STJ – Espólio de usufrutuária vitalícia tem legitimidade para propor ação de rescisão de arrendamento rural


Durante a vigência do contrato de arrendamento rural, a morte da arrendadora usufrutuária – causa de extinção do usufruto, nos termos do artigo 1.410, inciso I, do Código Civil –, sem que haja a restituição ou reivindicação de posse pelo proprietário, torna precária e injusta a posse exercida pelos sucessores da pessoa falecida. Essa condição, porém, não constitui impedimento para o exercício dos direitos provenientes do contrato de arrendamento rural pelo espólio em relação ao terceiro arrendatário, pois as relações jurídicas do usufruto e do arrendamento são diferentes e autônomas.

O entendimento foi estabelecido pelo Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao manter acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que reconheceu a legitimidade do espólio para propor ação de despejo cumulada com cobrança e rescisão contratual, buscando a extinção de contrato de arrendamento rural, a reintegração da posse do imóvel e o pagamento de dívidas em aberto.

O contrato foi celebrado pela falecida arrendadora (que tinha usufruto vitalício do imóvel) e o arrendatário (também falecido) – que, posteriormente subarrendou a propriedade.

Os pedidos foram julgados procedentes em primeira instância; em segundo grau, o TJSP apenas ajustou os critérios da condenação mantendo a legitimidade do espólio para ajuizar a ação.

Dívidas posteriores à morte

Em recurso especial, o recorrente alegou que o espólio não teria legitimidade ativa, pois a posse da autora da herança sobre o imóvel objeto do arrendamento seria oriunda de usufruto, o qual se extinguiu com a sua morte.

Sustentou, também, que o falecimento da usufrutuária ocorreu em 2004 e as alegadas dívidas em aberto do arrendamento rural seriam do período ente 2009 e 2014, quando já havia sido extinto o direito real de usufruto que legitimava a posse da arrendadora.

Usufruto como direito real

O ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do recurso, explicou que o usufruto consiste em uma espécie de direito real (artigo 1.225, inciso IV, do Código Civil) que pode recair sobre um ou mais bens, móveis ou imóveis, conferindo, temporariamente, a alguém – denominado usufrutuário –, o direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos.

Tratando-se de bem imóvel, o relator apontou que o registro em cartório é pressuposto necessário do direito real de usufruto – tanto no caso de sua constituição quanto na hipótese de sua desconstituição –, a partir do qual passará a produzir os efeitos legais, especialmente em relação a terceiros.

Por outro lado, o ministro Bellizze destacou que, no caso de morte da usufrutuária, surge causa extintiva do usufruto (artigo 1.410, inciso I, do CC/2002), o qual, diante do seu caráter personalíssimo, não se transmite aos herdeiros, de forma que é descabido no ordenamento jurídico brasileiro o caráter sucessivo desse direito real.

Arrendamento não se integra ao usufruto

Entretanto, Bellizze afirmou que, por causa do efeito constitutivo do registro no cartório imobiliário, o falecimento do usufrutuário não opera efeitos automaticamente, de maneira que, mesmo que seja descabida a sucessão do usufruto, as implicações do instituto permanecerão enquanto não for cancelado o registro e retomado o pleno domínio do bem pelo proprietário.

Além disso, o ministro apontou que a cessão do exercício do usufruto ao terceiro arrendatário, mediante contrato de arrendamento, não possui o poder de integrá-lo à relação jurídica do usufruto em si, principalmente pela vedação expressa de alienação desse direito real (artigo 1.393 do CC/2002).

No caso dos autos, o ministro lembrou, ainda, que a averbação do cancelamento do usufruto na matrícula do imóvel foi realizada em 2016, ou seja, após ao período de cobrança levantado pelo espólio e do ajuizamento da ação, em 2015 – situação que mantém o interesse do espólio na ação.

De possuidor direito a indireto

Em seu voto, Bellizze reforçou que, efetivado o usufruto, ocorre o desdobramento da posse, passando o proprietário à condição apenas de possuidor indireto, e o usufrutuário à posição de possuidor direto. Já no caso de cessão do exercício do usufruto a terceiro, mediante contrato de arrendamento, há o desdobramento sucessivo da posse, tornando-se possuidores indiretos o proprietário e o usufrutuário/arrendador, e direto o arrendatário.

“Sobrevindo a morte do usufrutuário (que é causa de extinção desse direito real), a posse, enquanto não devolvida ou reivindicada pelo proprietário, transmite-se aos sucessores daquele, mas com o caráter de injusta, dada a sua precariedade, excepcionando a regra do artigo 1.206 do CC. Com isso, o possuidor não perde tal condição em decorrência da mácula que eventualmente recaia sobre sua posse”, disse o ministro.

Ao manter o acórdão do TJSP, o relator ainda ressaltou a natureza jurídica do espólio como uma universalidade de direito que, nos termos do artigo 91 do Código Civil, é caracterizado como o complexo de relações jurídicas de uma pessoa, dotadas de valor econômico, motivo pelo qual a relação jurídica de direito pessoal decorrente do contrato de arrendamento integra o espólio da arrendadora / usufrutuária.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):

REsp 1758946

Fonte: STJ

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Carta de sentença expedida nos autos de ação de separação judicial – Qualificação negativa – Promessa de doação de imóvel constante de acordo homologado judicialmente – Necessidade de lavratura de escritura pública, como pactuado entre os separandos – Dúvida julgada procedente – Nega-se provimento à apelação.


Apelação Cível nº 1001280-43.2020.8.26.0404

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001280-43.2020.8.26.0404
Comarca: ORLÂNDIA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1001280-43.2020.8.26.0404

Registro: 2021.0000380968

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001280-43.2020.8.26.0404, da Comarca de Orlândia, em que são apelantes FABIANA MÁXIMO DE SOUZA e VALDIR MÁXIMO DE SOUZA JÚNIOR, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ORLÂNDIA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 13 de maio de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1001280-43.2020.8.26.0404

Apelantes: Fabiana Máximo de Souza e Valdir Máximo de Souza Júnior

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Orlândia

VOTO Nº 31.501

Registro de Imóveis – Carta de sentença expedida nos autos de ação de separação judicial – Qualificação negativa – Promessa de doação de imóvel constante de acordo homologado judicialmente – Necessidade de lavratura de escritura pública, como pactuado entre os separandos – Dúvida julgada procedente – Nega-se provimento à apelação.

1. Trata-se de apelação interposta por Fabiana Máximo de Souza Valdir Máximo de Souza Júnior contra a sentença que manteve a recusa de registro de carta de sentença expedida nos autos da ação de separação consensual (Processo nº 236/90) ajuizada perante a Vara Única da Comarca de São Joaquim da Barra/SP, em que figuraram como partes Valdir Máximo de Souza e Maria Eva Gueleri de Souza, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 3.496 do Oficial de Registro de Imóveis de Orlândia/SP (fl. 117/118).

Alegam os apelantes, em síntese, que seus pais, Valdir Máximo de Souza e Maria Eva Gueleri de Souza, nos autos da ação de separação consensual ajuizada perante a Vara Única da Comarca de São Joaquim da Barra/SP (Processo nº 236/90), pactuaram a doação do imóvel matriculado sob nº 3.496 junto ao Oficial de Registro de Imóveis de Orlândia/SP aos filhos, com reserva de usufruto à separanda e futura confecção da escritura pública de doação. O acordo foi homologado judicialmente, com posterior expedição de Carta de Sentença. Alegam que o acordo judicial firmado em juízo e devidamente homologado dispensa a lavratura de escritura pública de doação, pois não configura hipótese de promessa de doação como entendeu o registrador. Ademais, mostra-se impossível o cumprimento da exigência formulada, pois Maria Eva já faleceu. Aduzem, ainda, que o usufruto outrora instituído em favor da separanda teve seu termo com a morte da usufrutuária e que, em momento algum, se recusaram a estabelecer os valores atribuídos à nua propriedade e ao usufruto para oportuno recolhimento do imposto de transmissão devido.

A douta Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo parcial provimento do recurso a fl. 174/177.

É o relatório.

2. Pretendem os apelantes o registro de carta de sentença expedida nos autos da ação de separação consensual (Processo nº 236/90) que tramitou perante a Vara Única da Comarca de São Joaquim da Barra/SP, figurando como partes Valdir Máximo de Souza e Maria Eva Gueleri de Souza, já falecida, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 3.496 junto ao Oficial de Registro de Imóveis de Orlândia/SP.

Os títulos judiciais, cumpre lembrar, não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real. E a qualificação negativa do título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial. No exercício desse dever, a Oficial encontrou óbices ao registro da carta de sentença que foi apresentada pelos apelantes, emitindo Nota de Devolução com o seguinte teor: “Da análise do referido título, extrai-se que ficou acordado entre os separados, que (…) fariam em cartório a lavratura de uma escritura pública de doação para os filhos, com reserva de usufruto para a separanda, senhora MARIA EVA GUELERI, com referência ao imóvel consistente de UMA CASA DE MORADA, situada na cidade e comarca de Orlândia, com frente para a AVENIDA NOVE, nº 47, com área de 190,50 metros quadrados, e o respectivo terreno, objeto da matrícula nº 3496, de 16/02/1979” (fl. 19).

Consoante se infere da petição inicial da ação de separação judicial consensual de Valdir Maximo de Souza e Maria Eva Gueleri de Souza, relativamente à partilha de bens, ficou ajustado, dentre outras cláusulas, que: “a casa residencial, situada à Avenida 09 nº 47, na cidade de Orlândia, o casal de desquitandos, ora qualificados, farão em cartório a lavratura de uma escritura de DOAÇÃO, para os seus filhos, com reserva de usufruto para a desquitanda” (fl. 36).

O acordo foi homologado judicialmente em 09 de março de 1990 (fl. 46/47) e o trânsito em julgado foi certificado em 09 de abril de 1990 (fl. 48).

A questão cinge-se, pois, à possibilidade de registro da referida carta de sentença sem a necessidade da lavratura de escritura pública de doação. Não se ignora a existência de precedentes deste Conselho Superior da Magistratura no sentido de ser dispensada a lavratura do ato notarial quando a avença já passou pelo crivo do Poder Judiciário. É o que se observa do teor da ementa da Apelação nº 1000762-62.2014.8.26.0663, cujo relator foi o então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças:

“Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente, impedindo-se o registro de Carta de Sentença, oriunda de separação judicial, com doação de imóvel a filha menor – Desnecessidade de escritura pública – Precedentes – Desnecessidade de aceitação da donatária (art. 543 do Código Civil) – Não incidência de emolumentos, por haver gratuidade expressamente exposta no título – Necessidade, contudo, de recolhimento dos tributos – Dúvida prejudicada e recurso não conhecido.”

Contudo, o caso em análise é diverso. Com efeito, o acordo judicial homologado prevê expressamente a necessidade de lavratura de escritura pública para a doação do imóvel, vinculando, assim, a transmissão do domínio à lavratura do ato notarial. Trata-se, em realidade, de promessa de doação, não havendo, portanto, título hábil a registro. Neste sentido:

“FORMAL DE PARTILHA – Partilha incompatível com o instrumento particular de cessão de direitos hereditários, também homologado nos autos do inventário, porque este incluiu herdeira que, posteriormente, renunciou a seu quinhão hereditário – Homologação de cessão de direitos hereditários que previa lavratura de escritura pública para formalizar a permuta de imóveis – Partilha registrada e cessão de direitos hereditários recusada – Princípio da continuidade – Dúvida julgada procedente – Recurso não provido.” (TJSP; Apelação Cível 0003920-58.2015.8.26.0615; Relator: Des. Pereira Calças (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Tanabi – 1ª Vara; Data do Julgamento: 15/08/2017; Data de Registro: 23/11/2017).

E mais recentemente:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – APELAÇÃO – DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE NEGATIVA DE REGISTRO DE CARTA DE SENTENÇA NOTARIAL – PROMESSA DE DOAÇÃO CONSTANTE DE SEPARAÇÃO CONSENSUAL HOMOLOGADA JUDICIALMENTE – NECESSIDADE DE LAVRATURA DE ESCRITURA PÚBLICA – DESPROVIMENTO DO RECURSO.” (TJSP; Apelação Cível 1002967-74.2019.8.26.0506; Relator: Des. Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Ribeirão Preto – 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/03/2020; Data de Registro: 24/03/2020).

Além disso, o registro apenas da doação direta aos filhos, sem registro do usufruto por ser a usufrutuária já falecida, como pretendem os apelantes, burlaria o princípio da continuidade registrária. Ultrapassados estes pontos, cumpre ressaltar que a observação do Registrador no sentido de que seria necessária a apresentação do comprovante de recolhimento do imposto de transmissão, constante apenas da petição de suscitação da dúvida, é decorrência da nota devolutiva (fl. 19) e da Lei nº 6.015/73. De fato, constitui dever do Registrador a fiscalização do regular recolhimento dos impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados, sob pena de responsabilização pessoal. É o que dispõe o art. 289 da Lei nº 6.015/73:

“Art. 289. No exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício.”

A omissão do titular da delegação pode, inclusive, levar à sua responsabilidade solidária no pagamento do tributo, nos termos do art. 134, inciso VI, do Código Tributário Nacional. Vale destacar, neste ponto, precedente deste Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Formal de Partilha. Ausência de comprovação de recolhimento de Imposto de Transmissão causa mortis-ITCMD. Dever do Oficial de velar pelo seu recolhimento, exigindo a apresentação das respectivas guias, o que não ocorreu em relação a todos os herdeiros. Ausência de discussão quanto ao acerto do cálculo, mas sim ao não recolhimento do tributo, mesmo em valor supostamente inferior ao devido. Cindibilidade do título. Impossibilidade. Indeterminação do que tenha sido partilhado e a quem. Recurso desprovido.” (TJSP; Apelação Cível 1000506-36.2018.8.26.0128; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Cardoso – Vara Única; Data do Julgamento: 23/11/2018; Data de Registro: 06/12/2018).

Destarte, também por esta razão há óbice ao registro da carta de sentença em questão.

3. À vista do exposto, nega-se provimento à apelação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 09.08.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

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