CGJ/SP – Mandato com poderes especiais e expressos outorgado por meio de procuração pública – Compreensão da determinação dos bens e seu objeto para fins de alienação ao interpretar a procuração pública – Regularidade da escritura pública de compra e venda realizada com a utilização do mandato – Seja como for, a existência de compreensão doutrinária em conformidade ao ato praticado exclui a possibilidade de ilícito administrativo ante a independência funcional do Notário – Recurso não provido.


Número do processo: 87478

Ano do processo: 2019

Número do parecer: 509

Ano do parecer: 2019

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 2019/87478

(509/2019-E)

Mandato com poderes especiais e expressos outorgado por meio de procuração pública – Compreensão da determinação dos bens e seu objeto para fins de alienação ao interpretar a procuração pública – Regularidade da escritura pública de compra e venda realizada com a utilização do mandato – Seja como for, a existência de compreensão doutrinária em conformidade ao ato praticado exclui a possibilidade de ilícito administrativo ante a independência funcional do Notário – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso administrativo em representação disciplinar apresentada pelos Srs. Cristian Mark Junio Nascimento Oliveira Baroni e Camila Guimarães Baroni Oliveira referindo a prática de ilícito administrativo pelo Sr. 1º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca de Bauru, que fora arquivada pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, sustentando irregularidade na atuação do Notário em virtude da ausência de poderes especiais e determinados para venda de bem imóvel na procuração outorgada e utilizada em escritura pública de compra e venda (a fls. 67/78).

Contrarrazões à fls. 80/102.

A Douta Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo provimento do recurso (a fls. 109/112).

É o relatório.

Opino.

A questão em exame envolve representação sustentando falha no serviço notarial e consequente responsabilidade administrativa disciplinar do Sr. Tabelião em razão da lavratura de escritura pública de venda de imóvel na qual os ora representantes, na condição de vendedores, foram representados por mandatária, nomeada por procuração pública, na qual não constou indicação específica do imóvel a ser alienado.

No referido instrumento público (a fls. 11) constou:

“Conferem ainda a mesma procuradora, poderes específicos, nos termos do artigo 661, parágrafos primeiro e segundo do Código Civil, para comprar, vender, ceder, transferir, compromissar, ceder ou receber cessão de direitos hereditários, permutar, doar com ou sem reserva de usufruto, receber doações, instituir usufruto, permutar, hipotecar apenhar, dar em pagamento ou qualquer forma alienar e onerar, bens móveis ou imóveis, situados neste ou em qualquer outro município deste país”. (grifos constantes na procuração pública)

De outra parte, o artigo 661 do Código Civil estabelece:

“Art. 661. O mandato em termos gerais só confere poderes de administração.

§ 1º Para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos.

§ 2º O poder de transigir não importa o de firmar compromisso”.

Nessa perspectiva o conteúdo do mandato tratou de poderes especiais por ultrapassar os atos de administração ordinária referidos no artigo 661, caput, do Código Civil.

A determinação legislativa constante na parte final do artigo 661, parágrafo 1º, do Código Civil afirmando a necessidade de poderes especiais e expressos trata de noções diversas que não se confundem.

Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil Brasileiro. v. 3. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 336 e 336) menciona a respeito:

“mandato expresso, especifico daqueles casos que exigem procuração contendo poderes especiais (CC, art. 661, p. 1°), pois a manifestação desses poderes deverá revelar-se de modo inequívoco”.

“mandato com poderes especiais, se envolver atos de alienação ou disposição, exorbitando dos poderes de administração ordinária (CC, art. 661, p. 1º e 2º)”.

Desse modo, a previsão normativa envolve a necessidade da concessão de poderes específicos para além da administração ordinária (especiais) e declarados de modo inequívoco (expressos).

Em momento algum o Código Civil estabeleceu a impossibilidade da concessão de poderes especiais e expressos, com indicação genérica dos imóveis abrangidos para a prática de atos negociais.

Inclusive, no caso concreto a causa do mandato envolveu justamente a concessão de poderes amplos, especiais e expressos em razão da necessidade dos mandantes se ausentarem do país por razões de ordem profissional. Registre-se ainda a realização de várias aquisições imobiliárias pela mesma mandatária em favor dos mandantes (a fls. 56/61, 64/67 e 73/76).

A compreensão de Pontes Miranda (Tratado de direito privado. T. XLVII, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 35), fundada em julgado da 4ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo de 20 de abril de 1944, no sentido de que os poderes especiais “são os poderes outorgados para a prática de algum ato determinado ou de alguns atos determinados”, não exclui a possibilidade da concessão de poderes especiais e expressos para venda de imóveis a partir de indicação geral.

Note-se que o objeto do mandato com poderes especiais pode envolver bens “imóveis, situados neste ou em qualquer outro município deste país” não havendo necessidade de bem certo e determinado, sobretudo na situação concreta em que os mandantes residiam na Turquia por questões profissionais.

Claudio Luiz Bueno de Godoy (Código civil comentado. Baueri: Manoel, 2007, p. 524) refere essa situação nos seguintes termos:

“É certo, porém, como Carvalho Santos adverte (Código Civil brasileiro interpretado, 5. Ed Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. XVIII, p. 163), que, se o mandato envolve a outorga de poderes para a venda de todos os imóveis do mandante, terá sido cumprida a exigência de poderes especiais”.

Pugnando pela desnecessidade da determinação do imóvel, sob a égide do Código Civil de 1916, cujo artigo 1.295 possuía a mesma redação do artigo 661 do Código Civil, Washington de Barros Monteiro (Curso de direito civil. v. 5°. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 254) afirma que “para hipotecar reclama-se do mandatário a obtenção de poderes especiais e expressos; dispensa-se, porém, a designação do bem a ser hipotecado”.

Esse também é o entendimento de Sílvio Rodrigues (Direito civil. v. 3. Saraiva: São Paulo, 1990, p. 305) como segue:

“Por outro lado, enquanto alguns julgados são mais rigorosos, pois entendem que só valerá a autorização para hipotecar ou alienar quando as mesmas vierem acompanhadas de expressa menção dos bens objeto do negócio, outros se apresentam mais liberais e dispensam tal menção (cf. entre outros, do S.T F., Arq. Jud., 58/375).

Esta última opinião é que está certa. Se o outorgante confere ao procurador poderes para vender ou hipotecar bens imóveis sem dizer quais os bens que o representante pode alienar ou onerar, assume o risco de que este venda ou hipoteque os que entender. O que é perfeitamente justificável, tendo em vista que o mandato é um negócio com base na confiança que o constituinte deposita no representante. Querer interpretar de maneira excessivamente estrita às cláusulas do mandato constitui uma tentativa descabida e injusta de tutelar o interesse de pessoa capaz, que não encontra fundamento nem na lei, nem no interesse social”. (grifos meus)

No presente caso a questão é que os poderes especiais foram conferidos de molde a permitir a compreensão de seu objeto, ainda que não nominasse os imóveis especificadamente, como sugere Pontes de Miranda.

O precedente administrativo do C. Conselho Superior da Magistratura, consistente na Apelação nº 0001301– 68.2016.8.26.0083, relatada por Vossa Excelência, j. 04.10.2018, tratou de questão pouco diferente da presente, ou seja, de que a concessão de poderes genéricos de alienação não engloba o poder de integralização de cotas de capital social por meio da transferência de imóvel, apesar de haver afirmado pela necessidade de determinação específica do objeto.

Além disso, o contexto desta situação é diverso em razão dos aspectos fáticos no qual houve a outorga de procuração.

Seja como for, é do corpo da referida decisão:

“Os poderes para “…outorgar contratos de quaisquer natureza, como contratos de locação ou fiança, compra e venda de bens móveis e imóveis… “, entretanto, são por demais genéricos e não equivalem a poderes expressos para vender imóvel determinado, ou a determinar, com fixação do preço da venda, no que, em tese, poderia ser compreendido o poder para alienar imóvel mediante negócio jurídico distinto consistente em integralização de capital social.

Portanto, embora ambos os contratos, de compra e venda e de integralização de capital social, sejam bilaterais, onerosos e comutativos, neste caso concreto os poderes genéricos para outorgar contratos de quaisquer naturezas, como os de compra e venda, não podem ser interpretados como poderes para alienar imóvel determinado ou a determinar, por valor diretamente ajustado pela mandatária.

E o valor da alienação, ainda neste caso concreto, corresponde ao das cotas sociais integralizadas em nome do alienante, o que também afasta a alegação de que na integralização de capital social haveria mero ato de administração ordinária.

Por seu lado, os contratos de execução de loteamento de imóvel com parceria, reproduzidos às fls. 52162 e 78187, não compõem o título apresentado para registro e, mais, disseram respeito a negócios jurídicos distintos, razão pela qual não alteram o resultado da dúvida”.

O outro precedente consistente na Apelação Cível n. 524-6/3, Rel. Des. Gilberto Passos de Freitas, j. 03.08.2006, acolheu o entendimento da necessidade da determinação do imóvel a ser alienado, como se observa do seguinte:

“Conclui-se, pois, que os poderes especiais e os poderes expressos, referidos no § 1° do artigo 661 do Código Civil, têm significados diversos.

Estes últimos são os referidos no mandato (exemplo: poderes para vender, doar, hipotecar, etc).

Já aqueles correspondem à determinação especifica do ato a ser praticado (exemplo: vender o imóvel ‘A’, hipotecar o imóvel ‘B’, etc).

E o ordenamento jurídico, como já visto, exige a presença de ambos na procuração com o escopo de se alienar bens.

Isso mais se avulta quando a hipótese envolve a venda de imóveis, cujo alto valor que, em regra, tais negócios encerram, já impõe, por si só, redobrada cautela, ainda que outorgante e outorgado sejam entre si casados.

Daí decorre o entendimento de Carvalho Santos, citado por Arnaldo Marmitt:

Da necessidade dos poderes expressos e especiais para poder o mandatário alienar bens de propriedade do mandante resulta, também, a necessidade de constarem na procuração os bens a serem vendidos, devidamente individualizados, a não ser que os poderes abranjam todos os bens do mandante (Mandato, Aide Editora, l” edição, 1992, p. 182.3)”.

De tudo que foi exposto até aqui, ao se interpretar o mandato outorgado, compete concluir em consideração ao contexto no qual foi realizado o negócio jurídico: (i) a viagem dos mandantes ao exterior, (ii) a mandatária ser irmã da mandante e cunhada do mandante, (iii) os grifos constantes do instrumento público acerca da concessão de poderes especiais e expressos para alienação e (iv) a referência aos bens “imóveis, situados neste ou em qualquer outro município deste país“, que houve individualização dos bens objeto da outorga de poderes especiais.

Mesmo que se admitisse compreensão diversa, há corrente doutrinária, como se observa das citações supra, no sentido da não necessidade da determinação do bem imóvel objeto do mandato com poderes especiais.

Diante disso, considerada a independência funcional do Tabelião no exercício de sua profissão jurídica (Lei n. 8.935/94, art. 3º) a eleição de determinado entendimento doutrinário, não obstante a existência de outros, impede a responsabilização disciplinar dada a inexistência de ilícito administrativo.

Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submete-se à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido do não provimento do recurso administrativo.

Sub censura.

São Paulo, 11 de setembro de 2019.

Marcelo Benacchio

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso. Publique-se. São Paulo, 12 de setembro de 2019. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça – Advogado: MARCIO NASCIMENTO E SILVA, OAB/SP 429.840.

Diário da Justiça Eletrônico de 18.09.2019

Decisão reproduzida na página 177 do Classificador II – 2019

Fonte: INR Publicações

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TJ/SP – Recurso Administrativo – Pedido de alvará judicial para traslado e incineração de restos mortais – Lei Municipal de São Paulo nº 7.017, de 17 de abril de 1967 – Filhos que se declaram únicos, concordando com o pedido – Indeferimento fundado na necessidade de retificação do assento de óbito, onde consta que o falecido não tinha filhos – Desnecessidade – Relação de parentesco decorrente do registro de nascimento – Informações apresentadas pelo declarante do óbito que não obstam o exercício de pretensões por quem ostente a condição de filho, conforme o registro civil – Declaração de inexistência de outros filhos com presunção de veracidade, ausente impugnação por qualquer interessado – Possibilidade de retificação posterior do assento de óbito, sem prejudicar o pedido administrativo de incineração – Recurso provido para deferir o pedido, determinando-se a expedição de alvará para traslado e incineração.


Número do processo: 0050857-80.2019.8.26.0100

Ano do processo: 2019

Número do parecer: 71

Ano do parecer: 2020

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 0050857-80.2019.8.26.0100

(71/2020-E)

Recurso Administrativo – Pedido de alvará judicial para traslado e incineração de restos mortais – Lei Municipal de São Paulo nº 7.017, de 17 de abril de 1967 – Filhos que se declaram únicos, concordando com o pedido – Indeferimento fundado na necessidade de retificação do assento de óbito, onde consta que o falecido não tinha filhos – Desnecessidade – Relação de parentesco decorrente do registro de nascimento – Informações apresentadas pelo declarante do óbito que não obstam o exercício de pretensões por quem ostente a condição de filho, conforme o registro civil  Declaração de inexistência de outros filhos com presunção de veracidade, ausente impugnação por qualquer interessado – Possibilidade de retificação posterior do assento de óbito, sem prejudicar o pedido administrativo de incineração – Recurso provido para deferir o pedido, determinando-se a expedição de alvará para traslado e incineração.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

1. Trata-se de recurso administrativo interposto por O.A., visando a reforma da sentença que julgou improcedente o pedido de autorização de traslado e incineração dos restos mortais de seu genitor, R.A.P., entendendo pela necessidade de retificação do registro de óbito, ante a informação de que o falecido não tinha filhos. Afirmou a impossibilidade de verificação da existência de outros filhos cuja anuência é necessária, conforme o art. 2°, da Lei Municipal nº 7.017, de 19 de abril de 1967 (fls. 54/55).

2. O recurso sustenta, em resumo, que a autorização para incineração é regulada pela Lei Municipal nº 7.017, de 19 de abril de 1967, exigindo a anuência dos descendentes, na falta de manifestação em vida do de cujus, de cônjuge sobrevivente ou de ascendentes vivos. Sustenta haver prova suficiente da anuência de todos os filhos do falecido, comprovado pelo registro de nascimento seu e de sua irmã, D., sendo irrelevante a informação no registro do óbito da inexistência de filhos. Sustenta a desnecessidade de prévia retificação do registro do óbito, permitindo-se a imediata autorização para a incineração. Busca o provimento do recurso, autorizando-se por alvará o traslado e cremação dos restos mortais (fls. 64/72).

O Ministério Público de primeiro grau manifesta-se pelo provimento do recurso (fls. 82/84).

A Procuradoria Geral de Justiça opina pelo provimento do recurso (fls. 88/90).

É o relatório.

Opino.

3. Apesar da interposição do recurso com a denominação de apelação, substancialmente cuida-se de recurso administrativo previsto no art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, cujo processamento e apreciação competem a esta Corregedoria Geral da Justiça.

Assim, em atenção aos princípios da instrumentalidade e da fungibilidade ao processo administrativo, conheço do recurso.

4. Trata-se de pedido de autorização judicial para o translado e incineração dos restos mortais de R.A.P., requerido por seu filho, O.A., com fundamento na Lei Municipal nº 7.017, de 19 de abril de 1967. Descreve que, por conta do falecimento de R. ter se dado em acidente de automóvel, com morte por carbonização, exigiu o crematório autorização judicial para o ato, nos termos do art. 77, § 2° da Lei nº 6.015/1973.

A sentença recorrida indeferiu o pedido, entendendo pela necessidade de prévia retificação do registro de óbito, eis que esta consta a informação de falecimento sem filhos. E, por conta disto, entendeu pela impossibilidade de confirmação se a autorização do recorrente e de sua irmã, D., diz respeito a todos os filhos, nos termos do art. 4° c.c. art. 2°, b e § 1º, da referida lei municipal.

Consta de referida lei municipal:

Art. 1º Fica o Executivo autorizado a instituir a prática de cremação de cadáveres e incineração de restos mortais, bem como a instalar, nos cemitérios ou em outros próprios municipais, por si, pelo Serviço Funerário da Capital, ou por terceiros, através de concessão de serviços, fornos e incineradores destinados àqueles fins.

(…)

Art. 2º Será cremado o cadáver:

a) daquele que, em vida, houver demonstrado esse desejo, por instrumento público ou particular, exigida, neste último caso, a intervenção de três testemunhas e o registro do documento;

b) se, ocorrida a morte natural, a família do morto assim o desejar e sempre que, em vida, o ‘de cujus’ não haja feito declaração em contrário por uma das formas a que se refere a alínea anterior.

§ 1º Para efeitos do disposto na alínea ‘b’ deste artigo, considera-se família, atuando sempre um na falta do outro, e na ordem estabelecida, o cônjuge sobrevivente, os ascendentes, os descendentes e os irmãos, estes e aqueles últimos, se maiores.

(…)

Art. 4º Os restos mortais, após a regular exumação, poderão ser incinerados, mediante consentimento expresso da família do ‘de cujus’, observado, para esse efeito, o critério estatuído no § 1º do artigo 2°.”

A lei local deixa claro que, à falta de consentimento prévio do morto ou, sucessivamente, de autorização do cônjuge sobrevivente ou de ascendentes, haveriam de concordar com o ato todos os descendentes do falecido. Tal autorização não guarda qualquer relação com a correção das informações constantes do assento de óbito, vinculando-se exclusivamente à condição de filhos dos pretendentes, a afastar a exigência da retificação.

Segundo os autos, por conta do registro do óbito de R.A.P., ocorrido em 05.05.1980, anotou-se a informação de que o falecido não deixava filhos (fl. 5). E, por conta deste fato, entendeu o MM Juiz Corregedor Permanente pela necessidade de prévia retificação do registro do óbito, ante a insegurança de que o recorrente e sua irmã seriam os únicos filhos existentes.

A questão, em termos gerais, passa pela natureza das anotações feitas por conta do registro do óbito, com fundamento no art. 80 da Lei nº 6.015/1973, em relação à comprovação da filiação decorrente do registro de nascimento.

E, no caso, não há como se reconhecer outros efeitos que não a simples informação feita pelo declarante do óbito de que o falecido não tinha filhos, sem qualquer interferência quanto à condição de descendentes dos filhos e do direito de decidirem pelo destino dos restos mortais do pai.

As anotações feitas no registro de óbito, listadas no art. 80 da Lei nº 6.015/1973, giram em torno do fato certo da morte, mas não traduzem constituição de situações jurídicas em si mesmas. São apenas informativas, podendo ser feitas por quem não tenha segurança de todos os elementos constantes da lei no momento da informação, considerando a possibilidade da declaração por quem não seja sequer parente do falecido, conforme prevê o art. 79, números 4, 5 e 6, da Lei de Registros Públicos. Tais informações, assim, não constituem direitos, mas apenas servem para dar segurança não só da ocorrência da morte, mas para fornecer naquilo que interessa razoável número de informações a respeito do fato.

Mas tais informações não traduzem qualquer efeito quanto às relações de parentesco do falecido. A vinculação de duas pessoas pelo parentesco na linha descendente, configurando-se a condição jurídica de filho, decorre exclusivamente do registro de nascimento, nos termos do art. 1.603 do Código Civil.

Daí que a presença ou não de tal indicação no registro do óbito não altera, em nada, a realidade fáticojurídica dos filhos registrados como tal.

E, no caso, há comprovação nos autos de que o recorrente O. e sua irmã, D., são filhos do falecido, conforme certidões de nascimento de fl. 38 e fl. 41.

Tal comprovação, complementada pela informação constante no registro do óbito de G.V.P., viúva de R., de que deixava dois filhos, O.A. e D.A.V.C., bem como da escritura pública de inventário de bens de R. e G., em que constam os dois filhos como únicos herdeiros (fls. 43/48), traduz suficiente segurança no cumprimento da autorização exigida pelo art. 4° da Lei Municipal nº 7.017/1967.

Perceba-se que tanto a informação da existência de filhos constante do registro do óbito, como a declaração dos descendentes por conta do inventário de que são os únicos filhos, caracterizam ato unilateral com presunção de veracidade afastável mediante provocação de algum interessado. São declarações firmadas a partir do que consta do registro civil de nascimento, não havendo motivos para a recusa por conta da necessidade de correção de informações do registro de óbito.

Este, como dito, pode e deve ser retificado. Mas tal fato não condiciona a autorização para a incineração dos restos mortais, sendo suficiente a autorização dada pelos comprovadamente filhos.

Daí não haver dúvidas de que o recorrente cumpriu os requisitos legais, seja pela apresentação de seu pedido, seja pela concordância expressa da outra filha do falecido, D. (fls. 32/33), não havendo necessidade de prévia retificação do registro de óbito para que ali se informasse a existência destes filhos.

Observo, ainda, que a comunicação feita pelo Juízo ao Juiz Corregedor Permanente do Registro Civil da Comarca de (…), local onde está registrado o óbito, torna desnecessária nova determinação neste sentido, procedendo-se a retificação do registro independentemente de autorização de incineração dos restos mortais.

5. Assim, o parecer que submeto à consideração de Vossa Excelência, é no sentido de se dar provimento ao recurso, deferindo se o pedido de autorização para traslado e incineração dos restos mortais de R.A.P. para o Crematório Horto da Paz, expedindo-se alvará para a incineração e, posteriormente, mandado ao Cartório de Registro Civil de (…), procedendo-se a retificação do assento de óbito matrícula 115543 01 55 1980 4 00074 266 0030961-03.

Sub censura.

São Paulo, 12 de fevereiro de 2020.

Paulo Rogério Bonini

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, dou provimento ao recurso administrativo, para autorizar o traslado e a incineração dos restos mortais de R.A.P. Publique-se. São Paulo, 21 de fevereiro de 2020. (a) RICARDO ANAFE, Corregedor Geral da Justiça – Advogado: O.A., OAB/SP: 23.663 (em causa própria).

Diário da Justiça Eletrônico de 09.03.2020

Decisão reproduzida na página 029 do Classificador II – 2020

Fonte: INR Publicações

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