Processual Civil – Embargos de Divergência no Recurso Especial – Submissão à regra prevista no Enunciado Administrativo 02/STJ – Discussão sobre a possibilidade de protesto da Certidão de Dívida Ativa – Regime anterior à vigência da Lei 12.767/2012 – 1. A Segunda Turma/STJ tem reconhecido a possibilidade de protesto da CDA desde a entrada em vigor da Lei 9.492/97, entendendo que a Lei 12.767/2012 veio reforçar essa possibilidade, tratando-se de norma meramente interpretativa. Essa linha de entendimento coaduna-se com os fundamentos adotados pelo Ministro Relator do acórdão submetido ao regime dos recursos repetitivos (REsp 1686659/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 28/11/2018, DJe 11/03/2019) – 2. Considerando a necessidade de uniformização da jurisprudência deste Tribunal e de mantê-la estável, íntegra e coerente – conforme determina o art. 926 do CPC/2015 –, impõe-se a reforma do acórdão embargado, a fim de que seja reconhecida a legitimidade do protesto da Certidão de Dívida Ativa – 3. Embargos de divergência providos.


EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 1.109.579 – PR (2008/0281316-7)

RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES

EMBARGANTE : MUNICIPIO DE LONDRINA

PROCURADORES : ANA LUCIA BOHMANN E OUTRO(S) – PR015953

FABIO CESAR TEIXEIRA E OUTRO(S) – PR037041

EMBARGADO : BANCO SUDAMERIS BRASIL SOCIEDADE ANONIMA

ADVOGADOS : GABRIELA SILVA DE LEMOS E OUTRO(S) – SP208452

PAULO CAMARGO TEDESCO E OUTRO(S) – SP234916

ARIANE COSTA GUIMARÃES E OUTRO(S) – DF029766

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. SUBMISSÃO À REGRA PREVISTA NO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 02/STJ. DISCUSSÃO SOBRE A POSSIBILIDADE DE PROTESTO DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. REGIME ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 12.767/2012.

1. A Segunda Turma/STJ tem reconhecido a possibilidade de protesto da CDA desde a entrada em vigor da Lei 9.492/97, entendendo que a Lei 12.767/2012 veio reforçar essa possibilidade, tratando-se de norma meramente interpretativa. Essa linha de entendimento coaduna-se com os fundamentos adotados pelo Ministro Relator do acórdão submetido ao regime dos recursos repetitivos (REsp 1686659/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/11/2018, DJe 11/03/2019).

2. Considerando a necessidade de uniformização da jurisprudência deste Tribunal e de mantê-la estável, íntegra e coerente — conforme determina o art. 926 do CPC/2015 —, impõe-se a reforma do acórdão embargado, a fim de que seja reconhecida a legitimidade do protesto da Certidão de Dívida Ativa.

3. Embargos de divergência providos.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento:

“A Primeira Seção, por unanimidade, deu provimento aos embargos de divergência, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.”

Os Srs. Ministros Og Fernandes, Benedito Gonçalves, Assusete Magalhães, Regina Helena Costa, Gurgel de Faria, Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF-5ª Região), Francisco Falcão e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 27 de outubro de 2021.

MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES

Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator):

Trata-se de embargos de divergência apresentados contra acórdão da Primeira Turma cuja ementa é a seguinte:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. CERTIDÃO DA DÍVIDA ATIVA. PROTESTO DE CDA. LEI 9.492/1997. DESNECESSIDADE. POSICIONAMENTO ASSENTADO EM AMBAS AS TURMAS DA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ. ACÓRDÃO PROLATADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 12.767/2012. APLICAÇÃO DA ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. IMPOSSIBILIDADE.

1. Ambas as Turmas componentes da Primeira Seção do STJ, ao realizarem interpretação do art. 1º da Lei nº 9.492/97, com redação anterior à alteração promovida pela Lei nº 12.767/2012, sedimentaram entendimento no sentido de ser desnecessário o protesto prévio da CDA, por se tratar de título detentor de presunção de liquidez e certeza, servindo tão-somente para aparelhar a execução fiscal, nos termos do art. 38 do CTN.

2. O acórdão recorrido foi prolatado antes da vigência da Lei nº 12.767/2012, pela qual se incluiu parágrafo único ao art. 1º da Lei nº 9.492/97, admitindo a possibilidade do protesto de certidões de dívida ativa. Assim, seja ante a ausência do indispensável requisito do prequestionamento, seja em respeito à segurança jurídica, considerando a remansosa jurisprudência do STJ sobre o tema à época do julgamento, inviável a aplicação do novel regramento à hipótese dos autos.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

O embargante alega a existência de dissídio com o seguinte aresto paradigma:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PROTESTO DE CDA. LEI 9.492/1997. INTERPRETAÇÃO CONTEXTUAL COM A DINÂMICA MODERNA DAS RELAÇÕES SOCIAIS E O “II PACTO REPUBLICANO DE ESTADO POR UM SISTEMA DE JUSTIÇA MAIS ACESSÍVEL, ÁGIL E EFETIVO”. SUPERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ.

1. Trata-se de Recurso Especial que discute, à luz do art. 1º da Lei 9.492/1997, a possibilidade de protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA), título executivo extrajudicial (art. 586, VIII, do CPC) que aparelha a Execução Fiscal, regida pela Lei 6.830/1980.

2. Merece destaque a publicação da Lei 12.767/2012, que promoveu a inclusão do parágrafo único no art. 1º da Lei 9.492/1997, para expressamente consignar que estão incluídas “entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas”.

3. Não bastasse isso, mostra-se imperiosa a superação da orientação jurisprudencial do STJ a respeito da questão.

4. No regime instituído pelo art. 1º da Lei 9.492/1997, o protesto, instituto bifronte que representa, de um lado, instrumento para constituir o devedor em mora e provar a inadimplência, e, de outro, modalidade alternativa para cobrança de dívida, foi ampliado, desvinculando-se dos títulos estritamente cambiariformes para abranger todos e quaisquer “títulos ou documentos de dívida”. Ao contrário do afirmado pelo Tribunal de origem, portanto, o atual regime jurídico do protesto não é vinculado exclusivamente aos títulos cambiais.

5. Nesse sentido, tanto o STJ (RESP 750805/RS) como a Justiça do Trabalho possuem precedentes que autorizam o protesto, por exemplo, de decisões judiciais condenatórias, líquidas e certas, transitadas em julgado.

6. Dada a natureza bifronte do protesto, não é dado ao Poder Judiciário substituir-se à Administração para eleger, sob o enfoque da necessidade (utilidade ou conveniência), as políticas públicas para recuperação, no âmbito extrajudicial, da dívida ativa da Fazenda Pública.

7. Cabe ao Judiciário, isto sim, examinar o tema controvertido sob espectro jurídico, ou seja, quanto à sua constitucionalidade e legalidade, nada mais. A manifestação sobre essa relevante matéria, com base na valoração da necessidade e pertinência desse instrumento extrajudicial de cobrança de dívida, carece de legitimação, por romper com os princípios da independência dos poderes (art. 2º da CF/1988) e da imparcialidade.

8. São falaciosos os argumentos de que o ordenamento jurídico (Lei 6.830/1980) já instituiu mecanismo para a recuperação do crédito fiscal e de que o sujeito passivo não participou da constituição do crédito.

9. A Lei das Execuções Fiscais disciplina exclusivamente a cobrança judicial da dívida ativa, e não autoriza, por si, a insustentável conclusão de que veda, em caráter permanente, a instituição, ou utilização, de mecanismos de cobrança extrajudicial.

10. A defesa da tese de impossibilidade do protesto seria razoável apenas se versasse sobre o “Auto de Lançamento”, esse sim procedimento unilateral dotado de eficácia para imputar débito ao sujeito passivo.

11. A inscrição em dívida ativa, de onde se origina a posterior extração da Certidão que poderá ser levada a protesto, decorre ou do exaurimento da instância administrativa (onde foi possível impugnar o lançamento e interpor recursos administrativos) ou de documento de confissão de dívida, apresentado pelo próprio devedor (e.g., DCTF, GIA, Termo de Confissão para adesão ao parcelamento, etc.).

12. O sujeito passivo, portanto, não pode alegar que houve “surpresa” ou “abuso de poder” na extração da CDA, uma vez que esta pressupõe sua participação na apuração do débito. Note-se, aliás, que o preenchimento e entrega da DCTF ou GIA (documentos de confissão de dívida) corresponde integralmente ao ato do emitente de cheque, nota promissória ou letra de câmbio.

13. A possibilidade do protesto da CDA não implica ofensa aos princípios do contraditório e do devido processo legal, pois subsiste, para todo e qualquer efeito, o controle jurisdicional, mediante provocação da parte interessada, em relação à higidez do título levado a protesto.

14. A Lei 9.492/1997 deve ser interpretada em conjunto com o contexto histórico e social. De acordo com o “II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo”, definiu-se como meta específica para dar agilidade e efetividade à prestação jurisdicional a “revisão da legislação referente à cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, com vistas à racionalização dos procedimentos em âmbito judicial e administrativo”.

15. Nesse sentido, o CNJ considerou que estão conformes com o princípio da legalidade normas expedidas pelas Corregedorias de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e de Goiás que, respectivamente, orientam seus órgãos a providenciar e admitir o protesto de CDA e de sentenças condenatórias transitadas em julgado, relacionadas às obrigações alimentares.

16. A interpretação contextualizada da Lei 9.492/1997 representa medida que corrobora a tendência moderna de intersecção dos regimes jurídicos próprios do Direito Público e Privado. A todo instante vem crescendo a publicização do Direito Privado (iniciada, exemplificativamente, com a limitação do direito de propriedade, outrora valor absoluto, ao cumprimento de sua função social) e, por outro lado, a privatização do Direito Público (por exemplo, com a incorporação – naturalmente adaptada às peculiaridades existentes – de conceitos e institutos jurídicos e extrajurídicos aplicados outrora apenas aos sujeitos de Direito Privado, como, e.g., a utilização de sistemas de gerenciamento e controle de eficiência na prestação de serviços).

17. Recurso Especial provido, com superação da jurisprudência do STJ.

(REsp 1126515/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 16/12/2013)

Sustenta, em suma, que:

A questão jurídica centra-se, unicamente, na possibilidade de protesto de CDAs antes da vigência da Lei 12.767/2012, partindo-se, pois de uma mesma base empírico-fática ambas as decisões.

Para a decisão recorrida, apenas após a vigência da Lei 12.767/2012, que incluiu o parágrafo único ao art. 1º da Lei 9.492/1997, é que tal forma de cobrança extrajudicial das CDAs se tornou possível ao Poder Público, sendo que, em nome da segurança jurídica, autorizar-se o protesto antes de tal vigência contrariaria o entendimento até então consolidado da jurisprudência deste E. STJ.

Por seu turno, a decisão divergente proclama, textualmente, que ali se está a superar a jurisprudência até então vigente nesta Corte da Cidadania, ao entender-se autorizado o protesto de CDAs no regime da Lei 9.492/1997, ou, sob outra forma, antes mesmo da vigência da Lei 12.767/2012.

(…) Com base em todas as características da atual regulamentação do ato notarial de protesto, Excelência, é possível vislumbrar, desde já, a completa possibilidade ontológica de realização do protesto de CDAs! E isto afirmamos ainda sem levar em conta a recente modificação da Lei Federal n. 9.492/97, realizada pela Lei Federal n. 12.767/2012, de que trataremos mais especificamente no tópico seguinte.

A Lei 9.492/97 permitiu o protesto de outros títulos, além daqueles de natureza cambial, como anteriormente se previa, de modo a não restarem dúvidas que a CDA, como título executivo extrajudicial, é documento hábil a ser levado a protesto. Portanto, falece de presunção de veracidade o argumento apresentado pela parte adversa, de modo a importar na improcedência da lide.

Ab initio, verifica-se que referida lei federal, em sua redação original, não excepcionou ou proibiu o protesto de CDAs; pelo contrário, ao mencionar que são protestáveis “títulos e outros documentos de dívida”, incluiu, neste novo universo, os créditos públicos. inscritos ou não em Dívida Ativa.

Em razão da ampliação do universo de obrigações passíveis de ser protestadas, a Administração Pública está autorizada a requerer o registro do protesto de seus créditos – sejam os de natureza civil, tributária, sejam os decorrentes de aplicação de multas em razão da prática de ato contrário à sua legislação – desde que materializados em títulos ou qualquer outro documento de dívida.

Legítimo é o interesse da Administração em que o descumprimento da obrigação de pagar seus créditos se torne público, assim como ocorria nas relações comerciais e, hoje, nas obrigações de qualquer natureza.

Requer sejam providos os embargos.

O recurso foi admitido pela decisão de fls. 395/398.

O embargado pugna pelo não provimento do recurso, argumentando que:

Assim, de todos os ângulos que se enxergue a questão, é evidente a inadmissibilidade dos presentes Embargos de Divergência, uma vez que ambas as Turmas de Direito Público já consolidaram o entendimento no sentido da impossibilidade do protesto da CDA nos casos anteriores à vigência da Lei 12.767/2012.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator):

A pretensão recursal merece acolhimento.

Inicialmente, cumpre esclarecer que o presente recurso submete-se à regra prevista no Enunciado Administrativo n. 2, in verbis“Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça”.

Em sede de acórdão submetido ao regime dos recursos repetitivos (REsp 1686659/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/11/2018, DJe 11/03/2019), a Primeira Seção/STJ pacificou entendimento no sentido de que a Fazenda Pública possui interesse e pode efetivar o protesto da CDA, documento de dívida, na forma do art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 9.492/1997, com a redação dada pela Lei n. 12.767/2012 (Informativo 643/STJ).

Registro que, no caso, o protesto da CDA ocorreu antes da vigência da Lei 12.767/2012 (como bem observado no acórdão embargado), razão pela qual não se aplica a tese jurídica acima mencionada.

Não obstante, em reiterados julgados, a Segunda Turma/STJ tem entendido que:

A jurisprudência da Segunda Turma do STJ, revisando entendimento anterior, concluiu pela legalidade do protesto da CDA desde a entrada em vigor da Lei 9.494/1997, o que veio a ser reforçado após a modificação promovida pela Lei 12.767/2012.

(REsp 1691989/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/11/2017, DJe 19/12/2017)

A orientação da Segunda Turma deste Tribunal Superior é no sentido de admitir o protesto da CDA, mesmo para os casos em que o crédito foi inscrito em Dívida Ativa em período anterior à inserção do parágrafo único do art. 1º da Lei n. 9.492/1997, levada a efeito pela Lei n. 12.737/2012, tendo em vista o caráter meramente interpretativo da novel legislação. Precedente: REsp 1.126.515/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 3/12/2013, DJe 16/12/2013.

(REsp 1596379/PR, Rel. Ministra DIVA MALERBI (DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF 3ª REGIÃO), SEGUNDA TURMA, julgado em 07/06/2016, DJe 14/06/2016)

Em suma, a Segunda Turma/STJ tem reconhecido a possibilidade de protesto da CDA desde a entrada em vigor da Lei 9.492/97, entendendo que a Lei 12.767/2012 veio reforçar essa possibilidade, tratando-se de norma meramente interpretativa. Essa linha de entendimento coaduna-se com os fundamentos adotados pelo Ministro Relator do acórdão submetido ao regime dos recursos repetitivos (REsp 1.686.659/SP).

Peço venia para transcrever o seguinte excerto extraído do voto proferido pelo Ministro Herman Benjamin, no acórdão relativo ao REsp 1.686.659/SP:

(…)

A norma acima, já em sua redação original (ou seja, aquela contida na data de entrada em vigor da Lei 9.492/1997) rompeu com antiga tradição existente no ordenamento jurídico, consistente em atrelar o protesto exclusivamente aos títulos de natureza cambial (cheques, duplicatas, etc.).

O uso dos termos “títulos” e “outros documentos de dívida” possui, claramente, concepção muito mais ampla que a relacionada apenas aos de natureza cambiária. Como se sabe, até atos judiciais (sentenças transitadas em julgado em Ações de Alimentos ou em processos que tramitaram na Justiça do Trabalho) podem ser levados a protesto, embora evidentemente nada tenham de cambial.

(…) Não bastasse isso, o protesto, além de representar instrumento para constituir em mora e/ou comprovar a inadimplência do devedor, é meio alternativo para o cumprimento da obrigação.

Com efeito, o art. 19 da Lei 9.492/1997 expressamente dispõe a respeito do pagamento extrajudicial dos títulos ou documentos de dívida (isto é, estranhos aos títulos meramente cambiais) levados a protesto.

(…) Sob essa ótica, não considero legítima qualquer manifestação do Poder Judiciário tendente a suprimir a adoção de meio extrajudicial para cobrança dos créditos públicos (como se dá com o protesto da CDA, no contexto acima definido). Acrescento, no ponto, que a circunstância de a Lei 6.830/1980 disciplinar a cobrança judicial da dívida ativa dos entes públicos não deve ser interpretada como uma espécie de “princípio da inafastabilidade da jurisdição às avessas“, ou seja, engessar a atividade de recuperação dos créditos públicos, vedando aos entes públicos o recurso a instrumentos alternativos (evidentemente, respeitada a inafastável observância ao princípio da legalidade) e lhes conferindo apenas a via judicial – a qual, como se sabe, ainda luta para tornar-se socialmente reconhecida como instrumento célere e eficaz.

A verificação quanto à utilidade ou necessidade do protesto da CDA, como política pública para a recuperação extrajudicial de crédito, cabe com exclusividade à Administração Pública. Ao Poder Judiciário só é reservada a análise da sua conformação (ou seja, da via eleita) ao ordenamento jurídico. Dito de outro modo, compete ao Estado decidir se quer protestar a CDA; ao Judiciário caberá examinar a possibilidade de tal pretensão, quanto aos aspectos constitucionais e legais.

Ao dizer ser prescindível o protesto da CDA, sob o fundamento de que a lei prevê a utilização da Execução Fiscal, o Poder Judiciário rompe não somente com o princípio da autonomia dos poderes (art. 2º da CF/1988), como também com o princípio da imparcialidade, dado que, reitero, a ele institucionalmente não compete qualificar as políticas públicas como necessárias ou desnecessárias.

Reitere-se, assim, que o protesto pode ser utilizado como meio alternativo, extrajudicial, para a recuperação do crédito.

Considerando a necessidade de uniformização da jurisprudência deste Tribunal e de mantê-la estável, íntegra e coerente — conforme determina o art. 926 do CPC/2015 —, impõe-se a reforma do acórdão embargado, a fim de que seja restabelecido o acórdão proferido pelo Tribunal de segundo grau (inclusive no que se refere aos ônus sucumbenciais), reconhecendo-se a legitimidade do protesto da Certidão de Dívida Ativa.

Diante do exposto, dou provimento aos embargos de divergência, nos termos da fundamentação.

É o voto. – – /

Dados do processo:

STJ – Embargos de Divergência em REsp nº 1.109.579 – Paraná – 1ª Seção – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJ 04.11.2021

Fonte: INR Publicações.

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1VRP/SP: Registro de Imóveis. Averbação da extinção de cláusula de fideicomisso instituída em doação NA vigência do Código Civil de 1916. Não exigência do ITCMD.


Processo 1128039-57.2021.8.26.0100

Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Luiz da Rocha Azevedo – Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de providências formulado pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Luiz da Rocha Azevedo para afastar a exigência de comprovação do recolhimento do ITCMD para averbação da extinção da cláusula de fideicomisso mencionada na averbação n.02 da matrícula n.200.825 daquela serventia. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: ANDRÉ PORCHAT DA ROCHA AZEVEDO (OAB 417265/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1128039-57.2021.8.26.0100

Classe – Assunto Pedido de Providências – Registro de Imóveis

Requerente: 4º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo

Requerido: Luiz da Rocha Azevedo

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de pedido de providências formulado pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Luiz da Rocha Azevedo, diante da negativa de extinção da cláusula de fideicomisso gravada na averbação n.02 da matrícula n.200.825 daquela serventia.

Informou o Oficial que as condições suspensivas previstas na instituição do fideicomisso se implementaram, com a consequente consolidação da propriedade em nome dos fideicomissários Ricardo Rocha Azevedo e Luiz Rocha Azevedo, sendo que o requerimento foi devolvido em razão da necessidade de comprovação do recolhimento de ITCMD ou do reconhecimento administrativo da não incidência de referido imposto.

A parte interessada se manifestou às fls.53/57, defendendo a inexistência da hipótese de incidência de ITCMD, uma vez que, no caso concreto, o fideicomisso foi gravado sob a égide do Código Civil de 1916, importando transmissão imediata por ato inter vivos, sendo que a escritura de doação confirma o pagamento do imposto devido no ato de sua instituição.

Ademais, o fideicomissário recebe o bem do próprio fideicomitente, não do fiduciário, o que afasta a ocorrência de fato gerador, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial.

O Ministério Público opinou pela improcedência (fls.67/68).

É o relatório.

Fundamento e decido.

No mérito, o pedido é improcedente. Vejamos os motivos.

Primeiramente, importante destacar que, no caso concreto, se trata de fideicomisso em doação inter vivos.

Como demonstra a certidão copiada às fls.32/35, relativa ao teor da “escritura de doação fideicomisso e substituição” lavrada em 22 de março de 1965, a então proprietária, Celina Campello Rodrigues, doou o imóvel ao seu neto interdito, Guilherme da Rocha Azevedo, constituindo-o donatário fiduciário e estipulando a transferência da propriedade, no caso de sua morte, em favor de seus pais Luiz Geraldo da Rocha Azevedo e Cecília da Rocha Azevedo, ou, se estes não estivessem vivos, para seus irmãos Ricardo da Rocha Azevedo e Luiz Rocha Azevedo, em parte iguais.

Por ser matéria disciplinada no capítulo dos testamentos (artigos 1733 a 1739 do Código Civil de 1916 e artigos 1951 a 1960 do Código Civil atual), existe acirrada divergência na doutrina sobre a validade de sua instituição por atos inter vivos. Por ser instituto raramente utilizado, também é escassa a jurisprudência a seu respeito.

Apenas no caso das doações é que o parágrafo único, do artigo 547, do Código Civil atual, impõe a não prevalência da cláusula de reversão em favor de terceiro, previsão esta que não existia no Código Civil anterior. Mesmo assim, há entendimento pela não aplicação deste dispositivo ao fideicomisso por não envolver, propriamente, reversão, mas transmissão sucessiva.

Com efeito, considerando que estamos analisando cláusula fixada em ato jurídico perfeitamente constituído por ocasião da entrada em vigor do Código Civil de 2002 e que não há notícia do reconhecimento judicial de sua invalidade (o que, ademais, não é objeto deste procedimento administrativo), deve-se partir da premissa de regularidade da instituição do fideicomisso gravado na averbação n.02 da matrícula n.200.825 do 4º Registro de Imóveis desta Capital (fls.50/52).

Contudo, no fideicomisso, somente se verifica uma transmissão do bem, de maneira resolúvel, ao fiduciário e, de maneira condicionada, aos fideicomissários, a qual ocorre na data de sua instituição.

Com a doação, o fiduciário tornou-se titular da propriedade resolúvel, enquanto os fideicomissários tornaram-se proprietários sob condição suspensiva, que seria a morte do donatário Guilherme. Implementada essa condição, apenas ocorreu a consolidação da propriedade plena em favor dos fideicomissários, nos termos do artigo 1.359 do Código Civil em vigor.

Guilherme faleceu em 16/05/2017 (fl.18), quando os primeiros fideicomissários já haviam perecido (Luiz Geraldo faleceu em 09/11/1969 e Cecília em 03/07/2008 – fls.22 e 24), de modo que a propriedade plena do imóvel se consolidou em favor dos irmãos Ricardo da Rocha Azevedo e Luiz Rocha Azevedo.

Se não houve nova transmissão da propriedade, não se pode falar na ocorrência de fato gerador do ITCMD.

Ressalte-se que o artigo 2º, inciso I, da Lei Estadual n.10.705/2000, prevê como fato gerador a sucessão “legítima ou testamentária”, enquanto seu parágrafo 2º esclarece que se aplica à “transmissão de bem ou direito por qualquer título sucessório, inclusive o fideicomisso”. Na hipótese em análise, porém, ocorreu transmissão inter vivos, por doação, a qual se deu anteriormente à entrada em vigor de tal lei.

Na época em que ocorreram a doação e a instituição do fideicomisso, a hipótese de incidência tributária era outra, constando, na certidão da escritura de doação, o recolhimento do Imposto Municipal de Transmissão Inter-Vivos (fls.32/35).

Observe-se, ainda, que a Lei Estadual n.9.591/66, indicada na jurisprudência colacionada – fl.62, somente entrou em vigor em 1º de janeiro de 1967, conforme dispõe seu artigo 49, e, consequentemente, também não se aplicaria à doação ocorrida anteriormente.

Note-se que não se está analisando a legalidade ou a constitucionalidade de norma tributária apontada pelo Oficial no exercício do seu dever de fiscalização, mas apenas conferindo-se interpretação adequada para afastar exigência indevida e viabilizar a averbação pretendida.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de providências formulado pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Luiz da Rocha Azevedo para afastar a exigência de comprovação do recolhimento do ITCMD para averbação da extinção da cláusula de fideicomisso mencionada na averbação n.02 da matrícula n.200.825 daquela serventia.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 10 de janeiro de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 13.01.2022 – SP)

Fonte: DJe/SP.

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