providos.

Trata-se de mandado de segurança impetrado por Maria Helena Ribeiro Borges e outras contra o Delegado Regional Tributário de São José do Rio Preto, colimando seja reconhecida e declarada a ilegalidade na “impossibilidade” de abatimento das dívidas deixadas pelo de cujus, autorizando-se seu abatimento do Montemor deixado, a fim de que a base de cálculo do ITCMD se dê somente o patrimônio líquido deixado pelo falecido (Luiz Desidério Borges), o qual é negativo, uma vez que o montante das dívidas é superior ao monte-mor, não havendo, portanto, ITCMD a ser recolhido pelas herdeiras.

Argumenta com a ilegalidade de incidência do imposto sobre as dívidas do de cujus, cuja base de cálculo deve ser o patrimônio líquido.

Concedeu-o a sentença de f. 93/8, cujo relatório adoto, para o fim de declarar que as dívidas do espólio devem ser excluídas da base de cálculo do ITCMD, de forma que a autoridade impetrada deve permitir os meios para o referido cálculo.

A par da remessa necessária prevista pelo art. 14, § 1º da Lei nº 12.016/2009, apela a Fazenda do Estado (f. 111/7). Argumenta que andou mal, a sentença recorrida, ao afastar a aplicação do art. 12 da Lei nº 10.705/2000, uma vez que a lei tributária não faz distinção entre monte-mor e monte partível, antes, segue o comando constitucional do artigo 155, inciso I, § 1º, incisos I e II, que não alude a herança bruta ou líquida, antes, refere-se a bens e direitos. Requer o provimento do recurso a fim denegar a segurança.

Contrarrazões a f. 122/6.

É o relatório.

1. Dispenso a oitiva da Procuradoria Geral de Justiça. Faço-o com espeque na Resolução nº 1.167/2019 PGJ-CGMP, publicado no DOE de 28 de agosto de 2019 e retificado no DOE de 5 de setembro de 2019, observado o seu desinteresse no feito, manifestado em primeiro grau a f. 91/2.

2. Questiona a presente impetração a ilegalidade na “impossibilidade” de abatimento das dívidas deixadas pelo de cujus sobre o valor do monte-mor. Considera a recorrida que tenha essa prerrogativa, notadamente porque em que pese o de cujus ter deixado um patrimônio no valor de R$ 69.000,00, de acordo com os bens descritos no item “1.4.”, as dívidas alcançam a monta de R$ 823.664,20. (…) Contudo, pelo sistema da Secretaria da Fazenda (DITCMD) não é possível a inclusão das dívidas.

Deveras, não obstante argumente a Fazenda do Estado com a incidência do art. 12 da Lei Estadual nº 10.705/2000, segundo o qual No cálculo do imposto, não serão abatidas quaisquer dívidas que onerem o bem transmitido, nem as do espólio, o dispositivo deve ser interpretado sistematicamente com os arts. 1792 e 1997 do Código Civil:

Art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados.

Art. 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube.

§1º Quando, antes da partilha, for requerido no inventário o pagamento de dívidas constantes de documentos, revestidos de formalidades legais, constituindo prova bastante da obrigação, e houver impugnação, que não se funde na alegação de pagamento, acompanhada de prova valiosa, o juiz mandará reservar, em poder do inventariante, bens suficientes para solução do débito, sobre os quais venha a recair oportunamente a execução.

O que seja, o Código Civil expressamente prevê que os herdeiros só respondem pelo passivo nos limites da herança. Disso resulta que o ITCMD deve ser instituído sobre a transmissão, ou seja, somente sobre o que for efetivamente acrescido ao patrimônio (herança positivada), já que é esta verdadeiramente a hipótese de incidência, tanto mais como forma de evitar o confisco e a violação ao princípio da capacidade contributiva previsto pelo art. 145, § 1º, da Constituição da República [1].

Conclui-se, nessa perspectiva, que o acervo patrimonial transmitido é o monte partível, abatidas, portanto, as dívidas do de cujus.

Nesse sentido, é a jurisprudência deste E. Tribunal de Justiça, exemplificado nos seguintes julgados:

APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ITCMD. Admissibilidade. Restou incontroverso que os autores efetuaram o pagamento a maior do aludido imposto estadual, decorrente da transmissão de bens causa mortis de David Fernando dos Santos Azevedo, sem o desconto das dívidas deixadas pelo de cujus. O ITCMD deve incidir sobre o patrimônio líquido transmitido e não sobre a integralidade do monte-mor, deduzindo-se o passivo da herança, sob pena de confisco e afronta ao princípio da capacidade contributiva. Inteligência dos artigos 1.792 e 1.997 do Código Civil, normas federais posteriores que revogaram tacitamente o artigo 12 da Lei Estadual nº 10.705/2000. Precedentes deste E. TJSP. Pedido julgado procedente no 1º grau. Em se tratando de relação jurídicotributária, os juros de mora devem ser calculados somente após o trânsito em julgado, de acordo com a taxa Selic. Honorários mantidos no patamar mínimo de 1% sobre o valor da condenação, nos termos do inciso V do § 3, do artigo 85 do CPC. Sentença parcialmente reformada. RECURSOS OFICIAL E VOLUNTÁRIO DA FAZENDA DO ESTADO PARCIALMENTE PROVIDOS. [2]

MANDADO DE SEGURANÇA LIMINAR ITCMDBASE DE CÁLCULO – A Fazenda não pode cobrar alíquota de ITCMD superior ao quinhão que efetivamente será transmitido aos herdeiros, sob pena de confisco e afronta ao princípio da capacidade contributiva. Cabe o abatimento, no cálculo do ITCMD, ao contrário do disposto no art. 12 da Lei do ITCMD, para adequação à lei civil de que o herdeiro responde por dívidas na proporção do seu quinhão e nos limites da força da herança, sendo ilegal aquele dispositivo por contrariar princípio de direito previsto em Lei Federal posterior. Base de cálculo que deve corresponder ao patrimônio líquido, excluídas as dívidas do “de cujus” Pressupostos autorizadores da concessão da medida de urgência presentes. Recurso provido. [3]

Mandado de Segurança. ‘Imposto sobre Transmissão ‘Causa Mortis’ e Doação’ ITCMD (artigo 155, inciso I, da Constituição Federal, e Lei estadual nº 10.705, de 28 de dezembro de 2000). Impetrante que busca a declaração de inexigibilidade do ITCMD “causa mortis” sobre o valor venal de imóvel objeto de contrato de financiamento, com cláusula de alienação fiduciária, pendente de pagamento. Base de cálculo do ITCMD que deve corresponder aos bens efetivamente transmitidos, com a exclusão das dívidas do espólio. Inteligência dos artigos 1.792, 1.847 e 1.997, todos do Código Civil. Inaplicabilidade da regra contida no art. 12 da Lei Estadual nº 10.705/00, a qual conflita com as normas civis que regem a sucessão. Precedentes desta Corte. Sentença que concede a segurança. Reexame necessário, único interposto, improvido. [4]

MANDADO DE SEGURANÇA ITCMD Declaração do ITCMD com base no monte partível, abrangendo os bens deixados pelos falecidos após o abatimento de todas as dívidas Admissibilidade O imposto deve incidir apenas sobre os bens transmitidos aos herdeiros, excluídos os valores utilizados para pagamento das dívidas do espólio Precedentes desta C. 9ª Câmara e Sodalício Concessão da segurança mantida Recursos oficial e voluntário não providos. [5]

MANDADO DE SEGURANÇA Impetração para o fim de que seja conferido o abatimento das dívidas do espólio da base de cálculo do ITCMD Inteligência dos artigos 1.997 e 1.792, ambos do Código Civil Sentença concessiva da ordem mantida Lei Federal de competência legislativa concorrente prevalece sobre Lei Estadual Exegese do art. 24, inc. I, § 4º, da Constituição Federal Lei posterior revoga anterior quando com ela incompatível Artigo 2º, §1º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro Precedente jurisprudencial Remessa necessária não provida. [6]

Deste último, colho elucidativa passagem:

As lições de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery vêm ao encontro de tal entendimento. Segundo esses autores, o patrimônio destinado à satisfação das dívidas do falecido, bem como das dívidas da herança, não se sujeita ao ITCM, justamente por visar o adimplemento das dívidas pretéritas, assumidas pelo de cujus em vida, ou do autor da herança (v. comente. CC 1997). Não é objeto de transmissão aos herdeiros em virtude da morte do de cujus hipótese de incidência do ITCMD , por isso é que não ocorre, na hipótese, sucessão mortis causa. Ou seja, por não se configurar sobre essa quota patrimonial o fato gerador da obrigação tributária, ela deve, destarte, ser reduzida do monte-mor no momento da avaliação do imposto (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 12ª edição, página 1437, Revista dos Tribunais, 2010; negritei).

E ainda desta C. 7ª Câmara de Direito Público:

AGRAVO DE INSTRUMENTO Mandado de segurança ITCMD – Recurso contra decisão que indeferiu o pleito liminar na parte que requer o reconhecimento do abatimento de dívidas deixadas pelo Espólio Cabimento Ilegalidade do disposto no art. 12 da Lei nº 10.705/2000 por contrariar princípio de direito previsto em lei federal posterior – Base de cálculo que deve corresponder ao patrimônio líquido, excluídas as dívidas do de cujus Decisão reformada – Recurso provido. [7]

Apelação e remessa necessária. ITCMD. Imóvel urbano. Pretensão ao reconhecimento da ilegalidade do Decreto Estadual nº 55.002/2009 que alterou a base de cálculo do tributo. Incidência de valor de referência do ITBI. Adoção do valor venal do IPTU lançado no exercício. Inteligência da Lei Estadual nº 10.705/2000.Abatimento do valor das dívidas devido. Precedentes deste E. Tribunal de Justiça. Sentença mantida. Remessa e apelo improvidos. [8]

Agregados os fundamentos da sentença, nego provimento aos recursos.

Custas na forma da lei.

COIMBRA SCHMIDT

Relator

Notas:

[1] Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (…) § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

[2] Ap nº 1000533-50.2018.8.26.0053, Rel. Des. Souza Nery, 12ª Câmara de Direito Público, j. em 26.8.2018.

[3] AI nº 166002-62.2019.8.26.0000, Rel. Des. Leonel Costa, 8ª Câmara de Direito Público, j. em 16.10.2019.

[4] Rn nº 1030698-46.2019.8.26.0053; Rel. Des. Aroldo Viotti; 11ª Câmara de Direito Público; j. em 9.6.2020.

[5] Ap/Rn nº 1001790-42.2020.8.26.0344, Rel. Des. Rebouças de Carvalho, 9ª Câmara de Direito Público, j. em 24.5.2021.

[6] Rn nº 1059458-68.2020.8.26.0053, Rel. Fermino Magnani Filho, 5ª Câmara de Direito Público, j. em 25.8.2021.

[7] AI nº 2211022-42.2020.8.26.0000, Rel. Eduardo Gouvêa, 7ª Câmara de Direito Público, j. em 10.5.2021.

[8] Ap/Rn nº 1037026-89.2019.8.26.0053, Rel. Fernão Borba Franco, 7ª Câmara de Direito Público, j. em 13.9.2021. – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação / Remessa Necessária nº 1016623-14.2021.8.26.0576 – São José do Rio Preto – 7ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Coimbra Schmidt – DJ 27.01.2022

Fonte: INR Publicações.

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2VRP/SP: RCPN. Habilitação para casamento. Exigência de apresentação da escritura de pacto antenupcial com validade de 90 dias. A validade da convenção não pode ser indeterminada. Necessidade de lavratura de nova escritura pública.


Processo 1020127-64.2022.8.26.0100

Habilitação para Casamento – 2ª Vara de Registros Públicos – VISTOS, Cuida-se de pedido de providências formulado pela Senhora Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais de Subdistrito desta Capital, no âmbito de habilitação de casamento, em razão da impugnação pelos contraentes ao óbice registrário imposto pela Titular à pretensão de que se fizesse valer, para definição do regime de bens, Escritura de Pacto Antenupcial lavrada aos 13.01.2020. Os autos foram instruídos com os documentos de fls. 04/28. O Ministério Público ofereceu parecer pelo acolhimento da impugnação, às fls. 31/32, na compreensão de que os requisitos do ato foram observados e cumpridos. É o breve relatório. Decido. Trata-se de expediente encaminhado pela Senhora Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais de Subdistrito desta Capital. Em breve síntese, temos que a i. Titular obstou a pretensão dos contraentes de fazer valer, para a definição do regime de bens, o Pacto Antenupcial lavrado aos 13.01.2020, ou seja, há mais de dois anos. Em sua devolutiva, apontou a Senhora Registradora que a Escritura Pública deve ser lavrada nos 90 (noventa) dias que antecedem ao casamento, em conformidade ao decidido no bojo dos autos nº 1127940-87.2021.8.26.0100, desta Corregedoria Permanente. Os pretendentes impugnaram o óbice, solicitando autorização deste Juízo para a utilização da Escritura Pública anteriormente realizada. O Ministério Público, por sua vez, opinou favoravelmente à possibilidade de utilização do pacto antenupcial lavrado em 2020, na compreensão de que não há prazo estabelecido de validade do instrumento firmado. Pois bem. Pese embora elevadas as razões apresentadas pelos interessados e pelo i. Promotor de Justiça, entendo que o óbice imposto pela Senhora Registradora deve ser mantido, no sentido da impossibilidade de se aceitar a Escritura de Pacto Antenupcial lavrada aos 13.01.2020, ou seja, há mais de dois anos. De fato, o prazo de validade da Escritura de Pacto Antenupcial não foi estabelecido de modo explícito na lei e há divergências na doutrina quanto à solução para a questão. Contudo, o conjunto de regramentos legais demonstra que o pacto antenupcial deve ser realizado no contexto da habilitação de casamento, em momento no qual os consortes se preparam para o matrimônio. Nesse sentido é a intelecção do parágrafo único do artigo 1.640, do Código Civil: Art. 1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial. Parágrafo único. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas. [negrito meu] No mesmo sentido se expressam as Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça, em seu Cap. XVII, item 71, fazendo clara alusão de que o pacto deve ser realizado no contexto da preparação para o casamento, e não em momento disperso no tempo: 71. Optando os nubentes por um regime de bens diverso do legal, sua vontade deverá ser formalizada por intermédio de escritura pública até a celebração, sendo ineficaz a simples declaração reduzida a termo no processo de habilitação matrimonial. Destaco que a palavra “nubente” – do latim “nubere”, que se traduz por “casar” – indica “que ou quem vai casar ou tem casamento marcado”. De modo mais incidente a respeito, prescreve o artigo 1653 do Código Civil: Art. 1.653. É nulo o pacto antenupcial se não for feito por escritura pública, e ineficaz se não lhe seguir o casamento. [negrito meu] O dispositivo legal em questão efetua limite temporal de eficácia do pacto antenupcial no sentido de anteceder ao casamento, todavia, não especifica um prazo de modo direto. Para colmatar esta lacuna por analogia, na forma do art. 4º, da LINDB, compete aplicar o prazo de noventa dias de eficácia da habilitação, constante do art. 1.532 do Código Civil, de modo antecedente ao casamento. Como é sabido, o prazo de validade da habilitação de casamento é de 90 dias, após o qual os atos praticados perdem seu efeito, devendo ser repetidos, para conferir segurança jurídica aos nubentes, a terceiros e ao Estado. Carlos Roberto Gonçalves refere que a perda de validade da habilitação para o casamento ocorre em razão de, após decorrido tal prazo, a situação fática entre os consortes e entre os consortes e terceiros por ter se alterado, de modo a refletir seus efeitos no negócio jurídico (casamento) pactuado: Decorrido o prazo de quinze dias a contar da afixação do edital em cartório (e não da publicação na imprensa), o oficial entregará aos nubentes certidão de que estão habilitados a se casar dentro de 90 dias, sob pena de perda de sua eficácia. Vencido esse prazo, que é de caducidade, será necessária nova habilitação, porque pode ter surgido algum impedimento que inexistia antes da publicação dos proclamas [Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume 6: Direito de Família 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012]. Por conseguinte, a validade da convenção não pode ser indeterminada, porque o que nele se fez constar pode perder a validade fática e vir a refletir efeitos jurídicos indesejados para os consortes ou para terceiros, daí a previsão de ineficácia, preservando a higidez do negócio jurídico. Desse modo, assinalo que a negativa da Registradora Civil, entre outros pontos, visa a garantir a segurança jurídica do negócio jurídico em questão, guiado também pelo princípio da heteronomia da vontade. Seja como for, ainda que se tenha compreensão diversa, é patente que o prazo de mais de dois anos impede a utilização da Escritura Pública, a qual, ultrapassa, em muito, a dicção legal acerca da ineficácia do pacto antenupcial se não lhe seguir o casamento. Bem assim, por todo o exposto, compreendo que assiste razão à Senhora Titular e não acolho a impugnação ofertada pelas partes, ficando indeferida a utilização da Escritura Pública de Pacto Antenupcial lavrada aos 13.01.2020, devendo os nubentes providenciarem a lavratura de ato atual ou, alternativamente, optarem pelo regime legal de bens para o casamento. Considerando-se a questão de interesse geral, publique-se a presente decisão. Encaminhese cópia integral dos autos à E. Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente como ofício. Ciência à Senhora Registradora, que deverá cientificar os consortes, e ao Ministério Público. P.I.C. (DJe de 16.03.2022 – SP).

Fonte: DJe/SP.

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