Direito Civil – Recurso Especial – Embargos de Terceiro – Penhora do imóvel gerador dos débitos condominiais no bojo de ação de cobrança na qual a proprietária do bem não figurou como parte – Possibilidade – Obrigação propter rem – 1. Embargos de terceiro opostos pela proprietária do imóvel, por meio dos quais se insurge contra a penhora do bem, realizada nos autos de ação de cobrança de cotas condominiais, já em fase de cumprimento de sentença, ajuizada em face da locatária – 2. Ação ajuizada em 22/03/2011. Recurso especial concluso ao gabinete em 30/06/2016. Julgamento: CPC/73 – 3. O propósito recursal é definir se a proprietária do imóvel gerador dos débitos condominiais pode ter o seu bem penhorado no bojo de ação de cobrança, já em fase de cumprimento de sentença, da qual não figurou no polo passivo, uma vez que ajuizada, em verdade, em face da então locatária do imóvel – 4. Em se tratando a dívida de condomínio de obrigação propter rem e partindo-se da premissa de que o próprio imóvel gerador das despesas constitui garantia ao pagamento da dívida, o proprietário do imóvel pode ter seu bem penhorado no bojo de ação de cobrança, já em fase de cumprimento de sentença, da qual não figurou no polo passivo – 5. A solução da controvérsia perpassa pelo princípio da instrumentalidade das formas, aliado ao princípio da efetividade do processo, no sentido de se utilizar a técnica processual não como um entrave, mas como um instrumento para a realização do direito material. Afinal, se o débito condominial possui caráter ambulatório, não faz sentido impedir que, no âmbito processual, o proprietário possa figurar no polo passivo do cumprimento de sentença – 6. Em regra, deve prevalecer o interesse da coletividade dos condôminos, permitindo-se que o condomínio receba as despesas indispensáveis e inadiáveis à manutenção da coisa comum – 7. Recurso especial conhecido e provido.


RECURSO ESPECIAL Nº 1.829.663 – SP (2016/0174058-5)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : CONDOMINIO DO EDIFICIO MOGI CENTER HOTEL

ADVOGADOS : PAULO CÉSAR VIEIRA DE CARVALHO – SP066127A

ROBERTO RUDNEI DA SILVA – SP167769

RECORRIDO : VALERIA GONCALVES DA CRUZ MONTEIRO

ADVOGADO : FERNANDA GONÇALVES OLIVEIRA MAURO – SP258989

EMENTA

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA DO IMÓVEL GERADOR DOS DÉBITOS CONDOMINIAIS NO BOJO DE AÇÃO DE COBRANÇA NA QUAL A PROPRIETÁRIA DO BEM NÃO FIGUROU COMO PARTE. POSSIBILIDADE. OBRIGAÇÃO PROPTER REM.

1. Embargos de terceiro opostos pela proprietária do imóvel, por meio dos quais se insurge contra a penhora do bem, realizada nos autos de ação de cobrança de cotas condominiais, já em fase de cumprimento de sentença, ajuizada em face da locatária.

2. Ação ajuizada em 22/03/2011. Recurso especial concluso ao gabinete em 30/06/2016. Julgamento: CPC/73.

3. O propósito recursal é definir se a proprietária do imóvel gerador dos débitos condominiais pode ter o seu bem penhorado no bojo de ação de cobrança, já em fase de cumprimento de sentença, da qual não figurou no polo passivo, uma vez que ajuizada, em verdade, em face da então locatária do imóvel.

4. Em se tratando a dívida de condomínio de obrigação propter rem e partindo-se da premissa de que o próprio imóvel gerador das despesas constitui garantia ao pagamento da dívida, o proprietário do imóvel pode ter seu bem penhorado no bojo de ação de cobrança, já em fase de cumprimento de sentença, da qual não figurou no polo passivo.

5. A solução da controvérsia perpassa pelo princípio da instrumentalidade das formas, aliado ao princípio da efetividade do processo, no sentido de se utilizar a técnica processual não como um entrave, mas como um instrumento para a realização do direito material. Afinal, se o débito condominial possui caráter ambulatório, não faz sentido impedir que, no âmbito processual, o proprietário possa figurar no polo passivo do cumprimento de sentença.

6. Em regra, deve prevalecer o interesse da coletividade dos condôminos, permitindo-se que o condomínio receba as despesas indispensáveis e inadiáveis à manutenção da coisa comum.

7. Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 05 de novembro de 2019(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:

Cuida-se de recurso especial interposto por CONDOMINIO DO EDIFICIO MOGI CENTER HOTEL, fundamentado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ/SP.

Recurso especial interposto em: 20/03/2015.

Concluso ao Gabinete em: 30/06/2016.

Ação: de embargos de terceiro, opostos por VALERIA GONCALVES DA CRUZ MONTEIRO (proprietária do imóvel), em desfavor do recorrente, por meio dos quais se insurge contra a penhora de imóvel de sua propriedade, realizada nos autos de ação de cobrança de cotas condominiais, já em fase de cumprimento de sentença, ajuizada em face da locatária (e-STJ fls. 1-7).

Sentença: julgou improcedente o pedido (e-STJ fls. 99-102).

Acórdão: deu provimento à apelação interposta pela recorrida, nos termos da seguinte ementa:

Despesas de condomínio. Ação de cobrança em fase de cumprimento de sentença. Penhora dos imóveis geradores do débito condominial. Impossibilidade ante o limite subjetivo da coisa julgada. Ação que foi ajuizada em face da locatária dos imóveis. Proprietária que não participou da fase de conhecimento. Ausência de título executivo contra ela. Sentença reformada. Recurso provido (e-STJ fl. 155).

Embargos de declaração: opostos pelo recorrente, foram rejeitados (e-STJ fls. 168-173).

Recurso especial: alega violação dos arts. 1.336, I, do CC/02; e 4º da Lei 4.591/64, bem como dissídio jurisprudencial. Sustenta que:

a) ante a característica propter rem da obrigação condominial, cada unidade imobiliária responde pelas despesas condominiais, independentemente de quem as originou ou da própria vontade do proprietário;

b) em nenhum momento a execução foi direcionada a pessoa alheia à relação jurídica, tendo a recorrida sido intimada da penhora do imóvel de sua propriedade; e

c) esgotados todos os meios para recebimento dos débitos condominiais e impedida a penhora da unidade condominial, ficam o condomínio e os demais condôminos claramente prejudicados, uma vez que os encargos serão entre eles rateados, enquanto a devedora continuará usufruindo de todos os serviços (e-STJ fls. 176-224).

Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/SP inadmitiu o recurso especial interposto pelo CONDOMINIO DO EDIFICIO MOGI CENTER HOTEL (e-STJ fls. 245-246), ensejando a interposição de agravo em recurso especial (e-STJ fls. 249-260), que foi provido e reautuado como recurso especial para melhor exame da matéria (e-STJ fl. 289).

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (RELATOR):

O propósito recursal é definir se a proprietária do imóvel gerador dos débitos condominiais pode ter o seu bem penhorado no bojo de ação de cobrança, já em fase de cumprimento de sentença, da qual não figurou no polo passivo, uma vez que ajuizada, em verdade, em face da então locatária do imóvel.

Aplicação do Código de Processo Civil de 1973 – Enunciado Administrativo n. 2/STJ.

1. DA NATUREZA JURÍDICA DA OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DAS DESPESAS CONDOMINIAIS

Segundo o reiterado entendimento deste Superior Tribunal de Justiça, respaldado em abalizada doutrina, a obrigação de pagamento das despesas condominiais é de natureza propter rem, ou seja, é obrigação “própria da coisa”, ou, melhor ainda, assumida “por causa da coisa”.

Outrora, muito se discutiu se as obrigações ditas propter rem estariam contidas no universo dos direitos reais, ou se, por outro lado, seriam afetas ao universo dos direitos obrigacionais. Referida diferenciação, ao fim e ao cabo, restou suplantada pela constatação de que “a obrigação propter rem se encontra no terreno fronteiriço entre os direitos reais e os pessoais” (RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Parte Geral: das Obrigações, 9ª ed., Saraiva, vol. II, p. 108); que se formam numa situação de imbricação entre os direitos reais e obrigacionais, assimilando características de ambos (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: direitos reais, 14ª ed., JusPodivm, 2018, p. 56).

SERPA LOPES, se aprofundando no estudo dessa espécie de obrigação, concluiu que ela se caracteriza por decorrer da titularidade de um direito real, impondo a satisfação de determinada prestação relativa à coisa. Assim, as obrigações propter rem “recaem sobre uma pessoa por força de um determinado direito real, com o qual se encontram numa vinculação tão estreita, que o seguem a título de acessórios, inseparáveis” (Curso de Direito Civil, Obrigações em Geral, 2ª ed, Freitas Bastos, vol. II, p. 66).

Em outros termos, caracteriza-se a obrigação propter rem pela particularidade de a pessoa do devedor se individualizar única e exclusivamente pela titularidade do direito real, desvinculada de qualquer manifestação da vontade do sujeito.

Por isso é que, em havendo transferência da titularidade, a obrigação é igualmente transmitida.

Diz-se, então, que a obrigação propter rem é dotada de ambulatoriedade, ou, ainda, que se trata, ela mesma, de obrigação ambulatória.

Assim, independentemente da vontade dos envolvidos, a obrigação de satisfazer determinadas prestações acompanha a coisa em todas as suas mutações subjetivas.

Essa característica inerente às obrigações propter rem é bem pontuada por Antônio Junqueira de AZEVEDO, segundo o qual, “justamente no fato de que, nelas, o devedor somente é determinado pela sua condição de titular da propriedade; mudando a coisa de dono, muda a obrigação de devedor. Por isso, também se chamam obrigações ambulatórias; ambulant cum domino ou, como seria possível dizer, ambulant cum dominio” (Restrições Convencionais de Loteamento – Obrigações propter rem e suas Condições de Persistência. Revista dos Tribunais, nº 741, 1997, p. 116).

Na mesma linha, é o entendimento majoritário da doutrina:

“Não será preciso lembrar que existem obrigações que não resultam de uma avença entre pessoas, podendo o vínculo decorrer do fato de ser alguém titular de direito real. O titular desse direito real pode mudar, mas a obrigação acompanha a coisa. A titularidade do direito real define o sujeito passivo da obrigação. Por força dessa razão, esse tipo de obrigação se denomina ambulatória, propter rem, ou também obrigação real”. (LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de direito urbanístico. Rio de janeiro: Renovar, 1997, p.189)

“Desta maneira, conclui-se que, pelo fato da obrigação propter rem decorrer da titularidade de um direito real, é aquela dotada de sequela ou ambulatoriedade, isto é, o adimplemento de tal obrigação acompanha o bem aonde quer que ele se encontre, sendo sempre exigível em face do atual titular do direito de propriedade”. (CARVALHO, Fabrício. Direito das obrigações. Niterói: Impetus, 2010, p. 14)

“Em regra, os direitos reais não criam obrigações positivas para terceiros, tão somente um dever genérico negativo, consistente na abstenção da prática de atos que possam cercear a substância do direito alheio. Por outro lado, as obrigações normalmente surgem de um negócio jurídico unilateral ou bilateral, cujo fundamento é a manifestação de vontade. Excepcionalmente, a mera titularidade de um direito real importará a assunção de obrigações desvinculadas de qualquer manifestação de vontade do sujeito. A obrigação propter rem está vinculada à titularidade do bem, sendo essa a razão pela qual será satisfeita determinada prestação positiva ou negativa, impondo-se a sua assunção a todos os que sucedam ao titular na posição transmitida” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: direitos reais, 14ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 56-57).

2. DA RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DE DESPESAS CONDOMINIAIS

Outra questão comumente discutida no âmbito da obrigação de pagamento das despesas condominiais diz respeito à própria responsabilidade no adimplemento de tais despesas, dado, inclusive, o caráter propter rem da obrigação. Dito de outra forma, discute-se se tal obrigação encerra-se na pessoa que é proprietária do bem ou se ela se estende a outras pessoas que tenham uma relação jurídica vinculada ao imóvel – que não o vínculo de propriedade.

Frisa-se que as obrigações propter rem recaem sobre determinada pessoa por força de determinado direito real, isto é, só existem em razão da situação jurídica do obrigado, de titular do domínio ou de detentor de determinada coisa (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 2 : teoria geral das obrigações. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 27).

Como mesmo lembrado pelo renomado jurista, é o que ocorre, por exemplo, com a obrigação imposta aos proprietários e inquilinos de um prédio de não prejudicarem a segurança, o sossego e a saúde dos vizinhos (CC, art. 1.277).

Por se transferir a eventuais novos ocupantes do imóvel, é também denominada obrigação ambulatória (GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit., p. 27).

Em julgamento de recurso repetitivo, a 2ª Seção desta Corte firmou a tese de que “o que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de compra e venda, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto” (REsp 1.345.331/RS, 2ª Seção, DJe 20/04/2015).

Na oportunidade, ressaltou o Min. Luis Felipe Salomão, relator dos autos, no corpo de seu voto, que as despesas condominiais, compreendidas como obrigações propter rem, são de responsabilidade daquele que detém a qualidade de proprietário da unidade imobiliária, ou ainda pelo titular de um dos aspectos da propriedade, tais como a posse, o gozo, a fruição, desde que esse tenha estabelecido relação jurídica direta com o condomínio.

Não somente, a 4ª Turma desta Corte – ainda que analisando questão relativa à responsabilidade da promitente vendedora por despesas condominiais referentes ao período em que o bem esteve na pose do promitente comprador em razão de rescisão do contrato de promessa de compra e venda na qual foi reintegrada na posse do imóvel – ao interpretar o retrocitado precedente repetitivo da Segunda Seção, consignou que o Min. Relator teria reconhecido a faculdade do condomínio de propor a ação de cobrança de cotas condominiais contra aquele dentre os quais possuam liame jurídico com a unidade habitacional, sendo ele o proprietário, promissário comprador, adquirente, arrematante, ocupante do imóvel, etc., tendo em vista, exatamente, o intuito de fazer prevalecer o interesse da massa condominial, a fim de resgatar de maneira mais célere as despesas inadimplidas (AgInt no REsp 1.229.639/PR, 4ª Turma, DJe 20/10/2016).

A corroborar com a linha de entendimento perfilhada por esta Corte, vale citar lição de abalizada doutrina:

A força vinculante das obrigações propter rem manifesta-se conforme a situação do devedor ante uma coisa, seja como titular do domínio, seja como possuidor. Assim, nesse tipo de obrigação, o devedor é determinado de acordo com sua relação em face de uma coisa, que é conexa com o débito (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 2 : teoria geral das obrigações. 32 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 27) (grifos acrescentados).

Nessa linha de raciocínio, no julgamento do REsp 1.704.498/SP (DJe 24/04/2018), esta 3ª Turma já decidiu pela possibilidade da arrendatária do imóvel – quem exerce a posse direta sobre o bem e quem, em realidade, usufrui dos serviços prestados pelo condomínio – figurar no polo passivo de ação de cobrança de despesas condominiais, não obstante não seja proprietária do mesmo.

Especificamente no que concerne ao ajuizamento da ação de cobrança de cotas condominiais, tem-se, destarte, que o interesse prevalecente é o da coletividade de receber os recursos para o pagamento de despesas indispensáveis e inadiáveis, podendo o credor escolher o que mais prontamente poderá cumprir com a obrigação, ficando obviamente ressalvado o direito de regresso (CHAVES DE FARIAS, Cristiano. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. Vol. 5. 9ª ed. rev., ampl. e atual. Ed. Juspodivm: Bahia, 2013, p. 734).

Nessa trilha, não é o bastante citar, também, a doutrina de Francisco Eduardo Loureiro:

A natureza das despesas condominiais permite, mais, que a ação de cobrança seja ajuizada diretamente contra o locatário ou o comodatário, se assim for de interesse do condomínio (Código Civil comentado : doutrina e jurisprudência : Lei n. 10.406, de 10.01.2002 / coordenador Cezar Peluso. 8 ed. rev. e atual. São Paulo: Manole, 2014, p. 1.277).

Conclui-se, pelo exposto, que a ação de cobrança de débitos condominiais pode ser proposta em face de qualquer um daqueles que tenha uma relação jurídica vinculada ao imóvel, o que mais prontamente possa cumprir com a obrigação.

Vale lembrar que, por ocasião do julgamento do retrocitado recurso especial, como relatora dos autos, sublinhei que a admissão da arrendatária no polo passivo da ação de cobrança, não implicaria no reconhecimento de solidariedade entre proprietário e arrendatário no pagamento dos débitos condominiais em atraso, mas apenas no reconhecimento de que ambos poderiam figurar no polo passivo da obrigação, a fim de fazer prevalecer o interesse da coletividade dos condôminos, sempre resguardado o direito de regresso contra o real proprietário do bem.

3. DA PENHORA DO IMÓVEL GERADOR DOS DÉBITOS CONDOMINIAIS NO BOJO DE AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA EM FACE DA LOCATÁRIA DO BEM

De início, reitera-se que, na hipótese ora sob exame, a ação de cobrança de cotas condominiais não foi ajuizada em face da proprietária do imóvel (ora recorrida), mas sim, em face da locatária.

E, definido que ação de cobrança de despesas condominiais pode ser ajuizada em face daquele que, ainda que não seja proprietário do imóvel gerador dos débitos, tenha relação jurídica direta com o condomínio, em razão da titularidade de um dos aspectos da propriedade, resta analisar se o imóvel do próprio proprietário pode ser penhorado no bojo de ação de cobrança da qual não foi parte, ajuizada em face da locatária do bem.

Urge salientar que a controvérsia posta a deslinde nos presentes autos é justamente a acima referida, pois os presentes embargos de terceiro foram opostos em razão da penhora de imóvel de propriedade da recorrida, realizada no bojo de ação de cobrança, já em fase de cumprimento de sentença, da qual não foi parte, uma vez que ajuizada unicamente em desfavor de Mogi Center Hotel Ltda., locatária do bem.

Destaca-se que o TJ/SP reconheceu a impossibilidade da penhora do referido imóvel, sob o argumento de que é inviável redirecionar a execução à pessoa que não figurou na relação jurídica originária, em respeito aos limites subjetivos da coisa julgada, senão veja-se:

Com efeito, o título executivo judicial a ser executado foi constituído em face de Mogi Center Hotel Ltda., na qualidade de devedora das despesas condominiais por exercer a posse direta dos referidos imóveis como locatária. No entanto, apenas na fase de cumprimento de sentença vem o condomínio exequente executar os imóveis geradores do débito condominial, cujos proprietários sequer participaram da fase de conhecimento, o que afronta o art. 472 do CPC, cuja redação determina que “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros.

(…) (grifei).

É certo que o pagamento das despesas condominiais, por se tratar de obrigação propter rem, acompanha o imóvel, estendendo a responsabilidade pelo pagamento a todo e qualquer adquirente da propriedade, em consonância ao determinado no art. 42, § 3º, do CPC.

Ocorre que, no caso em comento, não houve a alteração do titular do direito de propriedade, visto que a embargante era proprietária dos imóveis em questão antes mesmo da ação de cobrança ter sido ajuizada pelo condomínio, conforme se observa das matrículas de fls. 54/60, não havendo como redirecionar a execução à pessoa que não figurou na relação jurídica originária, em respeito aos limites subjetivos da coisa julgada.

(…)

Logo, ausente título executivo contra a embargante, haja vista não ter feito parte da relação jurídico processual, esta não é parte legítima para ocupar o polo passivo da fase executiva, sendo de rigor a reforma da r. sentença (e-STJ fls. 157-158).

Com efeito, é certo que, como regra, nos termos do art. 472 do CPC/73, à época vigente, os efeitos da coisa julgada apenas se operam inter partes, não beneficiando nem prejudicando estranhos à relação processual em que se formou.

No entanto, essa regra não é absoluta e comporta exceções. Em determinadas hipóteses, a coisa julgada pode atingir, além das partes, terceiros que não participaram de sua formação.

E, partindo da premissa de que, em última análise, o próprio imóvel gerador das despesas constitui garantia ao pagamento da dívida, dada a natureza propter rem da obrigação, deve-se admitir a inclusão do proprietário no cumprimento de sentença em curso.

A solução da controvérsia perpassa pelo princípio da instrumentalidade das formas, aliado ao princípio da efetividade do processo, no sentido de se utilizar a técnica processual não como um entrave, mas como um instrumento para a realização do direito material. Afinal, se o débito condominial possui caráter ambulatório, não faz sentido impedir que, no âmbito processual, o proprietário possa figurar no polo passivo do cumprimento de sentença.

Não constitui demasia realçar que deve prevalecer o interesse da coletividade dos condôminos, permitindo que o condomínio receba as despesas indispensáveis e inadiáveis à manutenção da coisa comum.

A fim de corroborar o real espírito da obrigação de adimplemento das despesas condominiais, cita-se recente precedente julgado por esta 3ª Turma, em que se admitiu a sucessão processual do antigo executado pelo arrematante do imóvel, que não participou da relação jurídica originária. O julgado foi assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL (CPC/73). AÇÃO DE COBRANÇA. COTAS CONDOMINIAIS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMÓVEL ARREMATADO EM HASTA PÚBLICA. INFORMAÇÃO NO EDITAL ACERCA DA EXISTÊNCIA DE DÉBITOS CONDOMINIAIS. CARÁTER ‘PROPTER REM’ DA OBRIGAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ARREMATANTE. SUCESSÃO NO POLO PASSIVO DA EXECUÇÃO. CABIMENTO.

1. Controvérsia em torno da possibilidade de inclusão do arrematante no polo passivo da ação de cobrança de cotas condominiais na fase cumprimento de sentença.

2. Em recurso especial não cabe invocar ofensa à norma constitucional.

3. Os arts. 204 e 206, § 5º, I, do CC não contêm comandos capazes de sustentar a tese recursal, atraindo o óbice da Súmula 284/STF.

4. Não há violação aos arts. 489, § 1º, IV e 1.022, II e § único, II, do CPC quando a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente.

5. Em se tratando a dívida de condomínio de obrigação “propter rem”, constando do edital de praça a existência de ônus incidente sobre o imóvel, o arrematante é responsável pelo pagamento das despesas condominiais vencidas, ainda que estas sejam anteriores à arrematação, admitindo-se, inclusive, a sucessão processual do antigo executado pelo arrematante.

6. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO (REsp 1.672.508/SP, 3ª Turma, DJe 01/08/2019).

É bem verdade que, ainda que tratando de hipótese diversa da dos autos – uma vez que no bojo do referido recurso especial houve uma verdadeira transferência de titularidade do direito real sobre o imóvel –, o que se dessume do julgado é um real escopo de não esvaziar a própria tutela jurisdicional.

Na oportunidade, destaca-se, proferi voto vogal ressaltando que:

Em certa medida, essa disposição legal reflete a visão da moderna processualística brasileira no sentido de que a alteração da situação das partes no plano do direito material tem inegável influência sobre o processo, que não pode ser desconsiderada, sob pena de se esvaziar de eficácia a própria tutela jurisdicional. Com efeito, “a natureza instrumental do direito processual impõe sejam seus institutos concebidos em conformidade com as necessidades do direito substancial. Isto é, a eficácia do sistema processual será medida em função de sua utilidade para o ordenamento jurídico material e para a pacificação social” (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo, 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 19).

Sob esse espeque, devem ser julgados improcedentes os embargos de terceiro opostos pela recorrida.

4. DA CONCLUSÃO

Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial interposto pelo CONDOMINIO DO EDIFICIO MOGI CENTER HOTEL e DOU-LHE PROVIMENTO, a fim de restabelecer a sentença de fls. 99-102 (e-STJ), que julgou improcedentes os embargos de terceiro opostos pela recorrida. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.829.663 – São Paulo – 3ª Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJ 07.11.2019

Fonte: INR Publicações

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1ªVRP/SP: Registro de Imóveis. Restrição na matrícula do imóvel que limita as construções possíveis de serem realizadas, o que impede a realização de empreendimento. Ainda que não haja o dever do registrador verificar o cumprimento da restrição, conforme item 191 do Cap. XX das NSCGJ, uma vez inseridas na transcrição ou matrícula do imóvel, tais cláusulas passam a ser de conhecimento público, não podendo os adquirentes alegar desconhecimento ou que trata-se de convenção particular, não extensível a novos compradores, justamente porque o registro público gera a presunção de legitimidade dos dados dele constantes até que seja cancelado.São requisitos essenciais para o cancelamento administrativo a comprovação inequívoca da descaracterização da proposta de parcelamento e inexistência de prejuízos a terceiros.


Processo 1057371-32.2019.8.26.0100

Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Luiz Alfredo Caramelo Cerca – – Artur Eduardo Caramelo Cerca – – Maria Ressur Caramelo Simões Cerca – Municipalidade de São Paulo – Vistos. Trata-se de pedido de providências formulado por Luiz Lafredo Caramelo Cerca, Artur Eduardo Caramelo Cerca e Maria Ressur Caramelo Simões Cerca em face do Oficial do 2º Registro de Imóveis da Capital, requerendo o cancelamento da restrição do loteador constante na matrícula nº 107.113 da citada serventia. Alegam os requerentes que pretendem alienar o imóvel à empresa, que também pretende a aquisição dos imóveis contíguos para realizar incorporação imobiliária. Aduzem que consta restrição na matrícula do imóvel que limita as construções possíveis de serem realizadas, o que impede a realização do empreendimento. Argumentam que a restrição é contrária ao plano diretor da cidade, está descaracterizada, e que, por ter sido realizada pelo vendedor há vários anos, não poderia vincular terceiros. O Oficial do 2º Registro de Imóveis manifestou-se às fls. 21/29. Alega que a matrícula foi aberta conforme transcrição originária do 5º Registo de Imóveis, na qual constava restrições existentes no contrato padrão do loteamento. O Município de São Paulo, às fls. 32/34, não se opôs ao requerimento, alegando que as restrições convencionais não obrigam o Município e que a zona em que está inserido o imóvel, conforme Lei Municipal de Uso e Ocupação do Solo, permite construções de modo mais amplo que o constante na matrícula. O Oficial do 5º Registro de Imóveis manifestou-se às fls. 52/56. Aduz que o loteamento “Chácara Formosa” foi inscrito conforme o Decreto-Lei 58/1937, e que seu contrato-tipo previa cláusulas restritivas. Demonstra que nem todas às cláusulas do contrato-tipo foram transportadas para a transcrição dos lotes. O Ministério Público opinou às fls. 72/75 pela improcedência do pedido. Vieram aos autos informações complementares do 2º RI, às fls. 80/81. É o relatório. Decido. As cláusulas restritivas impostas pelo loteador, como bem lembrado pelo Oficial do 5º Registro de Imóveis, citando o Min. Herman Benjamin no REsp 302.906, são “mais rígidas que as restrições legais, correspondem a inequívoco direito dos moradores de um bairro ou região de optarem por espaços verdes, controle do adensamento e da verticalização, melhoria da estética urbana e sossego”. Portanto, desde sua origem, as cláusulas urbanísticas convencionais visam a valorização do loteamento, ao trazer limites ao direito de propriedade dos compradores com a finalidade de promover o bem estar comum, otimizando a utilização daquele espaço urbano. Ainda que não haja o dever do registrador verificar o cumprimento da restrição, conforme item 191 do Cap. XX das NSCGJ, uma vez inseridas na transcrição ou matrícula do imóvel, tais cláusulas passam a ser de conhecimento público, não podendo os adquirentes alegar desconhecimento ou que trata-se de convenção particular, não extensível a novos compradores, justamente porque o registro público gera a presunção de legitimidade dos dados dele constantes até que seja cancelado. Por tal razão, ainda que haja incongruências entre contrato padrão e transcrição do imóvel, deve-se considerar que houve inscrição de tais dados e não há qualquer indício de nulidade de pleno direito que permitiria seu cancelamento com base em tal fundamento. É dizer que, na análise da legalidade da cláusula em si, não foi apontado qualquer fundamento que permita a este juízo administrativo autorizar seu cancelamento. Veja-se, neste ponto, que a Lei Municipal 16.402/16 não autoriza o cancelamento das cláusulas, mas regulamenta tão somente o agir dos órgãos municipais quanto a análise da ocupação do solo no âmbito de sua competência. Em outras palavras, tal lei nada diz quanto a validade do registro das cláusulas restritivas, mas apenas quanto a sua aplicação para que determinado imóvel seja compatível com o zoneamento urbano. Como já citado, não cabe ao registrador controlar o cumprimento da restrição: é o município que, dentro de suas competências urbanísticas, poderá analisar se a restrição do loteador deve ou não ser considerada quando for aprovar determinada obra, uso ou ocupação do solo. Todavia, a legalidade da criação da cláusula de restrição convencional, seu registro em conjunto com o loteamento bem como sua inclusão nas matrículas dos lotes, não pode ser feita por lei municipal, vez que o Art. 22, XXV, da Constituição Federal prevê a competência privativa da União para legislar sobre registros públicos. Deste modo, o Município pode até mesmo ignorar a cláusula restritiva do loteador para fins de autorizações e aprovações urbanísticas, mas não pode restringir a inclusão ou regulamentar o cancelamento de tais cláusulas do registro de imóveis por fugir de sua competência legislativa. No caso de autorização municipal contrária aos limites impostos, caberá aos interessados buscar as vias judiciais para garantir o cumprimento das limitações, ou até mesmo declaração quanto sua validade. Não obstante a impossibilidade do cancelamento por nulidade de pleno direito no presente caso, cumpre mencionar que a E. Corregedoria Geral de Justiça já permitiu o cancelamento administrativo quando efetivamente demonstrada a descaracterização do loteamento, fazendo com que as cláusulas já não tenham mais eficácia. Cito o processo nº 791/04, de relatoria do então MMº Juiz Assessor Luís Paulo Aliende Ribeiro: “Registro de Imóveis – Averbação – Pretensão de cancelamento de restrição convencional constante do contrato padrão inscrito em face da descaracterização da proposta inicial do loteamento – Situação de fato, referente a parcelamento antigo, comprovada, no caso, por elementos tabulares inequívocos – Desnecessidade de dilação probatória e demonstração da inocorrência de ofensa a interesse de terceiros que viabilizam, na hipótese, a excepcional utilização da via administrativa – Recurso não provido. ‘Esta é a orientação geral, cuja manutenção se impõe, pois somente na via jurisdicional, mediante contraditório, é que, em regra, se viabiliza a constatação desses dois requisitos, quais sejam, a comprovação da descaracterização da proposta inicial do parcelamento e a inocorrência de ofensa ao direito de terceiros. A situação fática e registrária expressa nos presentes autos revela, no entanto, seja por estar tabular e documentalmente comprovada, de modo a evidenciar a desnecessidade de produção de outras provas, a flagrante descaracterização, na referida quadra, da proposta inicial do loteamento, seja em função dos termos em que redigida a própria restrição convencional, expressa no sentido de que instituída em favor dos terrenos contíguos, limitando aos terrenos da mencionada quadra o interesse na manutenção da restrição, excepcional hipótese de viabilidade da utilização da via administrativa para o reconhecimento da descaracterização da proposta inicial do empreendimento, a autorizar o atendimento da pretensão da recorrida e o levantamento, na quadra, da restrição imposta, há quase meio século, pelo loteador.’ Como visto, são requisitos essenciais para o cancelamento administrativo a comprovação inequívoca da descaracterização da proposta de parcelamento e inexistência de prejuízos a terceiros. E tais requisitos, no presente caso, não foram comprovados. O requerente apenas alega que houve ampla verticalização do bairro, mas não traz qualquer prova neste sentido. Ainda, em pesquisa rápida na ferramenta “google street view”, verifica-se que em 2018 a quadra em que localizado o imóvel era majoritariamente composta por casas, havendo apenas 1 edifício, de 4 andares. Imagens de satélite da ferramenta “google maps”, de 2019, mostram que não houve alteração de tal situação fática. Não houve, portanto, efetiva comprovação de descaracterização da região, de modo que as restrições impostas na matrícula, referentes a limitações de construção no imóvel parecem ainda ser eficazes, impedindo seu cancelamento administrativos. Por fim, saliento que ainda que as restrições não tenham sido impostas em todos os imóveis vizinhos, sua existência em outros, conforme apontado às fls. 80/81, denota que houve efetivo planejamento pelo loteador de características urbanísticas na região que, ao menos em análise superficial, podem ter sido consideradas pelos adquirentes como elemento essencial para valorização de seus imóveis, de modo que não se pode, neste caso, presumir inexistência de prejuízo a terceiros, que podem ter interesse em não ver construídos em sua quadra empreendimentos imobiliários de grande vulto. Portanto, o pedido deve ser indeferido nesta via administrativa. Isso não impede, contudo, que os requerentes busquem a via judicial para declarar a nulidade da restrição, onde haverá participação de todos os possíveis interessados com amplo contraditório e dilação probatória, inviáveis neste juízo. Do exposto, julgo improcedente pedido de providências formulado por Luiz Lafredo Caramelo Cerca e outros em face do Oficial do 2º Registro de Imóveis da Capital. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: MARCIA HALLAGE VARELLA GUIMARAES (OAB 98817/ SP), GUILHERME MÜLLER LOPES (OAB 328862/SP)

Fonte: DJE/SP 12.12.2019

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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