TJSP: Tributário – ITCMD – Declaração retificadora – Desconto de 5% previsto no art. 31, § 2º, do Decreto n° 46.655/02 – Retificação de equívoco na declaração anteriormente apresentada – Revogação integral do benefício que não se mostra razoável – Precedentes deste E. Tribunal de Justiça – Sentença mantida – Processual civil – Prequestionamento – Desnecessidade de menção aos dispositivos legais referidos pela parte em suas razões de recurso – Nega-se provimento ao apelo e à remessa necessária.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 1045659-21.2021.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ESTADO DE SÃO PAULO e Recorrente JUÍZO EX OFFICIO, são apelados ANA SALETE JULIANO FERREIRA e MARIA SALETE JULIANO DURAN.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao apelo e ao reexame necessário. V.U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RICARDO DIP (Presidente) E JARBAS GOMES.

São Paulo, 26 de novembro de 2021.

AFONSO FARO JR.

Relator(a)

Assinatura Eletrônica

Apelação nº 1045659-21.2021.8.26.0053

Apelante: Estado de São Paulo

Recorrente: Juízo Ex Officio

Apeladas: Ana Salete Juliano Ferreira e outro

Interessado: Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo

Comarca: São Paulo 15ª Vara da Fazenda Pública

Juiz: Kenichi Koyama

Voto nº 13.744

TRIBUTÁRIO – ITCMD – DECLARAÇÃO RETIFICADORA – Desconto de 5% previsto no art. 31, § 2º, do Decreto n° 46.655/02 – Retificação de equívoco na declaração anteriormente apresentada – Revogação integral do benefício que não se mostra razoável – Precedentes deste E. Tribunal de Justiça – Sentença mantida.

PROCESSUAL CIVIL – PREQUESTIONAMENTO – Desnecessidade de menção aos dispositivos legais referidos pela parte em suas razões de recurso.

NEGA-SE PROVIMENTO AO APELO E À REMESSA NECESSÁRIA.

Vistos.

A sentença de fls. 163/167, cujo relatório é adotado, julgou procedente o mandado de segurança impetrado por ANA SALETE JULIANO FERREIRA E OUTRO contra ato do SECRETÁRIO DA FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, concedendo a segurança para “assegurar a manutenção do desconto de 5% sobre o recolhimento do ITCMD incidente sobre o valor indicado na declaração original e, consequentemente, determinar que a cobrança do imposto relativo à declaração retificadora restrinja-se ao valor desta”.

Presente a remessa necessária.

Apelou a FESP, fls. 176/183, requerendo a reforma de r. sentença para improcedência. Prequestiona a matéria.

Apresentada as contrarrazões, fls. 188/193, no sentido do desprovimento do recurso.

A fls. 203, a FESP não se opôs ao julgmaneto virtual.

É o relato do necessário.

ANA SALETE JULIANO FERREIRA E OUTRO impetraram mandado de segurança contra ato do SECRETÁRIO DA FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, alegando que após o falecimento de seu genitor, Raphael Juliano, providenciaram o inventário dos bens, a entrega da Declaração de ITCMD n°69424849 e o recolhimento do imposto devido dentro do prazo legal de 90 dias, razão pela qual foi aplicado desconto de 5%. Contudo, houve a necessida de apresentar a declaração retificadora n° 69973693, para alteração do valor do item 5 apontado na primeira declaração. Por tal razão, a autoridade impetrada revogou o desconto de 5% sobre o imposto já recolhido e exige o ITCMD sobre o valor total dos bens. Sustentam que a revogação do desconto é ilegal, devendo recair o imposto devido apenas sobre a diferença apurada. Requerem a concessão da segurança para que lhes seja assegurada manutenção do desconto de 5% sobre o valor já recolhido.

O recurso não comporta provimento.

Em se tratando de mandado de segurança, o direito líquido e certo deve vir demonstrado de forma nítida e cristalina, devidamente demonstrado por meio de prova pré-constituída – documentos -, o que restou evidenciado no caso em análise.

A r. sentença deve ser mantida nos termos do art. 252 do Regimento Interno deste Tribunal, que possibilita ao Relator, nos recursos em geral, “limitar-se a ratificar os fundamentos da decisão recorrida, quando suficientemente motivada, houver de mantê-la…”.

Importante ressaltar que a aplicabilidade do mencionado artigo encontra respaldo em jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça [1].

Desse modo, tendo a r. sentença recorrida analisado corretamente todos os pontos suscitados, desnecessária a reapreciação dos termos nela já dispostos, impondo-se a aplicação da norma acima mencionada.

Decidiu com acerto o MM. Juiz a quo, KENICHI KOYAMA:

“Nos termos da legislação tributária estadual, o recolhimento do imposto de transmissão causa mortis – ITCMD deve ser efetuado em 90 dias a contar da abertura da sucessão, consoante expressa menção do artigo 31 do Decreto 46.665/2002, §1º, 2, para fins de aplicação de desconto de 5% sobre o valor apurado:

Artigo 31 – O imposto será recolhido (Lei 10.705/00, art. 17, com alteração da Lei 10.992/01, e 18):

I – na transmissão ‘causa mortis’, no prazo de 30 (trinta) dias após a decisão homologatória do cálculo ou do despacho que determinar seu pagamento;

§ 1.º – Na hipótese prevista no inciso I:

2 – será concedido desconto de 5% (cinco por cento) sobre o valor do imposto devido, desde que recolhido no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data de abertura da sucessão.

No caso concreto, as impetrantes demonstraram o recolhimento do ITCMD em 31/3/2021, ou seja, dentro do prazo previsto na lei (até 90 dias após a abertura da sucessão) já considerando o desconto de 5% a que fariam jus (fls. 63/67).

Ocorre que as impetrantes apuraram diferença considerável quanto ao valor das quotas sociais declaradas inicialmente e apresentaram Declaração Retificadora n° 69973693, em 14/5/2021. Esclareceram as impetrantes que a diferença ocorreu porque declararam inicialmente o valor que constava no contrato social e na declaração de imposto de renda do ‘de cujus’, e posteriormente apuraram o valor com base no balanço patrimonial, o que demonstra boa-fé.

No entanto, a impetrada entendeu por cancelar a dedução concedida, em virtude da declaração retificadora prestada a destempo pelas contribuintes, pois decorrido mais de 90 dias do óbito do titular da herança, exigindo assim o ITCMD sobre o valor total dos bens.

Contudo, além de não haver previsão legal para tal medida, a jurisprudência é pacífica no sentido de que a posterior complementação não inválida o desconto inicialmente concedido.

Nesse sentido:

APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA. Mandado de segurança. ITCMD. Sobrepartilha. Revogação do benefício de desconto de 5% concedido na partilha original, com incidência de juros e multa de mora sobre a totalidade do monte partível. Abusividade configurada. 1. Impetrantes que realizaram o inventário extrajudicial poucos dias após o óbito de seu finado pai, fazendo jus ao desconto de 5% preconizado no art. 31 item 2, do Decreto nº 46.655/2002. Preenchimento dos requisitos legais. 2. Conhecimento tardio das ações antes pertencentes ao seu finado pai, com realização da sobrepartilha. Inexistência de qualquer elemento que sinalize o intento de sonegação de bens. Má-fé que não se presume. Incidência de penalidades apenas sobre os bens partilhados a destempo. 3. Prova pré-constituída do direito líquido e certo das autoras. Preservação do desconto de 5% do ITCMD concedido na partilha inicial, aplicando-se juros e multa moratória apenas sobre o montante devido em razão da sobrepartilha. 4. Apelo não provido; remessa necessária rejeitada. (TJSP; Apelação / Remessa Necessária / ITCD – Imposto de Transmissão Causa Mortis 1055502-44.2020.8.26.0053; Relator (a): Oswaldo Luiz Palu; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Comarca: São Paulo; Data do Julgamento: 07/04/2021; Data de Registro: 07/04/2021).

APELAÇÃO – ITCMD – Base de cálculo do valor do ITCMD deverá corresponder ao valor venal do bem ou direito individualmente transmitido, conforme disposto no art. 9º da Lei nº 10.705/2000 – Revogação do desconto, anteriormente, concedido aos autores, nos termos do art. 31, § 1º, item 2, do Decreto nº 46.655/2002, em decorrência da apresentação, após ultrapassado o prazo estabelecido para a concessão da benesse, de declaração retificadora do ITCMD – Inadmissibilidade – Houve apenas a retificação do equívoco relativo à declaração anteriormente apresentada, concernente a um dos bens transmitidos do espólio, a saber, quotas sociais da empresa e, portanto, não se mostra razoável a revogação da integralidade da benesse fiscal relativa ao recolhimento correto e tempestivo do ITCMD incidente sobre os outros bens transmitidos – Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO. (TJSP; Apelação Cível / ITCD – Imposto de Transmissão Causa Mortis 1021527-17.2019.8.26.0554; Relator (a): Vicente de Abreu Amadei; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Público; Comarca: Santo André; Data do Julgamento: 01/04/2020; Data de Registro: 01/04/2020).

Nesse contexto, de rigor a manutenção do desconto de 5% aplicado sobre o ITCMD recolhido por ocasião da declaração original, recaindo a cobrança do imposto decorrente da declaração retificadora apenas sobre a diferença apurada a destempo.

Enfim, diante de tudo que processado, assento – pois – razão ao direito pretendido, significa dizer, as impetrantes fazem jus à manutenção do desconto do ITCMD sobre o valor apurado na declaração original, recaindo a cobrança do imposto devido pela declaração retificadora, apenas sobre a diferença apontada, isso notadamente se considerando a relação jurídica deduzida e os elementos processuais produzidos” (fls. 164/166).

Nesse sentido, julgados deste E. Tribunal de Justiça:

“APELAÇÃO CÍVEL e REMESSA NECESSÁRIA – Mandado de segurança – ITCMD – Ação em que os impetrantes visam o afastamento da reversão do desconto de 5% previsto no artigo 17, §2°, da Lei n° 10.705/00, aplicado sobre o valor total do tributo, bem como a incidência de multa, tendo em vista a sobrepartilha – Sentença concessiva da segurança para determinar o recolhimento do ITCMD apenas sobre a diferença do valor a ser retificado na sobrepartilha, com a manutenção do desconto de 5% sobre o valor declarado originalmente e sem a incidência da multa, que só deverá incidir sobre o valor do imposto referente ao bem a ser sobrepartilhado – Revogação integral do benefício que não se afigura razoável, devendo ser considerando o recolhimento correto e tempestivo do ITCMD sobre os demais bens transmitidos – A reversão do desconto sobre o valor total do tributo não encontra amparo legal e foi corretamente afastada, assim como a aplicação da multa sobre o tributo recolhido tempestivamente – Sentença mantida – Recursos desprovidos”. (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1026994-54.2021.8.26.0053; Relator (a): Eduardo Gouvêa; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 16ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 27/09/2021; Data de Registro: 27/09/2021)

“APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. ITCMD. Recolhimento efetuado em 90 dias a contar da abertura da sucessão, com aplicação do desconto previsto no Art. 31, § 1º, item 2 do Decreto n. 46.665/2002. Posterior revogação do desconto, em razão do protocolo de declaração retificadora, efetuada além do prazo legal estabelecido para a concessão da benesse. Revogação integral do benefício, desconsiderando o recolhimento correto e tempestivo do ITCMD sobre os demais bens transmitidos, que não se mostra razoável. Afastamento da multa sobre o ITCMD inicialmente quitado e determinação de aplicação do desconto de 5% sobre o valor apurado relativo à declaração original. Precedentes desta E. Corte. R. sentença que concedeu a segurança mantida. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO”. (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1019282-13.2021.8.26.0053; Relator (a): Flora Maria Nesi Tossi Silva; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 3ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 31/08/2021; Data de Registro: 31/08/2021)

Portanto, de rigor, a manutenção da sentença.

Por fim, o prequestionamento não é numérico, mas sim temático; não é crível exigir do julgador expressa menção a todos os artigos de lei a embasar o r. decisum, anotando-se inexistir negativa de vigência a normas e súmulas.

Ante o exposto, nega-se provimento ao apelo e à remessa necessária.

Eventuais recursos que sejam interpostos deste julgado estarão sujeitos ao julgamento virtual. No caso de discordância, esta deverá ser apresentada no momento da interposição de referidos recursos.

AFONSO FARO JR.

Relator

(Assinatura Eletrônica)

Notas:

[1] REsp n. 662.272-RS, Segunda Turma, Relator Ministro João Otávio Noronha, DJ 27.09.2007; REsp n. 641.963-ES, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, DJ 21.11.2005; REsp n. 592.092-AL, Segunda Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ 17.12.2004; e REsp n. 265.534-DF, Quarta Turma, Relator Ministro Fernando Gonçalves, DJ 01.12.2003. – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação / Remessa Necessária nº 1045659-21.2021.8.26.0053 – São Paulo – 11ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Afonso Faro Jr. – DJ 30.11.2021

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.




Mandado de Segurança – ITBI – Município de São Sebastião – Lei Municipal exigindo do tabelião de notas que verifique, previamente, à lavratura do ato, a prova do recolhimento de ITBI quando de atos/negócios jurídicos de seu ofício, que envolvam direitos sobre bens imóveis – Descabimento – Município que não pode legislar sobre direito notarial – Artigos 24 e 30 da Constituição Federal – Art. 30-XI da Lei 8935/94 inaplicável à espécie – Fato gerador do ITBI que ocorre apenas após o registro do título translativo, nos termos do artigo 1245 do CC – Impossibilidade de incidência de pena pecuniária na hipótese de descumprimento da Lei municipal – Segurança formalmente concedida em primeiro grau – Inconstitucionalidade da obrigação, já reconhecida nesta C. Corte – Sentença concessiva da segurança, que deferiu pedido estranho ao processo – Decisão “extra petita” – Violação ao art. 492 do CPC – Nulidade decretada – Segurança concedida, de ofício, neste grau recursal, a teor do art. 1013 § 3º – II do CPC – Recursos oficial, considerado interposto e voluntário do impetrante providos, para tais fins.


ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000534-77.2021.8.26.0587, da Comarca de São Sebastião, em que é apelante ALEXANDRE GONÇALVES KASSAMA, são apelados MUNICÍPIO DE SÃO SEBASTIÃO e SECRETÁRIO MUNICIPAL DA FAZENDA DA PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO SEBASTIÃO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento aos recursos, considerado interposto o oficial, anularam a r. sentença apelada e, de ofício, concederam a pretendida segurança. V.U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores ERBETTA FILHO (Presidente sem voto), EUTÁLIO PORTO E AMARO THOMÉ.

São Paulo, 25 de novembro de 2021.

SILVA RUSSO

Relator(a)

Assinatura Eletrônica

Voto nº 35257

Apelação nº 1000534-77.2021.8.26.0587

Comarca de São Sebastião

Apelante: ALEXANDRE GONÇALVES KASSAMA

Apelados: MUNICÍPIO DE SÃO SEBASTIÃO e SECRETÁRIO MUNICIPAL DA FAZENDA DA PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO SEBASTIÃO

MANDADO DE SEGURANÇA – ITBI – Município de São Sebastião – Lei Municipal exigindo do tabelião de notas que verifique, previamente, à lavratura do ato, a prova do recolhimento de ITBI quando de atos/negócios jurídicos de seu ofício, que envolvam direitos sobre bens imóveis – Descabimento – Município que não pode legislar sobre direito notarial – Artigos 24 e 30 da Constituição Federal – Art. 30-XI da Lei 8935/94 inaplicável à espécie – Fato gerador do ITBI que ocorre apenas após o registro do título translativo, nos termos do artigo 1245 do CC – Impossibilidade de incidência de pena pecuniária na hipótese de descumprimento da Lei municipal – Segurança formalmente concedida em primeiro grau – Inconstitucionalidade da obrigação, já reconhecida nesta C. Corte – Sentença concessiva da segurança, que deferiu pedido estranho ao processo – Decisão “extra petita” – Violação ao art. 492 do CPC – Nulidade decretada – Segurança concedida, de ofício, neste grau recursal, a teor do art. 1013 § 3º – II do CPC – Recursos oficial, considerado interposto e voluntário do impetrante providos, para tais fins

Cuida-se de recurso de apelação tirado contra a r. sentença de fls. 148/150, a qual concedeu a segurança postulada, para declarar a inexigibilidade do débito fiscal, posto que a celebração de instrumento particular de cessão de direitos possessórios não é meio apto para transferência da propriedade, não constituindo fato gerador do ITBI.

Houve, em seguida, a oposição de embargos de declaração pelo impetrante sustentando que muito embora a fundamentação e dispositivo da sentença estivessem alinhados ao objetivo do mandado de segurança, há duas passagens que poderiam colocar em dúvida a necessária relação de congruência entre a decisão de mérito e o principal pedido formulado na exordial. Nesse sentido, alegou que a questão central deduzida neste “mandamus” é a lavratura de escrituras públicas que versem sobre a cessão de direitos em geral relativos a bens imóveis, e não apenas os direitos possessórios. Assim, requereu o acolhimento dos embargos de declaração para que fosse esclarecido que a segurança concedida abrangeria as demais hipóteses de lavratura de escrituras públicas que se refiram a direitos sobre bens imóveis, além dos possessórios já referidos na sentença.(fls. 153/154)

Os embargos, entretanto, foram desprovidos, posto que, segundo aquela r. decisão, acolher tal pretensão equivaleria a decidir o mandado de segurança contra lei em tese, além do que o Tabelião não é apontado como autoridade coatora, de modo que seria impossível conceder ordem endereçada a ele. (fl. 165)

Inconformado, o impetrante interpôs o presente recurso de apelação (fls. 171/195) alegando, em síntese, (a) a nulidade da sentença por incongruência em relação ao pedido (sentença citra petita); (b) o artigo 79 da Lei Municipal 1317/98 de São Sebastião determina que não serão lavrados, registrados, inscritos ou averbados pelos notários, oficiais de Registro de Imóveis ou seus prepostos os atos e termos relacionados à transmissão de bens imóveis ou de direitos a ele relativos, sem a prova do pagamento do imposto, sob pena de imposição de multa, razão pela qual o pedido realizado na exordial abrange todas estas possibilidade, e não apenas a transmissão de direitos possessórios; (c) não se discute lei em tese, posto que o impetrante encontra-se em situação de risco de ser autuado de maneira ilegal e, ainda, de ter violado seu direito líquido e certo de não se submeter à obrigação de exigir prova do recolhimento do ITBI quando da lavratura de escrituras públicas.

Apelo tempestivo, preparado (fls.197/198), não respondido e assim remetido a este E. Tribunal.

É o relatório, em acréscimo ao da r. sentença.

Na origem, trata-se de mandado de segurança impetrado por Tabelião de notas, que, ao lavrar escrituras públicas, tem sido obrigado a exigir prova do recolhimento do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e, por isso, pediu, em sua exordial, a procedência do pedido para reconhecer o seu direito líquido e certo, como Impetrante de: (a) não ter que exigir a prova do recolhimento do ITBI ou comprovação da isenção ou da não incidência do ITBI quando da lavratura de escrituras públicas e de (b) não ter que se sujeitar à incidência da penalidade pecuniária prevista no 81 da Lei Municipal de São Sebastião n 1317/98, quando da prática desses atos.

Conforme relatado, em primeiro grau foi concedida a ordem para “declarar a inexigibilidade fiscal em testilha”, ressaltando em sua fundamentação que a “celebração de instrumento particular de cessão de direitos possessórios não é meio apto para transferência da propriedade, não constituindo, destarte, fato gerador do ITBI”.

Foi, então, interposto o presente recurso no qual requer, o impetrante, a reforma da sentença para que nela conste que a segurança concedida abrangeria as demais hipóteses de lavratura de escrituras públicas que se refiram a direitos sobre bens imóveis, além dos possessórios já referidos na sentença.

Perante a concessão formal, da segurança, cabível, sim, o recurso oficial, a teor do art. 14 § 1º, da Lei 12.016/2009, o qual se considera aqui interposto.

A seguir, deve-se acolher a alegação de nulidade da sentença por ser citra petita (ou extra petita), pois, como se viu acima, o objeto da impetração não era a declaração de inexigibilidade do imposto, do qual, aliás, o impetrante é apenas devedor subsidiário (art. 134-VI do CTN), mas sim, a possibilidade de lavratura de escrituras de direito imobiliários, sem a verificação prévia, do pagamento do ITBI e sem sujeição à multa prevista, na legislação municipal, em caso de omissão.

Desse modo, a r. sentença apelada concedeu pedido estranho à lide, com violação ao art. 492 do CPC, daí a sua nulidade e também, o interêsse recursal do impetrante, levando ao acolhimento dos recursos, para a desconstituição daquela decisão e, de ofício, à prolação de outra, nos termos do art. 1013 § 3º – II do CPC.

Com efeito, demonstrou o impetrante que a legislação municipal de São Sebastião exige, sob pena de multa, que os tabeliães e oficiais de cartório comprovem o recolhimento, isenção ou não incidência do ITBI quando da lavratura de atos e termos relacionados à transmissão de bens imóveis ou de direitos a ele relativos. Confira-se:

Lei Municipal nº 1317/1998

Art. 79: Não serão lavrados, registrados, inscritos ou averbados pelos notários, oficiais de Registro de Imóveis ou seus prepostos, os atos e termos relacionados à transmissão de bens imóveis ou de direitos a eles relativos, sem a prova do pagamento do imposto ou do reconhecimento administrativo da não incidência, da imunidade ou da concessão de isenção.

(…)

Art. 81: Os notários, oficiais de Registro de Imóveis ou seus prepostos, que infringirem o disposto nos atigos 79 e 80, desta Consolidação, ficam sujeitos a multa de 980 (novecentas e oitenta) Unidades Fiscais de Referência UFIR, por item descumprido.

Está claro, portanto, que o impetrante, na condição de tabelião de notas, vem tendo direito líquido e certo ameaçado, na medida em que é obrigado a provar o recolhimento, isenção ou não incidência do ITBI antes mesmo da ocorrência do seu fato gerador, sob pena de imposição de multa.

Nada obstante, não se trata, aqui, de impetração contra Lei em tese, posto que a mencionada legislação tem efeitos concretos relativamente ao apelante, porquanto o administrador tributário tem o dever de cumprir a Lei, de ofício, o que outorga a esta pretensão, inclusive feição preventiva, quanto à possível imposição de multa.

Tal exação e também o dever de fiscalização atribuído ao impetrante desbordam a competência legislativa municipal, a teor dos artigos 24 e 30 da Constituição Federal e assim já decidiu esta C. Corte, nos precedentes mencionados à fls. 17/18 da inicial.

Além disso, o art. 236 § 1º da Carta Constitucional remete a regulamentação dos serviços notariais, à edição de Lei, que veio a ser a Lei 8935/94, a qual, efetivamente, em seu art. 30-XI, impõe aos tabeliães a fiscalização dos impostos devidos sôbre os atos que pratica, disposição, porém, inaplicável, neste caso, relativamente ao ITBI, pois a legislação de regência do tributo dispõe:

Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:

a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;

a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis,exceto os direitos reais de garantia; a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.

E o vigente Código Civil:

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

E quanto ao fato gerador, para a incidência deste tributo, tem-se que é o momento em que há a efetiva transmissão do direito real sobre o bem imóvel, o que significa dizer no momento em que há o registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis, conforme os artigos 1.227 e 1.245 do Código Civil.

Veja-se que, neste caso, a municipalidade é definir hipótese de incidência em momento anterior à ocorrência do fato gerador deste tributo, ofendendo ao artigo 110 do Código Tributário Nacional.

Nesse sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS. FATO GERADOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. IMPOSSIBILIDADE. A obrigação tributária surge a partir da verificação de ocorrência da situação fática prevista na legislação tributária, a qual, no caso dos autos, deriva da transmissão da propriedade imóvel. Nos termos da legislação civil, a transferência do domínio sobre o bem torna-se eficaz a partir do registro. Assim, pretender a cobrança do ITBI sobre a celebração de contrato de promessa de compra e venda implica considerar constituído o crédito antes da ocorrência do fato imponível. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, ARE 805859 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 10/02/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-044 DIVULG PUBLIC 09-03-2015)”

Assim sendoo impetrante e ora apelante tem o direito de lavrar escrituras de negociação de imóveis e direitos a eles relativos, sem exigir a prova prévia, do pagamento do ITBI, nem sujeitar-se à multa respectiva, prevista na Lei municipal nº 1317/98.

Ante o exposto e para os fins supra, dá-se provimento aos recursos, considerado interposto o oficial, anulando-se a r. sentença apelada e, de ofício, concedendo-se a pretendida segurança.

Sem honorários (Súmula 512 do STF e art. 25 da Lei 12.016/2009).

Custas “ex lege”.

SILVA RUSSO

RELATOR – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1000534-77.2021.8.26.0587 – São Sebastião – 15ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Silva Russo – DJ 29.11.2021

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.