Tabelionato de Protesto – Documento de dívida – Contrato particular e aditivo – Recusa sob o fundamento da inexistência de título executivo, ausência de certeza, liquidez e exigibilidade, insegurança na vinculação do aditivo ao contrato aditado, irregularidade na planilha de débito apresentada a protesto e ausência e prova do cumprimento de obrigações do vendedor – Contrato e aditamento que configuram título executivo extrajudicial, por serem firmados por duas testemunhas, nos termos do art. 784, III, CPC – Aditamento contratual que, apesar de não indicar numeração do contrato original, é emitido pelas mesmas partes com descrição e remissão suficiente ao contrato originário, alterado apenas em partes – Segurança quanto à formação do documento de dívida pela resultado do restante do contrato originário e o aditamento – Contrato que contém obrigações de pagamento distintas, algumas condicionadas à obrigação de fazer imposta ao comprador e outra, do pagamento de valor certo em dinheiro, pura e simples – Possibilidade de protesto e exigência do pagamento do valor certo, determinado e vencido em data certa, inexistente condição suspensiva da obrigação – Autonomia da obrigações e possibilidade de protestos diversos do mesmo documento – Inteligência das NSCGJ – Planilha de débito que constitui instrumento de declaração do valor de débito pelo apresentante, sem efeitos constitutivos – Inexistência de formalidade essencial ou indicação do nome do devedor, limitada a verificação objetiva do valor lançado em relação ao título – Inteligência dos arts. 5º e 19 da Lei nº 9.492/1997 – Fundamentos da recusa afastados – Recurso parcialmente provido para determinar o protesto do documento de dívida.


Número do processo: 1007929-87.2017.8.26.0320

Ano do processo: 2017

Número do parecer: 106

Ano do parecer: 2020

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1007929-87.2017.8.26.0320

(106/2020-E)

Tabelionato de Protesto – Documento de dívida – Contrato particular e aditivo – Recusa sob o fundamento da inexistência de título executivo, ausência de certeza, liquidez e exigibilidade, insegurança na vinculação do aditivo ao contrato aditado, irregularidade na planilha de débito apresentada a protesto e ausência e prova do cumprimento de obrigações do vendedor – Contrato e aditamento que configuram título executivo extrajudicial, por serem firmados por duas testemunhas, nos termos do art. 784, III, CPC – Aditamento contratual que, apesar de não indicar numeração do contrato original, é emitido pelas mesmas partes com descrição e remissão suficiente ao contrato originário, alterado apenas em partes – Segurança quanto à formação do documento de dívida pela resultado do restante do contrato originário e o aditamento – Contrato que contém obrigações de pagamento distintas, algumas condicionadas à obrigação de fazer imposta ao comprador e outra, do pagamento de valor certo em dinheiro, pura e simples – Possibilidade de protesto e exigência do pagamento do valor certo, determinado e vencido em data certa, inexistente condição suspensiva da obrigação – Autonomia da obrigações e possibilidade de protestos diversos do mesmo documento – Inteligência das NSCGJ – Planilha de débito que constitui instrumento de declaração do valor de débito pelo apresentante, sem efeitos constitutivos – Inexistência de formalidade essencial ou indicação do nome do devedor, limitada a verificação objetiva do valor lançado em relação ao título – Inteligência dos arts. 5º e 19 da Lei nº 9.492/1997 – Fundamentos da recusa afastados – Recurso parcialmente provido para determinar o protesto do documento de dívida.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

1. Trata-se de recurso administrativo interposto por Habitat Empreendimentos Imobiliários Ltda., visando a reforma da sentença de fl. 94/97, que julgou improcedente pedido de providências contra o 1º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de Limeira, reconhecendo a ausência de certeza, liquidez e exigibilidade do contrato, não se configurando como título executivo, além de inconsistências na vinculação do aditivo contratual em relação ao contrato inicial, caracterizando vício formal do título.

O título foi devolvido ao interessado pelo 1º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de Limeira com o seguinte motivo, verbis:

“INSTRUMENTO PARTICULAR DE COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA COM PROMESSA DE DAÇÃO EM PAGAMENTO.

NÃO É LÍQUIDO, CERTO E EXIGÍVEL ART. 783 DO CPC E CLÁUSULAS XI.9 E XI.10 DO PRESENTE CONTRATO.

TÍTULO NÃO EXECUTIVO EXTRAJUDICIALMENTE ART. 784 DO CPC.

PROV. 58/89, CAP. XV, SEÇÃO III, ITEM 17 DAS NSCGJ – TOMO II

PRIMEIRO ADITAMENTO AO INSTRUMENTO PARTICULAR DE PROMESSA DE PERMUTA. NÃO É TÍTULO EXECUTIVO, LÍQUIDO, CERTO E EXIGÍVEL.

NÃO MENCIONA O NÚMERO DO INSTRUMENTO PARTICULAR DE COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA COM PROMESSA DE DAÇÃO EM PAGAMENTO.

PLANILHA DE CÁLCULO NÃO CONTÉM: NÚMERO DO CONTRATO, DATA DE EMISSÃO, NOME DO CREDOR E DO DEVEDOR, DATA DE EMISSÃO DA PLANILHA E NOME COMPLETO E QUALIFICAÇÃO DO CREDOR RESPONSÁVEL” (fl. 71).

2. O recurso sustenta, em resumo, que houve contratação inicial entre a recorrente e Rio Verde Engenharia e Construções Ltda, esta na condição de promitente compradora, tendo por objeto os imóveis objeto das matrículas nºs 8.982, 50.746, 1.556, 16.773, 4.376, 283, 274, 140, 78.825, 11.192, 11.193, 11.469, 18.657, 20.062, 20.063, 20.064, 26.616, 26.617, 26.618, 89.290, 93.119, 9.090, 25.741, 25.742, 25.743, 1.501, 1.502 e 1.503, todos do 1º Registro de Imóveis de Piracicaba, firmado em 11.06.2016. Em 22.11.2016 houve aditamento das cláusulas III.8 e V.1, alínea g do contrato, anulando a cláusula III.8 e alterando o preço e forma de pagamento na cláusula V.1, alínea g. Afirma que, ao contrário do que entendido pela sentença, o objeto do protesto é apenas a cláusula do aditamento V.1, alínea g, que não prevê qualquer obrigação ao vendedor, ora recorrente. Que o fato das demais obrigações contratuais não serem objeto do protesto, impede sua consideração para a análise dos requisitos para o ato. Sustenta que o contrato configura título executivo extrajudicial, afastando um dos fundamentos da recusa; que as cláusulas XI.9 e XI.10 não são objeto do pedido de protesto, estas objeto da rescisão por desistência. Nega a existência de vícios formais do título e o aditamento qualifica de forma suficiente as partes e seu objeto, com remissão à data do contrato inicial, servindo apenas para estabelecer termo certo para o vencimento da obrigação.

Pretende o provimento do recurso para que seja realizado o “protesto para fins falimentares dos títulos anotando-se a data do apontamento como sendo 22/06/2017 referente às parcelas 1º a 6º, assim como as demais que tiverem vencido no curso da demanda, e ainda, que a apelada abstenha-se de impedir o protesto de novas parcelas do referido contrato e aditamento pelos motivos ensejadores do presente pedido de providências” (fl. 102/115).

O recurso foi inicialmente distribuído ao Conselho Superior da Magistratura, com decisão monocrática de Vossa Excelência reconhecendo a incompetência do órgão julgador, determinando a redistribuição dos autos para a Corregedoria Geral da Justiça (fl. 138).

É o relatório.

Passo a opinar.

3. A recorrente pretende o protesto específico de 6 (seis) parcelas vencidas, no valor total de R$ 246.386,67, referente a cláusula de aditivo contratual que prevê o pagamento de parcelas em dinheiro, em datas certas. O contrato prevê obrigações múltiplas entre as partes, consistente em alienação de bens imóveis por parte do vendedor e realização de empreendimentos imobiliários pelo comprador, mediante pagamento de valor certo em dinheiro e da dação em pagamento de unidades ou parte dos empreendimentos futuros. Há no contrato, portanto, simultaneidade de obrigações de natureza distinta e, por isto, vencíveis e exigíveis em momentos distintos.

O contrato inicial, assim como o aditamento, prevê o interesse do vendedor, ora recorrente, de receber o pagamento do preço em espécie e área construída (cláusula II.2.b), considerando a disponibilização de diversos imóveis para a realização de vários empreendimentos imobiliários, cada qual especificando uma parte de pagamento em dinheiro e outra parte em bens. Na fixação do preço (cláusula V.1), previu-se um preço certo de R$ 26.508.287,76, mas com pagamento em parcelas autônomas agregadas à realização dos empreendimentos imobiliários previstos no contrato, por dação em pagamento (V.1.a, V.1.b, V.1.c, V.1.d, V.1.e, V.1.f) e por pagamento de quantia certa (cláusula V.1.g).

O aditivo contratual apresentado a protesto, juntamente com o contrato inicial, foi nominado de “instrumento particular de promessa de permuta”, embora o objeto seja claro: a venda de bens imóveis para realização de empreendimentos imobiliários, com pagamentos parte em dinheiro com valor e prazo certo, parte em dinheiro por conta da realização dos empreendimentos imobiliários, e parte em bens imóveis destes decorrentes.

A recusa deu-se, essencialmente, pela ausência de certeza, liquidez e exigibilidade do contrato, posto não haver segurança de que o aditivo corresponda ao contrato inicial, o risco de haver inadimplemento por parte do vendedor de obrigações próprias, permitindo a resolução do contrato por parte do comprador ou a arguição da exceptio non adimpleti contractus, a falta de correta identificação da planilha de cálculos e o fato do contrato não constituir título executivo extrajudicial.

As justificativas para a recusa ao protesto não se justificam.

De acordo com a Lei nº 9.492/1997, destina-se o protesto à prova do inadimplemento e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida. A redação do art. 1º da referida lei deixa claro que o objeto do ato de protesto é dar publicidade e certeza do inadimplemento de contratos e negócios estabelecidos entre as partes ou do descumprimento de obrigação específica assumida por alguma das partes, ainda que inexistente tal descumprimento em relação a eventuais outras obrigações decorrentes do mesmo contrato.

Dispõe o art. 1º, caput da Lei nº 9.492/1997:

Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.”

O limite de verificação do título ou documento [1] de dívida pelo Tabelião de Protestos é o da análise formal do documento, não sendo-lhe permitido adentrar à análise material do negócio jurídico, especialmente quanto a eventual resolução do contrato como um todo. Se o documento é formalmente suficiente para atestar a existência de uma obrigação, com valor certo e determinado, e vencida antes da apresentação do título a protesto, ainda que preservadas outras obrigações contidas no mesmo contrato, considera-se suficientemente comprovada o débito e seu inadimplemento para fins de protesto.

Inclui-se, em tal análise formal, a verificação se o documento de dívida, como tal, possui os requisitos da certeza, liquidez e exigibilidade (Item 22, Cap. XV, NSCGJ).

Por primeiro, há de se observar que o contrato e o aditivo apresentados a protesto são, formalmente, títulos executivos extrajudiciais, permitindo a lavratura do ato, nos termos do item 20, do Capítulo XV das NSCGJ. São os chamados “documentos de dívida qualificados como títulos executivos”.

O art. 784, III do Código de Processo Civil prevê formalmente como título executivo judicial, o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas.

O contrato é firmado pelas partes e duas testemunhas (fl. 56), assim como o aditamento contratual (fl. 67/69). Não há, assim, que se falar em ausência de eficácia executiva formal do documento apresentado a protesto.

Também há de se afastar os argumentos no sentido da insegurança documental quanto à vinculação do aditivo com o contrato original, ante a inexistência de indicação no aditivo do número do contrato original aditado.

A identidade do negócio jurídico que modifica parcialmente negócio anterior, como no caso de aditamentos contratuais, não nasce tão só do lançamento, no aditamento, de número singelo que corresponda ou se identifique com o contrato aditado. O que importa para se identificar a filiação do aditamento a um contrato originário é o resultado da análise concreta do termo aditivo, identificando-se com clareza e segurança a legitimidade compatível e o objeto da nova manifestação da vontade, qual seja, a modificação do negócio originário. Não é a denominação dada ao novo negócio jurídico que modifica parcialmente o original que irá caracterizar a unidade do negócio jurídico resultante, mas sim o objeto descrito no aditivo firmado pelas mesmas partes, permitindo-se sua identificação com o negócio anteriormente estabelecido.

No caso concreto, embora tenham as partes nominado o aditivo como instrumento alterador de contrato de permuta, seu objeto é perfeitamente identificado como sendo a alteração de parte do compromisso de compra e venda e outras obrigações antes firmado pelos mesmos, com a manutenção da avença inicial em relação a aquilo que não se tocou no aditamento.

A qualificação das partes, no aditivo, corresponde à qualificação do contrato originário, demonstrando identidade das partes (fl. 67). O aditivo descreve, de forma suficiente a formar a vinculação com o negócio anterior, o objeto do aditamento, fazendo remissão ao “INSTRUMENTO PARTICULAR DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA E OUTRAS AVENÇAS (‘CONTRATO’), objetivando a transferência da área total de 61.735,00 m², objeto das matrículas nº 8.982, 50.746, 1.556, 16.773, 4.376, 283, 274, 140, 78.825, 11.192, 11.193, 11.469, 18.657, 20.062, 20.063, 20.064, 26.616, 26.617, 26.618, 89.290, 93.119, 9.090, 25.741, 25.742, 25.743, 1.501, 1.502 e 1.503, todas do 1º Cartório de Registro de Imóveis e anexos de Piracicaba (‘IMÓVEL’), pelo preço e condições constantes no referido instrumento” (fl. 67).

Descreve, ainda, a manutenção de todas as outras cláusulas contratuais não extirpadas ou modificadas pelo instrumento aditivo, dando segurança quanto a seu objeto inicial e à limitação de sua eficácia modificativa.

Não há, assim, dúvidas quanto ao objeto do aditamento e do negócio jurídico modificado pela vontade das partes, com exata descrição dos imóveis negociados e do preço certo fixado como parte do pagamento, não havendo obrigatoriedade da indicação de algum número ou registro para eficácia do ato sucessivo.

No que diz respeito à certeza, exigibilidade e liquidez da prestação vencida e apresentada a protesto, também há elementos documentais suficientes para se concluir pela existência de dívida certa, vencida e de exigência imediata por parte do credor.

Na fixação inicial do preço (cláusula V.1), previu-se um preço certo de R$ 26.508.287,76 pela venda dos imóveis, mas com pagamento em parcelas autônomas agregadas à realização dos empreendimentos imobiliários previstos no contrato, por dação em pagamento (V.1.a, V.1.b, V.1.c, V.1.d, V.1.e, V.1.f) e por pagamento de quantia certa (cláusula V.1.g).

Ou seja, há duas espécies de pagamentos previstos no contrato: seis pagamentos condicionais, vinculados à realização dos empreendimentos, através da dação em pagamento de novos imóveis; e um pagamento em dinheiro, certo e determinado, independentemente da implantação dos empreendimentos, prevista na cláusula V.1.g.

Referida cláusula inicialmente vinculava o termo inicial da obrigação de pagamento de prestações certas à lavratura de escritura pública para a transferência dos imóveis (fl.40).

No aditamento, extirpou-se do contrato a vinculação do cumprimento da cláusula V.1.g à lavratura da escritura dos imóveis, substituindo-se o dies a quo dos pagamentos por datas certas. Consta do aditivo contratual a nova redação de referida cláusula:

“g) R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais) por meio de 48 (quarenta e oito) parcelas fixas, mensais e consecutivas, sendo: a) da 1ª a 6ª parcela no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) cada; e b) da 7ª a 48ª no valor de R$ 89.523,81 (oitenta e nove mil, quinhentos e vinte e três reais e oitenta e um centavos), vencendo a primeira em 15 de janeiro de 2017 e as demais no mesmo dia dos meses subsequentes, corrigidas mensalmente a partir do vencimento da primeira parcela (i0) pelo IGPM/FGV, ou outro índice que o vier a substituir” (fl. 68). (grifei)

A alteração produziu, por efeito, a liquidez e exigibilidade do débito – já que a certeza decorre do próprio conteúdo do contrato – já que o valor de cada prestação é certo, inclusive quanto à correção monetária, com fixação de termo certo para pagamento, ocorrendo o efeito da mora ex re (art. 397, caput, CC).

Daí não se falar, no pedido de protesto das seis parcelas vencidas em datas certas, com valores determinados, em ausência de certeza, liquidez e exigibilidade da dívida.

O argumento da ausência de prova de cumprimento das demais prestações previstas no contrato, apresentado pelo Tabelião para evitar o protesto, também não merece acolhimento.

Por primeiro, como dito, verifica-se que a obrigação de pagamento do valor de R$ 4.000.000,00, previsto na cláusula V.1.g mostra-se independente das demais obrigações previstas entre as partes no contrato, especialmente após a substituição da condição suspensiva do pagamento (lavratura da escritura de transferência dos imóveis) pelo prazo certo para cada pagamento. Se o pagamento da dívida de valor decorrente do contrato não se sujeita a nenhuma condição suspensiva, e não havendo nenhuma prova preconstituída da extinção das obrigações contratuais por outra causa, não há como se afastar o reconhecimento da certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação.

A obrigação de outorga das escrituras, imposta ao requerente na condição de vendedor, sujeita-se a uma condição específica, conforme se denota da cláusula VI.1, qual seja, a aprovação de cada projeto de empreendimento perante a Prefeitura Municipal. Tratando-se de obrigação condicionada de cumprimento de obrigação específica de fazer, não se tem, por efeito, a vinculação do cumprimento de obrigação de pagar estabelecida independentemente da lavratura de tais escritos, com datas certas de cumprimento.

A previsão contratual de desistência do contrato por parte do comprador em até certo prazo (cláusula III.4), a cláusula geral de resolução por inadimplemento (cláusula XI.8), não tem aqui o condão de evitar a mora da obrigação de pagamento de valor certo e em data certa, assumida pelo comprador, seja pela autonomia da obrigação de pagamento em dinheiro prevista no contrato, seja pela impossibilidade de discussão, para o protesto, de aspectos materiais do cumprimento das obrigações contratuais.

E, neste aspecto, observe-se que nada impede o desdobro das obrigações contidas num contrato, aqui considerado como documento de dívida, para fins de realização de protestos diversos, respeitado o vencimento de cada obrigação ou parcela. Tal conclusão decorre da permissão para a realização de um segundo protesto do mesmo título ou documento de dívida, para os casos em que haja necessidade de comprovação de novo inadimplemento ou vencimento relativo a prestação que não estava ainda vencida quando do primeiro protesto. Assim preveem os itens 231, 66.1 e 78 do Cap. XV das NSCGJ:

Item 23. Os documentos de dívida podem ser apresentados no original ou em cópia autenticada ou cópia digitalizada, mediante arquivo assinado digitalmente, no âmbito do ICPBrasil, sendo de responsabilidade do apresentante o encaminhamento indevido ao Tabelionato.

23.1. Caso apresentado o original e subsistam parcelas vincendas, aplicar-se-á o disposto no item 66.”

Item 66. A quitação da parcela paga será dada em apartado e o título ou documento de dívida será devolvido ao apresentante, se, realizado o pagamento em quaisquer das modalidades autorizadas, subsistirem parcelas vincendas.

66.1. Proceder-se-á da mesma forma, dando-se a quitação em apartado, se o documento de dívida contemplar outros direitos passíveis de exercício pelo apresentante.”

Item 78. Não se lavrará segundo protesto do mesmo título ou documento de dívida, salvo:

a) se o primeiro protesto for cancelado, a requerimento do credor, em razão de erro no preenchimento de dados fornecidos para o protesto lavrado;

b) se, lavrado protesto comum, o apresentante desejar o especial para fins de falência, observada a alínea b do item 76 deste Capítulo; ou

c) se necessário para comprovar a inadimplência e o descumprimento de prestações que não estavam vencidas quando do primeiro protesto (item 23.1 e 66 deste Capítulo).

d) na hipótese de desconsideração da personalidade jurídica.”

Daí ser possível, como pretende o apresentante, o protesto tão somente da obrigação contratual vencida prevista na cláusula V.1.g, sem que isto influencie o cumprimento ou a eficácia das demais obrigações assumidas, especialmente as obrigações de fazer impostas do comprador, somente se ressalvando a impossibilidade de inclusão, como pretendido, de parcelas vencidas no decorrer do procedimento instaurado.

É que a rogação, aplicável ao protesto de títulos, limita o ato tabular ao momento de sua apresentação ao Tabelião de Protestos, lavrando-se o ato confirmatório do inadimplemento ou descumprimento da obrigação verificada naquele momento. Prestações vencidas após a apresentação do título, ainda que decorrentes da mesma cláusula contratual, somente poderão ser protestadas mediante novo pedido da parte interessada, indicando as prestações ainda não protestadas e vencidas após a apresentação do primeiro pedido de protesto.

Por fim, o argumento do Tabelião no sentido da impossibilidade de protesto do contrato por conta da falta de identificação, na planilha de débitos, do contrato e do devedor, também não merece, neste caso concreto, acolhimento.

O valor a ser pago por conta do protesto e, consequentemente, de eventual planilha de débito juntado ao documento apresentado a protesto, é ato declaratório do apresentante, conforme se depreende dos arts. 5º, parágrafo único e 19, caput da Lei nº 9.492/1997:

Art. 5º. (…)

Parágrafo único. Ao apresentante será entregue recibo com as características essenciais do título ou documento de dívida, sendo de sua responsabilidade os dados fornecidos.” [2]

Art. 19. O pagamento do título ou do documento de dívida apresentado para protesto será feito diretamente no Tabelionato competente, no valor igual ao declarado pelo apresentante, acrescido dos emolumentos e demais despesas.”

Tendo em conta que o objeto do protesto é a obrigação contida no documento de dívida, não se tem qualquer efeito constitutivo decorrente da planilha de cálculo apresentada pelo credor, visando documentar de forma simples o valor do débito vencido e objeto do pedido de protesto. Se o Tabelião de Protestos deve ter por base a declaração do valor do débito feita pelo apresentante, que vincula o pagamento para se evitar ou cancelar o protesto, respondendo aquele pela declaração feita, não se pode questionar o documento pelo qual o apresentante faz tal declaração de valor. O documento, aqui, é mero instrumento da declaração de vontade feita com o pedido de protesto, formalizado perante o Tabelião, cabendo-lhe apenas verificar, formalmente, se o documento eventual apresentado corresponde objetivamente ao débito apontado a protesto.

Ou seja, se a declaração de valor de débito é feita pelo apresentante em documento apartado, não se tem necessidade deste documento, produzido unilateralmente pelo credor, identificar ou nominar o devedor. Basta, assim, a declaração, tornando-se irrelevante a impressão, na planilha de débito, do nome do devedor e a origem do débito em determinado título ou documento de dívida.

E, no caso, a planilha de débito, com visto e timbre do apresentante (Habitat Imóveis), limitada à descrição do valor histórico no vencimento, data base dos juros de mora e total do débito apontado a protesto (fl. 70), configura eficaz declaração de valor pelo apresentante, suficiente para o atendimento do art. 19 da Lei nº 9.492/1997 e do Item 11.1, Cap. XV das NSCGJ.

Nestes termos, não há fundamento para a manutenção da recusa, estando o título apresentado apto ao protesto, limitado às seis parcelas afirmadas como não pagas no momento da apresentação, sem prejuízo de novo protesto de prestações sucessivas que se vencerem, sujeitas a rogação própria.

3. Por estes fundamentos, o parecer que submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência, é pelo acolhimento parcial do recurso administrativo, para afastar os motivos da recusa do 1º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de Limeira, acolhendo o requerimento de protesto, limitado às prestações vencidas na data da apresentação, constantes do requerimento de protesto datado de 21.06.2017 (fl. 19).

Sub censura.

São Paulo, 6 de março de 2020

Paulo Rogério Bonini

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, dou parcial provimento ao recurso interposto para afastar os motivos da recusa do 1º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de Limeira, acolhendo o requerimento de protesto datado de 21.06.2017, limitado às prestações vencidas na data da apresentação. São Paulo, 20 de março de 2020. (a) RICARDO ANAFE, Corregedor Geral da Justiça – Advogado: RAFAEL CORLATTI D`ORNELLAS, OAB/SP 232.002.

Diário da Justiça Eletrônico de 07.05.2020

Decisão reproduzida na página 042 do Classificador II – 2020

Notas:

[1] Item 16, Cap. XV, NSCGJ: Na qualificação dos títulos e outros documentos de dívida apresentados a protesto, cumpre ao Tabelião de Protestos de Títulos examiná-los em seus caracteres formais.

[2] Item 11.1, Cap. XV, NSCGJ: Ao apresentante será entregue recibo com as características essenciais do título ou documento de dívida, sendo de sua responsabilidade os dados fornecidos, inclusive quanto aos dados do devedor.

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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Recurso Especial – Direito Civil – Consumidor – Incorporação imobiliária – Compra e venda – Imóvel – Entrega – Atraso – Alteração – Cronograma – Resolução judicial – Contrato – Opção – Adquirente – Status quo ante – Retorno – Restituição – Valorização – Perdas e danos – Não integração – Violação – Lei federal – Afastamento – Dissídio jurisprudencial – Similitude fática – Ausência – 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ) – 2. Não se conhece do recurso especial interposto pela alínea “c” do permissivo constitucional quando ausente a similitude fática entre os casos confrontados – 3. De acordo com o artigo 43, inciso II, da Lei nº 4.591/1964, o incorporador deve responder civilmente pela execução da incorporação, devendo indenizar os adquirentes dos prejuízos que a estes advierem do fato de não se concluir a edificação ou de se retardar injustificadamente a conclusão das obras – 4. Eventual valorização do imóvel não se enquadra no conceito de perdas e danos. Não representa uma diminuição do patrimônio do adquirente, nem significa a perda de um ganho que se devesse legitimamente esperar – 5. O suposto incremento do valor venal do imóvel não decorre, de forma direta e imediata, da inexecução do contrato, mas de fatores extrínsecos, de ordem eminentemente econômica – 6. A frustração da expectativa de lucro ventilada na hipótese não decorre de ato compulsório imposto pelo vendedor, mas da opção pela resolução antecipada do contrato livremente exercida pelo adquirente – 7. Recurso especial conhecido e não provido.


RECURSO ESPECIAL Nº 1.750.585 – RJ (2018/0110392-2)

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

RECORRENTE : VITOR LIMA PAIS

ADVOGADOS : JOÃO THOMAZ PRAZERES GONDIM – RJ062192

FREDERICO TRINDADE GARCIA DA SILVA – RJ097993

GABRIEL TOSTES VIEIRA BARBOSA – RJ207554

RECORRIDO : GAFISA S/A

ADVOGADOS : CARLOS ALEXANDRE GUIMARÃES PESSOA – RJ080572

RODRIGO MOURA FARIA VERDINI – RJ107477

GUSTAVO MOURA AZEVEDO NUNES – RJ107088

KELLY CRISTINA FONSECA DA COSTA GASPAR – RJ122445

VITOR NASCIMENTO FERREIRA – RJ208790

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CONSUMIDOR. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. COMPRA E VENDA. IMÓVEL. ENTREGA. ATRASO. ALTERAÇÃO. CRONOGRAMA. RESOLUÇÃO JUDICIAL. CONTRATO. OPÇÃO. ADQUIRENTE. STATUS QUO ANTE. RETORNO. RESTITUIÇÃO. VALORIZAÇÃO. PERDAS E DANOS. NÃO INTEGRAÇÃO. VIOLAÇÃO. LEI FEDERAL. AFASTAMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. Não se conhece do recurso especial interposto pela alínea “c” do permissivo constitucional quando ausente a similitude fática entre os casos confrontados.

3. De acordo com o artigo 43, inciso II, da Lei nº 4.591/1964, o incorporador deve responder civilmente pela execução da incorporação, devendo indenizar os adquirentes dos prejuízos que a estes advierem do fato de não se concluir a edificação ou de se retardar injustificadamente a conclusão das obras.

4. Eventual valorização do imóvel não se enquadra no conceito de perdas e danos. Não representa uma diminuição do patrimônio do adquirente, nem significa a perda de um ganho que se devesse legitimamente esperar.

5. O suposto incremento do valor venal do imóvel não decorre, de forma direta e imediata, da inexecução do contrato, mas de fatores extrínsecos, de ordem eminentemente econômica.

6. A frustração da expectativa de lucro ventilada na hipótese não decorre de ato compulsório imposto pelo vendedor, mas da opção pela resolução antecipada do contrato livremente exercida pelo adquirente.

7. Recurso especial conhecido e não provido.

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 1º de junho de 2021(Data do Julgamento)

Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto por VÍTOR LIMA PAIS, fundamentado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro assim ementado:

“INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE APARTAMENTO EM CONSTRUÇÃO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. LUCROS CESSANTES A TÍTULO DE ALUGUEL EM VIRTUDE DO ATRASO NA ENTREGA DA UNIDADE IMOBILIÁRIA. COMISSÃO DE CORRETAGEM PAGA PELO COMPRADOR. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE MEDIAÇÃO. VALOR NÃO DEDUZIDO DO PREÇO DO IMÓVEL, EXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. DEVOLUÇÃO. RECURSO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO.

A alegação de que o atraso das obras se deu em razão de dificuldades enfrentadas para a obtenção de licenças ambientais de responsabilidade da FEEMA não pode ser acolhida como excludente de responsabilidade do fornecedor. Isto porque estamos diante de um fortuito interno que, segundo a teoria da assunção dos riscos do empreendimento, trata-se de cenário inerente à atividade desempenhada pela ré, ora segunda apelante, a qual não pode lhe retirar a responsabilidade pelos danos causados.

Assim, não havendo justificativa para prorrogação do prazo de entrega para prazo superior aos 180 dias de tolerância, assume a contratada os riscos e os danos causados aos adquirentes, revelando-se correta a sentença ao determinar a devolução integral das quantias despendidas pela parte autora na aquisição das unidades imobiliárias.

O demandante tem direito ao pagamento de valor correspondente ao preço de mercado do aluguel das unidades compromissadas, incidente por todo o período do atraso até a data em que forem resolvidos os contratos de promessa de compra e venda firmado entre as partes, acrescido de correção monetária e juros legais.

Parcial provimento do recurso do autor. Recurso da ré não provido” (fls. 605/606, e-STJ).

Os embargos de declaração opostos pelo autor, ora recorrente, foram parcialmente acolhidos nos termos da seguinte ementa:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE APARTAMENTO EM CONSTRUÇÃO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. EXISTÊNCIA DE GRAVAME APONTADO NO ARTIGO 1.022 DO CPC/2015. RECURSO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO.

No sistema do Código de Processo Civil, são os embargos de declaração, especificamente, destinados a veicular um pedido de reparação de gravame, resultante de obscuridade, contradição, omissão ou por erro material manifesto.

Erro material corrigido para fixar os honorários sucumbenciais em 10% sobre o valor da condenação. A ré, ora embargante, afirma, agora, expressamente que, quanto à comissão de corretagem, que esta foi paga a empresa que prestou assistência técnico-jurídica e imobiliária, não podendo ser responsabilizada pela restituição.

Não se verifica omissão alguma, sendo certo que a pretensão da parte ré carece de interesse processual, na medida em que não houve condenação à restituição de valores pagos pela parte autora diretamente a terceiros, como aduz ser a hipótese da comissão de corretagem. ‘Valorização perdida’, mantida a improcedência.

O valor a ser ressarcido à parte autora é o de mercado do aluguel apontado no laudo pericial do arquivo 316, fl. 306, R$1.200,00 para cada unidade, acrescido de juros e correção monetária a partir de cada vencimento, dia 05 de cada mês, iniciando-se em setembro de 2008 e com termo final a rescisão contratual.

Prequestionamento que não se conhece, uma vez que não houve qualquer tipo de violação à norma constitucional ou infraconstitucional.

Embargos de declarações conhecidos, recurso da parte ré a que se nega provimento e da parte autora a que se dá parcial provimento para que passe a constar do acórdão: ‘a) (…) condeno a parte ré ao pagamento de valor correspondente ao preço de mercado do aluguel das unidades compromissadas, R$1.200,00, para cada unidade, incidente por todo o período do atraso, com o termo inicial a partir de setembro de 2008, até a data em que forem resolvidos os contratos de promessa de compra e venda firmado entre as partes, acrescido de correção monetária e juros legais a partir do mês em atraso, cujo vencimento é o dia 05 de cada mês (…); b) ‘(…) condeno a ré ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% do valor da condenação.’ que passará a integrar o acórdão embargado, sem, contudo, modificar o julgado” (fl. 698, e-STJ).

Em suas razões, além de divergência jurisprudencial, o recorrente aponta a violação dos arts. 402, 403 e 475 do Código Civil, sustentando, em síntese, que

“(…) é devida indenização ao promitente comprador de imóvel na planta quando, não tendo este dado causa à resolução do negócio, verificou-se valorização do bem entre a data da celebração da promessa de compra e venda e a data em que deveria o bem lhe ser entregue” (fl. 716, e-STJ).

Alega que “uma das vantagens às quais se apegam os consumidores para adquirir um imóvel ‘na planta’ é a possibilidade de obter, na entrega, a respectiva valorização” (fl. 717, e-STJ), motivo pelo qual entende que a integral indenização devida na hipótese deve contemplar também os valores correspondentes à valorização do imóvel no período compreendido entre a data da assinatura do contrato e a data prometida para a entrega do imóvel.

Defende que, no caso concreto, houve uma valorização do imóvel no percentual de 66% (sessenta e seis por cento), que foi devidamente comprovada nos autos por meio de laudo pericial produzido com essa finalidade.

Por fim, indica a existência de dissídio jurisprudencial entre o acórdão recorrido e o precedente firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp nº 403.037/SP, de relatoria do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, DJ de 5/8/2002.

Após a apresentação das contrarrazões (fls. 746/759, e-STJ), o recurso foi admitido por força do provimento do AREsp nº 1.292.260/RJ para melhor exame da controvérsia (fls. 875/876 e-STJ).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator):

O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

A irresignação não merece prosperar.

Em uma breve retrospectiva, observa-se que o autor, ora recorrente, adquiriu 2 (duas) unidades do empreendimento imobiliário denominado “Vivance Residence”, a ser construído pela GAFISA S.A., ora recorrida, no município do Rio de Janeiro-RJ.

A entrega das chaves foi prometida para setembro de 2008. No entanto, em abril daquele ano, a recorrida apresentou um novo cronograma, fixando o mês de novembro de 2009 como o novo termo final da obra.

Assim, apontando o inadimplemento do contrato e alegando a quebra de confiança em relação à recorrida, o autor ajuizou ação sob o rito ordinário requerendo a resolução judicial do contrato de compra e venda das 2 (duas) unidades imobiliárias por ele adquiridas na planta.

A sentença de mérito julgou parcialmente procedentes os pedidos para rescindir o contrato firmado entre as partes e determinar a restituição, pela recorrida, dos valores até então pagos pelo adquirente (até abril de 2011).

O acórdão recorrido, por sua vez, deu parcial provimento ao recurso de apelação interposto pelo autor-recorrente para condenar a recorrida ao pagamento também dos lucros cessantes – correspondentes ao preço de mercado do aluguel das unidades compromissadas durante todo o período de atraso até a data da rescisão contratual, devidamente acrescidos de juros de mora e correção monetária -, e à devolução da comissão de corretagem e de outros valores comprovadamente pagos pelo adquirente.

Com a interposição do presente recurso especial, o recorrente pretende fazer integrar, no cálculo da indenização por dano material decorrente do inadimplemento do contrato de compra e venda de imóvel por parte da incorporadora, a valorização do imóvel no período compreendido entre a data da assinatura do contrato e a data prometida para a efetiva entrega do imóvel.

Como fundamento de sua pretensão, alega o recorrente que “os pedidos indenizatórios não implicam o retorno das partes a estado algum, apenas decorrem da presença de danos (diminuição patrimonial injusta) cuja causa seja o desfazimento do negócio jurídico, por resolução” (fl. 713 e-STJ).

Afirma que a causa da resolução do contrato é incontroversa e defende que, nos termos do precedente firmado pelo Superior Tribunal de Justiça na oportunidade do julgamento do REsp nº 403.037-SP, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Quarta Turma, em 28/5/2002, “(…) a indenização deverá contemplar o interesse positivo, de modo a que a indenização reponha o credor na situação em que este estaria se o contrato houvesse sido cumprido”.

Desde logo, deve ser afastada a similitude fática entre o precedente alçado a paradigma e a hipótese vertente, pois, naquele caso, o desfazimento do negócio se deu pela vontade do vendedor, que decidiu descumprir o ajuste formalizado com o adquirente original para vendê-lo, com o ágio da valorização, para um segundo comprador, subtraindo daquele a possibilidade de incorporar ao seu patrimônio o bem objeto do contrato.

Na presente hipótese, no entanto, a resolução do contrato decorreu da manifestação da vontade do promissário comprador, ora recorrente, que decidiu não aguardar o término da obra, optando pela resolução judicial do contrato, o que afasta cabalmente o dissídio jurisprudencial ventilado.

Paralelamente, também não se vislumbra a violação dos dispositivos legais invocados nas razões do apelo nobre.

Embora não pairem dúvidas de que, nos termos do artigo 43, inciso II, da Lei nº 4.591/1964 (Lei de Incorporação), o incorporador deve “responder civilmente pela execução da incorporação, devendo indenizar os adquirentes ou compromissários, dos prejuízos que a estes advierem do fato de não se concluir a edificação ou de se retardar injustificadamente a conclusão das obras”, a tese desenvolvida pelo recorrente não encontra amparo legal.

De acordo com o art. 475 do Código Civil, “a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”.

O art. 402, por sua vez, dispõe que, “salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”.

E, finalmente, o art. 403 do mesmo diploma legal reza que “ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”. (grifou-se)

Delimitando o conceito, o Prof. Carlos Roberto Gonçalves leciona que

“(…) as perdas e danos podem ser de dano emergente e lucros cessantes. Dano emergente é o dano efetivo sofrido pela vítima, é a diminuição de seu patrimônio. Já os lucros cessantes compreende a frustração da expectativa de lucro. É a perda de um ganho esperado”. (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais. 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2014, pág. 362)

Em complemento, o Prof. Sérgio Cavalieri Filho esclarece que “o lucro cessante (…) pode decorrer não só da paralisação da atividade lucrativa ou produtiva da vítima, como, por exemplo, a cessação de rendimentos que alguém já vinha obtendo da sua profissão, como, também, da frustração daquilo que era razoavelmente esperado”. (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012, pág. 72)

A partir das lições colacionadas, é lícito inferir que a pleiteada valorização do imóvel, além de não ter relação direta com o inadimplemento do contrato pela incorporadora, também não se enquadra no conceito de perdas e danos. Não representa uma diminuição do patrimônio do adquirente, nem significa a perda de um ganho que se devesse, legitimamente, esperar.

Em primeiro lugar, o incremento do valor do imóvel pleiteado pelo recorrente não decorre, de forma direta e imediata, como exigido na lei, da inexecução do contrato, mas de fatores extrínsecos, de ordem eminentemente econômica.

Acerca do tema, esta Corte Superior já teve a oportunidade de se pronunciar, sufragando o entendimento de que a valorização de imóvel “(…) trata-se de um fenômeno meramente econômico, não podendo ser identificada como fruto, produto do bem, (…). Ela decorre da própria existência do imóvel no decorrer do tempo, conjugada a outros fatores, como sua localização, estado de conservação, etc” (REsp nº 1.349.788/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 26/8/2014, DJe 29/8/2014).

Sob essa ótica, é seguro afirmar que não há relação de causalidade entre o prejuízo alegado e o comportamento da incorporadora. Evidentemente, ainda que não houvesse o atraso na entrega do bem, poderia ser percebida uma mudança no preço do bem no decorrer do tempo.

Assim, o inadimplemento contratual verificado na hipótese caracteriza, sob o prisma da causa eficiente, um evento de natureza secundária e meramente condicionante, incapaz de produzir o liame necessário à indução do dever de indenizar.

Da mesma forma, deve se ter presente que a eventual frustração da expectativa de lucro ventilada na hipótese não decorre de um ato compulsório imposto pelo vendedor, mas da opção pela resolução antecipada do contrato livremente exercida pelo próprio adquirente.

Como se sabe, a já mencionada Lei nº 4.591/1964 franqueia ao promitente comprador, em caso de adiamento da entrega, a possibilidade de esperar pela conclusão da obra, de modo a incorporar ao seu patrimônio uma eventual valorização da unidade imobiliária adquirida na planta, punindo, paralelamente, o atraso do incorporador. Nesse caso, “(…) será devida ao adquirente adimplente, por ocasião da entrega da unidade, indenização de 1% (um por cento) do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, pro rata die, corrigido monetariamente conforme índice estipulado em contrato” (art. 43-A, § 2º, da Lei nº 4.594/1964, com a redação conferida pela Lei nº 13.786/2018).

Optando, por outro lado, pela desistência do negócio antes mesmo da entrega do imóvel,

“(…) desde que o adquirente não tenha dado causa ao atraso, poderá ser promovida por este a resolução do contrato, sem prejuízo da devolução da integralidade de todos os valores pagos e da multa estabelecida, em até 60 (sessenta) dias corridos contados da resolução, corrigidos nos termos do § 8º do art. 67-A desta Lei” (art. 43-A, § 1º, da Lei nº 4.594/1964, com a redação conferida pela Lei nº 13.786/2018).

Pelos mesmos motivos, deve ser rechaçado o argumento deduzido em torno da Teoria da Perda da Chance. Nesse passo, alega o recorrente que

“(…) se as promessas de compra e venda não tivessem sido tomadas no curso de sua execução pelo inadimplemento da recorrida, o recorrente teria agregado ao seu patrimônio ambos os apartamentos com o valor de mercado verificado ao tempo da efetiva entrega, isto é, valorizados” (fls. 720/721, e-STJ).

No entanto, como já ressaltado, havendo o atraso na obra, poderia o comprador optar por aguardar a sua conclusão, tendo direito, inclusive, ao recebimento de aluguéis durante todo o período, e, ao final, incorporar ao seu patrimônio o eventual incremento do valor venal do imóvel. Escolhendo, no entanto, o desfazimento do negócio, presume-se que o promitente comprador preferiu receber, no presente, a integralidade dos valores pagos, devidamente atualizados, a aguardar uma eventual e incerta valorização futura do imóvel, pronto e acabado, adquirido ainda na planta, cenário que não enseja o dever de indenizar por parte da incorporadora.

Ante o exposto, conheço do recurso especial para negar-lhe provimento.

É o voto. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.750.585 – Rio de Janeiro – 3ª Turma – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJ 08.06.2021

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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