STJ: Recurso em Mandado de Segurança – Escrivão de serventia não oficializada – Remuneração por verbas oriundas do poder público, além de custas e emolumentos – Aposentadoria compulsória – Acórdão recorrido em conformidade com decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o tema em repercussão geral – 1. Trata-se, na origem, de Mandado de Segurança preventivo impetrado por escrivão titular do 5º Ofício Cível da Comarca de Goiânia/GO contra o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás para impedir que a alegada autoridade coatora promova a aposentadoria compulsória do impetrante quando ele completar 75 anos de idade – 2. O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás denegou a segurança – 3. O tema relativo à aposentadoria compulsória foi pacificado pelo STF no julgamento do RE 647.827/PR, em que fixada esta tese: “Não se aplica a aposentadoria compulsória prevista no art.40,§1º, II da CF aos titulares de serventias judiciais não estatizadas, desde que não sejam ocupantes de cargo público efetivo e não recebam remuneração proveniente dos cofres públicos.” (Grifei) – 4. No referido julgamento, esclareceu-se que a situação jurídica dos titulares das serventias não é uniforme: há quem ocupe cargos efetivos, recebendo parte de sua remuneração diretamente dos cofres públicos e parte de custas e emolumentos; e há quem não ocupe cargo efetivo com remuneração exclusiva por custas e emolumentos. O julgado decidiu que foram resguardados direitos adquiridos e que a regra da aposentadoria compulsória depende da situação jurídica em que se encontre o titular da serventia: a) se ele for titular de serventia judicial oficializada e ocupar cargo público, com remuneração exclusiva dos cofres públicos, deve observar a regra da aposentadoria compulsória; todavia, b) se ele for titular de serventia não estatizada com parte da remuneração por custas e emolumentos e parte oriunda dos cofres públicos, aplica-se a aposentadoria compulsória; c) se ele for titular de serventia não estatizada, com remuneração exclusiva por custas e emolumentos, incogitável aposentadoria compulsória – 5. No caso dos autos, o impetrante está sujeito à aposentadoria compulsória prevista pelo art. 40, § 1º, II, da CF – 6. Apesar de ele ser titular de serventia não estatizada, recebe remuneração dos cofres públicos, pois os documentos de fls. 157-207 atestam que ele percebe vencimentos de cargo público, adicionais, auxílio-alimentação, licenças-prêmio, salários-famílias, férias – 7. Diversamente do alegado pela parte recorrente, os documentos não estão restritos à décadas de 70 e 80, constando o pagamento de férias para períodos posteriores a 1990, havendo menção ao ano 2009, bem como anotação de concessão de adicionais em 2015. No demonstrativo de pagamento mensal do ano de 2016, há registro de pagamento de valores oriundos dos cofres públicos como adicionais, auxílio-alimentação, vencimentos e recolhimentos para previdência (fls. 182-190) – 8. O próprio recorrente confirma, nas razões recursais, que recebe remuneração do poder público: “Observa-se, quanto a esse ponto, que o simples fato de o TJ/GO dedicar verbas públicas ao Recorrente não o transforma automaticamente em um servidor público, sob pena de subverter não só a legislação estadual, que expressamente a veda (artigo 7º, caput, da Lei n. 10.459/88), como também a Constituição da República (artigos 37, 39 e 40)” – 9. Embora o art. 7º da Lei Estadual 10.459/1988 tenha restringido a remuneração dos titulares das serventias não oficializadas às custas e emolumentos pagos, vedando o recebimento de vencimentos ou salários, tal dispositivo não foi aplicado ao caso do ora recorrente em virtude de sua situação peculiar: ingresso em cargo público, após aprovação em concurso público no ano de 1968, submetido a regime jurídico híbrido, a partir da interpretação da interpretação conjunta da EC 22/82, CF/88 e sucessivas alterações da legislação estadual – 10. A autoridade coatora esclareceu nas informações de fls. 134-155: “É certo que o art. 7º da Lei Estadual nº 10.459/88 proibiu o pagamento de vencimento ou salário do Poder Público aos titulares de serventias não oficializadas e seus substitutos como se vê abaixo: Ocorre que o dispositivo acima transcrito deve ser interpretado conforme o texto constitucional da época dos fatos, e não o contrário. Por certo, a vedação instituída pelo art. 7°, caput, da Lei Estadual nº 10.459/88 não poderia suplantar garantia concedida pelo texto constitucional (EC 22/82). Noutras palavras, a referida norma goiana não alterou o regime jurídico da parte autora, incluindo a sua forma de remuneração, considerando que o art. 206 da Constituição Federal de 1967 (CF 67), hierarquicamente superior à norma estadual garantiu ao impetrante a manutenção de todos os seus direitos (servidor o ocupante de cargo público com regime remuneratório diferenciado). (…) Com o advento da Emenda Constitucional nº 22 de 1982, o direitos da parte autora foram preservados (lembre-se ocupante de cargo público submetido ao regime estatutário com remuneração mista). A redação do texto constitucional foi clara no sentido de oficializar as serventias do foro judicial, ressalvada a situação ‘dos atuais titulares1, conforme se vê abaixo: CF 67 Art. 206 – Ficam oficializadas as serventias do foro judicial mediante remuneração de seus servidores exclusivamente pelos cofres públicos, ressalvada a situação dos atuais titulares vitalícios ou nomeados em caráter efetivo ou que tenham sido revertidos a titulares (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 22 de 1982). Importante observar que os titulares de serventias judiciais não oficializadas não foram arrolados nos serviços privados do art. 236 da CF/88. A situação da parte autora foi tratada pelo art. 31. do ADCT da CF/88 que determinou a estatização das serventias do foro judicial respeitadas os direitos dos atuais titulares. A propósito, o art. 31 do ADCT tem a seguinte redação; Serão estatizadas as serventias do for judicial assim definidos em lei respeitados os direitos adquiridos dos atuais titulares (destacamos). Diante de uma opção do constituinte originário, os escrivães de serventias judiciais não oficializadas do Poder Judiciário foram mantidos nos seus quadros, tendo em vista que o ar. 236 da CF/88, ao tratar dos notários e registradores não faz menção à atividade do foro judicial não oficializadas traduzindo o conhecido preceito doutrinário consubstanciado no ‘silêncio eloquente’. O mesmo ‘silêncio eloquente’ também foi adotado pelo art. 31 do ADCT, que poderia ter equiparado, ainda que transitoriamente, a situação da parte autora aos notários e registradores do art. 236 da CR/88. Contudo, o art. 31 do ADCT da CF/88 também foi silente quanto à aproximação dos titulares de serventias judiciais não oficializadas com as atividades dos notários e registradores do art. 236 da CF/88 , com clara opção do constituinte. (…) Concluímos dessa forma que a parte autora foi mantida nos quadros do Poder Judiciário do Estado de Goiás por força do silêncio eloquente do constituinte originário de 1988, garantindo-se apenas os direitos dos atuais titulares (art. 206 da CF/67 c/c art. 31 do ADCT-CF-88), in casu, servidor ocupante de cargo público, remunerado mediante vencimento e emolumentos, ou apenas custas e emolumentos, a depender da opção do servidor” – 11. Descabe a alegação da parte recorrente de ausência de boa-fé e lealdade da Administração. Inconcebível é a parte autora receber gratificações e auxílios do poder público, computar período para licença-prêmio, gozar férias, desde a década de 70, mas não querer sujeitar-se à aposentadoria compulsória – 12. Não questionou a parte impetrante o recebimento de tais verbas, nem se opôs à suposta interpretação equivocada do art. 7º da Lei Estadual 10.459/1988 por todo esse tempo, insurgindo-se somente quando prestes a ser obrigada a respeitar o disposto no art. 40, § 1º, II, da CF. Extrai-se que a parte impetrante optou por ser remunerada por vencimento e emolumentos, em vez de exclusivamente por custas e emolumentos – 13. Verifica-se, assim, que o aresto recorrido decidiu em conformidade com a orientação adotada pelo STF em repercussão geral sobre o tema, razão pela qual deve ser mantido – 14. Recurso Ordinário não provido. Prejudicado o Agravo Interno de fls. 737-746.


RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 57.258 – GO (2018/0092154-6)

RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN

RECORRENTE : SÉRVIO TÚLIO CAETANO DA COSTA

ADVOGADOS : LUCIANO RIBEIRO REIS BARROS – DF021701

ARTUR DE SOUSA CARRIJO – DF035218

RECORRIDO : ESTADO DE GOIÁS

PROCURADOR : RAFAEL VASCONCELOS NOLETO E OUTRO(S) – GO041363A

EMENTA

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ESCRIVÃO DE SERVENTIA NÃO OFICIALIZADA. REMUNERAÇÃO POR VERBAS ORIUNDAS DO PODER PÚBLICO, ALÉM DE CUSTAS E EMOLUMENTOS. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONFORMIDADE COM DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O TEMA EM REPERCUSSÃO GERAL.

1. Trata-se, na origem, de Mandado de Segurança preventivo impetrado por escrivão titular do 5º Ofício Cível da Comarca de Goiânia/GO contra o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás para impedir que a alegada autoridade coatora promova a aposentadoria compulsória do impetrante quando ele completar 75 anos de idade.

2. O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás denegou a segurança.

3. O tema relativo à aposentadoria compulsória foi pacificado pelo STF no julgamento do RE 647.827/PR, em que fixada esta tese: “Não se aplica a aposentadoria compulsória prevista no art.40,§1º, II da CF aos titulares de serventias judiciais não estatizadas, desde que não sejam ocupantes de cargo público efetivo e não recebam remuneração proveniente dos cofres públicos.” (Grifei).

4. No referido julgamento, esclareceu-se que a situação jurídica dos titulares das serventias não é uniforme: há quem ocupe cargos efetivos, recebendo parte de sua remuneração diretamente dos cofres públicos e parte de custas e emolumentos; e há quem não ocupe cargo efetivo com remuneração exclusiva por custas e emolumentos. O julgado decidiu que foram resguardados direitos adquiridos e que a regra da aposentadoria compulsória depende da situação jurídica em que se encontre o titular da serventia: a) se ele for titular de serventia judicial oficializada e ocupar cargo público, com remuneração exclusiva dos cofres públicos, deve observar a regra da aposentadoria compulsória; todavia, b) se ele for titular de serventia não estatizada com parte da remuneração por custas e emolumentos e parte oriunda dos cofres públicos, aplica-se a aposentadoria compulsória; c) se ele for titular de serventia não estatizada, com remuneração exclusiva por custas e emolumentos, incogitável aposentadoria compulsória.

5. No caso dos autos, o impetrante está sujeito à aposentadoria compulsória prevista pelo art. 40, § 1º, II, da CF.

6. Apesar de ele ser titular de serventia não estatizada, recebe remuneração dos cofres públicos, pois os documentos de fls. 157-207 atestam que ele percebe vencimentos de cargo público, adicionais, auxílio-alimentação, licenças-prêmio, salários-famílias, férias.

7. Diversamente do alegado pela parte recorrente, os documentos não estão restritos à décadas de 70 e 80, constando o pagamento de férias para períodos posteriores a 1990, havendo menção ao ano 2009, bem como anotação de concessão de adicionais em 2015. No demonstrativo de pagamento mensal do ano de 2016, há registro de pagamento de valores oriundos dos cofres públicos como adicionais, auxílio-alimentação, vencimentos e recolhimentos para previdência (fls. 182-190).

8. O próprio recorrente confirma, nas razões recursais, que recebe remuneração do poder público: “Observa-se, quanto a esse ponto, que o simples fato de o TJ/GO dedicar verbas públicas ao Recorrente não o transforma automaticamente em um servidor público, sob pena de subverter não só a legislação estadual, que expressamente a veda (artigo 7º, caput, da Lei n. 10.459/88), como também a Constituição da República (artigos 37, 39 e 40)”.

9. Embora o art. 7º da Lei Estadual 10.459/1988 tenha restringido a remuneração dos titulares das serventias não oficializadas às custas e emolumentos pagos, vedando o recebimento de vencimentos ou salários, tal dispositivo não foi aplicado ao caso do ora recorrente em virtude de sua situação peculiar: ingresso em cargo público, após aprovação em concurso público no ano de 1968, submetido a regime jurídico híbrido, a partir da interpretação da interpretação conjunta da EC 22/82, CF/88 e sucessivas alterações da legislação estadual.

10. A autoridade coatora esclareceu nas informações de fls. 134-155: “É certo que o art. 7º da Lei Estadual nº 10.459/88 proibiu o pagamento de vencimento ou salário do Poder Público aos titulares de serventias não oficializadas e seus substitutos como se vê abaixo: Ocorre que o dispositivo acima transcrito deve ser interpretado conforme o texto constitucional da época dos fatos, e não o contrário. Por certo, a vedação instituída pelo art. 7°, caput, da Lei Estadual nº 10.459/88 não poderia suplantar garantia concedida pelo texto constitucional (EC 22/82). Noutras palavras, a referida norma goiana não alterou o regime jurídico da parte autora, incluindo a sua forma de remuneração, considerando que o art. 206 da Constituição Federal de 1967 (CF 67), hierarquicamente superior à norma estadual garantiu ao impetrante a manutenção de todos os seus direitos (servidor o ocupante de cargo público com regime remuneratório diferenciado). (…) Com o advento da Emenda Constitucional nº 22 de 1982, o direitos da parte autora foram preservados (lembre-se ocupante de cargo público submetido ao regime estatutário com remuneração mista). A redação do texto constitucional foi clara no sentido de oficializar as serventias do foro judicial, ressalvada a situação ‘dos atuais titulares1, conforme se vê abaixo: CF 67 Art. 206 – Ficam oficializadas as serventias do foro judicial mediante remuneração de seus servidores exclusivamente pelos cofres públicos, ressalvada a situação dos atuais titulares vitalícios ou nomeados em caráter efetivo ou que tenham sido revertidos a titulares (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 22 de 1982). Importante observar que os titulares de serventias judiciais não oficializadas não foram arrolados nos serviços privados do art. 236 da CF/88. A situação da parte autora foi tratada pelo art. 31. do ADCT da CF/88 que determinou a estatização das serventias do foro judicial respeitadas os direitos dos atuais titulares. A propósito, o art. 31 do ADCT tem a seguinte redação; Serão estatizadas as serventias do for judicial assim definidos em lei respeitados os direitos adquiridos dos atuais titulares (destacamos). Diante de uma opção do constituinte originário, os escrivães de serventias judiciais não oficializadas do Poder Judiciário foram mantidos nos seus quadros, tendo em vista que o ar. 236 da CF/88, ao tratar dos notários e registradores não faz menção à atividade do foro judicial não oficializadas traduzindo o conhecido preceito doutrinário consubstanciado no ‘silêncio eloquente’. O mesmo ‘silêncio eloquente’ também foi adotado pelo art. 31 do ADCT, que poderia ter equiparado, ainda que transitoriamente, a situação da parte autora aos notários e registradores do art. 236 da CR/88. Contudo, o art. 31 do ADCT da CF/88 também foi silente quanto à aproximação dos titulares de serventias judiciais não oficializadas com as atividades dos notários e registradores do art. 236 da CF/88 , com clara opção do constituinte. (…) Concluímos dessa forma que a parte autora foi mantida nos quadros do Poder Judiciário do Estado de Goiás por força do silêncio eloquente do constituinte originário de 1988, garantindo-se apenas os direitos dos atuais titulares (art. 206 da CF/67 c/c art. 31 do ADCT-CF-88), in casu, servidor ocupante de cargo público, remunerado mediante vencimento e emolumentos, ou apenas custas e emolumentos, a depender da opção do servidor”.

11. Descabe a alegação da parte recorrente de ausência de boa-fé e lealdade da Administração. Inconcebível é a parte autora receber gratificações e auxílios do poder público, computar período para licença-prêmio, gozar férias, desde a década de 70, mas não querer sujeitar-se à aposentadoria compulsória.

12. Não questionou a parte impetrante o recebimento de tais verbas, nem se opôs à suposta interpretação equivocada do art. 7º da Lei Estadual 10.459/1988 por todo esse tempo, insurgindo-se somente quando prestes a ser obrigada a respeitar o disposto no art. 40, § 1º, II, da CF. Extrai-se que a parte impetrante optou por ser remunerada por vencimento e emolumentos, em vez de exclusivamente por custas e emolumentos.

13. Verifica-se, assim, que o aresto recorrido decidiu em conformidade com a orientação adotada pelo STF em repercussão geral sobre o tema, razão pela qual deve ser mantido.

14. Recurso Ordinário não provido. Prejudicado o Agravo Interno de fls. 737-746.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “”A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso ordinário; prejudicado o agravo interno de fls. 737-746, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques e Assusete Magalhães votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Og Fernandes e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

Dr(a). ARTUR DE SOUSA CARRIJO, pela parte RECORRENTE: SÉRVIO TÚLIO CAETANO DA COSTA”

Brasília, 16 de novembro de 2021(data do julgamento).

MINISTRO HERMAN BENJAMIN

Relator

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se de Recurso Ordinário em Mandado de Segurança interposto contra acórdão assim ementado:

MANDADO DE SEGURANÇA. ESCRIVÃO DE SERVENTIA NÃO OFICIALIZADA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. REGRA CONSTITUCIONAL APLICÁVEL. DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REPERCUSSÃO GERAL.

1. O escrivão de Serventia não oficializada, remunerado pelo Poder Público, que recebe, também, custas e emolumentos cartorários, são servidores públicos estado submetidos ao regime jurídico institucional do Código de Organização Judiciária e da Lel Estadual n. 10.460/88 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de Goiás), sujeitos à aposentadoria compulsória, nos termos do artigo 90, § 10, Inciso II, da Constituição Federal. 2. A decisão do Excelso Supremo Tribunal federal. no Recurso Extraordinário 647827/PR, tema en 571 da Repercussão Geral, fixou a tese de não aplicação da aposentadoria compulsória, tão somente, aos titulares de serventias não oficializadas, que não sejam ocupantes de cargo efetivo e não recebem remuneração proveniente do Poder Público. SEGURANÇA DENEGADA.

Em suas razões, a parte recorrente pleiteia a reforma do aresto vergastado, em apertada síntese, pelos seguintes fundamentos, constantes de sua peça recursal:

i) o Recorrente é um delegatário do Poder Público e seu regime jurídico é incompatível com o que rege os servidores titulares de cargos públicos efetivos; ii) a legislação estadual é expressa na vedação à percepção de remuneração do Poder Público; iii) inexiste previsão de aposentadoria compulsória na legislação estadual aplicável ao Recorrente (Lei n. 15.150/05); e iv) viola frontalmente a jurisprudência do STJ e do STF.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se, na origem, de Mandado de Segurança preventivo impetrado por escrivão titular do 5º Ofício Cível da Comarca de Goiânia/GO contra o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás para impedir que a alegada autoridade coatora promova a aposentadoria compulsória do impetrante quando ele completar 75 anos de idade.

O pleito formulado na inicial foi assim redigido:

a) seja concedida a segurança para reconhecer o direito do Impetrante de continuar como Escrivão Titular do 5° Ofício Cível da Comarca de Goiânia/GO após completar 75 (setenta e comcp) anos, e para declarar inaplicabilidade da aposentadoria compulsória prevista nos arts. 260. II. c/c o 261, parágrafo único, ambos da Lei Estadual nª 10.460, de 22/02/1988 ao caso do impetrante.

O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás denegou a segurança sob o fundamento de que a aposentadoria compulsória do art. 40, § 1º, II, da CF/88 é aplicável ao impetrante.

O aresto vergastado entendeu que o ora recorrente ocupa cargo efetivo, recebendo vencimentos e gratificações custeados pela Administração, além de recolher contribuição previdenciária. Ressaltou que somente os titulares de serventias judiciais não estatizadas que não recebem remuneração oriunda dos cofres públicos, caso diverso dos autos, é que não são abrangidos pela compulsoriedade da aposentadoria prevista no 40, § 1º, II, da CF/88.

Com efeito, o Tribunal estadual anotou:

Feitas tais considerações, tenho que o Autor, na qualidade de escrivão de serventia não oficializada, é ocupante de cargo efetiva em virtude de aprovação em concurso público, desempenhando funções exclusivas da Administração, com previsão no 57 Código de Organização Judiciária do Estado Goiás’.

Ressalte-se, também, que o cargo ocupado pelo Impetrante conserva vínculo peculiar com o serviço público, pois, consoante os documentos juntados aos autos (fls. 178/188), o Autor recebe vencimento e gratificações, custeados pela Administração, além de recolher contribuição previdenciária. Logo, referidas verbas são acrescidas aos mementos cartorários percebidos por ele, sem descaracterizar o vínculo original do cargo para o qual foi aprovado em concurso público.

Dessa forma, é certo que o Autor está sujeito às normas fixadas aos servidores titulares de cargos efetivos, em especial, no que tange à aposentadoria compulsória, prevista. no artigo 40, §1º, Inciso II da Constituição Federal (retrocitado), com redação dada pela EC no 88/15.

(…)

Nesse sentido, frise-se, o Impetrante, escrivão de serventia não oficializada, remunerado pele Poder Público e, também, pelas custas e emolumentos cartorários, é servidor público estadual, submetido ao regime jurídico institucional do Código de Organização Judiciária e da Lei Estadual nº 30.460/88 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de Goiás), sujeito, portanto, à aposentadoria compulsória, prevista no artigo 40, §1º, Inciso II, da Constituição da República, com redação dada pela EC no 88/15.

Deste modo, em virtude de o Impetrante ser ocupante de cargo público efetivo e, ainda, receber remuneração dos cofres públicos, deverá ser submetido à já mencionada aposentadoria compulsória, de acordo com e exceção prevista na decisão do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário no 697827/PR, tema no 571 da Repercussão Geral, que ora destaco, Verbis:

(…)

O tema relativo à aposentadoria compulsória foi pacificado pelo STF no julgamento do o RE 647.827/PR em que fixada a seguinte tese:

Não Se aplica a aposentadoria compulsória prevista no art.40,§1º, II da CF aos titulares de serventias judiciais não estatizadas, desde que não sejam ocupantes de cargo público efetivo e não recebam remuneração proveniente dos cofres públicos. (Grifei).

No referido julgamento, esclareceu-se que a situação jurídica dos titulares das serventias não é uniforme: há quem ocupe cargos efetivos, recebendo parte de sua remuneração diretamente dos cofres públicos e parte de custas e emolumentos; e há quem não ocupe cargo efetivo com remuneração exclusiva por custas e emolumentos.

Nessa linha, elucidativo o excerto abaixo copiado do voto do relator do aludido Recurso Extraordinário:

Inicialmente, entendo necessária breve digressão histórica acerca da constitucionalização da matéria referente às serventias judiciais.

A primeira previsão constitucional acerca da oficialização de tais serventias ocorreu com a EC 7/77 à Constituição de 67/69. Até então, os estados disciplinavam de forma livre a matéria no âmbito de seus limites territoriais. Há notícia nos autos de que determinados estados, ao fixarem a remuneração dos titulares de serventias judiciais não estatizadas, estabeleceram que ela dar-se-ia, em parte, pelos cofres públicos e, em parte, por custas e emolumentos, enquanto outros entes estaduais disciplinaram que a remuneração dos referidos titulares dar-se-ia exclusivamente por custas e emolumentos.

(…)

Apenas com a EC 22/82, que alterou, entre outros, o art. 206 da Constituição 67/69, a determinação de oficialização das serventias judiciais passou a ter força cogente, a saber:

Art. 206 Ficam oficializadas as serventias do foro judicial mediante remuneração de seus servidores exclusivamente pelos cofres públicos, ressalvada a situação dos atuais titulares, vitalícios ou nomeados em caráter efetivo ou que tenham sido revertidos a titulares”.

A mesma orientação foi mantida pela Constituição Federal de 1988, como se infere do art. 31 do Ato das Disposições Transitórias:

“Ficam oficializadas as serventias do foro judicial mediante remuneração de seus servidores exclusivamente pelos cofres públicos, ressalvada a situação dos atuais titulares, vitalícios ou nomeados em caráter efetivo ou que tenham sido revertidos a titulares”.

Daí, então, conclui-se pela coexistência de três espécies de titulares de serventias judiciais. A primeira refere-se aos titulares de serventias oficializadas, que ocupam cargo ou função pública e são remunerados exclusivamente pelos cofres públicos. A segunda diz respeito aos titulares de serventias não estatizadas, remunerados exclusivamente por custas e emolumentos. E, por último, os titulares também de serventias não estatizadas, mas que são remunerados, em parte, pelos cofres públicos e, em outra, por custas e emolumentos.

O fato é que o citado comando constitucional resguardou os direitos adquiridos até então, de modo que ainda hoje existem diversas serventias judiciais que ainda não foram estatizadas, cujo ingresso de seus titulares deu-se de forma regular.

Consoante se infere do trecho acima transcrito, foram resguardados direitos adquiridos, e a regra da aposentadoria compulsória depende da situação jurídica em que se encontre o titular da serventia: a) se ele for titular de serventia judicial oficializada e ocupar cargo público, com remuneração exclusiva dos cofres públicos, deve observar a regra da aposentadoria compulsória; todavia, b) se ele for titular de serventia não estatizada com parte da remuneração por custas e emolumentos e parte oriunda dos cofres públicos, aplica-se a aposentadoria compulsória; c) se ele for titular de serventia não estatizada, com remuneração exclusiva por custas e emolumentos, incogitável aposentadoria compulsória.

No caso dos autos, o impetrante está sujeito à aposentadoria compulsória prevista pelo art. 40, § 1º, II, da CF.

Apesar de ele ser titular de serventia não estatizada, recebe remuneração dos cofres públicos. Os documentos de fls. 157-207 atestam que ele percebe vencimentos de cargo público, adicionais, auxílio-alimentação, licenças-prêmio, salários-família, férias.

Diversamente do alegado pela parte recorrente, os documentos não estão restritos à décadas de 70 e 80, constando o pagamento de férias para períodos posteriores a 1990, havendo menção ao ano 2009, bem como anotação de concessão de adicionais em 2015. No demonstrativo de pagamento mensal do ano de 2016, há registro de pagamento de valores oriundos dos cofres públicos como adicionais, auxílio-alimentação, vencimentos e recolhimentos para previdência (fls. 182-190).

O próprio recorrente confirma, nas razões recursais, que recebe remuneração do poder público:

Observa-se, quanto a esse ponto, que o simples fato de o TJ/GO dedicar verbas públicas ao Recorrente não o transforma automaticamente em um servidor público, sob pena de subverter não só a legislação estadual, que expressamente a veda (artigo 7º, caput, da Lei n. 10.459/88), como também a Constituição da República (artigos 37, 39 e 40).

O TJ/GO, na verdade, efetua os pagamentos mencionados nas informações da Autoridade Coatora, e adotados como razão de decidir no acórdão recorrido (fl. 327), contra legem, como amplamente demonstrado, e com base em uma heterodoxa interpretação a respeito de direito adquirido, tratada a seguir.

Embora o art. 7º da Lei Estadual 10.459/1988 tenha restringido a remuneração dos titulares das serventias não oficializadas às custas e emolumentos pagos, vedando o recebimento de vencimentos ou salários, tal dispositivo não foi aplicado ao caso do ora recorrente, em virtude de sua situação peculiar: ingresso em cargo público, após aprovação em concurso no ano de 1968, submetido a regime jurídico híbrido, a partir da interpretação da interpretação conjunta da EC 22/82, CF/88 e sucessivas alterações da legislação estadual.

A autoridade coatora esclareceu nas informações de fls. 134-155:

É certo que o art. 7º da Lei Estadual nº 10.459/88 proibiu o pagamento de vencimento ou salário do Poder Público aos titulares de serventias não oficializadas e seus substitutos como se vê abaixo:

Ocorre que o dispositivo acima transcrito deve ser interpretado conforme o texto constitucional da época dos fatos, e não o contrário. Por certo, a vedação instituída pelo art. 7°, caput, da Lei Estadual nº 10.459/88 não poderia suplantar garantia concedida pelo texto constitucional (EC 22/82). Noutras palavras, a referida norma goiana não alterou o regime jurídico da parte autora, incluindo a sua forma de remuneração, considerando que o art. 206 da Constituição Federal de 1967 (CF 67), hierarquicamente superior à norma estadual garantiu ao impetrante a manutenção de todos os seus direitos (servidor o ocupante de cargo público com regime remuneratório diferenciado).

(…)

Com o advento da Emenda Constitucional nº 22 de 1982, o direitos da parte autora foram preservados (lembre-se ocupante de cargo público submetido ao regime estatutário com remuneração mista). A redação do texto constitucional foi clara no sentido de oficializar as serventias do foro judicial, ressalvada a situação “dos atuais titulares”, conforme se vê abaixo:

CF 67 Art. 206 – Ficam ficam oficializadas as serventias do foro judicial mediante remuneração de seus servidores exclusivamente pelos cofres públicos, ressalvada a situação dos atuais titulares vitalícios ou nomeados em caráter efetivo ou que tenham sido revertidos a titulares (Redação dada pela Emenda Constitucional n] 22 de 1982)

Importante observar que os titulares de serventias judiciais não oficializadas não foram arrolados nos serviços privados do art. 236 da CF/88. A situação da parte autora foi tratada pelo art. 31. do ADCT da CF/88 que determinou a estatização das serventias do foro judicial respeitadas os direitos dos atuais titulares. A propósito, o art. 31 do ADCT tem a seguinte redação; Serão estatizadas as serventias do for judicial assim definidos em lei respeitados os direitos adquiridos dos atuais titulares (destacamos).

Diante de uma opção do constituinte originário, os escrivães de serventias judiciais não oficializadas do Poder Judiciário foram mantidos nos seus quadros, tendo em vista que o ar. 236 da CF/88, ao tratar dos notários e registradores não faz menção à atividade do foro judicial não oficializadas traduzindo o conhecido preceito doutrinário consubstanciado no “silêncio eloquente”.

O mesmo silêncio eloquente” também foi adotado pelo art. 31 do ADCT, que poderia ter equiparado, ainda que transitoriamente, a situação da parte autora aos notários e registradores do art. 236 da CR/88. Contudo, o art. 31 do ADCT da CF/88 também foi silente quanto à aproximação dos titulares de serventias judiciais não oficializadas com as atividades dos notários e registradores do art. 236 da CF/88, com clara opção do constituinte.

(…)

Concluímos dessa forma que a parte autora foi mantida nos quadros do Poder Judiciário do Estado de Goiás por força do silêncio eloquente do constituinte originário de 1988, garantindo-se apenas os direitos dos atuais titulares (art. 206 da CF/67 c/c art. 31 do ADCT-CF-88), in casu, servidor ocupante de cargo público, remunerado mediante vencimento e emolumentos, ou apenas custas e emolumentos, a depender da opção do servidor.

Além disso, é descabida a alegação da parte recorrente de ausência de boa fé e lealdade da Administração. Inconcebível é a parte autora receber gratificações e auxílios do poder público, computar período para licença prêmio, gozar férias, desde a década de 70, mas não querer se sujeitar à aposentadoria compulsória. Não questionou a parte impetrante o recebimento de tais verbas, nem se opôs à suposta interpretação equivocada do art. 7º da Lei Estadual 10.459/1988 por todo esse tempo, insurgindo-se somente quando prestes a ser obrigada a respeitar o disposto no art. 40, § 1º, II, da CF. Extrai-se que a parte impetrante optou por ser remunerada por vencimento e emolumentos, em vez de exclusivamente por custas e emolumentos.

Verifica-se, assim, que o aresto recorrido decidiu em conformidade com a orientação adotada pelo STF em repercussão geral sobre o tema, razão pela qual deve ser mantido.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso. Prejudicado o Agravo Interno de fls. 737-746.

É como voto. – – /

Dados do processo:

STJ – RMS nº 57.258 – Goiás – 2ª Turma – Rel. Min. Herman Benjamin – DJ 16.12.2021

Fonte: INR Publicações.

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TJSP: Apelação – Ação anulatória – ITCMD – Doação – Fato gerador – Cessão gratuita de quotas sociais – Adoção do valor patrimonial contábil para cálculo do imposto – Discordância da autoridade fazendária – Laçamento da diferença por arbitramento – Pretensão inicial do autor voltada à anulação de crédito de ITCMD constituído pela administração tributária em operação de cessão gratuita de quota sociais – Suposta diferença apurada pelo Fisco entre o valor da base de cálculo adotada pelo contribuinte (valor patrimonial contábil) e aquele considerado como correto (valor patrimonial real) para fins de recolhimento do ITCMD – Inadmissibilidade – Inteligência do art. 14, §3º, da LE nº 10.705/2000 e do art. 17, §3º, do Decreto Estadual nº 46.655/2002 – Legislação de regência do ITCMD que prevê o “valor patrimonial” como válida base de cálculo nas operações envolvendo a transmissão gratuita de quotas sociais que não tenham sido objeto de negociação nos últimos 180 dias – Legalidade da adoção do “valor patrimonial contábil” em detrimento do “valor patrimonial real” – Ausência de causae debendi válida para a lavratura do AIIM nº 4.136.273-1 – Sentença de procedência da demanda mantida – Recurso voluntário da FESP e remessa oficial desprovidos.


ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1023900-09.2020.8.26.0482, da Comarca de Presidente Prudente, em que é apelante/apelado ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado/apelante JORGE GOMES ADVOGADOS e Apelado MURILO HADAD FAICAL.

ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Após a sustentação oral do(a) Dr(a). Giovana Furine Pedrosa, Negaram provimento aos recursos. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO FEITOSA (Presidente sem voto), ANA LIARTE E FERREIRA RODRIGUES.

São Paulo, 18 de outubro de 2021.

PAULO BARCELLOS GATTI

RELATOR

Assinatura Eletrônica

4ª Câmara

APELAÇÃO CÍVEL N° 1023900-09.2020.8.26.0482

APELANTES/APELADOS

ADVOGADO: JORGE GOMES ADVOGADOS

: FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO (ré)

APELADO/AUTOR: MURILO HADAD FAIÇAL

ORIGEM: VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE PRESIDENTE PRUDENTE

VOTO N° 20.865

APELAÇÃO – AÇÃO ANULATÓRIA – ITCMD – DOAÇÃO – FATO GERADOR – CESSÃO GRATUITA DE QUOTAS SOCIAIS – ADOÇÃO DO VALOR PATRIMONIAL CONTÁBIL PARA CÁLCULO DO IMPOSTO – DISCORDÂNCIA DA AUTORIDADE FAZENDÁRIA – LAÇAMENTO DA DIFERENÇA POR ARBITRAMENTO – Pretensão inicial do autor voltada à anulação de crédito de ITCMD constituído pela administração tributária em operação de cessão gratuita de quota sociais – suposta diferença apurada pelo Fisco entre o valor da base de cálculo adotada pelo contribuinte (valor patrimonial contábil) e aquele considerado como correto (valor patrimonial real) para fins de recolhimento do ITCMD – inadmissibilidade – inteligência do art. 14, §3º, da LE nº 10.705/2000 e do art. 17, §3º, do Decreto Estadual nº 46.655/2002 – legislação de regência do ITCMD que prevê o “valor patrimonial” como válida base de cálculo nas operações envolvendo a transmissão gratuita de quotas sociais que não tenham sido objeto de negociação nos últimos 180 dias – legalidade da adoção do “valor patrimonial contábil” em detrimento do “valor patrimonial real” – ausência de causae debendi válida para a lavratura do AIIM nº 4.136.273-1 – sentença de procedência da demanda mantida. Recurso voluntário da FESP e remessa oficial desprovidos.

Vistos.

Trata-se de recursos de apelação interpostos pela FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO e pela sociedade de advogados, JORGE GOMES ADVOGADOS, nos autos da “ação anulatória de débito fiscal com pedido de tutela de urgência” que é promovida pelo apelado, MURILO HADAD FAIÇAL, julgada procedente pelo Juízo “a quo”, sob o fundamento de inexistir causae debendi legítima para a lavratura do AIIM nº 4.136.273-1, na medida em que a base de cálculo adotada pelo contribuinte para o cálculo do ITCMD incidente em operação de cessão gratuita de quotas sociais (“valor patrimonial contábil”) se revelou válida, inexistindo razão jurídica que respalde a “complementação” exigida pelo Fisco, consoante r. sentença de e-fls. 420/427, cujo relatório se adota, integrada pelo decisum de efls. 454/457.

Em suas razões (e-fls. 442/452), a FESP consignou que: “o Fisco Estadual tem a obrigação de, havendo suspeita de que o valor declarado não corresponde ao valor real do bem transmitido, apurar a verdadeira base de cálculo do tributo e sobre ela fazer incidir o ITCMD. Mesmo que o valor patrimonial das quotas sociais seja a base de cálculo do tributo, não está o Fisco obrigado a aceitar o valor aleatoriamente atribuído pelos sócios, devendo, nesse caso, instaurar o procedimento administrativo de arbitramento da base de cálculo do imposto, o que foi regularmente feito no caso em exame.”. Nesta linha, por discordar da base de cálculo adotada pelo contribuinte, arbitrou, mediante procedimento próprio, a base de cálculo do montante excedente à liberalidade, nos termos do art. 148, do CTN e do art. 11 da LE nº 10.705/2000. Ao fim, pugnou pelo provimento do recurso, com o fito de se julgar integralmente improcedentes os pedidos iniciais.

Também irresignado, apelou a sociedade de advogados que representa o autor da demanda (e-fls. 468/484), limitando-se a impugnar o capítulo do decisum de primeiro grau que arbitrou o valor da verba honorária sucumbencial em R$ 5.000,00, valendo-se, para tanto, do critério da equidade (art. 85, §8º, do CPC/2015). De acordo com a interessada, no caso de procedência da demanda anulatória, o proveito econômico obtido na demanda é perfeitamente aferível (valor do tributo desconstituído), de modo que sobre ele deveria incidir o percentual previsto nas faixas de referência do §3º, do art. 85, da lei adjetiva.

Recursos regularmente processado, livre de preparo apenas o apelo da FESP, por força da isenção legal que lhe é conferida nos termos do art. 1.007, §1º, do CPC/2015, desafiando contrarrazões de ambas as partes litigantes às e-fls. 491/496 e 498/508.

Este é, em síntese, o relatório.

VOTO

Insurgem-se, a FESP e a sociedade de advogados constituída pelo autor, contra a r. sentença de primeiro grau que julgou procedente a demanda anulatória, sob o fundamento de inexistir causae debendi legítima para a lavratura do AIIM nº 4.136.273-1, na medida em que a base de cálculo adotada pelo contribuinte para o cálculo do ITCMD incidente em operação de cessão gratuita de quotas sociais (“valor patrimonial contábil”) se revelou válida, inexistindo razão jurídica que respalde a “complementação” exigida pelo Fisco.

Os apelos serão apreciados sucessivamente, iniciando-se pelo recurso da FESP.

In casu, infere-se que o autor é titular de quotas de capital social da sociedade empresária TRIPLO M ADMINISTRAÇÃO DE BENS LTDA., cujo objeto social é a administração de bens próprios e escritório administrativo, sendo que, em 12.2016, outro sócio, FAUZI FAIÇAL, retirou-se da sociedade, ”cedendo e transferindo, via doação, todas as suas 1.550.640 (um milhão, quinhentas e cinquenta mil e seiscentas e quarenta) quotas aos sócios remanescentes, recebendo, portanto, o Requerente, 516.880 (quinhentas e dezesseis mil, oitocentas e o oitenta) quotas pelo valor nominal de R$ 1,00 (um real) cada, totalizando o montante R$ 516.880,00 (quinhentos e dezesseis mil, oitocentas e oitenta reais).” (e-fls. 88/119).

Nesta operação, os interessados procederam ao cálculo e recolhimento do ITMCD-Doação, valendo-se, para tanto, do “valor patrimonial contábil” atribuído às quotas sociais objeto de transmissão (R$ 1,00).

Ocorre que, por discordar da base de cálculo adotada pelo contribuinte, o Fisco notificou os envolvidos, na forma do art. 148, do CTN e do art. 11, da LE nº 10.705/2000, indicando que o correto valor a ser adotado na operação corresponderia, em verdade, ao “valor patrimonial ‘real’”, assim considerado aquele obtido a partir da divisão do valor do patrimônio imobiliário da sociedade pelo total de número de quotas sociais (e-fls. 121/125)

Ato contínuo, diante da omissão quanto ao recolhimento da diferença exigido, lavrou o AIIM nº 4.136.273-1, no qual constou a seguinte infração:

“Deixou de pagar em 02/09/2016, o ITCMD – Doação no montante de R$ 166.804,52 (…).

O ITCMD devido incide sobre a doação de 516.880 quotas do capital social da empresa TRIPLO M ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES LTDA. que o senhor Murilo Hadad Faiçal recebeu do senhor Fauzi Faiçal.

Nesta doação, tanto doador como donatário avaliaram as 516.880 quotas do capital social pelo valor de R$ 516.880,00, atribuindo o valor de R$ 1,00 para cada quota do capital social.

Sobre esta doação, o senhor Murilo Hadad Faiçal elaborou a declaração de ITCMD 46884286 e recolheu ITCMD-Doação no valor de R$ 20.675,20.

Entretanto, a fiscalização tributária apurou que o real valor de cada quota do capital social da empresa, na data da doação (02/09/2016), era de R$ 9,0678554.

Com tal valor apurado (…), o real valor das 516.880 quotas era de R$ 4.686.993,12.

Como a alíquota do imposto é de 4%, ITCMDDoação que deveria ter sido recolhido é de R$ 187.479,72.

Assim, o senhor Murilo Hadad Faiçal deixou de recolher R$ 166.804,52.

INFRINGÊNCIA: Art. 12, §1º e Art. 31, inc. II, alínea ‘d’, do RITCMD (aprovado pelo Decreto nº 46.655/2002)

CAPITULAÇÃO DA MULTA: Art. 38, inc. II, alínea ‘b’ do RITCMD (aprovado pelo Decreto nº 46.655/2002).”.

Entretanto, na compreensão do contribuinte inexistiria suporte jurídico que legitimasse a constituição dessa “diferença” de crédito de ITCMD. Em suas palavras: “o critério a ser considerado para cálculo do ITCMD é o valor patrimonial contábil das próprias quotas e não dos bens que integram o patrimônio da sociedade, de acordo com o disposto no artigo 17 §3º do Decreto Estadual nº 46.655/02.

Diante deste cenário, o autor ajuizou a presente ação anulatória, pretendendo a desconstituição do crédito tributário constante do AIIM nº 4.136.273-1 (e-fls. 01/29).

Pois bem.

I. DA BASE DE CÁLCULO DO ITCMD NA CESSÃO GRATUITA DE COTAS SOCIAIS DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA.

A Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988, inaugura a Seção IV do Capítulo I (sistema tributário nacional), Título VI (da tributação e do orçamento), disciplinando a respeito dos impostos dos Estados e do Distrito Federal, dentre os quais se insere o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações de Quaisquer Bens e Direitos (art. 155, I e §1º, da CF/88).

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

(…)

§ 1.º O imposto previsto no inciso I:

I – relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal

II – relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal;

III – terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:

a) se o doador tiver domicilio ou residência no exterior;

b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior;

IV – terá suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal;

A respeito do ITCMD, o jurista RICARDO ALEXANDRE leciona que:

“Segundo o art. 155, I, da CF/1988, os Estados e o Distrito Federal podem instituir imposto sobre a transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos. O tributo possui natureza eminentemente arrecadatória (fiscal) e não incide sobre as transmissões originárias, como por usucapião (art. 1.238 do Código Civil) ou por acessão (art. 1.248 do Código Civil). O Código Tributário Nacional disciplina o imposto nos arts. 35 a 42 e deve ser interpretado à luz da atual Constituição, visto que a redação original do CTN trata de um único imposto de transmissão, de competência estadual, incidente exclusivamente sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos. Com a Constituição Federal de 1988, previu-se a instituição de dois impostos de transmissão, um estadual (ITCMD) e outro municipal (ITBI), sujeitando à incidência do primeiro as transmissões a título gratuito (causa mortis e doação) e do segundo as transmissões a título oneroso.” [1].

No âmbito paulista, a regulamentação do referido tributo vem consignada na LE nº 10.705, de 29 de dezembro de 2000, sendo que, quanto à situação considerada pela lei como necessária e suficiente para ocorrência do fato gerador (hipótese de incidência), os arts. 2º e 3º da legislação estadual prelecionam:

Artigo 2.º – O imposto incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito havido:

I – por sucessão legitima ou testamentária, inclusive a sucessão provisória;

II – por doação.

(…)

Artigo 3.º – Também sujeita-se ao imposto a transmissão de:

I – qualquer título ou direito representativo do patrimônio ou capital de sociedade e companhia, tais como ação, quota, quinhão, participação civil ou comercial, nacional ou estrangeira, bem como, direito societário, debênture, dividendo e crédito de qualquer natureza;

II – dinheiro, haver monetário em moeda nacional ou estrangeira e titulo que o represente, depósito bancário e crédito em conta corrente, depósito em caderneta de poupança e a prazo fixo, quota ou participação em fundo mútuo de ações, de renda fixa, de curto prazo, e qualquer outra aplicação financeira e de risco, seja qual for o prazo e a forma de garantia;

III – bem incorpóreo em geral, inclusive título e crédito que o represente, qualquer direito ou ação que tenha de ser exercido e direitos autorais.

(…)

(…)

Em sequência, especificamente no que pertinente à base de cálculo a ser considerada para incidência da alíquota do imposto nos casos envolvendo a transmissão de bem móvel ou direito não abrangido pelas regras gerais, o art. 14 preleciona:

Artigo 14 – No caso de bem móvel ou direito não abrangido pelo disposto nos artigos 9°, 10 e 13, a base de cálculo e o valor corrente de mercado do bem, título, crédito ou direito, na data da transmissão ou do ato translativo.

§ 1º – A falta do valor de que trata este artigo, admitir-se-á o que for declarado pelo interessado, ressalvada a revisão do lançamento pela autoridade competente, nos termos do artigo 11.

§ 2º – O valor das ações representativas do capital de sociedades é determinado segundo a sua cotação média alcançada na Bolsa de Valores, na data da transmissão, ou na imediatamente anterior, quando não houver pregão ou quando a mesma não tiver sido negociada naquele dia, regredindo-se, se for o caso, até o máximo de 180 (cento e oitenta) dias.

§ 3º – Nos casos em que a ação, quota, participação ou qualquer título representativo do capital social não for objeto de negociação ou não tiver sido negociado nos últimos 180 (cento e oitenta) dias, admitir-se-á o respectivo valor patrimonial.

Nesta linha, extrai-se que, nas doações/transmissão hereditária envolvendo ação, quota, participação ou qualquer outro título representativo do capital social, desde que o respectivo título mobiliário não tenha sido “negociado nos últimos 180 dias”, adotarse- á o chamado valor patrimonial.

Conquanto a Lei Tributária não defina qual o exato significado desta expressão econômica, colhe-se da doutrina que: “O valor patrimonial ou valor real da ação é calculado levando-se em conta o patrimônio líquido da sociedade (…). Divide-se o patrimônio líquido da companhia pelo número de ações e obtém-se, assim, o valor patrimonial de cada uma delas. O patrimônio líquido (…), por sua vez, é calculado pela diferença entre o seu ativo e seu passivo. Digamos, pois, que uma determinada companhia possua um ativo correspondente a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e um passivo equivalente a R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais). Seu patrimônio líquido, obtido a partir da conta ativo menos passivo, será de R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais). Se essa companhia possuir, por exemplo, 100.000 (cem mil) ações emitidas, cada ação terá o valor patrimonial de R$ 6,00 (seis reais). Quando da constituição da sociedade anônima, caso o seu estatuto tenha optado por atribuir valor nominal às suas ações, este será igual ao valor patrimonial delas. Afinal, no ato de constituição da sociedade, seu patrimônio é composto, unicamente, pelas contribuições dos seus acionistas, não tendo a S/A ainda nenhuma obrigação. Nesse momento inicial, portanto, ante a ausência de passivo, seu patrimônio corresponderá exatamente ao seu capital social, razão pela qual o valor nominal de suas ações será igual ao seu valor patrimonialCom o passar do tempo, todavia, a companhia assumirá obrigações, contrairá empréstimos, contratará empregados e deverá tributos ao fisco, bem como receberá pagamentos por serviços prestados ou mercadorias vendidas, o que fará seu patrimônio aumentar ou diminuir, conforme os negócios por ela empreendidos fracassem ou prosperem. Tudo isso acarretará uma variação constante de seu patrimônio líquido, o qual diferirá do seu capital social, dificilmente voltando a coincidir com ele.” [2].

Em alinho, o item 11.2.2.a, do Anexo VIII, da Portaria CAT nº 15/2003, que disciplina o cumprimento das obrigações acessórias e os procedimentos administrativos relacionados com o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD, estabelece:

ANEXO VIII

(Relação de documentos a que se refere o artigo 8º)

Hipótese de transmissão “causa mortis” em processos de Arrolamento ou Inventário:

(…)

11.2. Ações, cotas, participações ou quaisquer títulos representativos de capital social:

11.2.1 – relativamente a ações negociadas em Bolsas de Valores, cotações de jornais ou documentos emitidos pela Bolsa de Valores em que figure a cotação média alcançada na data do óbito, ou na imediatamente anterior, quando não houver pregão ou quando a mesma não tiver sido negociada naquele dia, regredindo-se, se for o caso, até o máximo de 180 (cento e oitenta) dias;

11.2.2 – relativamente a ações, cotas, participações ou quaisquer títulos representativos do capital social não enquadrados no item 11.2.1: (Redação dada ao item pela Portaria CAT-29/11, de 04-03-2011, DOE 05-03-2011)

a) atos constitutivos da entidade atualizados até a data da abertura da sucessão; Balanço Patrimonial da entidade relativo ao exercício anterior à data da abertura da sucessão; e Demonstrativo do Valor Contábil das Cotas, Participação, Ações ou Títulos, atualizado, segundo a variação da Unidade Fiscal do Estado de São Paulo – UFESP, da data do Balanço Patrimonial até o momento do fato gerador, podendo tal demonstrativo ser elaborado mediante a divisão do valor do patrimônio líquido pelo número de cotas, ações ou títulos, ou pela multiplicação do valor do patrimônio líquido pela fração da participação (Decreto 46.655/02, arts. 13 e 17, § 3º);

b) na hipótese de entidades dispensadas da elaboração de Balanço Patrimonial, nos termos da legislação federal, ou quando o patrimônio líquido indicar valor negativo, será considerado, para fins de base de cálculo do imposto, o valor nominal das ações, cotas, participações ou quaisquer títulos representativos de capital social;

c) na hipótese de elaboração de Balanço de Determinação por ordem judicial, será considerado, para fins de base de cálculo do imposto, o valor das ações, cotas, títulos ou participações obtido com base no Balanço de Determinação elaborado pelo perito contábil;

Portanto, afora o momento de instituição da sociedade empresária, em que o valor de cada quota social corresponde exclusivamente à divisão do ativo da pessoa jurídica pelo número de quotas atribuídas aos sócios, a partir do instante em que iniciadas as atividades sociais, o patrimônio líquido passa a ser representado pela operação de subtração entre ativo e passivo da sociedade.

Neste diapasão, inexiste suporte jurídico para a interpretação conferida pelo Fisco paulista no sentido de que: “(…) o patrimônio da empresa é constituído de imóveis, onde para se chegar a um valor próximo ao de mercado foi necessário reavaliar tais bens, (…). Com tal objetivo foram utilizados os valores informados pelos próprios administradores nas declarações de Imposto Territorial Rural, bem como valores constantes de certidão emitida pela Prefeitura de Martinópolis/SP, pois estes seriam o mínimo a ser utilizado para reavaliar os imóveis.” (e-fl. 399).

Isso porque, tal procedimento considera apenas o ativo imobilizado da sociedade, sem levar em conta o seu eventual passivo.

De outro lado, adequado o procedimento utilizado pelo contribuinte ao definir como base de cálculo do ITCMD o valor patrimonial contábil das quotas sociais transferidas, tendo em vista que esse montante é apurado “via Balanço Patrimonial” e decorre diretamente do valor integralizado pelo sócio para constituição do capital social.

Sendo assim, se a própria legislação autoriza o contribuinte a adotar o “valor patrimonial” (sentido amplo) de cada quota social, tal qual realizado pelo autor, não há que se falar em incorreção da base de cálculo utilizada e, por conseguinte, em causae debendi legítima que ampare a exação complementar.

Com a mesma compreensão aqui esposada, confira-se o entendimento deste E. Tribunal de Justiça em casos análogos:

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA – ITCMD – Doação de quotas sociais – Divergência entre o contribuinte e o fisco paulista a respeito da base de cálculo do ITCMD no caso de doação de quotas de empresa limitada – Artigo 14, Lei Estadual 10.705/00 – Base de cálculo do ITCMD que corresponde ao valor patrimonial, no caso de inexistência de negociação das quotas – Valor patrimonial que é o patrimônio líquido dividido entre a quantidade de quotas representativas do capital social integralizado Conceito extraído da Lei nº 6.404/76 e estabelecido pelo Banco Central – Sentença reformada – Recurso da autora parcialmente provido.” (Apelação Cível nº 1018552-78.2018.8.26.0482, 5ª Câmara da Seção de Direito Público, Rel.ª Des.ª MARIA LAURA TAVARES, j. 21.06.2021).

“AÇÃO ANULATÓRIA – AUTO DE INFRAÇÃO (COBRANÇA DE DIFERENÇA DE ITCMD) – Imposto recolhido quando da doação de quotas societárias – O valor patrimonial das cotas deve ser utilizado como base de cálculo do imposto – Inteligência do §3º do artigo 14 da Lei Estadual nº 10.705/00 – Definição do valor patrimonial das cotas, nos termos Portaria CAT 15/2003, baseada no patrimônio líquido da empresa (quando positivo) ou no valor nominal das cotas (quando negativo o patrimônio líquido), que não contraria o disposto na lei – Impossibilidade do Fisco se valer do valor de mercado dos patrimônios da empresa para determinar a base de cálculo Procedência da demanda mantida. (…)” (Apelação Cível nº 1016005-31.2019.8.26.0482, 13ª Câmara da Seção de Direito Público, Rel. Des. SPOLADORE DOMINGUEZ, j. 15.06.2021).

“AÇÃO ANULATÓRIA – ITCMD – Base de cálculo do tributo – Pretensão de nulidade de AIIM lavrado em razão de diferença entre os valores declarados e a quantia destinada a um dos herdeiros em processo de inventário – Admissibilidade – A base de cálculo do ITCMD nos casos de transmissão de quotas de capital social deve recair sobre o valor patrimonial verificado a partir do balanço patrimonial como procedeu a autora – Exegese do art. 14, § 3º, da Lei 10.705/2000 – Observância ao princípio da legalidade – Precedentes desta C. Câmara e Corte de Justiça – Sentença de procedência mantida – Honorários recursais ora fixados – Recurso não provido.” (Apelação Cível nº 1061861-44.2019.8.26.0053, 9ª Câmara da Seção de Direito Público, Rel. Des. REBOUÇAS DE CARVALHO, j. 11.11.2020).

Por sua didática, como destacado no voto da eminente Desembargadora MARIA LAURA TAVARES, no julgamento da Apelação Cível nº 1018552-78.2018.8.26.0482, em 21.06.2021, “(…) o ‘valor patrimonial’ é melhor representado pelo valor do patrimônio líquido da sociedade no momento da ocorrência do fato gerador. Isso porque, de acordo com o artigo 182 da Lei nº 6.404/76, a expressão ‘valor patrimonial’ parece remeter ao conceito jurídico contábil de patrimônio líquido. Este é também o entendimento adotado pelo Banco Central do Brasil quando define o valor patrimonial da ação ou quota como aquele ‘obtido mediante a divisão do valor do Patrimônio Líquido pela quantidade de ações ou quotas representativas do capital social integralizado, exclusive a quantidade de ações ou quotas em tesouraria.’”.

Destarte, correto o procedimento adotado pelo contribuinte.

Adira-se, por oportuno e sem se desconhecer entendimento em sentido contrário, que mesmo sob a perspectiva da regra do art. 11, da LE nº 10.705/00 (Não concordando a Fazenda com valor declarado ou atribuído a bem ou direito do espólio, instaurar-se-á o respectivo procedimento administrativo de arbitramento da base de cálculo, para fins de lançamento e notificação do contribuinte, que poderá impugna-lo), não poderia a Fazenda Pública proceder com exação mais onerosa ao contribuinte por ato unilateral e ilegal, travestido de procedimento de arbitramento, fora das hipóteses legais.

Isso porque, consoante se extrai da norma inserta no art. 148 do CTN (norma geral que serve de parâmetro à regra da legislação paulista), a técnica de arbitramento é medida excepcional e subsidiária, que somente poderia ser utilizada nos casos em que, por omissão ou má-fé do contribuinte, há impossibilidade de se apurar a base de cálculo real do imposto devido.

Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial.

Sobre o tema, confira-se a didática lição do ilustre doutrinador SACHA CALMON NAVARRO COELHO:

“(…) O arbitramento, mediante processo regular, não é procedimento de lançamento especial. As modalidades de lançamento, previstas no Código Tributário Nacional, são apenas três: de oficio, com base em declaração do sujeito passivo ou de terceiros e por homologação.

O arbitramento, disciplinado no art. 148, é apenas técnica – inerente ao lançamento de oficio – para avaliação contraditória de preços, bens, serviços ou atos jurídicos, utilizável sempre que inexistam os documentos ou declarações do contribuinte ou que, embora existentes, não mereçam fé.

Assim sendo, tanto nos tributos que deveriam ser lançados com base em declaração do contribuinte quanto nos lançados por homologação, o art. 148 autoriza a Fazenda Pública a pôr de lado a escrita, os livros e demais informações prestadas pelo sujeito passivo (havendo omissão, fraude ou simulação), para lançá-los de oficio. Sendo feito o lançamento de oficio ou a sua revisão nas hipóteses elencadas no art. 149 citado, poderá o Fisco servir-se da técnica do arbitramento, obedecidos os pressupostos e requisitos do art. 148 (…).

O arbitramento é remédio que viabiliza o lançamento, em face da inexistência de documentos ou da imprestabilidade dos documentos e dados fornecidos pelo próprio contribuinte ou por terceiro legalmente obrigado a informar. Não é critério alternativo de presunção de fatos jurídicos ou de bases de cálculo, que possa ser utilizado quando o contribuinte mantenha escrita (mesmo falha ou imperfeita, porém retificável) ou documentação e seja correto em suas informaçõesAo contrárioA Constituição Federal, no art. 145, §1º, obriga a tributação de acordo com a capacidade económica do sujeito passivo, segundo o princípio da realidade.

Portanto, o art. 148 do CTN somente autoriza a utilização do arbitramento em face das omissões ou atos de falsidade e desonestidade perpetrados pelo contribuinte ou terceiro que tornem imprestáveis os dados registrados em sua escrita. Não sendo essa a hipótese, a contrario sensu, ficam vedadas as presunções e os indícios, pautas e medias levantadas, técnicas que afastam o lançamento da realidade dos fatos e da capacidade económica do sujeito passivo.

(…)

A Fazenda Pública costuma invocar o dispositivo acima do Código Tributário Nacional para justificar não apenas a adoção de feição de ocorrência de fatos geradores como também de bases de cálculo ou valoreso que é um grave erro, como, aliás, se depreende da Súmula 76, citada. Se existe a documentação adequada do contribuinte, se as Notas Fiscais de Entrada ou Notas Fiscais de Saída de Mercadorias (cuja fiel transcrição para livro próprio estava apenas em atraso) são corretas (não são ‘frias’, ‘calçadas’ ou ‘paralelas’), o arbitramento não fica autorizado, nem tampouco a utilização de outro recurso presuntivo de ocorrência de fato jurídico e de base de cálculo.

Além disso, o art. 148 somente pode ser invocado para estabelecimento de bases de cálculo, que levam ao cálculo do tributo devido, quando a ocorrência dos fatos geradores é comprovada, mas o valor ou prego de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos registrados pelo contribuinte não mereçam fé, ficando a Fazenda Pública autorizada a arbitrar o preço, dentro de processo regular. A invocação do art. 148 somente é cabível, como magistralmente comenta Aliomar Baleeiro, quando o sujeito passivo for omisso, reticente ou mendaz em relação a valor ou prego de bens, direitos, serviços (…)” [3].

Ora, na hipótese sub examine, reforce-se, uma vez que a própria legislação estadual autoriza o contribuinte a calcular o ITCMD tendo por base o “valor patrimonial” (sentido amplo) das quotas sociais, não há espaço para se cogitar de eventual má-fé no procedimento por aquele adotado, ou mesmo em omissão apta a justificar a atuação corretiva por parte do Fisco.

Em outras palavras: se há expressa previsão legal admitindo como correta e legítima a adoção do valor patrimonial contábil da sociedade como base de cálculo do ITCMD, descabe falar em má-fé, fraude, dolo, ou utilização de outro meio ardil pelo contribuinte, sendo ilegítima, por ausência dos requisitos autorizadores, a utilização da técnica do arbitramento previsto no art. 148 do CTN, bem como no art. 11 da Lei Estadual nº 10.705/2000.

Neste ponto, portanto, a r. sentença de primeiro grau não merece reparos.

II. DO VALOR DA VERBA HONORÁRIA SUCUMBENCIAL.

Aqui, respeitado o entendimento externalizado pelo Juízo singular, assiste razão à sociedade de advogados-apelante.

Isso porque, a adequada forma de arbitramento dos honorários advocatícios sucumbenciais nos casos envolvendo a Fazenda Pública impõe, como regra, a observância das faixas de referência estabelecidas no §3º, do art. 85, do CPC/2015, adotandose como base de cálculo o valor da condenação ou do proveito econômico”. Mesmo nos casos em que não houver condenação, ainda assim “a condenação em honorários dar-seá sobre o valor atualizado da causa“ (§4º, inciso III).

É somente nas situações excepcionais estabelecidas expressamente no §8º, do art. 85, da legislação processual que o Legislador abriu margem para que o arbitramento da verba honorária se dê de maneira equitativa. A saber: “inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo”.

Outra não foi a orientação encampada pelo C. Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. JUÍZO DE EQUIDADE NA FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. NOVAS REGRAS: CPC/2015, ART. 85, §§ 2º E 8º. REGRA GERAL OBRIGATÓRIA (ART. 85, § 2º). REGRA SUBSIDIÁRIA (ART. 85, § 8º). PRIMEIRO RECURSO ESPECIAL PROVIDO. SEGUNDO RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

1. O novo Código de Processo Civil – CPC/2015 promoveu expressivas mudanças na disciplina da fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais na sentença de condenação do vencido.

2. Dentre as alterações, reduziu, visivelmente, a subjetividade do julgador, restringindo as hipóteses nas quais cabe a fixação dos honorários de sucumbência por equidade, pois: a) enquanto, no CPC/1973, a atribuição equitativa era possível: (a.I) nas causas de pequeno valor; (a.II) nas de valor inestimável; (a.III) naquelas em que não houvesse condenação ou fosse vencida a Fazenda Pública; e (a.IV) nas execuções, embargadas ou não (art. 20, § 4º); b) no CPC/2015 tais hipóteses são restritas às causas: (b.I) em que o proveito econômico for inestimável ou irrisório ou, ainda, quando (b.II) o valor da causa for muito baixo (art. 85, § 8º).

3. Com isso, o CPC/2015 tornou mais objetivo o processo de determinação da verba sucumbencial, introduzindo, na conjugação dos §§ 2º e 8º do art. 85, ordem decrescente de preferência de critérios (ordem de vocação) para fixação da base de cálculo dos honorários, na qual a subsunção do caso concreto a uma das hipóteses legais prévias impede o avanço para outra categoria.

4. Tem-se, então, a seguinte ordem de preferência(I) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (art. 85, § 2º); (II) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (II.a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2º); ou (II.b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º); por fim, (III) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8º).

5. A expressiva redação legal impõe concluir: (5.1) que o § 2º do referido art. 85 veicula a regra geral, de aplicação obrigatória, de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no patamar de dez a vinte por cento, subsequentemente calculados sobre o valor: (I) da condenação; ou (II) do proveito econômico obtido; ou (III) do valor atualizado da causa; (5.2) que o § 8º do art. 85 transmite regra excepcional, de aplicação subsidiária, em que se permite a fixação dos honorários sucumbenciais por equidade, para as hipóteses em que, havendo ou não condenação(I) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (II) o valor da causa for muito baixo.

6. Primeiro recurso especial provido para fixar os honorários advocatícios sucumbenciais em 10% (dez por cento) sobre o proveito econômico obtido. Segundo recurso especial desprovido. (REsp nº 1.746.072/PR, 2ª Seção, Rel. Min. p/ acórdão RAUL ARAÚJO, j. 13.02.2019).

Na hipótese em exame, aferível o proveito econômico obtido (exato valor do tributo desconstituído), este deve servir como base de cálculo para a incidência das faixas percentuais, prevalecendo a regra do §3º, do art. 85, do CPC/2015, em detrimento do critério excepcional da equidade.

Importante atentar que, como o valor do proveito econômico obtido pelo demandante supera a faixa inicial prevista no inciso I, do §3º, do art. 85, do CPC/2015 (200 salários mínimos), a verba honorária deve seguir a sucessividade estabelecida no §5º, observados os percentuais mínimos de cada faixa de referência.

Consequentemente e em suma, correta a solução albergada pela r. sentença de primeiro grau no sentido da ausência de causae debendi legítima para exação do ITCMD, cabendo, contudo, a sua retificação no capítulo referente à forma de fixação da verba honorária sucumbencial, conforme exposto na fundamentação.

Mantida a sucumbência da FESP e atento à disposição do §11, do art. 85, do CPC/2015, majoro a verba honorária sucumbencial em mais 1% sobre cada uma das faixas de referência estabelecidas nos incisos do §3º do mesmo dispositivo da Lei adjetiva, prestigiando-se o trabalho adicional realizado pelo causídico do autor na fase estritamente recursal.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto pela FESP e DOU PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto pela sociedade de advogados, de modo a REFORMAR EM PARTE a r. sentença de primeiro grau, tão somente no sentido de retificar o capítulo referente à forma de fixação da verba honorária sucumbencial. Neste caminhar, deve prevalecer a regra do §3º, do art. 85, do CPC/2015, em detrimento do critério excepcional da equidade, sendo certo que, como o valor do proveito econômico obtido pelo demandante supera a faixa inicial (200 saláriosmínimos), a verba honorária observará a sucessividade estabelecida no §5º da mesma regra da lei adjetiva, respeitados os percentuais mínimos de cada faixa de referência. Mantida a sucumbência da FESP e atento à disposição do §11, do art. 85, do CPC/2015, majoro a verba honorária sucumbencial em mais 1% sobre cada uma dessas mesmas faixas de referência, prestigiando-se o trabalho adicional realizado pelo causídico do autor na fase estritamente recursal.

PAULO BARCELLOS GATTI

RELATOR

Notas:

[1] ALEXANDRE, Ricardo, Direito Tributário Esquematizado, 7ª Ed., São Paulo: Método, 2013, pp. 573-574.

[2] RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. 6. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo : MÉTODO, 2016, p. 247.

[3] COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 787/790. – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1023900-09.2020.8.26.0482 – Presidente Prudente – 4ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Paulo Barcellos Gatti – DJ 09.11.2021

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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