1VRP/SP: Registro de Imóveis. A cláusula restritiva de inalienabilidade somente se aplica a atos de liberalidade, implicando impenhorabilidade e incomunicabilidade, como se vê do Código Civil em vigor, notadamente da regra de seu artigo 1.911.


Processo 1002251-96.2022.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Flip Negocios Imobiliarios Ltda – Assim, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências formulado pelo Oficial do 15º Registro de Imóveis da Capital, mantendo o óbice. Providencie a serventia a necessária regularização do cadastro do feito (pedido de providências), inclusive para trâmite perante o subfluxo da Corregedoria Permanente, acionando o Distribuidor, se necessário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: RAMIRO FREITAS DE ALENCAR BARROSO (OAB 33119/DF)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA – Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Processo Digital nº: 1002251-96.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 15º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Suscitado: Flip Negocios Imobiliarios Ltda

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 15º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Flip Negócios Imobiliários Ltda, tendo em vista negativa a requerimento de ingresso de instrumento particular de parceria imobiliária para exploração do imóvel objeto da matrícula n.120.118 daquela serventia.

O Oficial informa que o contrato em questão objetiva reforma e comercialização futura do imóvel, com estabelecimento de regras próprias entre os contratantes. A recusa se funda na ausência de previsão da hipótese no artigo 167 da Lei de Registros Públicos e porque há estipulação de cláusula de inalienabilidade, a qual é vedada em negócios onerosos.

Documentos vieram às fls. 06/38.

A parte suscitada manifestou-se às fls. 39/50, explicando o modelo de negócio formatado no instrumento particular, por meio do qual o proprietário admite a limitação do gozo e da alienabilidade do bem. Sustenta que não há impedimento à averbação da avença e que a modificação da situação jurídica do imóvel é necessária para preservação da boa-fé e da função social do contrato, bem como para publicidade das restrições acordadas. Defende a viabilidade da averbação da cláusula de inalienabilidade independentemente de se tratar de contrato oneroso diante da existência de previsão legal sem ressalvas (artigo 167, II, 11, da LRP), notadamente diante da justa causa decorrente da função social do contrato.

O Ministério Público opinou, primeiramente, pelo recebimento do feito como pedido de providências e, no mérito, pela manutenção do óbice (fls. 167/170).

É o relatório.

Fundamento e decido.

Primeiramente, é importante ressaltar que este caso não envolve registro em sentido estrito justamente por não tratar de constituição ou modificação de direito real relativo a imóvel, o que, ademais, exigiria forma especial, nos termos do artigo 108 do Código Civil.

Como a impugnação deixa claro, o que se busca é averbação visando publicidade das restrições estipuladas por instrumento particular de parceria imobiliária.

O procedimento de dúvida registral, portanto, é inadequado, devendo o feito prosseguir como pedido de providências.

Também é importante destacar que, neste âmbito administrativo, não é analisada a relação obrigacional definida pelas partes, mas apenas a habilidade do título para ingresso no fólio real.

No mérito, o óbice deve ser mantido. Vejamos os motivos.

Não se desconhece que as hipóteses descritas no art. 167, inciso II, da Lei n. 6.015/73, que dizem respeito às averbações no registro de imóveis, são meramente exemplificativas.

Nesse sentido, a jurisprudência do E. Conselho Superior da Magistratura (destaques nossos):

“Como se sabe, as hipóteses de registro são previstas, de modo taxativo e exaustivo, nos diversos itens do inciso I do artigo 167 da LRP, constituindo numerus clausus.

O mesmo não ocorre, entretanto, nos casos de averbação, onde as hipóteses descritas no inciso II do mesmo artigo 167 são meramente exemplificativas, constituindo numerus apertus.

Termos em que, é manifesta a inviabilidade do registro do termo de constituição de garantia de alienação fiduciária de lavouras e produto (fls. 15/23).

Nesse sentido, a lição de Afrânio de Carvalho: (…) o registro não é o desaguadouro comum de todos e quaisquer títulos, senão apenas daqueles que confiram posição jurídico-real, como os constantes da enumeração da nova Lei do Registro (art. 167) – Registro de Imóveis. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 236.

Na mesma direção, já decidiu a Corregedoria Geral da Justiça (Processo CG nº 167/2005), como se observa: Tal dispositivo legal atribui ao elenco de hipóteses de averbação discriminadas na Lei de Registros Públicos o caráter de rol meramente exemplificativo, diversamente do que se passa com as hipóteses de registro do art. 167, I, enumeradas em caráter taxativo (cf. Vicente de Abreu Amadei, ob. cit., p. 50, nota 111; Valmir Pontes, Registro de Imóveis. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 178, nota 2) – grifos não originais (…)” (Apel. Cível n. 0035067.98.2010.8.26.0576, DJ: 11/08/2011 – Relator: Maurício Vidigal).

Enquanto o registro de direitos e ônus reais sobre imóveis submete-se aos princípios da tipicidade e da legalidade, uma vez que restrito a rol taxativo (conforme tipos rígidos e exaurientes definidos em lei), os atos de averbação, por sua vez, são de natureza acessória e estão previstos em rol exemplificativo (numerus apertus), já que dizem respeito a mutações relativas a direitos e fatos anteriormente inscritos.

A regra do artigo 246 da Lei de Registros Públicos, com a redação dada pela Medida Provisória n.1085/2021, assim estabelece:

“Art. 246: Além dos casos expressamente indicados no inciso II do caput do artigo 167, serão averbados na matrícula as subrogações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro ou repercutam nos direitos relativos ao imóvel”.

Temos, assim, duas formas de ingresso de títulos no fólio real, as quais cobrem situações jurídicas distintas, com finalidades próprias:

“Embora uma e outra cubram mutações jurídico-reais, a primeira destina-se a certas mutações e a segunda a outras diversas. A inscrição, nela absorvida a transcrição discrepante, cobre as aquisições e onerações de imóveis, que são os assentos importantes, ao passo que a averbação cobre as demais, que alteram por qualquer modo os principais. A nomenclatura binária condiz com a diferença entre a principalidade dos primeiros atos e a acessoriedade dos segundos. Essa diferença, derivada da consideração recíproca dos atos, implica outra de natureza temporal, pois o que altera é necessariamente posterior ao alterado. Assim, pressupondo a inscrição, a averbação lhe é posterior, devendo consignar fatos subsequentes. A nova lei registral confirma esse conceito, visto como, após referência a casos expressos de averbação, a prevê para ‘as sub-rogações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro’ (art. 246). (…)

A averbação não muda nem a causa nem a natureza do título que deu origem à inscrição, não subverte o assento original, tão somente o subentende (…)” (Afrânio de Carvalho, Registro de Imóveis, 4ª edição, Rio de Janeiro: editora Forense, 1998, página 117).

Há que se observar, porém, que, por se tratar o Direito Registral de ramo do Direito Público, a interpretação correta do princípio da legalidade é aquela pela qual somente se podem admitir hipóteses de registro e de averbação autorizadas por lei.

A propósito, decisão proferida pela E. Corregedoria Geral da Justiça (CG n. 39.751/2015, em parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria Swarai Cervone de Oliveira, aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Des. Hamilton Elliot Akel, destaques nossos):

“Não é isso o que a recorrente deseja. Ela quer a averbação – não o registro – do bem de família legal ou involuntário, aquele previsto na Lei 8.009/90. Diz que não há vedação legal à sua pretensão. Olvidou-se a recorrente, contudo, de que o Registrador deve agir segundo o princípio da legalidade. O rol de direitos passíveis de inscrição no folio real é taxativo. Não fica a critério do interessado ou do Registrador escolher quais títulos ou direitos registrar ou averbar. Aqui, não vale a regra de que o que não é vedado por lei é permitido. Ao contrário, no direito registral, no que respeita aos atos de registro ou averbação, só são permitidos aqueles expressamente previstos por lei”.

No caso concreto, inexiste supedâneo legal para o ato registral pretendido: estipulação de cláusula de inalienabilidade como garantia do pagamento, pelos proprietários, do investimento feito pela empresa parceira na reforma do imóvel (negócio oneroso).

A cláusula restritiva em questão somente se aplica a atos de liberalidade, implicando impenhorabilidade e incomunicabilidade, como se vê do Código Civil em vigor, notadamente da regra de seu artigo 1.911.

É certo que o título traz disposições relativas ao uso do bem (cessão da posse e restrição à ocupação), as quais, em tese, poderiam ter ingresso no fólio real por implicarem limitação ao domínio. Contudo, considerando que integram um único negócio jurídico atípico e se complementam para formar a vontade dos contratantes, impossível cindir o título para ingresso parcial.

Voltando à questão da averbação da cláusula de inalienabilidade, em que pese a ausência de ressalvas na previsão do artigo 167, II, item 11, da LRP, uma interpretação sistemática, atenta aos princípios que regem o Direito Registral e o direito de propriedade, notadamente sua função social sob o aspecto da responsabilidade patrimonial do proprietário, revela que referido dispositivo não pode ser aplicado em disposição voluntária, feita pelo próprio titular do domínio, como bem observa Ademar Fioranelli, amparado em doutrina nacional autorizada sobre o tema (destaque nosso):

“Se é certo que a lei não proíbe expressamente a imposição de cláusula restritiva pelo titular do domínio do imóvel, não menos certo é que a proibição para tanto está inserida nos princípios que regem o direito de propriedade, e em geral. Admiti-la, afora o instituto do bem de família, seria contrariar princípios de direito e normas legais; apoiar-se tal posição seria facultar ao devedor isentar seu bem de responder por uma dívida, quando o princípio normativo é no sentido de que o patrimônio do devedor responde por suas obrigações. Chegaríamos, assim, às raias da imoralidade” (Direito Registral Imobiliário. Porto Alegre: Instituto de Registro Imobiliário do Brasil / Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, página 171).

Não é possível, portanto, mediante negócio privado firmado com o intuito de lucro, blindar o patrimônio do devedor em face de outros credores que não participaram da avença. Referida cláusula de inalienabilidade configura, assim, simples obrigação de não fazer, de cunho eminentemente pessoal e não real, pelo que impossível acesso à matrícula do imóvel.

A jurisprudência do C. Conselho Superior da Magistratura segue tal entendimento:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Contrato particular de parceria em empreendimentos imobiliários – Título representativo de direito obrigacional – Pretensão de prevalência perante terceiros, visando assegurar o recebimento de suposto crédito – Recusa do registro – Ausência, ademais, dos requisitos para a realização de averbação preventiva – Recurso não provido” (TJSP; Apelação Cível 1017364-22.2018.8.26.0071; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Conselho Superior de Magistratura; Julgamento: 25/07/2019).

Não bastasse todo o exposto, vale ressaltar que nosso sistema legal prevê outros direitos reais destinados a vincular bem imóvel como garantia de investimento aportado, os quais podem ter acesso ao fólio real, inclusive estabelecendo preferência, mas sem desassistir outros eventuais credores.

Assim, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências formulado pelo Oficial do 15º Registro de Imóveis da Capital, mantendo o óbice. Providencie a serventia a necessária regularização do cadastro do feito (pedido de providências), inclusive para trâmite perante o subfluxo da Corregedoria Permanente, acionando o Distribuidor, se necessário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 03 de março de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 14.03.2022 – SP)

Fonte: DJe/SP.

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Desapropriação de imóvel rural – Aquisição originária da propriedade – Rodovia em área rural – Áreas desapropriadas georreferenciadas – Necessidade de certificação pelo INCRA e de registro no Cadastro Ambiental Rural – CAR – Nega-se provimento à apelação.


Apelação Cível nº 1000288-86.2021.8.26.0553

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1000288-86.2021.8.26.0553

Comarca: SANTO ANASTÁCIO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1000288-86.2021.8.26.0553

Registro: 2021.0001020039

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000288-86.2021.8.26.0553, da Comarca de Santo Anastácio, em que é apelante CONCESSIONARIA AUTO RAPOSO TAVARES S.A. (CART), é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SANTO ANASTÁCIO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v. u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 2 de dezembro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1000288-86.2021.8.26.0553

Apelante: Concessionaria Auto Raposo Tavares S.a. (cart)

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Santo Anastácio

VOTO Nº 31.666

Registro de Imóveis – Desapropriação de imóvel rural – Aquisição originária da propriedade – Rodovia em área rural – Áreas desapropriadas georreferenciadas – Necessidade de certificação pelo INCRA e de registro no Cadastro Ambiental Rural – CAR – Nega-se provimento à apelação.

1. Trata-se de recurso de apelação interposto por CONCESSIONÁRIA AUTO RAPOSO TAVARES S.A. (CART) contra a sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Santo Anastácio, mantendo a recusa ao registro de carta de adjudicação extraída dos autos de ação de desapropriação (fl. 154/160).

Aduz a apelante, em síntese, que não se trata de ato voluntário de transferência de propriedade, mas sim, de desapropriação de imóvel para fins de instalação de trecho de rodovia, forma originária de aquisição da propriedade, o que torna incabíveis as exigências efetuadas, pois o imóvel em questão perdeu o status de rural e não há obrigatoriedade de apresentação do Cadastro Ambiental Rural CAR (fl. 166/176).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 204/208).

É o relatório.

2. A apelante, concessionária de serviço público, por sentença proferida em ação judicial, obteve a desapropriação, por utilidade pública, de parte do imóvel objeto da matrícula nº 970 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Santo Anastácio/SP.

Contudo, a carta de adjudicação expedida nos autos da ação de desapropriação (Processo nº 0004804-84.2012.8.26.0553, da Vara Única da Comarca de Santo Anastácio/SP), apresentada a registro pela apelante, foi negativamente qualificada pelo Oficial Registrador, que expediu nota de devolução (fl. 06/07) com as seguintes exigências:

“(…)

6. Mapas do SIGEF INCRA, devidamente certificado das duas áreas desapropriadas, cumprindo-se o requisito do georreferenciamento;

7. Memoriais Descritivos do SIGEF INCRA, devidamente certificado das duas áreas desapropriadas, cumprindo-se o requisito do georreferenciamento;

8. ART do responsável que realizar o levantamento topográfico;

(…)

11. Apresentar o Cadastro Ambiental Rural (CAR), para a devida averbação na matrícula (…).”

Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme disposto no item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível nº 413-6/7; Apelação Cível nº 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível nº 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível nº 1001015-36.2019.8.26.0223).

Fixada esta premissa, indiscutível que a aquisição da propriedade imobiliária por meio da desapropriação judicial encerra forma originária.

No entanto, a despeito de referido caráter originário, a partir da redação dos arts. 176, § 3º, e 225, § 3º, da Lei nº 6.015/73 infere-se que, na hipótese em que há destaque de parcela de imóvel rural, observados, por certo, os prazos constantes do art. 10 do Decreto nº 4.449/2002, existe a necessidade de regular apresentação da planta e do memorial descritivo georreferenciado, contendo as coordenadas georreferenciadas, notadamente pela repercussão no imóvel objeto da desapropriação parcial no aspecto da especialidade objetiva.

A propósito, assim está disposto:

“Art. 176 (…)

§ 3º – Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1º será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.” (g.n.)

“Art. 225 (…)

§ 3º – Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais”.

Na expressão consagrada de Afrânio de Carvalho:

“(…) o requisito registral da especialidade do imóvel, vertido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto heterogêneo em relação a qualquer outro”.[1]

A interpretação teleológica das referidas disposições normativas permite a compreensão de sua incidência no caso da desapropriação de parcelas de imóvel rural, notadamente pela repercussão no imóvel objeto da desapropriação parcial no aspecto da especialidade objetiva.

No caso em tela, foi realizado o georreferenciamento das áreas desapropriadas, consoante se observa da planta e do memorial descritivo a fl. 32/33 e 28/31, em que constam suas exatas localizações conforme as coordenadas de seus vértices, como previsto na Lei de Registros Públicos. Destarte, no que tange à exigência de apresentação de planta e memorial descritivo georreferenciado, não há óbice ao pretendido registro.

De outra sorte, a necessidade de sua certificação pelo INCRA consta do art. 9º do Decreto nº 4.449/2002:

“Art. 9º – A identificação do imóvel rural, na forma do §3º do art. 176 e do §3º do art. 225 da Lei nº 6.015, de 1973, será obtida a partir de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo, inclusive em manual técnico, expedido pelo INCRA.

§ 1º – Caberá ao INCRA certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio”.

Não se olvida dos prazos de carência estabelecidos no mencionado art. 10 de referido Decreto, que, na hipótese, ocorreria em vinte e dois anos.

“Art.10 – A identificação da área do imóvel rural, prevista nos §§ 3º e 4º do art. 176 da Lei nº 6.015, de 1973, será exigida nos casos de desmembramento, parcelamento, remembramento e em qualquer situação de transferência de imóvel rural, na forma do art. 9º, somente após transcorridos os seguintes prazos:

(…)

VII – vinte e dois anos, para os imóveis com área inferior a vinte e cinco hectares”.

Contudo, georreferenciada a descrição perimétrica das áreas desapropriadas, como ocorre in casu, ainda que não expirado o prazo de carência afigura-se imprescindível a apresentação, no Registro de Imóveis competente, da certificação expedida pelo INCRA de que não há sobreposição com outro imóvel rural, tudo a fim de se evitar o ingresso de identificação incompleta no fólio real.

Nestes moldes foi o parecer de lavra do então Juiz Auxiliar da Corregedoria, Dr. José Antônio de Paula Santos Neto, nos autos do Processo nº 24066/2005, aprovado pelo, à época, Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Mário Antonio Cardinale:

“Foi questionado, outrossim, se ‘aqueles que optarem pelo georreferenciamento já, deverão atender de imediato a certificação de que trata o § 1º do artigo 9º do Decreto 4.449/02, ou poderão  fazê-lo dentro do prazo que for entendido como aplicável’. Obviamente, a providência deverá ser imediata. A obtenção do certificado de não sobreposição emitido pelo INCRA é parte integrante e relevante do sistema de individualização imobiliária disciplinado no dito decreto. Logo, não é de se admitir o ingresso, no fólio real, de identificação truncada; incompleta. Nem parceladamente, a prestações. Configura a certificação verdadeiro requisito a ser observado. Aliás, sua exigência é um dos aspectos essenciais do mapeamento cadastral que se almeja erigir. Destarte, a bem da própria higidez do Registro Imobiliário, deverá ser desqualificado o ingresso da nova descrição quando o memorial não vier devidamente certificado. Do contrário, ferir-se-ia a lógica da estrutura concebida e se correria o risco, até, de permitir a vulneração da tábua por modificação aventureira das características da área rural, uma vez que sem a chancela de segurança do órgão oficial responsável. Além disso, a certificação diferida para o futuro poderia nunca chegar, criando-se perplexidade acerca do destino a ser dado àquela descrição precipitadamente abrigada”.

Não colhe, ademais, a alegação da apelante no sentido de que o imóvel em questão perdeu o status de rural.

Com efeito, nos termos do art. 53 da Lei nº 6.766/79, a alteração de uso do solo rural para fins urbanos depende de aprovação do Município, bem como de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA.

Nos autos, contudo, não há demonstração de manifestação do INCRA e tampouco comprovação de aprovação por parte do Município da mudança de destinação do imóvel, razão pela qual não há como ser afastada a exigência.

Neste sentido já se manifestou, recentemente, este C. Conselho Superior da Magistratura:

“Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. Escritura de venda e compra. Descrição sucinta do imóvel constante da matrícula e reproduzida no título que, porém, dadas as circunstâncias do caso concreto, não chega a ofender o princípio da especialidade objetiva. Alegada destinação urbana de imóvel originalmente rural. Necessária apresentação de certidão de descadastramento pelo INCRA. Recurso não provido”. [2]

Por fim, em virtude da área desapropriada encerrar imóvel rural para fins de registro imobiliário, correta a exigência de Cadastro Ambiental Rural, nos termos do art. 29 da Lei n.º 12.651/12:

“Art. 29 – É criado o Cadastro Ambiental Rural – CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.

(…)

§ 3º – A inscrição no CAR é obrigatória e por prazo indeterminado para todas as propriedades e posses rurais”.

A propósito do tema, merecem destaque as recentes decisões deste C. Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. DESAPROPRIAÇÃO PARCIAL DE ÁREA RURAL. AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE. RODOVIA EM ÁREA RURAL. Prescindibilidade de georreferenciamento da área remanescente do imóvel objeto da desapropriação. Descrição da localização geodésica do imóvel desapropriado. Necessidade de certificação pelo INCRA. Cabimento do registro no CAR. Recurso não provido.” (TJSP; Apelação Cível 1001645-69.2017.8.26.0415; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Palmital – 1ª Vara; Data do Julgamento: 14/09/2021; Data de Registro: 15/09/2021).

“REGISTRO DE IMÓVEIS. DESAPROPRIAÇÃO PARCIAL DE ÁREA RURAL. Aquisição originária da propriedade. Rodovia em área rural. Cabimento do georreferenciamento em cumprimento à Lei de Registros Públicos (artigos 176, § 1º, 3 “a”, 176, §§ 3º e 6º e 225, § 3º) e ao princípio da especialidade objetiva. Cabimento do registro no CAR. Recurso não provido.” (TJSP; Apelação Cível 1002546-11.2017.8.26.0553; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Santo Anastácio – Vara Única; Data do Julgamento: 28/05/2019; Data de Registro: 06/06/2019).

Relevante consignar, ademais, que o prazo de prorrogação para inscrição no Cadastro Ambiental Rural – CAR, promovido pela Lei nº 13.295/2016, foi estendido até o final do ano de 2017 e, portanto, diversamente do alegado pela apelante, já expirou. É, nesta linha, a redação do subitem 10.4. do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

“10.4. A obrigatoriedade da averbação do número de inscrição do imóvel rural no CAR/SICAR, a ser realizada mediante provocação de qualquer pessoa, fica condicionada ao decurso do prazo estabelecido no § 3.º do art. 29 da Lei n.º 12.651, de 25 de maio de 2012.”

3. À vista do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relato

Notas:

[1] Registro de Imóveis, pág. 206.

[2] Apelação nº 790-6/6, Rel. Des. Ruy Camilo, j. em 27/5/2008. (DJe de 10.03.2022 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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