1VRP/SP: Registro de Imóveis. Legitimidade para suscitação de dúvida registra. Apresentante. Interessado.


Processo 1067335-78.2021.8.26.0100

Dúvida – Notas – Eduardo Momente – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada pelo Oficial do 6º Registro de Imóveis da Capital, mantendo os óbices registrários. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: EDUARDO MOMENTE (OAB 205133/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1067335-78.2021.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Notas

Requerente: 6º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital – Sp

Requerido: Eduardo Momente

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 6º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Eduardo Momente tendo em vista negativa em se proceder registro de escritura de cessão de direitos hereditários relativos à parte ideal do imóvel objeto da matrícula nº42.436 daquela serventia.

Informa o Oficial que, por escritura lavrada em 05 de junho de 1974, Renato Ambrósio e sua mulher, Zinha Dimitrov Ambrósio, transferiram para José Garcia, casado com Ofélia Ambrósio Garcia, os direitos deixados pelo falecimento de Antônio Ambrósio, cujo inventário já foi registrado, de modo que os cedentes figuram como proprietários tabulares, pelo que a escritura de cessão de direitos hereditários foi qualificada como escritura de compra e venda da fração ideal do bem.

Os óbices registrários dizem respeito à apresentação de documentos pessoais para qualificação dos cedentes e cessionário e da guia de recolhimento do ITBI.

O Oficial alega, preliminarmente, falta de comprovação de interesse e legitimidade do requerente para suscitação da dúvida, pois não tem relação direta com o negócio instrumentalizado pelo título apresentado, não justificou interesse próprio no registro e, embora se apresente como advogado, não exibiu procuração para atuação no interesse de terceiro. Quanto às exigências, reputou satisfeita a comprovação da especialidade subjetiva dos cedentes com a documentação trazida quando do reingresso do título, o que não ocorre, todavia, com a qualificação do adquirente, que está incompleta, nem houve comprovação de recolhimento do ITBI. Juntou documentos de fls.09/38.

A parte suscitada não ofereceu impugnação (fls.38/39).

O Ministério Público se manifestou às fls.42/43, concordando com a alegação de ausência de interesse e legitimidade do requerente e, no mérito, opinando pela procedência, com a manutenção dos óbices registrários.

É o relatório.

Fundamento e decido.

Primeiramente, quanto à alegada falta de interesse e legitimidade do requerente para suscitação da dúvida registral, vale destacar que, embora não se exija, no processo administrativo, o mesmo rigor quanto às condições da ação judicial cível nem se reserve a iniciativa tão somente aos titulares de direito real sobre o imóvel afetado, certo é que tampouco se pode admitir acesso indiscriminado a toda e qualquer pessoa.

Note-se, justamente, que, ao tratar como “interessado” aquele que pode impugnar a dúvida (artigo 199), a Lei de Registros Públicos exige a existência de um interesse jurídico na providência:

“Condição de “apresentante” não é título suficiente para impugnar dúvida. Tendo cuidado de apresentante no artigo anterior, a lei refere interessado neste, com propriedade. Para impugnar a dúvida é insuficiente a circunstância fática de ter sido alguém portador do título ao cartório. É necessário, não obstante a feição administrativa da decisão da dúvida, haver de quem a impugne um interesse, que consiste, substancialmente, no bem da vida derivado de sua improcedência. Diretamente interessado é aquele em cujo nome será feito o registro; indiretamente, é quem seja atingível em seu direito se ocorrer o registro. Um e outro podem impugnar a dúvida, individualmente ou em conjunto. O limite da lei lhes indefere, porém, o questionamento, entre si, no processo de dúvida, sobre eventual conflito de direito, cuja solução há de ser encaminhada à via contenciosa” (Walter Ceneviva, Lei dos Registros Públicos Comentada, São Paulo: editora Saraiva, 15ª edição, 2002, página 408).

Assim, careceria o requerente de interesse para impugnar a dúvida na medida em que não esclarecido seu envolvimento com o pedido.

Impugnação, entretanto, não foi apresentada (fl. 39).

Ainda que tivesse sido, verifica-se que os óbices registrários devem ser mantidos.

Quanto à especialidade subjetiva, apesar do suprimento da exigência relativa aos cedentes, em relação aos cessionários, falta indicação dos dados exigidos conforme artigo 176, §1º, III, nº2, alínea “a”, da LRP, que se aplica aos requerimentos atuais de registro independentemente da data de origem do título em observância ao princípio tempus regit actum.

Já no tocante ao recolhimento do ITBI, a exigência também é devida na medida em que vigora para os registradores ordem de controle rigoroso do recolhimento de tributos devidos por força dos atos que forem apresentados em razão do seu ofício, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/73).

Ressalte-se que o título apresentado não constitui simples direito real de garantia, sendo que a transmissão da propriedade imobiliária, fato gerador do ITBI, somente se dá com o registro do título translativo no CRI (artigo 1.245, do Código Civil), pelo que se deve instruir o requerimento com prova do respectivo recolhimento, salvo hipótese de isenção devidamente demonstrada, o que não se vê no caso.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada pelo Oficial do 6º Registro de Imóveis da Capital, mantendo os óbices registrários.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 17 de agosto de 2021.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 19.08.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.




CSM/SP: Registro de Imóveis – Escritura pública de compra e venda – Ausência de outorga uxória – Título qualificado negativamente – Vendedor casado sob o regime da comunhão universal de bens – Imóvel recebido em doação, com cláusula de incomunicabilidade – Dúvida procedente – Óbice mantido – Nega-se provimento ao recurso.


Apelação Cível nº 1001442-18.2020.8.26.0443

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1001442-18.2020.8.26.0443

Comarca: PIEDADE

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1001442-18.2020.8.26.0443

Registro: 2021.0000430459

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001442-18.2020.8.26.0443, da Comarca de Piedade, em que é apelante NEUSA MARIA RODRIGUES DA COSTA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PIEDADE.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 27 de maio de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1001442-18.2020.8.26.0443

Apelante: Neusa Maria Rodrigues da Costa

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Piedade

VOTO Nº 31.516

Registro de Imóveis – Escritura pública de compra e venda – Ausência de outorga uxória – Título qualificado negativamente – Vendedor casado sob o regime da comunhão universal de bens – Imóvel recebido em doação, com cláusula de incomunicabilidade – Dúvida procedente – Óbice mantido – Nega-se provimento ao recurso.

1. Trata-se de apelação interposta por Neusa Maria Rodrigues da Costa contra a sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente da Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Piedade/SP, objetivando o registro de escritura pública de compra e venda referente ao imóvel matriculado sob no 23.863 junto àquela serventia imobiliária (fl. 72/74).

A registradora emitiu nota de devolução, exigindo a outorga uxória de Regina Célia Santos Frederico Secol, casada com o vendedor do imóvel, José Secol Filho, nos termos dos arts. 1.647 e 1.648 do Código Civil (fl. 17/19).

Alega a apelante, em síntese, que a exigência formulada deve ser afastada, vez que o imóvel foi adquirido por meio de escritura pública de doação, com cláusula de incomunicabilidade. Nos termos do art. 1.668 do Código Civil, os bens doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade são excluídos da comunhão, de modo que o óbice não se sustenta (fl. 78/84).

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 105/108).

É o relatório.

2. Busca a apelante o registro da escritura pública de compra e venda lavrada perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Paruru, Ibiúna, São Paulo, Livro 76, páginas 381/384, outorgada por José Secol Filho em seu favor, discordando da necessidade de anuência da esposa do vendedor para aperfeiçoamento do negócio.

Da matrícula n.º 23.863 do Registro de Imóveis de Piedade/SP infere-se que, por meio de escritura lavrada em 12 de junho de 2015, o imóvel foi doado a José Secol Filho, casado sob o regime da comunhão universal de bens com Regina Célia Santos Frederico Secol. Da AV. 2/23.863 consta que a doação registrada sob o nº 1 da matrícula encontra-se gravada com cláusula de incomunicabilidade (fl. 35).

A pretensão da apelante esbarra na disposição trazida pelo art. 1.647, inciso I, do Código Civil, in verbis:

“Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;

II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;

III – prestar fiança ou aval;

IV – fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.”

Daí decorre que, conquanto os bens gravados com cláusula de incomunicabilidade estejam excluídos da comunhão entre os cônjuges, nos termos do art. 1.668, inciso I, do Código Civil, faz-se necessária, à luz do art. 1.647, inciso I, supra referido, a outorga uxória para aperfeiçoar o negócio jurídico do vendedor.

A questão da incomunicabilidade do bem imóvel diz respeito exclusivamente à atribuição patrimonial entre os cônjuges no momento da extinção da sociedade conjugal, ou na fixação de responsabilidades patrimoniais de cada cônjuge por conta da administração de seus bens particulares na constância da sociedade conjugal (art. 1.665 do Código Civil).

Não tem por objeto o direito à livre disposição do bem durante o casamento, mas prevê apenas seu destino e atribuição em razão do fim da sociedade conjugal.

A necessidade da outorga uxória diz respeito às regras de tutela da entidade familiar, impedindo a realização de alienação de bens imóveis particulares por qualquer um dos cônjuges, salvo as exceções legais, sem que o cônjuge não proprietário concorde com o ato ou sua recusa seja formalmente suprida por decisão judicial.

Inexiste qualquer ressalva quanto à natureza do bem imóvel, se comum ou particular, caracterizando norma cogente, salvo exceções previstas expressamente na lei. A respeito:

“(…) O dispositivo em estudo não faz referência à natureza do patrimônio que necessite de anuência de ambos os cônjuges, para ser alienado ou gravado com ônus reais, sendo certo, portanto, que a imposição abrange, também, os bens particulares de cada cônjuge. (…)” (Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência/Cláudio Luiz Bueno de Godoy …[et al.]; coordenação Cezar Peluso 14. Ed. Barueri [SP]: Manole, 2020, p. 1857).

A norma visa, em termos finais, a proteção da entidade familiar e seu patrimônio mínimo para fins de consecução de seus objetivos, colocando a norma tal entidade em local privilegiado em relação aos direitos particulares do cônjuge.

E assim porque, embora a pessoa casada possa, livremente, praticar os atos necessários à mantença do casal, alguns negócios jurídicos são tão relevantes para o patrimônio do casal e manutenção do núcleo familiar que, bem por isso, dependem da expressa anuência do outro cônjuge.

Destarte, independentemente da incomunicabilidade do bem, a anuência da cônjuge do alienante é requisito fundamental para a validade do ato, sem o que não se admite o ingresso do título no registro imobiliário. Nesse sentido, recente precedente deste Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura de venda e compra – Ausência de outorga uxória – Óbice mantido – Comunhão universal de bens Imóvel doado com cláusula de incomunicabilidade – Dúvida procedente – Recurso não provido.” (TJSP; Apelação Cível 1001438-78.2020.8.26.0443; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 15/04/2021; Data de Registro: 23/04/2021).

Acrescente-se que, se um dos cônjuges não quer ou não pode anuir à venda que o outro pretende realizar e para a qual a lei exige a vênia conjugal, permite o Código Civil, em seu art. 1.648, o suprimento judicial dessa concordância.

Nesse cenário, não há como se concluir pela superação do óbice apontado pela registradora.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 18.08.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.