STJ – Até que a morte os separe e a moradia permaneça: o direito real de habitação na visão do STJ


​​Para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o direito real de habitação tem como finalidade principal garantir o direito constitucional à moradia ao cônjuge sobrevivente, tanto no casamento como na união estável (EREsp 1.520.294 e Aglnt no Resp 1.757.984).

Segundo a jurisprudência do tribunal, o direito real de habitação – vitalício e personalíssimo – emana diretamente da lei (artigo 1.831 do Código Civil de 2002 e artigo 7º da Lei 9.272/1996) e objetiva assegurar moradia digna ao viúvo ou à viúva no local em que antes residia com sua família.

É instituto intrinsecamente ligado à sucessão, razão pela qual os direitos de propriedade originados da transmissão da herança sofrem um abrandamento temporário em prol da manutenção da posse exercida por um dos integrantes do casal (EREsp 1.520.294).

Para o STJ, o direito real de habitação deve ser conferido ao cônjuge/companheiro sobrevivente não apenas quando houver descendentes comuns, mas também quando concorrem filhos exclusivos do cônjuge falecido (REsp 1.134.387).

Além disso, devido à sua natureza, a corte tem decidido que, para o instituto produzir efeitos, é desnecessária a inscrição do bem no cartório de registro de imóveis (REsp 1.846.167).

Como se vê, o direito real de habitação pode sofrer interpretações em relação à sua aplicabilidade e, como qualquer outro direito, também é passível de sofrer limitações.

A seguir, alguns casos em que o STJ analisou e firmou tese sobre o assunto.

Direito de habitação para o companh​​eiro sobrevivente

Com o advento do Código Civil de 2002 (CC/2002), surgiu nos tribunais brasileiros a discussão acerca da subsistência do direito real de habitação para o companheiro sobrevivente.

Segundo a ministra Nancy Andrighi, tal debate ocorreu porque a sucessão do companheiro foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei 8.971/1994. Posteriormente, foi editada a Lei 9.278/1996, a qual consagrou o direito real de habitação ao convivente supérstite “enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento” (REsp 1.846.167).

Nancy Andrighi lembrou que o CC/2002, por sua vez, apenas previu tal direito ao cônjuge sobrevivente, nada dispondo sobre sua aplicação ao companheiro, o que instaurou “acirrado debate”, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, sobre a revogação ou não da Lei 9.278/1996 pelo CC/2002.

“Essa questão chegou a este tribunal superior, que firmou orientação pela preservação do referido diploma legislativo e, consequentemente, pela manutenção do direito real de habitação ao companheiro supérstite”, completou a magistrada.

No julgamento do AgRg no REsp 1.436.350, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino também destacou não terem sido revogadas as disposições da Lei 9.278/1996, “subsistindo a norma que confere o direito real de habitação ao companheiro sobrevivente diante da omissão do Código Civil em disciplinar tal matéria em relação aos conviventes em união estável, consoante o princípio da especialidade”.

O ministro Luis Felipe Salomão ressaltou que o direito real de habitação é ex vi legis (por força da lei), decorrente do direito sucessório (artigo 1.831 do CC/2002); portanto, pode ser exercido desde a abertura da sucessão (REsp 1.315.606).

Para o magistrado, a partir desse momento, o cônjuge ou companheiro sobrevivente tem instrumentos processuais para garantir o exercício do direito de habitação, inclusive por meio de ação possessória.

Posse de outros bens no patrimônio p​​essoal

O direito real de habitação do cônjuge sobrevivente, nos termos do artigo 1.831 do CC/2002, é garantido independentemente de ele possuir outros bens em seu patrimônio pessoal.

Com esse fundamento, a Terceira Turma negou provimento ao REsp 1.582.178, que questionava a permanência de uma viúva no imóvel familiar com a alegação de que ela possuía outros imóveis.

Para o ministro Villas Bôas Cueva, relator, a única condição que o legislador impôs para assegurar o direito real de habitação é que o imóvel destinado à residência do casal seja o único daquela natureza a inventariar.

“Nenhum dos mencionados dispositivos legais impõe como requisito para o reconhecimento do direito real de habitação a inexistência de outros bens, seja de que natureza for, no patrimônio próprio do cônjuge sobrevivente”, fundamentou.

O relator citou precedente da Quarta Turma, de 2013 (REsp 1.249.227), no sentido de que o direito real de habitação é conferido em lei independentemente de o cônjuge ou companheiro sobrevivente ser proprietário de outros imóveis.

Villas Bôas Cueva destacou que a parte final do artigo 1.831 faz referência à necessidade de que o imóvel seja “o único daquela natureza a inventariar”, mas mesmo essa exigência não é interpretada de forma literal pela jurisprudência.

“Nota-se que até mesmo essa exigência legal – inexistência de outros bens imóveis residenciais no acervo hereditário – é amplamente controvertida em sede doutrinária. Daí porque esta corte, em pelo menos uma oportunidade, já afastou a literalidade de tal regra”, disse ele.

Herdeiros não podem cobrar alu​​guel

O direito real de habitação tem caráter gratuito (artigo 1.414 do Código Civil), razão pela qual os herdeiros não podem exigir remuneração do companheiro sobrevivente pelo uso do imóvel, nem a extinção do condomínio e a alienação do bem enquanto perdurar esse direito.

Tal entendimento foi reafirmado pela Terceira Turma no julgamento do REsp 1.846.167. A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que o direito real de habitação reconhecido ao cônjuge ou companheiro sobrevivente decorre de imposição legal, tem natureza vitalícia e personalíssima, o que significa que ele pode permanecer no imóvel até a morte.

Dessa forma, na sucessão por falecimento, a extinção do condomínio em relação a imóvel sobre o qual recai o direito real de habitação contraria a própria essência dessa garantia, que visa proteger o núcleo familiar.

Também por causa dessa proteção constitucional e pelo caráter gratuito do direito real de habitação, não é possível exigir do ocupante do imóvel qualquer contrapartida financeira em favor dos herdeiros que não usufruem do bem. “Sua finalidade é assegurar que o viúvo ou viúva permaneça no local em que antes residia com sua família, garantindo-lhe uma moradia digna”, afirmou a ministra.

De acordo com a relatora, a intromissão do Estado na livre capacidade das pessoas de disporem de seu patrimônio só se justifica pela proteção constitucional garantida à família. Dessa forma, apontou, é possível, em exercício de ponderação de valores, a mitigação de um deles – relacionado aos direitos de propriedade – para assegurar o outro, a proteção do grupo familiar.

Copropriedade com terceiro anterior à suc​essão

A copropriedade anterior à abertura da suce​ssão impede o reconhecimento do direito real de habitação, pois há titularidade comum a terceiros estranhos à relação sucessória que ampararia o pretendido direito (EREsp 1.520.294).

Nesse sentido, a Segunda Seção negou o pedido de uma viúva que pretendia ver reconhecido o direito real de habitação sobre o imóvel em que morava, comprado pelo seu falecido marido em copropriedade com um filho dele, antes do casamento.

A relatora, ministra Isabel Gallotti, afirmou que, como o direito real de habitação já é uma exceção criada pelo legislador, não pode haver interpretação extensiva para incluir no mesmo tratamento situações não previstas em lei – por exemplo, a hipótese em que o imóvel seja objeto de copropriedade anterior com terceiros.

A mesma tese foi reafirmada recentemente no julgamento do AgInt no REsp 1.865.202. Para o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, não há direito real de habitação do cônjuge ou companheiro sobrevivente quando o imóvel em que o casal residia não era de propriedade exclusiva do falecido, uma vez que não podem os demais condôminos se sujeitar a direito surgido apenas posteriormente, em decorrência da sucessão.

Doação do imóvel antes do cas​​​amento

No julgamento do REsp 1.315.606, a Quarta Turma negou a uma viúva o direito de continuar morando no imóvel onde tinha vivido com o marido. Isso porque em 1953, antes de seu segundo casamento, o homem doou o bem aos filhos do primeiro casamento, em antecipação de herança; porém, devido à cláusula de usufruto, permaneceu no local até sua morte.

A viúva recorreu ao STJ para permanecer na propriedade, alegando que o bem integrava o patrimônio do falecido.

Para o relator, ministro Luis Felipe Salomão, algumas peculiaridades do caso – como o fato de o imóvel não ser o único bem daquela natureza a inventariar – impediram o exercício do direito de habitação pelo cônjuge sobrevivente.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), ao rejeitar a pretensão da segunda esposa, havia entendido que ela ficou viúva de um usufrutuário do bem, e não do real proprietário, já que a doação tinha sido concluída antes do seu casamento. Para o ministro Salomão, tal entendimento do TJSP é discutível, pois a doação, feita como antecipação de herança, era passível de revisão futura.

“Aquela simples doação de outrora, com cláusula de usufruto, não afastou, por si só, o direito real de habitação, uma vez que existem diversas situações em que o bem poderá ser devolvido ao acervo, retornando ao patrimônio do cônjuge falecido para fins de partilha e permitindo, em tese, eventual arguição de direito real de habitação ao cônjuge”, argumentou Salomão.

Embora por fundamentos jurídicos distintos, o ministro chegou à mesma conclusão da corte paulista pela improcedência do pedido da viúva.

“Na hipótese peculiar em julgamento, não havendo nulidade da partilha ou resolução da doação, não há falar em retorno do imóvel ao patrimônio do falecido”, declarou o relator.

Direito real de habitação arguido em ação possess​​ória

Ainda que a companheira sobrevivente não tenha buscado em ação própria o reconhecimento da união estável antes da morte do companheiro, é admissível que invoque o direito real de habitação em ação possessória, a fim de ficar na posse do imóvel em que residia com o falecido.

É pacífico no STJ o entendimento de que a companheira supérstite tem direito real de habitação sobre o imóvel de propriedade do falecido, onde residia o casal, mesmo na vigência do atual Código Civil.

Adotando tais fundamentos em decisão unânime, a Quarta Turma reconheceu ser possível a arguição do direito real de habitação para fins exclusivamente possessórios, independentemente de seu reconhecimento anterior em ação própria declaratória de união estável.

O relator do caso (que tramitou em segredo de Justiça), ministro Luis Felipe Salomão, explicou que a preferência do exercício da posse do imóvel após o falecimento do companheiro é do sobrevivente.

Por isso, para o magistrado, é “plenamente possível a arguição desse direito para fins exclusivamente possessórios, até porque entender de forma diversa seria negar proteção justamente à pessoa para quem o instituto foi desenvolvido e no momento em que ele é o mais efetivo”.

Salomão acrescentou que, no caso analisado, sendo a companheira titular de direito real de habitação exercitável diretamente sobre o imóvel, a posse é inerente ao seu direito, pois, se assim não fosse, o direito não estaria assegurado.

“Levando-se em conta a posse, considerada por si mesma, enquanto mero exercício fático dos poderes inerentes ao domínio, há de ser mantida a recorrida no imóvel, até porque é ela quem vem conferindo à posse a sua função social”, concluiu.​

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):

EREsp 1520294

REsp 1757984

REsp 1134387

REsp 1846167

REsp 1436350

REsp 1315606

REsp 1582178

REsp 1865202

REsp 1249227

REsp 1315606

Fonte: STJ

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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TJ/MT – Sentença – Expediente – Pedido de nomeação de Juiz de Paz titular por parte do suplente – Possibilidade – Ante a renúncia do antigo titular, o suplente deveria ter sido convocado à assumir o cargo – Nomeação do interessado como Juiz de Paz titular da comarca – Procedência. (Nota da Redação INR: ementa não oficial)


Expediente nº 0722659-81.2021.8.11.0021

Vistos.

Trata-se de expediente que alberga o requerimento do Senhor Luiz Schuster, Juiz de Paz primeiro Suplente do município de Agua Boa – MT, o qual requer sua nomeação como Juiz de Paz Titular do referido município.

A CRH apresentou a Informação n. 1623/2021-DRH, por meio do Departamento de Controle e Informação, pela qual declarou que “(…) a portaria 047/2019 do Juiz do Fórum da Comarca de Água Boa revogou no dia 02/08/2019 a portaria de nº 064/1986 que havia designado o Sr. Daniel Dario de Mello para exercer o cargo de Juiz de Paz daquela Comarca, por fim, comunicamos que encontra-se vago o cargo de Juiz de Paz titular (..)”.

É o relatório.

Decido.

Contextualizo, de início, que a Justiça de Paz é um órgão do Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso, regulamentada pela LC Estadual n. 617/2019, a qual alterou o Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado de Mato Grosso – COJE (Lei n. 4.967/85).

Tem-seno caso concreto a renúncia do então Juiz de Paz titular da Comarca de Água Boa, Sr. Daniel Dario de Mello, o qual pleiteou o ato perante o MM. Juízo, o qual expediu a competente Portaria. N. 047/2019, com efeitos a partir de 02/08/2019.

Por sua vez, para que a referida Comarca não ficasse sem o cumprimento dos atos pendentes ao antigo Juiz de Paz, o primeiro suplente, Sr. Luiz Schuster, assumiu a responsabilidade a partir do dia 05/08/2019, como fez prova nos documentos sob andamento n. 2.

Ao analisar a legislação aplicável ao caso concreto, o art. 67-H do COJE prevê as hipóteses de vacância do cargo de Juiz de Paz, com expressa previsão no inc. II quanto à renúncia.

Há que se ressaltar que o ato de renúncia se faz por declaração unilateral de vontade, por parte de um dos eleitos ao cargo, ao passo que o antigo Juiz de Paz titular assim o fizera, sob observância do § 2º do art. 67-H.

Por sua vez, com a renúncia ao cargo e decretada a sua vacância, o primeiro colocado deveria ter sido convocado para tomar posse como titular perante o Juiz Diretor do Foro, como prevê o art. 67-J, caput do COJE.

Ato contínuo, o 2º suplente também deverá ser convocado para tomar posse como 1º suplente perante o Juiz Diretor do Foro, na forma do § 1º do art. 67-J supracitado.

Noutro giro, no tocante às despesas retroativas a ser eventualmente arcada pelo erário público, deixo de me manifestar sobre o impacto dos custos à Alta Administração, por se do crivo da Presidência deste E. TJMT,ante a competência do ordenador de despesas para tanto.

Desta feita determino ao MM. Juízo da Comarca de Água para que tome as devidas providências quanto à nomeação do 1º suplente, Sr. Luiz Schuster, como titular do cargo de Juiz de Paz, com as cautelas de praxe.

Encaminhe-se os autos ao DOF às providências cabíveis.

Por medida de celeridade e economia processual, a cópia do(a) presente despacho/decisão servirá como ofício, nos termos da Ordem de Serviço n. 01/2016-CGJ.

Cumpra-se.

Cuiabá, 29 de junho de 2021.

(documento assinado digitalmente)

EDUARDO CALMON DE ALMEIDA CEZAR

Juiz Auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça

Portaria n. 01/2021-CGJ – – /

Dados do processo:

TJMT – Expediente CIA nº 0722659-81.2021.8.11.0021 – Rel. Des. Eduardo Calmon de Almeida Cezar – Data de Julgamento 29.06.2021

Fonte: INR Publicações

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