CGJ/SP – Registro de Imóveis – Recurso de apelação recebido como recurso administrativo – Retificação de registro imobiliário – Impugnação – Álveo abandonado – Alegação municipal de interferência em área pública – Impossibilidade de discussão de direito de propriedade em via administrativa – Art. 213 § 6º da Lei nº 6.015/73 – Recurso desprovido.


Número do processo: 1116752-73.2016.8.26.0100

Ano do processo: 2016

Número do parecer: 420

Ano do parecer: 2019

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1116752-73.2016.8.26.0100

(420/2019-E)

Registro de Imóveis – Recurso de apelação recebido como recurso administrativo – Retificação de registro imobiliário – Impugnação – Álveo abandonado – Alegação municipal de interferência em área pública – Impossibilidade de discussão de direito de propriedade em via administrativa – Art. 213 § 6º da Lei nº 6.015/73 – Recurso desprovido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de apelação interposta por NADIA ELISABETH BERLOFF PAGNANI e OUTROS, por não se conformarem com a r. sentença de fl. 593/595, que julgou improcedente a retificação por eles proposta perante o 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, em razão de impugnação apresentada pelo Município de São Paulo, remetendo a solução do conflito instalado às vias ordinárias.

Sustentam os recorrentes ser absolutamente cabível a retificação buscada, haja vista que estão atendidos os requisitos do art. 213 da Lei nº 6.015/73, destacando, ainda, que o laudo pericial (fls.488/512) foi conclusivo em apontar que o pleito do Município de São Paulo não deve prosperar, pois utilizada sobreposição de planta, o que seria inadequado ao caso em exame.

Verbera que não se trata de controvérsia de direito de propriedade, pois, conforme amplamente demonstrado e provado, o simples fato de o terreno ocupar área pertencente ao antigo leito do rio não autoriza a automática transferência do domínio ao Poder Público; o bem só se tomaria público com o fim específico de compensar economicamente os recorrentes.

A D. Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fl. 641/643).

Pela r. decisão de fl. 645/646, foi determinada pela Exma. Desembargadora ANA MARIA BALDY, 6ª Câmara de Direito Privado, a redistribuição dos autos a esta Eg. Corregedoria Geral da Justiça.

É o relatório.

Opino.

Preliminarmente, não se tratando de procedimento de dúvida, cujo cabimento é restrito aos atos de registro em sentido estrito, verifica-se que o recurso foi denominado erroneamente de apelação, uma vez que se busca ato materializado por averbação.

Todavia, tendo em vista a sua tempestividade, possível o conhecimento e processamento do apelo como recurso administrativo, nos termos do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo (Decreto-Lei Complementar Estadual nº 3/1969).

Passando ao mérito, o recurso não comporta provimento.

Trata-se de pedido de retificação de registro imobiliário do imóvel matriculado sob nº 11.466, do 4° Registro de Imóveis da Capital, figurando como interessados os recorrentes.

Após as notificações ocorridas perante a serventia extrajudicial, houve impugnação por parte do Município, alegando interferência do imóvel retificando em área de domínio público, consistente no antigo leito do córrego Uberaba/Uberabinha.

De fato, como alegado pelos recorrentes, o laudo pericial de fl.488/512 afastou a alegação municipal, afirmando o expert que a fundamentação municipal se baseou erroneamente em sobreposição de planta, o que seria inadequado ao caso. Afirmou, ainda, que o álveo não se encontra na área retificanda.

Ocorre que, por outro enfoque, existe alegação municipal no sentido de que a planta utilizada está correta, e que o estudo leva em consideração a alteração do curso do córrego causada especificamente por obra pública.

Aduz ainda o município que a questão de direito referente ao Código de Águas deve ser apreciada nas vias ordinárias, e que seria necessário respeitar o traçado do córrego a partir da representação gráfica da planta SARA, de 1930, e da planta VASP/CRUZEIRO, de 1954.

Assim, nos termos da r. sentença recorrida, estamos diante de vedação expressa em lei quanto à possibilidade da retificação administrativa, conforme § 6º do art. 213 da Lei de Registros Públicos:

Art. 213. O oficial retificará o registro ou a averbação:

(…)

§ 6° Havendo impugnação e se as partes não tiverem formalizado transação amigável para solucioná-la, o oficial remeterá o processo ao juiz competente, que decidirá de plano ou após instrução sumária, salvo se a controvérsia versar sobre o direito de propriedade de alguma das partes, hipótese em que remeterá o interessado para as vias ordinárias. (g.n).

A retificação administrativa, aqui tratada, somente tem espaço quando não atingidos interesses de terceiros, ou seja, quando for intra muros.

E nada obstante todas as alegações dos recorrentes a respeito do laudo pericial a eles favorável, à suposta inadequação da planta utilizada e de anterior ausência de impugnação municipal sobre a mesma área, deve ser lembrado que aqui se está em procedimento de natureza administrativa, não jurisdicional (nem mesmo jurisdição voluntária), sendo descabida rejeição de alegação dominial neste expediente, a menos que manifestamente infundada.

Quanto às impugnações à retificação, o Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ traz regra clara ao estabelecer que aquelas que forem consideradas manifestamente infundadas deverão ser rejeitadas de plano, seja pelo Oficial Registrador, seja pelo MM. Juiz Corregedor Permanente:

138.19. Decorrido o prazo de 10 (dez) dias, prorrogável uma única vez por 20 dias a pedido, sem a formalização de transação para solucionar a divergência, o Oficial de Registro de Imóveis: I – se a impugnação for infundada, rejeitá-la-á de plano por meio de ato motivado, do qual constem expressamente as razões pelas quais assim a considerou, e prosseguirá na retificação caso o impugnante não recorra no prazo de 10 (dez) dias (…).

NOTA – Consideram-se infundadas a impugnação já examinada e refutada em casos iguais ou semelhantes pelo Juízo Corregedor Permanente ou pela Corregedoria Geral da Justiça; a que o interessado se limita a dizer que a retificação causará avanço na sua propriedade sem indicar, de forma plausível, onde e de que forma isso ocorrerá; a que não contém exposição, ainda que sumária, dos motivos da discordância manifestada; a que ventila matéria absolutamente estranha à retificação; e a que o Oficial de Registro de Imóveis, pautado pelos critérios da prudência e da razoabilidade, assim reputar. (g.n).

O caso em exame trata de tema exatamente oposto à previsão normativa, uma vez que o Município, ainda que se utilizando de sobreposição de plantas, indica, na sua ótica, onde exatamente estaria ocorrendo a interferência em área pública, não podendo, de forma alguma, ser considerada manifestamente infundada.

Afastada a hipótese de negócio jurídico bilateral entre os proprietários dos imóveis confrontantes (art. 213, inciso II, §§ 6º e 9° da Lei nº 6.015/73), o procedimento de retificação não é adequado para a aquisição ou a perda de propriedade imóvel, razão pela qual deve respeitar os limites tabulares e próprios municipais, sob pena de necessidade de que a controvérsia se resolva judicialmente.

Por essas razões, tratando-se de impugnação fundada, versando sobre direito de propriedade de área pública, não se mostra cabível a utilização da via administrativa, com imprescindível deliberação jurisdicional sobre o cabimento ou não da resistência municipal.

Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é pelo conhecimento da apelação corno recurso administrativo, nos termos do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, e, no mérito, pelo seu não provimento.

Sub censura.

São Paulo, 12 de agosto de 2019.

Paulo Cesar Batista dos Santos

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, recebo a apelação como recurso administrativo e a ele nego provimento. Publique-se. São Paulo, 15 de agosto de 2019. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça – Advogados: LEANDRO CRASS VARGAS, OAB/SP 215.834, MARCIA HALLAGE VARELLA GUIMARÃES, OAB/SP 98.817 e EDUARDO MIKALAUSKAS, OAB/SP 179.867.

Diário da Justiça Eletrônico de 23.08.2019

Decisão reproduzida na página 161 do Classificador II – 2019

Fonte: DJE/SP.

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CSM/SP – Registro de imóveis – Dúvida – Loteamento – Impugnação (Lei n. 6.766/1979, art. 19, §§ 1º-2º) – Natureza administrativa – Competência do Conselho Superior da Magistratura, por tratar-se de discussão acerca de registro em sentido estrito – Legitimidade do terceiro para impugnar e apelar – Empreendimento aprovado pela Prefeitura Municipal – Impossibilidade de discussão do mérito da aprovação municipal nesta via administrativa – Precedentes – Manutenção da sentença – Apelação a que se nega provimento.


Apelação Cível nº 1004806-29.2019.8.26.0347

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1004806-29.2019.8.26.0347
Comarca: MATÃO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1004806-29.2019.8.26.0347

Registro: 2021.0000127915

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1004806-29.2019.8.26.0347, da Comarca de Matão, em que é apelante LUCIANO JOSÉ NANZER, são apelados OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MATÃO, MUNICÍPIO DE MATÃO e BRNPAR EMPREEENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 11 de fevereiro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1004806-29.2019.8.26.0347

Apelante: Luciano José Nanzer

Apelados: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Matão, Município de Matão e Brnpar Empreeendimentos Imobiliários Ltda

VOTO Nº 31.458

Registro de imóveis – Dúvida – Loteamento – Impugnação (Lei n. 6.766/1979, art. 19, §§ 1º-2º) – Natureza administrativa – Competência do Conselho Superior da Magistratura, por tratar-se de discussão acerca de registro em sentido estrito – Legitimidade do terceiro para impugnar e apelar – Empreendimento aprovado pela Prefeitura Municipal – Impossibilidade de discussão do mérito da aprovação municipal nesta via administrativa – Precedentes – Manutenção da sentença – Apelação a que se nega provimento.

1. Cuida-se de apelação (fl. 2.580-2.595) interposta por Luciano José Nanzer contra a r. sentença em que o MM. Juízo de Direito Corregedor do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Matão (a) rejeitou in totum a impugnação (fl. 2.409/2.429; §§ 1º-2º da Lei n. 6.766, de 19 de dezembro de 1979) que o apelante apresentara ao registro do loteamento “Residencial Vila Rica Matão I”, empreendido por BRNPAR Empreendimentos Imobiliários Ltda. e, desse modo, (b) mandou que se prosseguisse no processo registral.

A sentença apelada (fl. 2.549-2.556) entendeu que o loteamento conta com todas as necessárias aprovações administrativas, e o mérito destas não pode ser discutido perante a Corregedoria Permanente, fora da esfera jurisdicional. Mencionou o r. decisum que, a par isso, a Prefeitura Municipal de Matão enfrentou todos os pontos discutidos pelo impugnante e corroborou a legalidade de tudo o que se fez, de modo que a impugnação, tal como apresentada, extrapolou o âmbito administrativo e não podia ser acolhida para impedir o registro pretendido.

Em seu recurso (fl. 2.580-2.595), o apelante volta a questionar os pontos seguintes, já arguidos em sua impugnação: (a) no loteamento pretendido, o sistema de lazer foi desmembrado em 33 áreas, o que fere a Lei Municipal n. 3.800, de 5 de outubro de 2006, art. 47, § 4º, VII: segundo essa regra, com efeito, as áreas de lazer não poderiam ser inferiores, cada qual, a 10.000 m², e no caso atingem a média de 300 m², em 33 frações (fl. 2.583/2.584); (b) há quadras com comprimento superior a 270 m, e para burlar a vedação legal (Lei Municipal n. 3.800/2006, art. 47, § 4º, X) foram inseridas, no meio delas, áreas de lazer irrisórias, com apenas 14 m de frente (fl. 2.584/2.585); (c) não foram destinadas quadras específicas para fins comerciais, conquanto a Lei n. 3.800/2006, art. 47, § 4º, X, b, proíba as quadras mistas (fl. 2.585/2.586); (d) não foram atendidas as exigências de metragens mínimas para as vias públicas, porque a denominada Rua 42 na realidade, uma avenida teria de possuir 18 metros de largura (Lei Municipal n. 3.800/2006, art. 47, § 1º, a), e não apenas 16 (fl. 2.586/2.587); (e) o sistema de águas pluviais do novo loteamento foi interligado ao de outro, este o qual possui rede 40% menor, ou seja: o sistema do antigo loteamento não tem capacidade para receber as águas que se pretende destinar-lhe (fl. 2.587/2.591). Aduz o recorrente, então, que a administração municipal não pode ratificar ou retificar a aprovação de loteamento em desacordo com as exigências urbanísticas postas no plano diretor, e que a qualificação registral tem de ser rigorosa ao verificar a conformidade entre o projeto de loteamento e a lei, o que não se deu neste caso, razão pela qual a r. sentença há de ser reformada para que se indefira o registro stricto sensu do loteamento

“Residencial Vila Rica Matão I”.

A Prefeitura Municipal de Matão e a empreendedora BRNPAR apresentaram contrarrazões (fl. 2.618/2.621 e 2.627/2.636), sustentando, em síntese, que o terceiro, além de não ter legitimidade para impugnar ou recorrer, se valera de meio inadequado para a sua pretensão, a qual, de resto, não tem lugar, uma vez que o loteamento recebeu todas as aprovações administrativas pertinentes.

O Ministério Público pôde manifestar-se em primeiro grau de jurisdição, (fl. 2.640/2.646).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso de apelação (fl. 2.664/2.669).

É o relatório.

2. A impugnação prevista na Lei n. 6.766/1979, art. 19, § 1º e da qual se trata aqui tem natureza administrativa e o seu processo e julgamento, no segundo grau de jurisdição, tocam, segundo o entendimento vigente, a este Conselho Superior da Magistratura.

Como esclarecem Vicente Celeste Amadei e Vicente de Abreu Amadei:

“… quer pela celeridade procedimental, que a impugnação exige (evitando, pois, os longos trâmites dos processos judiciais na esfera jurisdicional, que, não raramente, superam a casa de anos), quer pela especialidade do Juiz Corregedor no trato da matéria, o trâmite e a decisão da impugnação no universo administrativo judicial (não jurisdicional) é, de longe, de maior proficuidade. Outrossim, essa é a tendência que se tem solidificado nos atuais julgados da matéria no Estado de São Paulo e, ainda, na expectativa legislativa (v. g. o Projeto de Lei de Responsabilidade Territorial PL nº 3057/00, explicita, como competente para conhecer e julgar a impugnação de registro de loteamento, o ‘juiz corregedor’).” (Como lotear uma gleba: o parcelamento do solo em todos os seus aspectos (loteamento e desmembramento). 3ª ed. Campinas: Millennium, p. 324).

Assentado assim o cariz administrativo dessa impugnação, vale recordar que, na tradição da jurisprudência administrativa paulista, a este Conselho vêm dar os recursos (rectius, as apelações cf. Lei n. 6.015/1973, art. 202) tirados contra as sentenças dadas pelos Corregedores Permanentes nos processos administrativos concernentes a registros em sentido estrito (Lei n. 6.015/1973, arts. 167, I, e 203, II) e é justamente esta a hipótese dos autos, em que a impugnação serve para controverter-se acerca da legalidade de um registro stricto sensu de loteamento (Lei n. 6.015/1973, art. 167, I, 19).

É o que já se teve a oportunidade de afirmar, mais recentemente:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Loteamento – Impugnação ao registro – Competência do Colendo Conselho Superior da Magistratura – Redistribuição determinada, ressalvado o oportuno exercício, em sede própria, do juízo de admissibilidade do recurso” (CGJSP, Processo 0007988-83.2017.8.26.0032, j. 26.7.2018, DJe 1.8.2018; acrescentemse CSMSP, Apel. Cív. 1000515-22.00.2017.8.26.0099, j. 6.12.2018, DJe 24.1.2019; CSMSP, Apel. Cív. 9000001-12.2015.8.26.0063, j. 15.3.2016, DJe 5.5.2016; e CGJSP, Processo 163.462/2015, j. 11.3.2016, DJe 21.3.2016).

O terceiro Luciano José Nanzer tinha legitimidade para impugnar o processo de registro do loteamento e, por via de consequência, tem interesse para apelar da decisão dada à sua impugnação. A dicção do § 1º do art. 19 da Lei n. 6.766/1979 (verbis “se houver impugnação de terceiros”) é suficientemente ampla para permitir que qualquer um do povo discuta a legalidade de pretendido registro de loteamento o qual, por isso mesmo, se desenrola na forma de um processo, e não de mero procedimento em que não houvesse ciência dos atos e possibilidade de contraditá-los. Pois bem: se a um terceiro se dá a possibilidade de intervir e impugnar, então, pela mesma força de razão, se lhe concede direito de recorrer (no caso, de apelar) da decisão que em seu desfavor vier a resolver essa impugnação. Nesse contexto, está correto considerar-se, para fins de legitimidade recursal, que o impugnante é, nos termos do art. 202 da Lei n. 6.015/1973, um “interessado” que pode apelar.

Esse é o entendimento adotado no julgamento do Processo CGJ 1.258/2000, em 11.10.2000 (DJ 27.10.2000):

“Visto. Acompanho o entendimento esposado pelo MM. Juiz Auxiliar, que permite a impugnação a pedido de registro de loteamento por terceiro, calcada em desrespeito a exigência urbanística prevista em lei local e, nos termos do parecer retro, que aprovo, levando em conta não ter o projeto observado a destinação de reflorestamento da faixa que separa a zona industrial de outra, ao prever nesse local duas vias públicas destinadas à circulação de veículos automotores, – dou provimento ao recurso para negar registro ao projeto de loteamento, impondo à loteadora e à Municipalidade o pagamento em partes iguais do salário do perito. Publique-se, inclusive o parecer.”

Consta do relativo parecer:

“[…] não posso deixar de mencionar que, na doutrina, há, também, quem sustente que, a partir da vigência da Lei n. 6.766/79, a impugnação de terceiro ao pedido de registro de loteamento do solo para fins urbanos não mais precisa vir calcada em direito próprio do impugnante. Hugo Nigro Mazzili, em estudo intitulado Observações Sobre Loteamentos, inserto na Revista de Direito Imobiliário, volume 9, leciona a propósito que: ‘A lei fala em impugnação de terceiros (art. 19, § 1º, da Lei 6.766/79). Não faz ela qualquer exigência de que essa impugnação parta de terceiro interessado, portador de direito real, como o fazia o § 3º do art. 2º do Dec. 3.079/38, ou o § 1º do art. 345 do CPC de 1939, c/c o art. 1.218, I, do CPC de 1973. Quando a nova Lei 6.766 disciplinou inteiramente a matéria do pedido de registro, seu processo, suas impugnações, os recursos, houve uma ab-rogação da legislação anterior a esse respeito, que dispunha diversamente sobre a mesma matéria (art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao CC). Hoje, qualquer cidadão é parte legítima para a impugnação do registro de parcelamento do solo urbano, como o seria para uma ação popular. O principal é o aspecto da moralidade administrativa onde o particular atua em auxílio da Administração, ao impugnar o registro de um loteamento possivelmente irregular. A extensão da faculdade de impugnar a qualquer terceiro, mesmo que não detentor de direito real, é uma clara alusão aos possíveis adquirentes dos lotes, a quem a lei precipuamente quis proteger e a quem ela mesma se referiu no artigo anterior do mesmo capítulo (art. 18, § 2º). Some-se a isto que seria um absurdo que a lei só desse direito de impugnar a terceiros detentores de direito real, se estes já teriam por lei ações próprias para proteção de seus direitos (ações possessórias ou reivindicatórias), negando esse mesmo direito de impugnação aos terceiros futuros adquirentes, que, antes de adquirir, não poderiam impugnar o registro e, depois de adquirir seu lote, também não o poderiam fazer, porque o loteamento já estaria registrado! Bastaria, pois, que o loteador fizesse os maiores absurdos e ilegalidades no projeto de loteamento, desde que dele fosse proprietário e nele ninguém exercesse direito real, pra que, conseguida a aprovação da Municipalidade, tornando-se o pedido de registro por ele formulado inimpugnável em juízo! Isso não é e nem poderia ser o escopo da lei.’ (págs. 28 e 29). Não discrepa de tal entendimento a lição de Gilberto Passos de Freitas, exposta em trabalho denominado O Ministério Público e a Nova Lei de Loteamentos, publicado na Revista de Direito Imobiliário, volume 7: ‘E quem poderá oferecer a impugnação? Sob a égide do Dec.-lei 58/37 e do Dec. 3.079/38, que o regulamentou, a impugnação somente podia ser oferecida por quem tivesse legítimo interesse, fundado em direito real. Dispunha o § 3º do art. 2º do último decreto que: Será rejeitada in limine, remetendo-se o impugnante para o juízo contencioso, a impugnação que não vier fundada num direito real, devidamente comprovado de acordo com a legislação em vigor. Hoje, todavia, falando a lei, em seu art. 19, § 1º, somente em impugnação de terceiros, qualquer um, desde que demonstrado o legítimo interesse, poderá impugnar o pedido de registro. Não mais se faz necessário venha ele fundado em direito real. Assim, qualquer omissão ou descumprimento das exigências previstas no art. 18 ou em leis especiais autorizará o oferecimento da impugnação.’ (págs. 50 e 51). Arnaldo Rizzardo, conquanto ainda sustente a necessidade do registro de loteamento maltratar direito próprio de terceiro para legitimá-lo à impugnação, vendo-o como carente de legitimidade para discutir o preenchimento dos requisitos legais por parte do proprietário loteador, desde que não origine um prejuízo a um seu direito, entende que se houver ofensa a um bem social, ou ao patrimônio público, ou ao meio ambiente, possível se afigura a impugnação ao registro de loteamento pelo terceiro porque, nesse caso, público será o prejuízo (in Promessa de Compra e Venda e Parcelamento do Solo Urbano, RT, 5ª ed., 1998, pág. 74). No meu entender, em que pesem as doutas ponderações daqueles que pensam em contrário, não vislumbro mais, a partir da vigência da Lei nº 6.766/79, razão para admitir a impugnação ao registro de loteamento para fins urbanos por terceiro apenas quando esteja em liça direito próprio deste. Se o terceiro, como cidadão, pode, em ação popular, impugnar a validade da aprovação pelo Poder Executivo Municipal do loteamento que desatende as normas urbanísticas, poderá, também, preventivamente, no incidente de impugnação, se opor ao registro de tal loteamento, evitando, assim, que o parcelamento do solo se efetive com desrespeito às imposições urbanísticas, previstas, ressalte-se, pelo legislador, a bem de toda a coletividade. A inadmissão, nesse caso, da impugnação ao registro do loteamento permitirá a implantação de parcelamento irregular, com inúmeros prejuízos que atingirão não apenas os adquirentes dos lotes, mas todos os membros da comunidade. Sua admissão, ao contrário, a par de evitar tal lesão, torna a tutela das imposições urbanísticas que, segundo o saudoso Hely Lopes Meirelles, se caracterizam como medidas de interesse público que atingem indistintamente todos os indivíduos, como membros da coletividade administrada, imprescritíveis, irrenunciáveis e intransacionáveis (in Direito Municipal Brasileiro, 7ª ed., Malheiros Editores, 1990, pág. 385), mais eficaz. Lembre-se com José Carlos de Freitas que: ‘Sendo, de ordinário, matriz de um novo bairro residencial, o loteamento é um patrimônio da coletividade, pois essa nova realidade urbanística afeta a cidade, sobrecarregando seus equipamentos urbanos, sua malha viária, toda a infraestrutura e os serviços públicos da urbe.’ (in Dos Interesses Metaindividuais Urbanísticos, trabalho inserto na obra Temas de Direito Urbanístico, vol. I, publicado pelo CAOHURB – Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça e Habitação e Urbanismo, pág. 299). E, entre as duas mencionadas posições divergentes, aquela restritiva da matéria a ser apreciada na impugnação a possível maltrato a interesse jurídico próprio do impugnante, e esta ampliativa, possibilitando a oposição de terceiro ao registro de loteamento que não observa as imposições urbanísticas, há que se escolher esta, que possibilita proteção preventiva ao meio ambiente urbano, cujo equilíbrio a todos interessa.”

Portanto, a querela concernente à legitimidade recursal (fl. 2.596/2.598, 2.609/2.610, 2.619/2.620, 2.630/2.633 e 2.640/2.641) resolve-se reconhecendo que o terceiro Luciano José Nanzer realmente podia apelar, e que seu apelo, dessa maneira, tem de ser examinado no mérito.

De meritis o recurso não merece provimento e a r. sentença tem de ser mantida como lançada.

A Prefeitura Municipal de Matão, sempre que ouvida (fl. 2.513/2.521 e 2.618/2.621), sustentou e defendeu a regularidade do projeto de loteamento, esclarecendo que as supostas desconformidades com a lei em verdade não existem, porque as exceções às regras gerais de planejamento urbano puderam ser admitidas segundo as salvaguardas postas na própria normativa vigente, como está posto no Memorando n. 51/2020 (fl. 2.621 e 2.624/2.626).

Sendo assim, a r. sentença apelada realmente andou bem, porque – como nela se contém (cf. especialmente fl. 2.555) – não competia nem à qualificação registral nem, depois dela, ao juízo dos registros apreciar o mérito desses atos de aprovação emanados da Municipalidade. Com efeito, tratando-se de título administrativo, a qualificação registral apenas podia controlar “(i) sua integralidade, (ii) a determinação imobiliária – quando não mesmo a especialidade objetiva – (iii) a determinação subjetiva, (iv) a congruência do título em si próprio, (v) sua correlação com o registro ou averbamento rogado, (vi) sua subscrição, (vii) sua validade temporal e (viii) sua harmonia, quando o caso, com o trato consecutivo e a especialidade objetiva” (Dip, Ricardo. Princípios sobre Princípios, n. 438; cf. também n. 427). Para além disso – ou seja, para dentro do conteúdo mesmo da deliberação administrativa –, aos interessados resta somente, se for o caso, a discussão pela via contenciosa, ou seja, jurisdicional.

É a lição corrente da jurisprudência administrativa paulista:

“De início, cumpre mencionar que o procedimento de impugnação de registro de loteamento tem natureza administrativa, sendo o “juiz competente”, para os fins do art. 19, § 1º, da Lei n. 6.766/1979, no entendimento atual desta Corregedoria Geral da Justiça, o Juiz Corregedor Permanente dos oficiais de registro de imóveis, que exerce, no caso, atividade puramente administrativa e não jurisdicional. Nesse sentido, o Corregedor Permanente e a Corregedoria Geral da Justiça atuam, em casos como este, como órgãos meramente administrativos, despidos, consequentemente, de função jurisdicional.

“Daí por que o controle passível de ser realizado, na impugnação ao registro de loteamento, é o controle de legalidade formal, próprio da atividade administrativa de corregedoria, sem que se admita amplo controle quanto à legitimidade das normas aplicáveis, seja pelo confronto entre atos regulamentares e infraregulamentares e as leis que pretendem disciplinar, seja pelo contraste de leis e atos normativos com a Constituição da República, restritos, referidos confronto e contraste, à atividade jurisdicional.

[…]

“Quanto à alegada ofensa às normas do próprio Município, com a implantação do empreendimento, há que se considerar que o loteamento “Residencial Terras Di Siena” contou com a aprovação do Poder Executivo local e do Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais – Graprohab, grupo esse que congrega todos os órgãos estaduais encarregados de examinar a viabilidade do empreendimento, nenhuma irregularidade tendo sido apurada.

“Bem por isso, o argumento expendido pelo Recorrente, de que houve descumprimento dos preceitos da legislação municipal no concernente aos percentuais das áreas públicas reservadas, não pode ser aceito neste passo, já que o controle de legalidade a ser realizado nesta esfera administrativa, como referido, é de natureza meramente formal, com base nas aprovações emitidas pelos órgãos competentes, reservado, diversamente, o controle de legalidade material, ainda aqui, à esfera jurisdicional.” (CGJSP, Processo 933/2006, j. 1.6.2007, DJ 30.9.2007; no mesmo sentido CGJSP, Processo 97.225/2011, j. 19.10.2011).

“Ocorre que o controle de legalidade dos atos da administração, a ser realizado nesta esfera administrativa e baseado na aprovação emitida pelo órgão competente, é de natureza meramente formal, e, como tal, implica na presunção de legalidade e não deve ser questionado pelo Oficial em sede administrativa de qualificação registrária, porque a este não é dado negar efeito ao ato administrativo. Somente na esfera jurisdicional deve ser feito o controle da legalidade material. Neste sentido já decidiu a Corregedoria Geral da Justiça nos Processos CG nºs. 599/2006 e 933/2006.” (CSMSP, Apel. Cív. 803-6/7, j. 14.12.2007, DJ 18.2.2008)

“Não obstante a previsão da lei municipal mencionada, a Prefeitura Municipal de Aguaí aprovou a divisão apresentada (fls. 21 e 22), o que gera presunção de legalidade e inviabiliza o controle do ato administrativo em sede de qualificação registraria, de maneira que ou o ato é revogado pela própria autoridade que o aprovou ou é desfeito na esfera jurisdicional. Com efeito, a qualificação do título é restrita ao aspecto formal, inclusive no que diz respeito à legalidade, portanto, não é da atribuição do Oficial questionar a legalidade material do ato administrativo que aprovou a divisão que resultou em área inferior à prevista na legislação municipal. O mesmo raciocínio se aplica em relação à previsão existente na legislação federal.” (CSMSP, Apel. Cív. 0004302-32.2014.8.26.0083, j. 4.3.2016, DJe 30.5.2016)

Em suma: a impugnação do terceiro ora apelante extrapolou o controle formal a cargo do Ofício do Registro de Imóveis, razão pela qual o r. decisum não podia tê-la acolhido e, por conseguinte, deve ser mantido como lançado.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 05.05.2021 – SP).

Fonte: DJE/SP.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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