Tributário – ITBI – Decisão que indeferiu tutela provisória em ação declaratória – Imóveis transferidos na integralização de capital social – Imposto que deve ser calculado com base no valor da transação, à luz de orientação do Tribunal da Cidadania (Tema 1113) – Facultado arbitramento ao Município (art. 148/CTN) – Agravo de instrumento da autora provido para deferir a tutela provisória.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2010568-70.2025.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é agravante S.C.Z EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA, é agravado MUNICÍPIO DE OSASCO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI (Presidente sem voto), BEATRIZ BRAGA E HENRIQUE HARRIS JÚNIOR.

São Paulo, 19 de fevereiro de 2025.

BOTTO MUSCARI

Relator

Agravo de Instrumento:2010568-70.2025.8.26.0000

Agravante:S.C.Z. EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA.

Agravado:Município de Osasco

Comarca:São Paulo

Voto nº 12.412

TRIBUTÁRIO. ITBI. DECISÃO QUE INDEFERIU TUTELA PROVISÓRIA EM AÇÃO DECLARATÓRIA. IMÓVEIS TRANSFERIDOS NA INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL SOCIAL. IMPOSTO QUE DEVE SER CALCULADO COM BASE NO VALOR DA TRANSAÇÃO, À LUZ DE ORIENTAÇÃO DO TRIBUNAL DA CIDADANIA (TEMA 1113). FACULTADO ARBITRAMENTO AO MUNICÍPIO (ART. 148/CTN). AGRAVO DE INSTRUMENTO DA AUTORA PROVIDO PARA DEFERIR A TUTELA PROVISÓRIA.

Cuida-se de agravo de instrumento interposto por S.C.Z EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA. contra r. decisão que, nos autos da ação declaratória de inexistência de relação jurídico tributária n. 1091904- 85.2024.8.26.0053, indeferiu tutela provisória (fls. 29/30 – cópia).

Argumentos da autora: a) merece lembrança o Tema 1113/STJ; b) o valor declarado pelas partes no negócio goza de presunção de veracidade; c) caso discorde da base de cálculo do imposto, poderá o Município agir conforme o art. 148 do Código Tributário Nacional; d) conta com jurisprudência; e) demonstrou a presença dos requisitos da tutela de urgência; f) é possível adotar os valores lançados na declaração do sócio à Receita Federal do Brasil, ex vi da da Lei Federal n. 9.249/95 (fls. 1/13).

Antecipei a tutela recursal (fls. 72/74, item 2).

Em contraminuta, o Município alega que: a) os valores atribuídos pela contribuinte aos imóveis estão aquém da realidade; b) os preços dos bens de raiz foram subestimados; c) deve ser considerado o valor médio/de mercado; d) empregou na base de cálculo do imposto o valor venal, inferior inclusive ao de mercado apurado; e) a cifra utilizada na declaração de imposto de renda não serve para fins de apuração do ITBI (fls. 78/96).

Não houve oposição ao julgamento virtual.

É o relatório.

Prospera o agravo.

S.C.Z. deseja afastar o valor venal de referência adotado pelo Município na cobrança de ITBI.

Em 24 de fevereiro de 2022, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça chancelou as seguintes teses: “a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN); c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente” (Tema 1113).

Voto condutor do eminente Ministro GURGEL DE FARIA contém precisas observações:

“[…] dadas as características próprias do fato gerador desse imposto, a sua base de cálculo deverá partir da declaração prestada pelo contribuinte, ressalvada a prerrogativa da administração tributária de revisá-la, antes ou depois do pagamento, a depender da modalidade do lançamento, desde que instaurado o procedimento administrativo próprio, em que deverá apurar todas as peculiaridades do imóvel (benfeitorias, estado de conservação, etc.) e as condições que impactaram no caráter volitivo do negócio jurídico realizado, assegurados os postulados da ampla defesa e do contraditório que possibilitem ao contribuinte justificar o valor declarado” (STJ 1ª Seção, j. 24/02/2022 destaques meus).

Na verdade, a Alta Corte disse exatamente que o Judiciário deve dar credibilidade provisória à parte e que isso não impede a Autoridade Fiscal de manejar remédio adequado para aferir o valor de imóveis.

Diante desse elevado pronunciamento, parece descabido chancelar o valor venal de referência adotado pelo recorrido. Noutras palavras: à primeira vista, cumpre adotar como base de cálculo o valor da integralização do capital social, em linha com a orientação do Tribunal da Cidadania.

Óbvio: fica sempre aberta a adoção, pela entidade impositora, do expediente previsto no art. 148 do Código Tributário Nacional. Sobre o tema, esta Corte assentou (sem ênfases nos originais):

“ITBI – Município de São Paulo – Concessão de segurança para que o Município impetrado se abstenha de exigir o recolhimento do imposto com base na Lei Municipal nº 11.154/91 – Legislação que impõe o prévio arbitramento da base de cálculo – Exigência incompatível com o lançamento por homologação, característico daquele tributo – Entendimento consolidado no REsp. nº 1.937.821/SP – Precedente do Superior Tribunal de Justiça ao qual se imprimiu o regime dos recursos repetitivos (Tema 1113) – Possibilidade, todavia de se realizar o arbitramento de valores, após o recolhimento pelo contribuinte, nas hipóteses do art. 148 do CTN. Recursos não providos” (Apelação/Remessa Necessária n. 1073021-95.2021.8.26.0053, 15ª Câmara de Direito Público, j. 1/09/2022, rel. Desembargador ERBETTA FILHO);

“Mandado de Segurança. reexame necessário. Discussão sobre a base de cálculo tributária do ITBI. Controvérsia acerca da legalidade do chamado ‘valor venal de referência’ adotado pela Municipalidade tributante. A sentença concedeu a ordem para assegurar ao impetrante o direito de recolher o ITBI incidente sobre a aquisição imobiliária retratada na inicial, utilizando-se como base de cálculo o valor da transação. A decisão em questão deve ser mantida diante da ausência de juridicidade da utilização, pela Municipalidade paulistana, do chamado “valor venal de referência”. Inconstitucionalidade das normas que permitem a estimativa prévia e unilateral do valor venal, reconhecida pelo Órgão Especial deste Tribunal (incidente nº 0056693- 19.2014.8.26.0000 – artigos 7º-A e 7º-B da LM 11.154/91). Cabe à Administração proceder ao previsto no artigo 148 do CTN caso discorde das declarações prestadas pelo contribuinte. Julgamento pelo STJ do REsp 1.937.821/SP em fevereiro de 2022, Tema 1113, Tese: ‘A base de cálculo do ITBI deve corresponder ao valor da transação, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN)’. Momento de ocorrência do fato gerador do ITBI: transferência da propriedade imobiliária, a qual se perfaz com o registro do título translativo junto ao competente Cartório do Registro de Imóveis, nos termos dos artigos 35 do CTN e 1.245 do CC. Consequentemente, segundo o princípio da legalidade tributária estrita, não há ensejo à cobrança de multa e juros antes da realização do registro. É necessária, no entanto, a atualização da base de cálculo fiscal (valor do negócio) pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça de São Paulo, já que esta não constitui encargo moratório, na medida em que apenas evita a corrosão do valor da moeda até o efetivo ato registrário. Nega-se provimento ao recurso oficial e mantém-se a sentença reexaminada” (Remessa Necessária Cível n. 1018000-03.2022.8.26. 0053, 18ª Câmara de Direito Público, j. 19/08/2022, rel. Desembargadora BEATRIZ BRAGA);

“Apelação e Reexame Necessário em Mandado de Segurança. ITBI. Sentença que concedeu parcialmente a segurança, para determinar a adoção do valor venal previsto para IPTU ou do valor da transação, aquele se for superior, como base de cálculo do ITBI incidente sobre as operações descritas nos autos, afastada a pretensão restituitória dos impetrantes. Pretensão à reforma. Desacolhimento. Preliminar de sobrestamento arguida pelo Município apelante. Inadmissibilidade. Julgamento do Tema nº 1.113/STJ, cujo acórdão foi publicado em 03/03/2022. Produção de efeitos a partir da publicação do acórdão, e não do respectivo trânsito em julgado. Inteligência do art. 1.040, caput, do CPC. Cenário que não se altera pelo fato de o recurso repetitivo envolver acórdão proferido em IRDR. Interpretação sistemática dos artigos 982, § 3º e 987, §§ 1º e 2º, do CPC. Precedentes análogos. Mérito. Questão de fundo. Controvérsia acerca da definição da base de cálculo do ITBI incidente sobre operação de compra e venda de imóvel. Afastamento da aplicação integral das teses fixadas pelo C. STJ no julgamento do tema 1.113. Caso concreto em que os contribuintes não apresentaram recurso contra a sentença, a qual determinou a adoção do maior valore entre aquele declarado no negócio e o valor venal previsto para o IPTU. Impossibilidade de se afastar a potencial adoção do valor venal do IPTU como base de cálculo do ITBI em questão, pois tal conduta implicaria piora na situação jurídica do Municípioapelante. Observância da vedação à reformatio in pejus. Precedentes. Valor apurado unilateralmente pelo fisco, sem a observância do procedimento estabelecido pelo art. 148 do CTN, que deve permanecer afastado, ante sua patente ilegalidade, tal como reconhecido no tema 1.113 do STJ. Ressalva-se, contudo, o direito de o Município realizar o arbitramento da base de cálculo do tributo, desde que seguido o rito previsto no art. 148 do CTN. Recursos voluntário e oficial desprovidos” (Apelação/Remessa Necessária n. 1008936-08. 2021.8.26.0019, 18ª Câmara de Direito Público, j. 31/08/2022, rel. Desembargador RICARDO CHIMENTI).

Numa palavra: em cognição sumária, signo típico das tutelas provisórias, é caso de deferir o pleito da S.C.Z.

Pelo exposto, meu voto dá provimento ao agravo e confirma a tutela recursal antecipada (fls. 72/74, item 2).

BOTTO MUSCARI – Relator 

Dados do processo:

TJSP – Agravo de Instrumento nº 2010568-70.2025.8.26.0000 – São Paulo – 18ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Botto Muscari – DJ 21.02.2025

Fonte: DJE/SP.

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1VRP/SP: Registro de Imóveis. A integralização do capital social mediante conferência de bens, por sua vez, é ato jurídico único: é necessário que todos os bens sejam transmitidos à pessoa jurídica, sob pena de os registros imobiliários ficarem em desacordo com os atos constitutivos registrados na Junta Comercial.


Processo 1032189-34.2025.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – Elenice Basile – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada, para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: LEANDRO TADEU TEIXEIRA (OAB 439488/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo nº: 1032189-34.2025.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 18º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Suscitado: Elenice Basile
Juíza de Direito: Dra. Vivian Labruna Catapani
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial Interino do 18º Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Elenice Basile, diante de negativa em se proceder ao registro de instrumento particular de contrato social envolvendo os imóveis objetos das matrículas ns. 213.378, 218.971 e 226.724 daquela serventia.
O Interino informa que a parte apresentou instrumento particular de contrato social pretendendo a transmissão de propriedade dos imóveis objetos das matrículas ns. 218.971 e 226.724 da serventia, por conferência de bens, a título de integralização de capital social, para a sociedade empresária Locar Express Participações Ltda.; que feita a qualificação, o Oficial emitiu nota devolutiva exigindo: i) apresentação da guia do ITBI com o comprovante de pagamento, relativamente ao imóvel da matrícula n. 213.378; ii) apresentação do termo de quitação (prenotado separadamente) emitido pelo Itaú Unibanco S/A; além da observação de que a exclusão do imóvel objeto da matrícula n. 218.378 impossibilita o registro pretendido, uma vez que não se aplica o princípio da cindibilidade no que tange ao título translativo de integralização de capital social; que inconformada, a suscitada reapresentou o título, instruído com requerimento datado de 28 de janeiro de 2025, solicitando a suscitação de dúvida; que toda transmissão de bem imóvel com valor superior a trinta salários mínimos deve ser feita por escritura pública, nos termos do artigo 108 do Código Civil, porém, a lei prevê uma exceção, permitindo que a transferência do bem imóvel seja formalizada no próprio contrato ou estatuto social da sociedade e no ato constitutivo da empresa individual, os quais após serem registrados na Junta Comercial ou Registro Civil das Pessoas Jurídicas são documentos hábeis a serem registrados no Registro de Imóveis competente; que a integralização do capital por meio de bens imóveis deve ser acompanhada do procedimento no Registro de Imóveis, pois se trata incorporação do bem à sociedade empresarial, nos termos do artigo 1.245 do Código Civil; que o princípio da cindibilidade determina ao Registrador a cisão do título levado a registro, de modo a aproveitar ou extrair elementos que podem imediatamente ingressar na matrícula, desconsiderando outros que sejam irregistráveis; que, no caso dos autos, a sócia Elenice Basile comprometeu-se a integralizar o capital social da Locar Express Participações Ltda. mediante a transferência de imóveis; que todavia, requereu a cindibilidade do título, solicitando o registro quanto aos imóveis das matrículas ns. 218.971 e 226.724; que, ao proceder a qualificação, constatou-se que, além dos dois imóveis referidos, o capital social é composto também pelo imóvel da matrícula n 213.378, não sendo possível o ingresso ao fólio real quanto a este último, pois conforme R.5/213.378, feito em 04 de fevereiro de 2013, o imóvel encontra-se alienado fiduciariamente em favor de LM – Investimentos Imobiliários Ltda.; que, quando da confecção do instrumento social, a sócia já tinha consciência quanto à impossibilidade de ingresso no folio real da transmissão da propriedade, em razão do princípio da disponibilidade, previsto no artigo 1.228 da Lei n. 10.406/2002; que a integralização do capital social mediante conferência de bens é um ato jurídico único, cujo registro fracionado vai de encontro à supremacia do princípio da segurança jurídica, e cogitar a cisão do título quanto a partição implica diretamente a sua alteração (fls. 01/12).
Documentos vieram às fls. 13/160.
Em manifestação dirigida ao Oficial, e em impugnação apresentada nos autos, a parte suscitada aduz que busca o registro de transferência das matrículas ns. 218.971 e 226.724 do 18º Registro de Imóveis de São Paulo, a título de conferência de bens para a propriedade da sociedade empresária Locar Express Participações Ltda. e consequente integralização de capital social; que, para isso, apresentou documentação de constituição da empresa devidamente registrada na Junta Comercial do Estado de São Paulo, com a integralização, por meio da prenotação n. 935.127 de 12/09/2024, efetuando depósito prévio no valor de R$ 12,74; que, no entanto, o título foi qualificado novamente, com exigências, das quais discorda; que a suscitada justificou que sua pretensão estava apenas no registro das matrículas ns. 218.971 e 226.724, e não da matrícula n. 218.378, objeto da exigência; que o princípio da cindibilidade não é absoluto, sendo possível o registro parcial de direitos, desde que não guardem relação de dependência ou unicidade entre si; que é impossível que a conferência de bens seja parcial, pois estaria em desacordo com as deliberações societárias registradas na JUCESP; que o título que carece de irregularidade momentânea não pode obstar o registro daqueles que estão em perfeitas condições para o registro, uma vez que são matrículas independentes; e que, nesses termos, requer seja determinado o registro pretendido (fls. 161/169).
O Ministério Público ofertou parecer, opinando pela manutenção do óbice (fls. 173/173).
É o relatório. FUNDAMENTO e DECIDO.
Inicialmente, cumpre ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Assim, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
É o que se extrai do item 117, Cap. XX, das NSCGJ: “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
No mérito, o pedido é procedente, para manter os óbices.
No caso concreto, a parte suscitada pretende o ingresso registrário do instrumento particular de constituição da sociedade empresária limitada “Locar Express Participações Ltda.”, datado de 1º de agosto de 2024, por meio do qual houve a integralização do capital social da pessoa jurídica por meio da conferência, pela sócia Elenice Basile, dos imóveis objetos das matrículas ns. 218.971, 226.724 e 213.378 do 18º Registro de Imóveis de São Paulo (fls. 34/43).
O Oficial Interino qualificou negativamente o título, sustentando que, para que haja a integralização do capital social mediante a transferência de imóveis à pessoa jurídica, é necessário que todos os bens que compõem o instrumento de constituição estejam em condições de ingresso no fólio real, o que não se verificou no caso (fls. 03/04).
A interessada, então, requereu que o título fosse cindido, permitindo a integralização dos imóveis relativos as matrículas 218.971 e 226.724 do 18º RI, aduzindo que admite-se a divisão do título para ingresso do fólio real da parte passível de registro, mencionando como precedente o processo n. 1031566- 38.2023.8.26.0100.
Pois bem.
Como é perene, pelo princípio da cindibilidade dos títulos, é possível o registro parcial dos direitos neles constantes, desde que não guardem relação de dependência ou unicidade entre si.
A seu respeito, o E. Des. Artur Marques da Silva Filho, por ocasião do julgamento da Apelação Cível n. 0027539-71.2014.8.26.0576, bem observou em voto convergente:
“Ademais, como havia sido exposto em 27.1.2015, no julgamento da Apelação Cível 300543-41.2013.8.26.0601, deste E. Conselho, o princípio da cindibilidade implica o seguinte: a) a cisão possível é a do título formal (= do instrumento), e não do título causal (= do fato jurídico que, levado ao registro de imóveis, dá causa à mutação jurídico- real); b) a possibilidade de cisão decorre do princípio da unitariedade (ou unicidade) da matrícula (LRP/73, art. 176, I); e c) o título formal pode cindir-se em dois casos: ou quando um mesmo e único título formal disser respeito a mais de um imóvel; ou quando um mesmo e único título formal contiver dois ou mais fatos jurídicos relativos a um mesmo e único imóvel, contanto que esses fatos jurídicos não constituam uma unidade indissolúvel”.
A integralização do capital social mediante conferência de bens, por sua vez, é ato jurídico único: é necessário que todos os bens sejam transmitidos à pessoa jurídica, sob pena de os registros imobiliários ficarem em desacordo com os atos constitutivos registrados na Junta Comercial.
Neste sentido, decisão do E. Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n. 0000048-59.2016.8.26.0531, julgada em 02/02/2017 e relatada pelo Corregedor Geral da Justiça à época, Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida registrária – Integralização do Capital Social por meio de certidão da JUCESP – Incidência da regra do artigo 64 da Lei n.º 8.934/1994 – Inaplicabilidade do artigo 108 do Código Civil – Impossibilidade, contudo, de cindibilidade do título – Recurso desprovido”.
A razão para se afastar a cindibilidade no presente caso reside justamente na impossibilidade de que a conferência de bens seja parcial, em desacordo com as deliberações societárias registradas na JUCESP.
Em outros termos, quanto mais imóveis em situação regular forem transferidos, mais próximo se estará da situação jurídica ideal, de forma que a sociedade poderá, aos poucos, regularizar totalmente a situação, com o registro integral da propriedade dos imóveis a ela conferidos.
Quanto à necessidade de comprovação do recolhimento do ITBI sobre a parcela do valor do imóvel que supostamente superou o montante do capital integralizado, também assiste razão ao Registrador.
Não se desconhece que, para os Registradores, vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/1973; artigo 134, inciso VI, do CTN e artigo 30, inciso XI, da Lei n. 8.935/1994).
Entretanto, o E. Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo).
Nesse sentido, os seguintes julgados do E. Conselho Superior da Magistratura:
“Ao oficial de registro incumbe a verificação de recolhimento de tributos relativos aos atos praticados, não a sua exatidão.” (Apelação Cível 20522-0/9- CSMSP – J.19.04.1995 – Rel. Antônio Carlos Alves Braga).
“Todavia, este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor.” (Apelação Cível 996-6/6 CSMSP, j. 09.12.2008 – Rel. Ruy Camilo).
“Este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor.” (Apelação Cível 0009480- 97.2013.8.26.0114 – Campinas – j. 02.09.2014 – Rel. des. Elliot Akel).
Nessa mesma linha, este juízo vem decidindo pela insubsistência do óbice quando não caracterizada flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo (processos ns. 1115167-78.2019.8.26.0100, 1116491-06.2019.8.26.0100, 1059178-53.2020.8.26.0100, 1079550-52.2022.8.26.0100, 1063599-18.2022.8.26.0100, 1039109-29.2022.8.26.0100 e 1039015-81.2022.8.26.0100).
Cumpre destacar que somente o valor que excede o limite do capital social integralizado está sujeito à incidência do ITBI, conforme tese firmada pelo STF para o tema n. 796 de Repercussão Geral, nos seguintes termos:
“A imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.
Nesse contexto, há que se concluir que incumbe apenas à Municipalidade questionar as informações prestadas pelo contribuinte e exigir o que entender devido pela via adequada, se o caso.
A respeito do tema, convém salientar que este juízo, em julgados recentes, manifestou entendimento de que o Oficial de Registro poderia exigir a comprovação do recolhimento do ITBI incidente sobre o valor do imóvel (tomando como base o do valor venal de referência) que excedesse o capital social integralizado da sociedade (processos ns. 1011958-83.2025.8.26.0100, 1010746-27.2025.8.26.0100, 1200028-21.2024.8.26.0100, 1179441-75.2024.8.26.0100, 1181747-17.2024.8.26.0100 e 1159374-89.2024.8.26.0100).
Contudo, em data recente, o C. Conselho Superior da Magistratura deste Tribunal de Justiça, nos autos da Apelação Cível n. 1159374-89.2024.8.26.010, pronunciou-se no sentido de que não cabe ao Oficial questionar se o valor atribuído pelo proprietário ao imóvel é inferior ou superior ao valor de mercado, ou ao valor venal de referência, e, com base em tal análise, exigir o recolhimento de ITBI sobre a diferença positiva entre tais valores em hipóteses de integralização de capital social.
A respeito, transcrevo trecho elucidativo do voto proferido pelo Relator, Des. Francisco Eduardo Loureiro, atual Corregedor Geral da Justiça, para conhecimento, in verbis (destaques nossos):
“Mesmo com a imunidade decorrente do art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal devidamente reconhecida pela Municipalidade por meio das declarações de fls. 44/46, o Oficial sustenta que a diferença entre os valores atribuídos pelo interessado e os valores venais de referência justifica a exigência de prova do recolhimento do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis. Primeiramente, cabe destacar que são reiteradas as manifestações deste Conselho no sentido de que a fiscalização que cabe a notários e registradores não vai além da aferição da existência ou não do recolhimento do tributo, não cabendo ao ente fiscal zelar pela correção do valor recolhido. (…) A par das declarações de imunidade expedidas pela Municipalidade (fls. 44/46), há de se ressaltar que o valor atribuído à não se mostra flagrantemente incorreto, em especial tomando como base as teses fixadas pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.937.821/SP (processo paradigma do Tema nº 1.113), sob a sistemática da Repercussão Geral: (…) No caso em análise, o valor declarado pelo contribuinte, que goza de presunção de veracidade, foi devidamente informado ao Município, que emitiu as declarações de imunidade de fls. 44/46. E essa declaração de valores não foi aleatória, uma vez que corresponde às quantias constantes na declaração de imposto de renda do apelante (fls. 47/61), em total consonância com o art. 23 da Lei nº 9.249/95. Indiscutível que os valores atribuídos podem ser afastados pelo fisco, com suposta cobrança de ITBI sobre eventual diferença verificada, mas essa discussão deve ser objeto de processo administrativo próprio. Não está entre as atribuições do registrador, portanto, exigir recolhimento do ITBI se o próprio ente tributante concordou com o pedido de imunidade formulado (fls. 44/46). Aliás, se existe imunidade de jaez constitucional sobre a incidência do ITBI em integralização de capital social como ocorre no caso concreto, não se vê razão lógica ou jurídica para o questionamento feito pelo Oficial Registrador. Eventual incidência de tributo seria o ganho da capital entre o valor atribuído pelo proprietário no imposto de renda e o valor atribuído quando da integralização ao capital da pessoa jurídica. (…) Não cabe ao Oficial questionar se o valor atribuído pelo proprietário ao imóvel, dentro do princípio da autonomia privada, é inferior ou superior ao valor de mercado, ou ao valor de referência. (…)” (TJSP; Apelação Cível 1159374-89.2024.8.26.0100; Relator: Francisco Loureiro (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 13/03/2025; Data de Registro: 21/03/2025).
Em complemento, confira-se a ementa do acórdão de aludido julgamento, proferido em 13 de março de 2025 (destaques nossos):
“DIREITO CIVIL. APELAÇÃO EM DÚVIDA REGISTRÁRIA. REGISTRO DE IMÓVEIS. DÚVIDA IMPROCEDENTE. I. Caso em Exame 1. Apelação interposta contra sentença que negou o registro de instrumento particular de alteração de contrato social visando ao aumento do capital social de pessoa jurídica, mediante integralização de três imóveis de propriedade do sócio apelante. II. Questão em Discussão 2. As questões em discussão consistem em definir (i) se há necessidade de comprovação do recolhimento do ITBI sobre a diferença entre os valores dos bens indicados pelo interessado no instrumento e o valores venais de referência desses mesmos bens e (ii) se há necessidade de retificação da data do fato gerador na declaração de imunidade expedida pela Prefeitura. III. Razões de Decidir 3. A fiscalização de notários e registradores limita-se à existência do recolhimento do tributo, não cabendo a eles zelar pela correção do valor recolhido, em especial diante de situações de fundada dúvida sobe a exigibilidade ou montante do tributo. 4. A apresentação de declaração de imunidade expedida pela Prefeitura, em que os valores declarados dos bens correspondem às quantias constantes na declaração de imposto de renda do apelante, não exige maiores questionamentos por parte do Oficial. 5. A divergência de datas do fato gerador do ITBI é irrelevante, pois o fato imponível ocorre com o registro, conforme entendimento sedimentado do STF. IV. Dispositivo e Tese Recurso provido, com observação. Tese de julgamento: “1. A fiscalização do ITBI por registradores limita-se à existência do recolhimento do tributo, especialmente diante de situações de incerteza jurídica quanto ao seu montante. 2. A data do fato gerador do ITBI é a do registro, tornando irrelevante a divergência de datas”. Legislação Citada – CF/1988, art. 156, § 2º, I; CTN, art. 148; Lei nº 9.249/95, art. 23. Jurisprudência Citada: – CSM/SP, Apelação nº 0002604-73.2011.8.26.0025, Rel. Des. José Renato Nalini, j. em 5/11/2012; CSM/SP, Apelação nº 1009023-43.2016.8.26.0405, Rel. Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j. em 20/7/2017; STF, RE com Agravo nº 1.294.969/SP, Tema nº 1.124.” (TJSP; Apelação Cível 1159374-89.2024.8.26.0100; Relator: Francisco Loureiro (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 13/03/2025; Data de Registro: 21/03/2025).
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada, para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C.
São Paulo, 10 de abril de 2025.
Vivian Labruna Catapani
Juíza de Direito (DJe de 15.04.2025 – SP)

Fonte: DJE/SP – 15.04.2025

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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