Inventário – Autora da herança que não deixa descendentes e sim apenas companheira e dois ascendentes (genitores), ambos vivos no momento de abertura da sucessão – Incidência da regra do art. 1.829, II, do Código de Processo Civil, cuja aplicação é feita tanto para cônjuges quanto para companheiros supérstites, inexistindo qualquer inconstitucionalidade em seu teor – Concorrência que não possui restrição em relação ao regime de bens do relacionamento, tornando irrelevante existir ou não bem particular da “de cujus”, não se confundindo com a hipótese do inciso I do art. 1.829 do CPC, que versa sobre cônjuge/companheiro e descendentes – Companheira que faz jus à meação e a parte do acervo hereditário – Direito real de habitação – Pedido formulado pela companheira sobrevivente – Deferimento – Insurgência de outra herdeira – Não acolhimento – Imóvel inventariado que servia de moradia do casal, permanecendo, após o falecimento indicado no processo, como residência da companheira supérstite – Inteligência do art. 1.831 do Código Civil – Único imóvel indicado no inventário e irrelevância de eventual propriedade particular de outro imóvel em nome da inventariante – Pretensão de arbitramento de aluguel por uso exclusivo do veículo do espólio que extrapola limites do inventário, pois depende de dilação probatória específica, que deve ocorrer em via ordinária, conforme art. 612 do CPC – Recurso improvido.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2296553– 96.2020.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é agravante CÉLIA MARA MARCUCCI PARRA, é agravada ELIANA CLAUDINA MONTEIRO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores ALVARO PASSOS (Presidente), GIFFONI FERREIRA E REZENDE SILVEIRA.

São Paulo, 1º de março de 2021.

ALVARO PASSOS

Relator

Assinatura Eletrônica

Voto nº 35260/TJ – Rel.: Álvaro Passos – 2ª Câmara de Direito Privado.

Agravo de Instrumento nº 2296553-96.2020.8.26.0000

Agravante: CÉLIA MARA MARCUCCI PARRA

Agravada: ELIANA CLAUDINA MONTEIRO

Comarca: São Paulo F. Reg. Jabaquara 1ª V. Família e das Sucessões

Juíza de 1º Grau: Adriana Menezes Bodini

EMENTA

INVENTÁRIO – Autora da herança que não deixa descendentes e sim apenas companheira e dois ascendentes (genitores), ambos vivos no momento de abertura da sucessão – Incidência da regra do art. 1.829, II, do Código de Processo Civil, cuja aplicação é feita tanto para cônjuges quanto para companheiros supérstites, inexistindo qualquer inconstitucionalidade em seu teor – Concorrência que não possui restrição em relação ao regime de bens do relacionamento, tornando irrelevante existir ou não bem particular da “de cujus”, não se confundindo com a hipótese do inciso I do art. 1.829 do CPC, que versa sobre cônjuge/companheiro e descendentes – Companheira que faz jus à meação e a parte do acervo hereditário – Direito real de habitação – Pedido formulado pela companheira sobrevivente – Deferimento – Insurgência de outra herdeira – Não acolhimento – Imóvel inventariado que servia de moradia do casal, permanecendo, após o falecimento indicado no processo, como residência da companheira supérstite – Inteligência do art. 1.831 do Código Civil – Único imóvel indicado no inventário e irrelevância de eventual propriedade particular de outro imóvel em nome da inventariante – Pretensão de arbitramento de aluguel por uso exclusivo do veículo do espólio que extrapola limites do inventário, pois depende de dilação probatória específica, que deve ocorrer em via ordinária, conforme art. 612 do CPC – Recurso improvido.

Vistos.

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a r. decisão que, nos autos de inventário, reconheceu o direito da companheira supérstite sobre parte da herança em concorrência com os herdeiros ascendentes e conferiu-lhe direito real de habitação sobre o imóvel indicado nos autos, porém deixou de fixar aluguel sobre uso do veículo pertencente ao espólio, requisitado por outra herdeira, por se tratar de questão que deve ser tratada em ação própria.

Inconformada, a irmã da falecida, que ingressou nos autos após o falecimento do genitor herdeiro, busca a reforma da deliberação com base nos argumentos expostos na minuta de fls. 01/13.

Sem pedido liminar e após o decurso do prazo para apresentação de contraminuta, vieram os autos para julgamento.

É o breve relatório.

Ao contrário do alegado, não se entrevê qualquer inconstitucionalidade no teor do inciso II do art. 1.829 do Código Civil e nem existe qualquer declaração vinculante nesse sentido, tratando-se de regra de direito sucessório regularmente aplicável a cônjuges e companheiros sobreviventes em igualdade, não havendo ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana em razão de o companheiro/cônjuge receber concomitantemente meação e parte da herança.

Afinal, ambos os institutos não se confundem, não há enriquecimento e inexiste afetação de dignidade de quaisquer dos envolvidos, tendo apenas constado aplicação das regras do fim do relacionamento (meação) e posterior emprego das normas de sucessão dos bens da falecida.

Saliente-se que, não havendo distinção legal na concorrência com os ascendentes, diferentemente do que ocorre com os descendentes, é irrelevante a questão de se tratar ou não de bens particulares, pois a divisão é daquilo que compõe o acervo sucessório em sua totalidade. Pois bem. No caso, como a “de cujus” não deixou descendentes e sim os dois genitores no momento de abertura da sucessão, aplica-se a referida concorrência.

Quanto ao direito real de habitação reconhecido e que a agravante pretender afastar, tampouco merece reforma a r. decisão agravada.

Com efeito, conforme demonstrado nos autos, o imóvel inventariado, localizado nesta Capital, servia de moradia do casal, permanecendo, após o falecimento, como residência da companheira, ora agravada, a quem deve ser assegurado o direito real de habitação, nos termos do art. 1.831 do Código Civil.

Assim tem se pronunciado o E. Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. ENTENDIMENTO DOMINANTE. POSSIBILIDADE. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DO COMPANHEIRO SOBREVIVENTE. POSSIBILIDADE. PATRIMÔNIO. INEXISTÊNCIA DE OUTROS BENS. IRRELEVÂNCIA. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Não há usurpação de competência dos órgãos colegiados diante do julgamento monocrático do recurso, já que este é possível com fundamento na existência de jurisprudência dominante desta Corte, segundo a exegese do art. 932, V, “a”, do Código de Processo Civil de 2015 e da Súmula 568 do STJ. 2. O cônjuge sobrevivente tem direito real de habitação sobre o imóvel em que residia o casal, desde que seja o único dessa natureza e que integre o patrimônio comum ou particular do cônjuge falecido no momento da abertura da sucessão. A lei não impõe como requisito para o reconhecimento do direito real de habitação a inexistência de outros bens, seja de que natureza for, no patrimônio próprio do cônjuge sobrevivente. Precedentes. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1554976/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 25/05/2020, DJe 04/06/2020) grifei

No mesmo sentido, os precedentes desta C. Corte:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. I. Direito real de habitação. Reconhecimento adequado. Configuração da hipótese do artigo 1.831 do Código Civil. Irrelevância do patrimônio ostentado pela consorte supérstite ou a existência de outros bens a inventariar, prevalecendo a regra protetiva do direito à moradia decorrente da constituição da família. Jurisprudência firmada por esta Corte e pelo E. Superior Tribunal. II. Requisição de declaração de imposto de renda da viúva-meeira. Indeferimento na origem. Reforma imperativa. Existência de regime de separação obrigatória de bens entre o de cujus e a consorte supérstite. Medida necessária à apuração da existência de patrimônio do de cujus, relativo à sua meação, em nome da consorte, na forma da Súmula 377 do STF. Providência relevante à conclusão do inventário. Precedentes do E. Tribunal. III. Designação de audiência de conciliação. Indeferimento. Ratificação. Nada obstante o disposto no artigo 139, inciso V, do Código de Processo Civil, tal providência se mostra descabida dada a beligerância das sucessoras. Acordo, ademais, que pode ser buscado entre as partes, independentemente da designação de sessão de conciliação. Precedentes. DECISÃO REFORMADA EM PARTE. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2237859-08.2018.8.26.0000; Relator (a): Donegá Morandini; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro de Atibaia – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 26/02/2019; Data de Registro: 27/02/2019) grifei

INVENTÁRIO – DIREITO REAL DE HABITAÇÃO – Decisão que indeferiu o reconhecimento do direito real de habitação, dada a existência de um segundo imóvel sujeito a partilha – Agravantes que pretendem sua reforma, sob o argumento de que a viúva-meeira reside por décadas no imóvel objeto da controvérsia, tendo nele fixado sua morada com o falecido, conta com cerca de 82 anos de idade, padece de enfermidade e a mudança de residência a afastaria por completo das poucas relações sociais que ainda mantém – Em que pese a existência de outro bem a inventariar, admite-se  o reconhecimento do direito real de habitação no imóvel que serviu de morada aos consortes, na medida em que o instituto visa a garantir que o cônjuge sobrevivo não seja afastado de seu lar Precedentes desta C. Câmara e do E. STJ – Decisão reformada – RECURSO PROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2199561-44.2018.8.26.0000; Relator (a): Angela Lopes; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos – 3ª. Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento: 30/01/2019; Data de Registro: 30/01/2019) grifei

Conforme documentação juntada desde a exordial, verifica-se que a residência da agravada (inventariante) é a mesma do imóvel inventariado, local em que havia sido destinada a residência da família, enquadrando-se no referido art. 1.831 do CC.

Outrossim, o fato de a inventariante ter requisitado a autorização do juízo para a alienação de tal bem não lhe retira essa natureza de moradia, ao menos até o momento sua futura eventual venda, sobretudo considerando que o requerimento feito nos autos principais mencionou a situação de não ser conveniente a manutenção do condomínio da propriedade entre os herdeiros e da possibilidade de uso de seu valor para os gastos com o genitor da “de cujus”, até então ainda não falecido.

O direito real de habitação trata de proteger a moradia do cônjuge/companheiro supérstite, sem relação direta com o direito de propriedade sobre ele.

Para tanto, basta a demonstração que ocorreu na hipótese vertente no sentido de que esse único imóvel que compõe o acervo hereditário era destinado à residência da família, mostrando-se irrelevante se eventualmente a inventariante detém outro imóvel de sua propriedade particular.

Por sua vez, correta a deliberação do juízo que afastou o pedido de arbitramento de aluguel por uso do veículo pertencente ao espólio em razão de superar os limites da ação de inventário, já que, para a pretensão posta, exige-se uma dilação probatória distinta, a qual não deve ser feita nesta espécie de ação, aplicando-se o art. 612 do Código de Processo Civil, que assim dispõe: “O juiz decidirá todas as questões de direito desde que os fatos relevantes estejam provados por documento, só remetendo para as vias ordinárias as questões que dependerem de outras provas”.

Afinal, aspectos referentes ao uso exclusivo ou não, estado de conservação do veículo e análise de quanto eventualmente pode ser ressarcido por utilização por apenas um dos herdeiros dependem de dilação probatória própria.

Em caso de embargos de declaração contra o presente acórdão, ficam as partes, desde já, intimadas a se manifestarem no próprio recurso a respeito de eventual oposição ao julgamento virtual, nos termos do art. 1º da Resolução nº 549/2011 do Órgão Especial deste E. Tribunal, entendendo-se o silêncio como concordância.

Pelo exposto, nego provimento ao agravo.

ÁLVARO PASSOS

Relator – – /

Dados do processo:

TJSP – Agravo de Instrumento nº 2296553-96.2020.8.26.0000 – São Paulo – 2ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Álvaro Passos – DJ 05.03.2021

Fonte: INR Publicações

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Escritura pública de venda e compra – Exigência de cadastro autônomo junto ao INCRA – Imóvel menor que a área mínima exigida para exploração rural – Matrícula já aberta em conformidade com as transcrições anteriores – Alienação de partes ideais pelos demais condôminos à adquirente, que se tornou titular de domínio da integralidade do imóvel – Escritura pública que reproduz o conteúdo da matrícula do imóvel – Ausência de óbice ao registro pretendido – Recurso provido para julgar a dúvida improcedente.


Apelação Cível nº 1001529-97.2019.8.26.0575

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1001529-97.2019.8.26.0575

Comarca: SÃO JOSÉ DO RIO PARDO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1001529-97.2019.8.26.0575

Registro: 2021.0000003005

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001529-97.2019.8.26.0575, da Comarca de São José do Rio Pardo, em que é apelante APARECIDA NEIVA BREDA DORNELAS, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DE SÃO JOSÉ DO RIO PARDO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 10 de dezembro de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1001529-97.2019.8.26.0575

Apelante: Aparecida Neiva Breda Dornelas

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de São José do Rio Pardo

VOTO Nº 31.434

Registro de Imóveis – Escritura pública de venda e compra – Exigência de cadastro autônomo junto ao INCRA – Imóvel menor que a área mínima exigida para exploração rural – Matrícula já aberta em conformidade com as transcrições anteriores – Alienação de partes ideais pelos demais condôminos à adquirente, que se tornou titular de domínio da integralidade do imóvel – Escritura pública que reproduz o conteúdo da matrícula do imóvel – Ausência de óbice ao registro pretendido – Recurso provido para julgar a dúvida improcedente.

1. Trata-se de apelação interposta por Aparecida Neiva Breda Dornelas contra a sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de São José do Rio Pardo/SP, que manteve os óbices apresentados para registro da escritura de compra e venda tendo por objeto parte ideal do imóvel rural matriculado sob nº 7.760 junto àquela serventia imobiliária (fl. 66/76).

Afirma a apelante, em síntese, que o fato de ser a área negociada inferior ao módulo rural é irrelevante, pois desnecessária a abertura de matrícula. Isso porque o imóvel objeto da escritura de compra e venda por intermédio da qual adquiriu as partes ideais cabentes aos demais condôminos do imóvel, tornando-se proprietária da integralidade da área, já está matriculado sob nº 7.760 perante o Registro de Imóveis da Comarca de São José do Rio Pardo/SP. Aduz que também não há necessidade de novo cadastro junto ao INCRA, pois o imóvel em questão está cadastrado no referido órgão conjuntamente com o imóvel objeto da matrícula nº 7.759, cujos titulares de domínio são os mesmos. Esclarece que não há que se falar em desmembramento de imóvel rural, pois referidos imóveis são separados por um córrego. Por fim, sustenta que não há óbice à alienação de partes ideais do imóvel por alguns dos condôminos a outro.

O Oficial de Registro de Imóveis manifestou-se a fl. 117/118.

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 138/140).

É o relatório.

2. A apelante, por meio de escritura pública de venda e compra lavrada em 15 de janeiro 2018 (fl. 08/17), adquiriu dos demais condôminos as frações ideais correspondentes a 85,9325% do imóvel objeto da matrícula nº 7.760 do Registro de Imóveis da Comarca de São José do Rio Pardo/SP (fl. 88/98), tornando-se sua única proprietária.

A certidão imobiliária a fl. 88/98 confirma que o imóvel objeto da matrícula nº 7.760 tem área total de 1,0788 hectares (AV.19), tendo sido cadastrado perante o INCRA, em área maior, juntamente com o imóvel objeto da matrícula nº 7.759. Ainda, segundo essas inscrições, a fração mínima do parcelamento na região é de 2 hectares (AV. 11 e AV. 18).

Como é sabido, o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) é documento emitido pelo INCRA, cuja apresentação deve ser promovida nas hipóteses de desmembramento, arrendamento, hipoteca, venda ou promessa de venda de imóveis rurais. Essa exigência consta do § 1º do art. 22 da Lei nº 4.947/1966 e também do art. 1º do Decreto nº 4.449/2002, que regulamentou a Lei nº 10.267/2001, diploma legal que, entre outras, promoveu alterações no art. 176 da Lei nº 6.015/1973 para fazer constar a necessidade da identificação do imóvel rural com o código e os dados constantes do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR).

A obrigação da identificação do imóvel rural com os dados constantes no Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) foi repetida pelo inciso II do Item 59 (atual item 57) do Capítulo XX das Normas de Serviço:

” 59 – A identificação e caracterização do imóvel compreendem:

(…)

II – se rural, o código do imóvel e os dados constantes do CCIR, a localização e denominação;”

No caso concreto, a registradora exigiu o cadastro individualizado do imóvel junto ao INCRA, por entender que o registro da compra e venda de uma área individualizada da gleba rural constituirá desmembramento de imóvel rural com área inferior à fração mínima de parcelamento (fl. 01/06).

Contudo, não se trata de compra e venda de área individualizada, mas sim, de frações ideais alienadas pelos demais condôminos em favor da coproprietária.

Não se desconhece, por outro lado, a existência de precedentes deste Conselho Superior da Magistratura que confirma a necessidade, para a prática do ato de registro, do cadastro autônomo do imóvel junto ao INCRA, ainda que existente cadastro anterior em conjunto com outro imóvel. Essa exigência, no entanto, apenas se justificaria se houvesse desmembramento da área e abertura de matrícula, que por exigência legal está condicionada a certos requisitos, dentre os quais, para os imóveis rurais, a apresentação do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR).

Na hipótese em análise, diferentemente, o fato de ser o imóvel menor que a área mínima exigida pelo INCRA para exploração rural é insuficiente para impedir o registro, eis que já existe matrícula aberta desde 1982, em exata conformidade com anteriores transcrições datadas de 1965 (fl. 50/53). Destarte, a alienação de partes ideais pelos condôminos à apelante, que se tornou titular de domínio da integralidade do imóvel, nada tem de irregular, tal como dispunha o item 60.2 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça então vigentes (atual item 58.2):

” 60.2 – Não será considerada irregular a abertura de matrícula que segue os dados existentes no registro anterior (matrícula por transporte), bem como o registro do título subsequente, quando houver coincidência entre os dados.”

Nem mesmo o fato de haver alteração dos titulares de domínio poderia justificar a exigência formulada pela registradora, na medida em que nada há nos autos a indicar que a adquirente não seja mais coproprietária do outro imóvel referido no Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) já expedido.

Acrescente-se que, nos termos do art. 176, § 1º, inciso II, da Lei 6.015/73, são requisitos para a identificação do imóvel rural a existência de seu código, dos dados constantes do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR), da denominação e de suas características, confrontações, localização e área. Todos estes elementos estão presentes na escritura levada a registro, que reproduz o teor da matrícula do imóvel, aberta em consideração aos elementos das transcrições anteriores, como previsto na Lei de Registros Públicos (arts. 196 e 228) e nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça vigentes à época (Capítulo XX, item 56, atual item 54).

3. Diante do exposto, dou provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 16.03.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

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