Recurso Especial – Processual civil – Bem de família – Impenhorabilidade – Dívida relativa ao próprio bem – Exceção – Transmissibilidade – Presunção – Impossibilidade – 1. Recurso especial interposto em 22/7/2020 e concluso ao gabinete em 4/5/2021 – 2. O propósito recursal consiste em dizer se: a) a exceção à impenhorabilidade prevista no inciso II, do art. 3º, da Lei nº 8.009/90, se aplica, por sub-rogação, ao imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda de bem de família originalmente penhorável; e b) é lícito, por simples presunção, assumir que os recursos provenientes da venda do bem de família objeto do contrato ora executado foram utilizados na aquisição de outro bem de família, de modo a permitir a penhora deste por dívida relacionada ao primeiro imóvel – 3. O inciso II do art. 3º da Lei nº 8009/90, na linha do que preceitua o §1º do art. 833 do CPC/2015, dispõe que a impenhorabilidade do bem de família não prevalece na hipótese de processo de execução movido “pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato” – 4. Se o primitivo bem de família pode ser penhorado para a satisfação de dívida relativa ao próprio bem, o novo bem de família, adquirido com os recursos da alienação do primeiro, também estará sujeito à exceção prevista no inciso II do art. 3º da Lei nº 8.009/90 – 5. Muito embora seja certo que a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no inciso II do art. 3º da Lei nº 8.009/90 transmite-se ao novo bem de família adquirido, é imprescindível que se comprove que este, de fato, foi adquirido com os recursos da venda daquele – 6. É imperioso o retorno dos autos às instâncias ordinárias para que se verifique, não com fundamento em mera presunção, mas com base nas provas acostadas aos autos, se o imóvel cuja penhora se discute foi ou não adquirido com os recursos provenientes da venda do bem de família que figurava como objeto do contrato ora executado – 7. Recurso especial parcialmente provido.


RECURSO ESPECIAL Nº 1.935.842 – PR (2021/0005404-8)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : MARIA GOMES DA SILVA

ADVOGADOS : SÉRGIO BOTTO DE LACERDA – PR011476

FABRICIO MASSARDO – PR031203

ROLF CRISTHIAN ZORNIG – PR042672

CRISTIAN PEREIRA MENEZES – PR080184

RECORRIDO : LANCOM EMPREENDIMENTOS DE HABITACAO PYRYS LTDA

ADVOGADOS : CARLOS EDUARDO MANFREDINI HAPNER – PR010515

TARCÍSIO ARAÚJO KROETZ – PR017515

FABIOLA POLATTI CORDEIRO – PR021515

JAMILE ERNANDORENA DOS SANTOS – PR050258

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. DÍVIDA RELATIVA AO PRÓPRIO BEM. EXCEÇÃO. TRANSMISSIBILIDADE. PRESUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

1– Recurso especial interposto em 22/7/2020 e concluso ao gabinete em 4/5/2021.

2– O propósito recursal consiste em dizer se: a) a exceção à impenhorabilidade prevista no inciso II, do art. 3º, da Lei n. 8.009/90, se aplica, por sub-rogação, ao imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda de bem de família originalmente penhorável; e b) é lícito, por simples presunção, assumir que os recursos provenientes da venda do bem de família objeto do contrato ora executado foram utilizados na aquisição de outro bem de família, de modo a permitir a penhora deste por dívida relacionada ao primeiro imóvel.

3– O inciso II do art. 3º da Lei n. 8009/90, na linha do que preceitua o §1º do art. 833 do CPC/2015, dispõe que a impenhorabilidade do bem de família não prevalece na hipótese de processo de execução movido “pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato”.

4– Se o primitivo bem de família pode ser penhorado para a satisfação de dívida relativa ao próprio bem, o novo bem de família, adquirido com os recursos da alienação do primeiro, também estará sujeito à exceção prevista no inciso II do art. 3º da Lei n. 8.009/90.

5– Muito embora seja certo que a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no inciso II do art. 3º da Lei n. 8.009/90 transmite-se ao novo bem de família adquirido, é imprescindível que se comprove que este, de fato, foi adquirido com os recursos da venda daquele.

6– É imperioso o retorno dos autos às instâncias ordinárias para que se verifique, não com fundamento em mera presunção, mas com base nas provas acostadas aos autos, se o imóvel cuja penhora se discute foi ou não adquirido com os recursos provenientes da venda do bem de família que figurava como objeto do contrato ora executado.

7– Recurso especial parcialmente provido.

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 22 de junho de 2021(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por MARIA GOMES DA SILVA, com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional.

Recurso especial interposto em: 22/7/2020.

Concluso ao Gabinete em: 4/5/2021.

Ação: de execução de título extrajudicial ajuizada por LANCOM EMPREENDIMENTOS DE HABITAÇÃO PYRYS LTDA, ora recorrida.

Decisão agravada: indeferiu o pedido formulado em exceção de impenhorabilidade relativa a imóvel de matrícula nº 42.796, do 2º Cartório do Registro de Imóveis de Foz do Iguaçu.

Acórdão: por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento, nos termos da seguinte ementa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. LEI Nº 8.009/90. DÉBITO QUE SE ORIGINOU DA AQUISIÇÃO DO PRÓPRIO IMÓVEL PENHORADO. EXCEÇÃO DO INCISO II, ARTIGO 3º, DA LEI 8.009/90. CONFIGURAÇÃO. POSSIBILIDADE DE PENHORA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

(fl. 81)

Embargos de declaração: foram acolhidos, mas sem efeitos infringentes.

Recurso especial: aduz ofensa ao art. 3º, II, da Lei n. 8.009/90, ao argumento de que:

a) o TJPR, erroneamente, por simples presunção, afastou a proteção ao bem de família por considerar que a recorrente haveria utilizado os recursos da venda de apartamento – adquirido em 1992 e perdido em adjudicação – para adquirir a casa ora penhorada perante a Companhia de Habitação do Paraná (COHAPAR), o que ocorreu na década de 1980, de modo que é imperioso concluir que a dívida objeto da presente execução de título extrajudicial não é oriunda do contrato de compra e venda cujo objeto era o imóvel penhorado; e

b) a exceção à impenhorabilidade prevista no inciso II, do art. 3º, da Lei n. 8.009/90 não se aplica, por sub-rogação, ao imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda do bem primitivo, pois a norma que estabelece a referida exceção deve ser interpretada restritivamente.

Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/PR inadmitiu o recurso especial interposto (fls. 190-191).

Em face das razões apresentadas no agravo de fls. 201-209, determinei a sua reautuação como recurso especial, nos termos do art. 34, XVI, do RISTJ, para melhor exame da matéria em debate, sem prejuízo de futuro reexame dos pressupostos de admissibilidade recursal.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO NANCY ANDRIGHI (Relator):

O propósito recursal consiste em dizer se: a) a exceção à impenhorabilidade prevista no inciso II, do art. 3º, da Lei n. 8.009/90, se aplica, por sub-rogação, ao imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda de bem de família originalmente penhorável; e b) é lícito, por simples presunção, assumir que os recursos provenientes da venda do bem de família objeto do contrato ora executado foram utilizados na aquisição de outro bem de família, de modo a permitir a penhora deste por dívida relacionada ao primeiro imóvel.

I. EXCEÇÃO À IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA – TRANSMISSIBILIDADE

1. Aduz a parte recorrente que a exceção à impenhorabilidade prevista no inciso II, do art. 3º, da Lei n. 8.009/90 não se aplica, por sub-rogação, ao imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda do bem primitivo, pois a norma que estabelece a referida exceção deve ser interpretada restritivamente.

2. Ademais, sustenta que o TJPR, erroneamente, por simples venda de apartamento – adquirido em 1992 e perdido em adjudicação – foram utilizados para adquirir a casa ora penhorada perante a Companhia de Habitação do Paraná (COHAPAR), o que ocorreu na década de 1980.

3. Nesse contexto, aponta que o bem objeto do contrato ora executado foi perdido em adjudicação, não tendo sido alienado para a compra do imóvel penhorado.

4. A Corte de origem, não obstante, em um primeiro momento, consignou que, mesmo o imóvel sendo considerado bem de família, poderia ser penhorado, pois a execução versaria sobre dívida oriunda do contrato de compra e venda do referido bem, verbis:

A agravante alega que o imóvel penhorado é bem de família, onde reside com sua filha e, portanto, impenhorável: “resta devidamente demonstrado que até a presente data a Agravante possui um único imóvel, no qual ela e sua única filha portadora de esquizofrenia habitam, que foi penhorado nos presentes autos”.

Não obstante a agravante ter apresentado no recurso comprovantes (movs. 1.3, 1.4 e 1.7) de que este é seu único bem e de que ali reside com sua filha, razão não lhe assiste.

Isso porque a impenhorabilidade do bem de família não é absoluta e comporta algumas exceções, de acordo com a Lei 8.009/90:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato.

Este é o caso da agravante. Mesmo sendo o imóvel considerado bem de família, poderá ser penhorado, pois a execução versa justamente sobre dívida relativa ao não adimplemento das parcelas do contrato de compra e venda do bem.

Diante do exposto, voto em conhecer do recurso e negar-lhe provimento, cassando a liminar concedida no mov. 9.1 do recurso, para manter a penhora sobre o imóvel de matrícula nº 42.796, do 2º CRI de Foz do Iguaçu.

(fls. 82-83) [g.n.]

5. No entanto, ao apreciar os embargos de declaração opostos, o TJPR, sem alterar a conclusão do julgado, reconheceu a existência de omissão no acórdão embargado, admitindo que o imóvel penhorado não seria o mesmo que figurava como objeto do contrato do qual decorre a dívida executada.

6. Em suma, perfilhou o entendimento de que seria possível presumir que o imóvel penhorado foi adquirido com os recursos hauridos da venda do primitivo bem, de modo que a possibilidade de penhora deste acompanharia o novo imóvel pelo princípio da sub-rogação, verbis:

Tem razão a recorrente quanto à alegação de que o acórdão ora embargado não levou em consideração o fato de que o imóvel penhorado não é o mesmo objeto da dívida com a embargada. Contudo, tal ausência não leva a uma mudança de resultado do que foi julgado. Isso porque ela mesma reforça, e traz vários elementos para provar tal afirmação, que possui apenas um imóvel em seu nome e que este seria bem de família e, portanto, impenhorável. Assim, sendo proprietária de um único imóvel, tudo leva a crer que tal bem tenha sido adquirido com os proveitos da venda daquele cujo contrato de compra e venda é objeto deste processo e fundamenta a execução de saldo devedor da aquisição daquilo que então funcionou como residência.

A embargante não integralizou o pagamento do que era devido em razão do contrato em execução. Este a seu turno diz respeito à aquisição de imóvel por ela. Este imóvel não integra mais o seu patrimônio. Com isso é lícito concluir que o imóvel atual de sua moradia foi adquirido com recursos obtidos a partir da venda do primeiro. Daí porque a situação jurídica de um se sub-roga no outro. Surge a presunção de que ao imóvel adquirido com recursos da venda do bem objeto do contrato sob análise são estendidos os mesmos ônus e bônus do primeiro cuja venda favoreceu a compra do segundo. Neste caso, por não ter pago a dívida relativa a um imóvel de moradia, mesmo sendo bem de família, pode ser penhorado o atual imóvel que se presta a tal fim. Portanto, o bem imóvel adquirido com os proveitos da venda do primeiro também pode ser penhorado.

Tendo sido adquirido com o resultado da venda do primeiro, as possibilidades de penhora do primeiro imóvel acompanham o novo, pelo princípio da sub-rogação. Sendo, portanto, aplicável a exceção do inciso II, do art 3°, da Lei 8.009/90 também a este imóvel, o que não altera o resultado do julgamento do Agravo de Instrumento. O bem de família responde pelas dívidas derivadas de sua aquisição, que é o caso sob exame.

(fls. 151-152) [g.n.]

7. Desse modo, a solução da controvérsia demanda que se verifique se a exceção à impenhorabilidade prevista no inciso II, do art. 3º, da Lei n. 8.009/90, se aplica, por sub-rogação, ao imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda de bem de família originalmente penhorável.

8. Nesse contexto, importa consignar que a impenhorabilidade do bem de família funda-se na consideração de que, em determinadas hipóteses, com o objetivo de tutelar direitos e garantias fundamentais, o legislador buscou prestigiar o interesse do devedor em detrimento dos interesses do credor (SHIMURA, Sérgio; GARCIA, Julia Nolasco. A impenhorabilidade na visão do Superior Tribunal de Justiça. Revista de Processo. vol. 305. ano 45. p. 175. São Paulo: Ed. RT, julho 2020).

9. Com efeito, trata-se de garantia legal que visa resguardar o patrimônio mínimo da pessoa humana, valor esse que o legislador optou por preservar em contraposição à satisfação executiva do credor.

10. No entanto, a regras que estabelecem hipóteses de impenhorabilidade estão longe de serem consideradas absolutas, como se observa da própria abolição, no CPC/2015, da expressão “absolutamente” prevista no antigo art. 649, caput, do CPC/1973.

11. No que tange, especificamente aos bens de família, o próprio art. 3º da Lei n. 8009/90 estabelece uma série de exceções à impenhorabilidade.

12. De fato, por mais valiosas que sejam as razões que justificam a impenhorabilidade do bem de família, a jurisprudência desta Corte Superior, de há muito, caminha no sentido de impedir deturpações do benefício legal, evitando que a referida garantia seja utilizada como artifício para frustrar a satisfação dos credores: “não se pode admitir que, sob a sombra de uma disposição legal protetiva, o devedor pratique atos tendentes a inviabilizar a tutela executiva do credor, o que implicaria o uso da lei para promover a injustiça e, com isso, enfraquecer, de maneira global, todo o sistema de especial proteção objetivado pelo legislador” (REsp 1575243/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/03/2018, DJe 02/04/2018).

13. Nesse contexto, o inciso II do art. 3º da Lei n. 8009/90, na linha do que preceitua o § 1º do art. 833 do CPC/2015, dispõe que a impenhorabilidade do bem de família não prevalece na hipótese de processo de execução movido “pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato”.

14. Em outras palavras, é penhorável o bem de família para satisfação de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição. Nesse sentido: REsp 90.330/SP, QUARTA TURMA, julgado em 24/06/1996, DJ 26/08/1996, p. 29695.

15. A norma em apreço possui nítido caráter protetivo dos credores, impedindo comportamentos contrários à boa-fé objetiva, evitando a prática de fraudes e garantindo a segurança jurídica indispensável às relações jurídicas e econômicas.

16. A propósito, manifesta-se abalizada doutrina:

O imóvel residencial e os móveis que o guarnecem são também penhoráveis na execução por crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato.

O legislador, ao prever a exceção do inc. II, estava tratando do imóvel destinado à residência do devedor e de sua família, e não de qualquer imóvel, indistintamente. Mas, na situação descrita no dispositivo legal, seria aplicável, também, a ressalva do § 1.º do art. 833 do CPC/2015 (regra similar à do § 1.º do art. 649 do CPC/1973), pela qual “a impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição”.

Como já referido no Capítulo 1 deste estudo, Cassio Scarpinella Bueno observa que assim se evita “que o executado conserve a propriedade do bem que adquiriu à custa da concessão de um crédito que lhe foi dado para aquela mesma finalidade”. A ressalva quanto aos bens que se consideram impenhoráveis, no Código de Processo Civil, e a exceção à impenhorabilidade legal do bem de família, prevista no inc. II do art. 3.º da Lei 8.009/1990, estão, então, em prefeita harmonia.

Efetivamente, seria ilógico imaginar que alguém pudesse contrair obrigações para construir ou adquirir seu imóvel residencial, furtar-se ao cumprimento de tais obrigações, e ainda arguir a impenhorabilidade desse mesmo imóvel por se tratar de bem de família.

Estão abrangidos na exceção do inc. II quaisquer financiamentos com a finalidade apontada, obtidos junto a particulares ou a instituições financeiras, entre estas as do Sistema Financeiro da Habitação.

[…]

O dispositivo em questão também se refere aos acréscimos decorrentes do contrato de financiamento. Tais acréscimos incluem juros de mora, correção monetária, multas contratuais e outros encargos previstos no contrato, sempre relativos ao financiamento para construção ou aquisição do imóvel residencial.

(VASCONSELOS, Rita. Impenhorabilidade do bem de família. 2. Ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2015) [g.n.]

17. Observa-se, portanto, que “a questão da proteção indiscriminada do bem de família ganha novas luzes quando confrontada com condutas que vão de encontro à própria ética e à boa-fé, que devem permear todas as relações negociais” (REsp 1560562/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/04/2019, DJe 04/04/2019).

18. Desse modo, na espécie, não pode o devedor adquirir novo bem de família com os recursos provenientes da venda de bem de família anterior para, posteriormente, se furtar ao adimplemento da dívida contraída com a compra do primeiro, notadamente tendo em vista a máxima de que a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza.

19. Em outras palavras, se o primitivo bem de família pode ser penhorado para a satisfação de dívida relativa ao próprio bem, o novo bem de família, adquirido com os recursos da alienação do primeiro, também estará sujeito à exceção prevista no inciso II do art. 3º da Lei n. 8.009/90.

20. Tem-se, assim, a adequada ponderação da proteção irrestrita ao bem de família, tendo em vista a necessidade de se vedar as atitudes que atentem contra a boa-fé e a eticidade, ínsitas às relações negociais.

21. Na hipótese dos autos, no entanto, observa-se que o Tribunal a quo concluiu que os valores oriundos da venda do primeiro bem – objeto do contrato ora executado – foram utilizados para a aquisição do imóvel penhorado fundamentando-se, exclusivamente, em mera presunção.

22. De fato, não se extrai do acórdão recorrido qualquer conclusão calcada nas provas colacionadas aos autos, limitando-se a Corte de origem a presumir que um bem foi adquirido com os recursos resultantes da alienação do outro. Veja:

Assim, sendo proprietária de um único imóvel, tudo leva a crer que tal bem tenha sido adquirido com os proveitos da venda daquele cujo contrato de compra e venda é objeto deste processo e fundamenta a execução de saldo devedor da aquisição daquilo que então funcionou como residência.

[…]

A embargante não integralizou o pagamento do que era devido em razão do contrato em execução. Este a seu turno diz respeito à aquisição de imóvel por ela. Este imóvel não integra mais o seu patrimônio. Com isso é lícito concluir que o imóvel atual de sua moradia foi adquirido com recursos obtidos a partir da venda do primeiro. Daí porque a situação jurídica de um se sub-roga no outro. Surge a presunção de que ao imóvel adquirido com recursos da venda do bem objeto do contrato sob análise são estendidos os mesmos ônus e bônus do primeiro cuja venda favoreceu a compra do segundo. Neste caso, por não ter pago a dívida relativa a um imóvel de moradia, mesmo sendo bem de família, pode ser penhorado o atual imóvel que se presta a tal fim. Portanto, o bem imóvel adquirido com os proveitos da venda do primeiro também pode ser penhorado.

(fls. 151-152) [g.n.]

23. Desse modo, muito embora seja certo, como já afirmado, que a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no inciso II do art. 3º da Lei n. 8.009/90 transmite-se ao novo bem de família adquirido, é imprescindível que se comprove que este, de fato, foi adquirido com os recursos da venda daquele.

24. Na espécie, como cediço, alega a parte recorrente que não houve a utilização dos recursos provenientes da venda de um imóvel para a compra do outro, pois: a) o bem de família penhorado foi adquirido antes da aquisição do imóvel objeto do contrato executado, de modo que, por uma questão lógica, os recursos obtidos com a venda de um não poderiam ter sido utilizados para a compra do outro; e b) o imóvel supostamente vendido foi, na realidade, perdido em adjudicação para a Caixa Econômica Federal.

25. Desse modo, é imperioso o retorno dos autos às instâncias ordinárias para que se verifique, não com fundamento em mera presunção, mas com base nas provas acostadas aos autos, se o imóvel cuja penhora se discute foi ou não adquirido com os recursos provenientes da venda do bem de família que figurava como objeto do contrato ora executado.

II. CONCLUSÃO

26. Forte nessas razões, dou parcial provimento ao recurso especial, para determinar o retorno dos autos à Corte de origem para que se determine, com base nas provas colacionadas aos autos, se o imóvel cuja penhora se discute foi ou não adquirido com os recursos provenientes da venda do bem de família que figurava como objeto do contrato ora executado. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.935.842 – Paraná – 3ª Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJ 25.06.2021

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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CGJ/SP – Pedido de revisão de decisão que determinou a consecução do projeto “Paternidade Responsável” pelas Varas de Infância e Juventude da Capital encaminhado por MM. Juiz Titular da Vara da Infância e da Juventude de Foro Regional da Capital – Compatibilização com os diversos mecanismos previstos no estatuto da criança e do adolescente – Maior capilaridade das Varas da Infância e Juventude da Capital a justificar a manutenção do Parecer nº 283/2008, aprovado nos autos DICOGE n.º 2006/2387.


Número do processo: 2387

Ano do processo: 2006

Número do parecer: 98

Ano do parecer: 2020

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 2006/2387

(98/2020-E)

Pedido de revisão de decisão que determinou a consecução do projeto “Paternidade Responsável” pelas Varas de Infância e Juventude da Capital encaminhado por MM. Juiz Titular da Vara da Infância e da Juventude de Foro Regional da Capital – Compatibilização com os diversos mecanismos previstos no estatuto da criança e do adolescente – Maior capilaridade das Varas da Infância e Juventude da Capital a justificar a manutenção do Parecer nº 283/2008, aprovado nos autos DICOGE n.º 2006/2387.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de solicitação formulada pelo MM. Juiz da Vara da Infância e da Juventude do Foro Regional de Penha de França, Dr. Paulo Roberto Fadigas César, para revisão de decisão proferida em processo que tramitou perante a Corregedoria Geral da Justiça e que determinou a consecução do Projeto “Paternidade Responsável” pelas Varas da Infância e da Juventude da Capital. Afirma que desde que o projeto foi implantado há disparidade de competências, tendo em vista que no interior o Projeto é de responsabilidade do Juiz Corregedor Permanente dos Registro Públicos e na Capital do Estado a competência é das Varas da Infância e da Juventude. Declara, ainda, que a matéria do Projeto é completamente estranha à área da Infância e da Juventude, não havendo motivos para manutenção da disparidade de competência.

É o relatório.

Primeiramente, cumpre relembrar que o Projeto “Paternidade Responsável” foi criado no âmbito desta Corregedoria Geral, em parceria com a Secretaria da Educação e a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais – ARPEN/SP com o objetivo fundamental de regularizar a situação registral de alunos da rede oficial de ensino, especialmente os menores de idade, que não possuem a paternidade estabelecida em seus assentos de nascimento.

Quando da criação do referido Projeto, por meio do aprovado parecer nº 283/2008 a competência para sua efetivação ficou assim estabelecida:

Incumbirá em princípio aos Juízos Corregedores Permanentes, juntamente com as parcerias firmadas, proceder às mobilizações necessárias, em busca da regularização da paternidade dos alunos das escolas estaduais localizadas no âmbito de sua competência territorial (fls.148/149).

[…] É indispensável, pois, que a atribuição de promover estas mobilizações na Comarca da Capital não fique a cargo apenas do Juízo Corregedor Permanente e que haja repartição, mediante utilização do critério da competência territorial dos Foros Central e Regionais, e de acordo com a localização das Escolas Públicas Estaduais da Capital, fornecida pela Secretaria Estadual da Educação, conforme relação elaborada e anexada a este parecer. Considero, para tanto, adequada a atuação dos Juízes das Varas da Infância e da Juventude, em razão da afinidade da atividade jurisdicional destes com a matéria […] Assim, os Juízes das Varas da Infância e da Juventude se incumbirá mobilizações necessárias em relação aos alunos das Escolas Públicas localizadas no âmbito da competência territorial de seus respectivos foros, mediante designação para auxiliar a 2ª Vara de Registros Públicos da Capital […] (fls. 151).

Dessa forma, em razão da afinidade dos Juízos da Infância e da Juventude com a matéria, bem como com a necessidade de se conferir maior alcance ao Projeto, na Capital do Estado ficaram as Varas da Infância e da Juventude responsáveis pela sua consecução, ao passo que no interior a competência é do Juiz Corregedor Permanente dos Registros Públicos.

Além da aprovação do parecer acima citado nos autos DICOGE nº 2006/2387, foi também expedido o Provimento CSM nº 1404/2007, que em seu artigo 1° assim dispôs:

“Artigo 1° – Atribuir aos Juízes Corregedores Permanentes dos Oficiais do Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado de São Paulo, aos Juízes da Infância e da Juventude dos Foros Central e Regionais da Comarca da Capital, aos Juízes dos Juizados Especiais Cíveis instalados nos “Centros de Integração da Cidadania” (CIG) e “Poupatempo’: aos Juízes dos Juizados Itinerantes e aos Juízes das Unidades Avançadas, a prestação de serviço permanente de reconhecimento voluntário da paternidade”

E, salvo entendimento diverso de Vossa Excelência, tal divisão na execução do Projeto deve assim permanecer pelas disposições a seguir exaradas.

O direito ao reconhecimento à parentalidade é direito da personalidade, de caráter absoluto e oponível a todas as demais pessoas, compondo a qualificação jurídica do ser e englobando o direito à identificação pessoal.

A questão afeta ao reconhecimento da paternidade, embora inicialmente mostre-se atrelada ao registro civil, guarda total compatibilidade com a área da Infância e da Juventude bastando, para se alcançar tal conclusão, a interpretação e aplicação correta dos diversos mecanismos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente para garantir a cidadania plena de todas as crianças e adolescentes.

O artigo 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente dignidade da pessoa humana e garante aos menores o reconhecimento de direitos próprios, assegurando-lhes bens e valores personalíssimos como a integridade física e psicológica, a honra e a imagem.

Para se efetivar a garantia da dignidade a uma criança ou adolescente, não pode ser violado o seu direito de conhecer sua origem biológica e sua família paterna, pois sem dúvida alguma, a certeza da paternidade é um dos ingredientes que fazem parte do princípio referido, além de inibir futuros traumas e transtornos psicológicos em virtude do desconhecimento da origem hereditária.

O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, da mesma forma, deve ser fundamentalmente respeitado e considerado, em sede do planejamento familiar de forma conjugada com o princípio da paternidade responsável, enfatizando a dignidade como um dos direitos essenciais às crianças e adolescentes.

A omissão do registro paterno pode trazer consequências severas, pois subtrai do filho o direito à identidade, o mais significativo atributo da personalidade. Também afeta o seu pleno desenvolvimento, pois deixa de contar com o auxílio de quem deveria assumir as responsabilidades parentais.

Assim, respeitado entendimento diferente, dúvida não há sobre a pertinência temática entre as atribuições dos Juízos da Infância e da Juventude e o Projeto de Paternidade Responsável.

Além disso, a atuação das Varas de Infância e da Juventude da Capital no citado Projeto se justifica em razão da maior capilaridade que tais Juízos apresentam, o que confere mais eficácia social ao programa.

A extensão territorial e o número de habitantes da Cidade de São Paulo não condiz com a execução do Projeto exclusivamente pela Corregedoria Permanente do Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais, posto que está afeta ao Juízo de Direito da 2ª Vara de Registros Públicos.

É necessária, pois, a repartição da atribuição de acordo com a localização das Escolas Públicas Estaduais da Capital e o critério de competência territorial dos Foros Central e Regionais.

Assim, restringir a consecução do programa à Corregedoria Permanente do Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais na Cidade de Paulo coloca em risco a efetividade do projeto e os frutos dele colhidos.

Por todo o exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é pela manutenção do parecer nº 283/2008, aprovado nos autos DICOGE nº 2006/2387, com a determinação da execução do Projeto de Paternidade Responsável pelos Juízos Corregedores Permanentes dos Registros Públicos e, na Capital do Estado, pelos Juízes das Varas da Infância e da Juventude, em relação aos alunos das Escolas Públicas Estaduais localizadas no âmbito da competência territorial de seus respectivos foros.

Sub censura.

São Paulo, 04 de março de 2020.

Mônica Gonzaga Arnoni

Juíza Assessora da Corregedoria

Letícia Fraga Benitez

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer das MM. Juízas Assessoras da Corregedoria para, por seus fundamentos, manter o parecer nº 283/2008, aprovado nos autos DICOGE nº 2006/2387, com a determinação da execução do Projeto “Paternidade Responsável” pelos Juízos Corregedores Permanentes dos Registros Públicos e, na Capital do Estado, pelos Juízos das Varas da Infância e da Juventude, em relação aos alunos das Escolas Públicas Estaduais localizadas no âmbito da competência territorial de seus respectivos foros. Comunique-se o MM. Juiz da Vara da Infância e da Juventude do Foro Regional de Penha de França, sem prejuízo de publicação. São Paulo, 04 de março de 2020. (a) RICARDO ANAFE, Corregedor Geral da Justiça

Diário da Justiça Eletrônico de 16.03.2020

Decisão reproduzida na página 033 do Classificador II – 2020

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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