Pedido de providências – Registro de Imóveis – Alegada duplicidade de matrículas e sobreposição de áreas – Ausência de provas – Remessa dos interessados às vias ordinárias – Arquivamento do expediente.


Número do processo: 27727

Ano do processo: 2018

Número do parecer: 259

Ano do parecer: 2018

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 2018/27727

(259/2018-E)

Pedido de providências – Registro de Imóveis – Alegada duplicidade de matrículas e sobreposição de áreas – Ausência de provas – Remessa dos interessados às vias ordinárias – Arquivamento do expediente.

Vistos.

Trata-se de expediente iniciado em virtude de reclamação formulada por Armando Schneider Filho, em que noticiada a alegada prática de fraudes cometidas pelo Oficial do 1° Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Rio Claro, as quais, ao que afirma, não teria sido apuradas pelo MM. Juiz Corregedor Permanente da serventia extrajudicial.

Primeiramente, cumpre anotar que, nos autos da falência de Concretubo Tubulações Pré-Moldadas de Concreto Ltda. (Processo n° 0002026-38.1996.8.26.0510), houve arrecadação do imóvel objeto da matrícula n° 15.245 do 1º Cartório de Registro de Imóveis de Rio Claro.

Então, os embargos de terceiro ajuizados pelo Espólio de Luiz de Oliveira Arraes foram julgados improcedentes, com decisão já transitada em julgado. Na r. sentença copiada a fls. 41/43, consta expressamente que, realizada a análise da documentação dos imóveis pelo Oficial do 1º Cartório de Registro de Imóveis de Rio Claro, constatou-se que as áreas em discussão naquele feito são distintas entre si, a despeito de serem ambos os imóveis limitados pelo Córrego do Gonçalves. E no v. acórdão copiado a fls. 53/56, ficou consignado que, a despeito de alegar ser incorreta a descrição do imóvel matriculado sob n° 15.245 do referido Cartório de Imóveis, o levantamento planimétrico apresentado, por si só, não comprova a incorreção do registro, certo que não foi constatada a identidade de imóveis, pois inexistente qualquer ponto e coincidência entre as descrições. Ademais, o embargante, devidamente intimado, não depositou o valor dos honorários periciais, deixando de provar suas alegações.

De seu turno, a pessoa jurídica Armando Schneider Filho – ME celebrou contrato de locação, tendo por objeto o prédio construído no imóvel arrecadado nos autos da referida ação de falência (fls. 62). Posteriormente, o denunciante (pessoa física) disse ter entabulado negociações com os herdeiros do Espólio de Luiz de Oliveira Arrais, visando a aquisição de uma gleba de terras, objeto da transcrição n° 9.820 do 1° Cartório de Registro de Imóveis de Rio Claro (fls. 83/89), onde, segundo afirma, estaria o imóvel anteriormente alugado e ocupado. Com isso, sustenta que a área sobre a qual exerce posse foi objeto de fraude registrária, pois o imóvel objeto de uma matrícula teria sido “incorporado” por outro. Ainda, alega que não lhe compete ajuizar ação para regularizar registros públicos, o que é dever e função do Estado (fls. 112).

Em que pese o inconformismo manifestado pelo denunciante, é preciso ressaltar que não há provas de que, efetivamente, tenha adquirido a propriedade do imóvel matriculado em nome do espólio de Luiz de Oliveira Arrais (fls. 90/v°).

Por outro lado, o imóvel objeto da matrícula n° 15.245 do 1° Cartório de Registro de Imóveis de Rio Claro está registrado em nome da empresa Concretubo Tubulações Pré-Moldadas de Concreto Ltda. (fls. 100/101), o que, portanto, ensejou sua arrecadação nos autos da ação de falência (fls. 20).

Nesse cenário, sequer é possível vislumbrar a legitimidade e interesse do denunciante quanto à apuração da suposta irregularidade havida quando da abertura das matrículas dos imóveis em questão.

Ademais, eventual eliminação da duplicidade de matrículas – o que se daria, em tese, pelo cancelamento de uma delas – e de identificação da exata localização da área supostamente adquirida pelo denunciante não podem ser acolhidos nesta via administrativa. A respeito do tema, ensina Narciso Orlandi Neto:

“Quando dois direitos sobre o mesmo imóvel não podem coexistir, não podem gravar simultaneamente o mesmo objeto, não podem ter titulares diferentes, diz-se que são contraditórios. No processo de qualificação podem também ser considerados contraditórios direitos cuja preferência será dada pela ordem da inscrição (hipotecas simultaneamente constituídas sem declaração de grau). Interessa aqui aquela primeira espécie de contradição. Os princípios que informam o Registro de Imóveis não permitem que direitos contraditórios permaneçam simultaneamente registrados. E quando ocorre duplicidade, há erro suscetível de retificação pelo prejudicado que, em princípio, é qualquer um dos dois titulares. A simples coexistência dos direitos no registro a ambos prejudica e legitima para a retificação. No sistema de matrículas, salvo erro grosseiro, não há possibilidade de duplicidade de registros na mesma matrícula. O que pode existir é: a) duplicidade de transcrições; b) duplicidade de matrículas; c) transcrição e matrícula contraditórias, quando a última não tem origem na primeira. Há quem entenda que, havendo duplicidade de transcrições ou de matrículas, pode e deve ser cancelada, até na via administrativa, a que foi feita por último. Foi o que decidiu o Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, no julgamento de apelação em processo de dúvida: “O caminho correto, ocorrendo duplicidade de registros, é a decretação da nulidade do efetivado em último lugar. Essa providência pode ser adotada na via administrativa, com fulcro no art. 214 da Lei n. 6.015/73” (RT 592/88). A solução é correta para as hipóteses referidas por Gilberto Valente da Silva, isto é, existência de duplicidade de matrícula por inofensivo erro interno, por exemplo, por falta de remissão da abertura da primeira na transcrição anterior. A solução é o cancelamento da segunda, com transporte dos atos nela praticados para a primeira, com fundamento no art. 213, caput, já que há erro evidente (A Matrícula, trabalho apresentado no XX Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, 1993). No mesmo sentido, Celestino A. Cano Tello, Iniciación al Estúdio de Derecho Hipotecário, Editorial Civitas, Madrid, 1982, p. 284). Mas não será diversa a solução se, na segunda matrícula, aberta inadvertidamente, tiver sido registrado um direito real incompatível com aquele registrado na primeira matrícula, v. g., a hipoteca constituída por quem alienara o imóvel? Com certeza a duplicidade não será irrelevante, inofensiva. Será temerária uma solução simplista, que não atente para a possibilidade de prevalecer o direito inscrito na segunda matrícula. E discutível? Sim. Bem por isso, a solução tem de ser encontrada na via contenciosa. A duplicidade de registros não leva necessariamente à conclusão de que um deles é nulo de pleno direito. Devem ser separadas as duas anomalias (…). As consequências da duplicidade de registros foram bem expostas pelo Conselho Superior da Magistratura de São Paulo. Decidiu o órgão, em caso de duplicidade de registros: “A regra do art. 859 do Código Civil, autorizadora do princípio da presunção, não pode ser chamada por nenhum daqueles titulares dos registros duplos. A presunção de que o direito pertence àquele em cujo nome está registrado não pode conviver com o duplo registro (…). Em outras palavras, a presunção de veracidade do registro desaparece quando há duplicidade”.

Prossegue o doutrinador, anotando que: “(…) a consequência é a impossibilidade de prática de qualquer ato em qualquer das correntes filiatórias, até que, na via adequada, se decida pela prevalência de uma ou de outra (Ap. 4.094, j. Em 24-6-1985, RT 599/99)”.

Mais adiante, depois de reafirmar que o duplo registro faz desaparecer a presunção relativa de verdade de seu conteúdo, conclui que sua restauração depende da eliminação da duplicidade pelo titular, por meio do cancelamento do registro contraditório nas vias ordinárias. E adverte que o registro nulo de pleno direito tem de ser cancelado, mas ressalva que nem sempre o segundo registro será o nulo de pleno direito, esclarecendo que:

“O cancelamento na via administrativa, quase sempre sem ciência do titular, priva-o do direito ao devido processo legal. Para quem entende que só o titular de direito inscrito tem legitimidade para atacar, com ação real, outra inscrição, o cancelamento do registro do prejudicado será fatal para a pretensão retificatória. Fique bem claro que não estamos cuidando aqui da nulidade de pleno direito, mas de conflito de interesses baseado no Registro de Imóveis. O cancelamento do registro por motivo que não seja a nulidade de pleno direito depende sempre de processo contencioso, exatamente porque implica, para o titular do registro cancelado, a perda do direito real. E no processo contencioso deve ser cancelado, não o registro feito por último, mas aquele cuja corrente filiatória não está perfeita. O juiz examinará as duas linhas das transmissões, verificará se têm a mesma origem, quando ocorreu a bifurcação, qual o motivo e qual a que, dentro dos princípios que informam o registro, deve prevalecer. O registro cuja linha desrespeitou o princípio da continuidade, por exemplo, não sobreviverá. Essa solução é indiscutível quando da existência de duas correntes filiatórias distintas. A outra, de cancelamento administrativo do último registro, pode ser admitida, mas quando a contradição está na mesma matrícula. O titular de direito já o transmitiu, mas ele aparece em outro registro, como transmitente. Neste caso há evidente violação do princípio da disponibilidade: o transmitente já transmitira tudo o que tinha. Aqui sim, está presente a nulidade de pleno direito, justificando o cancelamento. Quando as duas correntes filiatórias estão em matrículas diversas, não há como cancelar-se administrativamente uma delas. O efeito da duplicidade é o desaparecimento da presunção do registro e da disponibilidade do titular, e ambos os registros são atingidos. Mesmo na via contenciosa, o simples exame dos registros pode não ser suficiente para uma conclusão segura. Qualquer das partes litigantes pode alegar, em seu favor, o usucapião ordinário. Se estiver na posse do imóvel há mais de dez anos, de boa fé, não se lhe negará a aquisição por usucapião, ainda que o registro em seu nome não venha de uma linha filiatória perfeita e não resista a um confronto com a outra linha. Mas é exatamente para isso que serve o usucapião ordinário.”.

E conclui, por fim, que: “fora das vias ordinárias, é temerário o cancelamento do registro, porque priva-se o titular do direito constitucional de defender seu direito, não podendo o juiz supor que o titular do registro a cancelar não tem nenhum direito a defender” (“Retificação do Registro de Imóveis”, Ed. Oliveira Mendes, pp. 102/108).

No caso concreto, se o denunciante afirma haver conflito de interesses oriundo de correntes filiatórias diversas, apenas por intermédio de processo contencioso, em que respeitados os princípios da ampla defesa e do contraditório, é que se poderá aferir qual o registro merece prevalecer, eliminando-se eventual sobreposição, e identificar a exata localização da área que alega ter adquirido – fato este que também deverá ser devidamente comprovado.

Nesse sentido, entre outros, foi o r. parecer apresentado pelo MM. Juiz Assessor, Dr. Luis Paulo Aliende Ribeiro, no Processo CG n° 2.596/99, com o seguinte teor:

“Pretendem os apelantes a reforma da decisão de primeiro grau, para que seja afastada a determinação administrativa de parcial cancelamento da transcrição nº 51.065 do 14º registro de imóveis da Capital, afirmando a prevalência deste registro sobre os demais com relação aos quais fora constatada sobreposição registrária.

Tal pretensão comporta provimento, não em razão da afirmada prevalência do registro que interessa aos recorrentes sobre os demais, mas em face da inadequação da via administrativa para a apreciação de questão relativa à sobreposição de registros originários de correntes filiatórias paralelas, e referentes a imóveis distintos e vizinhos, ambos com descrição original imprecisa, matéria para cuja solução se impõe a utilização da via jurisdicional.

Este o entendimento expresso pelo Colendo Conselho Superior da Magistratura no julgamento da Apelação Cível nº 4.094-0, da Comarca de São Vicente, Rel. Des. Nogueira Garcez, que demonstrou com eficiência quais as consequências da duplicidade de registros:

“A regra do art. 859 do Código Civil, autorizadora do princípio da presunção, não pode ser chamada por nenhum daqueles titulares dos registro duplos. A presunção de que o direito pertence àquele em cujo nome está registrado não pode conviver com o duplo registro. Seria ilógico raciocinar com a presunção favorecendo, ao mesmo tempo, duas pessoas cujos direitos não podem coexistir. Em outras palavras, a presunção de veracidade do registro desaparece quando há duplicidade.

A consequência é a impossibilidade de prática de qualquer ato em qualquer das correntes filiatórias, até que, na via adequada, se decida pela prevalência de uma ou de outra

(…)

No mesmo sentido o parecer do juiz Ricardo Henry Marques Dip, no Processo CG nº 65/86, publicado nas Decisões Administrativas da Corregedoria Geral da Justiça 1986, ementa 75:

“Na espécie dos autos, indica-se maltrato ao princípio da continuidade, tipificando-se infringência imediata das normas registrárias, passíveis, assim, prima facie, de cancelamento por força da regra do art. 214, Lei 6.015/73.

Contradistinguem-se, no entanto, a ofensa à continuidade em única linha filiatória e a afronta ao trato sucessivo originário da duplicação de encadeamentos históricos de imóveis. A solução, por distintas as subespécies, merece também diferenciar-se. É tendencial o entendimento doutrinário no sentido de que a instalação de dupla linha filiatória para mesmos imóveis neutraliza a eficácia dos registros antagônicos (para o direito brasileiro, neutralização da presunção iuris tantum do art. 859, CC).

Nesse passo a lição de Martin Wolff: “Si una finca o una parcela está inscrita en dos lojas del registro (inscripción doble), la presunción del § 891 y la fé pública (§ 892 BGB) no se referirán a ninguna de las dos por separado, sino que ambas constituyen en conjunto ‘el registro imobiliário’, y, en aquello en que se contradigan, nadie puede invocar a su favor la inscripción que le favorezca” (Tratado de Derecho Civil, t. Ill, vol. I, § 37, I, n. 3).

No mesmo sentido de eficacização unitária do registro predial, ensina Hedemann: “Lo que decide es el conjunto del contenido del folio registral correspondiente. Nuestra vista no há de quedar prendida em una sola inscripción particular” (Derechos Reales, §16, II, n. 4).

Assim Díez-Picazo: “…existiendo dos titulares registrales, ambos disponen en principio de los efectos protectores de la fe pública y, por consiguiente, dichos efectos se neutralizan” (Fundamentos del Derecho Civil Patrimonial, vol. II, § 43, n. 231).

Para o direito brasileiro, ensina Pontes de Miranda: “A contradição entre dois registros que têm fé pública resolve-se pela ineficácia no que se contradigam: nenhum dos que figuram como titulares pode invocar a seu favor o que lhes seja concernente, nem os terceiros podem opor a fé pública a quem haja confiado no registro de conteúdo contrário” (Tratado de Direito Privado, § 1.218, n. 4).

A prioridade no registro não se presta a viabilizar o caminho administrativo, em hipótese de duplicidade de encadeamentos históricos de imóveis, já por isso que não se interdita a retificação registrária no direito brasileiro (arg. dos arts. 212 e ss., Lei 6.015/73) – que pode alterar conteúdo de registro precedente –, bem como se há de evitar que, por meio não jurisdicional, se infirme constituição regular de usucapião secundum tabulas (art. 551, CC).”

Verifica-se, por fim, que não obstante possa se cogitar, em tese, da possibilidade da determinação administrativa de duplo bloqueio dos registros em que constatada a sobreposição, como requerido pelos recorrentes, tal medida, no presente caso, a exemplo do decidido no Processo CG nº 65/86, acima citado, não se mostra necessária nem conveniente.”

E como se não bastasse o quanto exposto, é certo que o denunciante, ao adquirir bem litigioso, eis que objeto da ação de embargos de terceiro, o fez assumindo os riscos e consequências daí advindas. Não pode, agora, pretender se isentar da responsabilidade de seus atos, ao argumento de que compete ao Estado a regularização registral.

Por fim, no que diz respeito à orientação pleiteada pelo Magistrado (fls. 17), compete anotar que a ele caberá avaliar quais medidas entende pertinentes em relação à conduta do denunciante, lembrando-se que a E. Corregedoria Geral da Justiça não é órgão consultivo.

Nesses termos, o parecer que submeto à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de determinar o arquivamento do presente expediente, comunicando-se ao denunciante e ao MM. Juiz Corregedor Permanente.

Sub censura.

São Paulo, 26 de junho de 2018.

STEFÂNIA COSTA AMORIM REQUENA

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer da MMª. Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, determino o arquivamento do presente expediente. Comunique-se ao interessado, bem como ao MM. Juiz Corregedor Permanente. Publique-se. São Paulo, 26 de junho de 2018. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça.

Diário da Justiça Eletrônico de 02.07.2018

Decisão reproduzida na página 119 do Classificador II – 2018

Fonte: INR Publicações

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Responsabilidade civil – Dano moral – Demissão de Tabelião Designado – O autor deixou o cargo de Tabelião Substituto para assumir o cargo de Tabelião Designado/Interno após a morte de seu genitor, então Tabelião Oficial – Ingresso, a partir de concurso público, de nova Delegada Notarial – Demissão do autor – A partir do dia em que assumiu o cargo de Tabelião Interno, o autor passou a receber emolumentos, não salário – Não sendo funcionário da ré, não há falar em verbas rescisórias – Não configuração de ato ilícito – O procedimento de demissão foi procedido corretamente, por profissional especializado – Desnecessidade de manutenção da equipe anterior à posse – Possibilidade de reconfiguração da equipe – Ausência de qualquer dispositivo que impeça, a partir da posse, a formação de nova equipe – Troca de fechaduras e contratação de seguranças particulares como medida de segurança – Não caracterização de danos morais – Sentença mantida – Recurso desprovido.


ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1097598-40.2014.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante JAQUES MARTINS ORTIZ (JUSTIÇA GRATUITA), é apelada ANA PAULA FRONTINI.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores DONEGÁ MORANDINI (Presidente sem voto), VIVIANI NICOLAU E CARLOS ALBERTO DE SALLES.

São Paulo, 26 de setembro de 2019.

MARIA SALETE CORRÊA DIAS

Relator

Assinatura Eletrônica

Voto nº 2115

Apelação nº 1097598-40.2014.8.26.0100

Apelante: Jaques Martins Ortiz

Apelado: Ana Paula Fronti

Comarca: São Paulo (Foro Central) Fazenda Pública/Acidentes 6ª Vara de Fazenda Pública

Juiz prolator: Dr(a). Alexandra Fuchs de Araujo

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. Demissão de Tabelião Designado. O autor deixou o cargo de Tabelião Substituto para assumir o cargo de Tabelião Designado/Interno após a morte de seu genitor, então Tabelião Oficial. Ingresso, a partir de concurso público, de nova Delegada Notarial. Demissão do autor. A partir do dia em que assumiu o cargo de Tabelião Interno, o autor passou a receber emolumentos, não salário. Não sendo funcionário da ré, não há falar em verbas rescisórias. Não configuração de ato ilícito. O procedimento de demissão foi procedido corretamente, por profissional especializado. Desnecessidade de manutenção da equipe anterior à posse. Possibilidade de reconfiguração da equipe. Ausência de qualquer dispositivo que impeça, a partir da posse, a formação de nova equipe. Troca de fechaduras e contratação de seguranças particulares como medida de segurança. Não caracterização de danos morais. Sentença mantida. Recurso desprovido.

A r. sentença de fls. 620/626, cujo relatório adoto, JULGOU IMPROCEDENTE a demanda proposta por JAQUES MARTINS ORTIZ em face do 22º TABELIÃO DE NOTAS DA CAPITAL, na pessoa de sua tabeliã ANA PAULA FRONTINI. No mais, condenou o autor ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em “10% do valor atribuído à causa, até 200 (duzentos) salários-mínimos; e em 8% do valor atribuído à causa, acima deste valor, ressalvada eventual gratuidade.”

Inconformada com a r. sentença, apela a parte AUTORA (fls. 633/649), aduzindo, em apertada síntese: 1) que a dispensa ocorreu de forma descortês, arbitrária e imoral, sem que o autor tivesse espaço para diálogo ou acerto de contas referente à sucessão de titularidade da serventia extrajudicial; 2) que o autor não teve direito às devidas indenizações e realização de procedimentos administrativos, tendo em vista a forma que se procedeu sua dispensa; 3) que a ré não prestou contas com o autor e embolsou valores que seriam pagos por clientes mensalistas, oriundos da gestão do autor; 4) que ocorreu a violação dos princípios da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho; 5) que houve violação dos Direitos Sociais do autor (Art. 7º, inciso I, da CF); 6) que os dispositivos legais são claros e, apesar dos artigos não trazerem expressamente o termo “Tabelião designado/interino”, o autor não pode ser injustiçado pelas omissões da lei; 7) que houve uma alteração na função exercida pelo autor (de Preposto Escrevente da Unidade para Tabelião Designado), não a extinção do cargo anterior; 8) que houve a configuração de danos morais, tendo em vista a forma descortês e humilhante que o autor foi expulso da serventia; 9) que o ato praticado pela ré, de trocar as fechaduras e contratar Seguranças particulares, demonstra seu objetivo claro de impedir o acesso do Apelante à Serventia, configurando ofensa à honra do autor.

Contrarrazões às fls. 653/661.

Não houve oposição ao julgamento virtual.

É o relatório.

Cuidam os autos de ação de indenização por danos morais.

Narra a exordial que, em 26 de abril de 1991, o autor ingressou na função de preposto escrevente no 22º Tabelionato de Notas da Capital.

Em 07 de dezembro de 1994 o autor foi nomeado para o cargo de Tabelião Substituto (art. 20, § 5º da Lei 8.935/94) pelo então Tabelião Oficial Eleutério Ortiz.

Com o falecimento do Tabelião oficial em 17 de maio de 2007, o autor então passou a ocupar o cargo como Tabelião Designado.

O autor permaneceu nesse cargo até o ingresso da nova Delegada Notarial concursada Sr. Ana Paula Frontini, ora ré, que teve sua posse concedida em 4 de outubro de 2011.

No dia 5 de outubro de 2011, dia em que a ré deu início efetivamente ao exercício de seu cargo, o autor, ao dirigir-se a sua sala, se deparou com um chaveiro que estava modificando a fechadura e tirando algumas fotos.

O autor então se dirigiu até a Seção de Firmas onde encontrou o Dr. Carlos de Campos, Tabelião Substituto, que informou que o advogado da ré lhe aguardava na sala de reuniões para conversar.

O advogado da ré informou o desligamento do autor.

Tendo em vista a forma abrupta em que foi demitido, sem justa causa e imotivadamente, o autor reivindica danos morais.

Pois bem.

Em relação aos direitos trabalhistas questionados pelo autor, suas alegações não merecem prosperar.

Isto porque, o autor, com o falecimento de seu pai, passou ser o responsável pela titularidade do 22º Tabelionato de Notas da Capital e, por isso, passou a receber os emolumentos, não mais um salário, como recebia como de preposto escrevente.

Dessa forma, diferentemente do que afirma o autor em sua apelação, o mesmo deixa de se encaixar nos itens 49 e 49.1 das Normas da Corregedoria Geral de justiça, que dispõe:

49. Os escreventes e os auxiliares poderão ser dispensados pelo serventuário sem declaração de motivo, se contarem com menos de 5 (cinco) anos de exercício no cargo, assegurada a indenização correspondente ao aviso prévio e 1 (um) mês de salário por ano de serviço ou fração superior a 6 (seis) meses e 13º salário proporcional .

49.1. Após 5 (cinco) anos a dispensa poderá ser feita, assegurada a mesma indenização, por motivo de sensível diminuição de renda, comprovada perante o Juiz Corregedor.

Sendo assim, com a posse da nova Delegada Notarial concursada Sr. Ana Paula Frontini, diferentemente do que tenta se fazer acreditar, o autor não era subordinado da mesma.

Por tal razão, com a substituição da Titularidade da posse do 22º Tabelionato de Notas da Capital, a nova Delegada Notarial possuía o direito de desligar o autor sem a necessidade de pagamento de verbas rescisórias.

Desta feita, o autor não tem direito ao “pagamento de indenização no importe de 1 (um) mês de salário por ano de serviço, trabalhado pelo autor, acrescidos do valor correspondente a três quinquênios e três licenças prêmios não gozados e portanto, indenizáveis, férias proporcionais acrescidas do terço constitucional e 13º salário proporcional, todos devidamente corrigidos e atualizados à contar da citação;” que requer em apelação (fls. 649).

No que diz respeito à configuração de danos morais, o art. 927 do Código Civil preceitua:

“Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187) causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo.”

Segundo o art. 187 do Código Civil, comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente aos limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Neste ponto, esclarece a melhor doutrina:

“O que se deseja deixa salientado nessa reflexão é, em primeiro lugar, o necessário afastamento do apego excessivo ao conceito de direito subjetivo para a compreensão da figura do abuso do direito. O abuso do direito é, a nosso ver, o abuso de situações jurídicas causado por todo aquele que ultrapassa os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelas finalidades socioeconômicas do direito, como estabelece o art. 187 do Código Civil de 2002. Pretende-se, ademais disso, em se tratando de responsabilidade civil por abuso de direito, deixar vincado que a culpa é de ser considerado um critério acidental para a configuração do dever de indenizar nessas hipóteses. O Direito Civil contemporâneo, nomeadamente no que interessa à responsabilidade civil, adota a teoria objetiva do abuso de direito, como afirma no enunciado 37 da 1ª Jornada de Direito Civil do (CEJ-CJF), segundo o qual “ a responsabilidade civil decorrente do abuso de direito independente de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”. Há abuso do direito sempre que forem desrespeitados os limites impostos pela regra jurídica em referência independentemente de prova da intenção do agente ou da própria consciência de que se excedem os lindes do artigo 187 do Código Civil (a boa-fé, os bons costumes ou o fim social e econômico do direito).”[1]

“Não há mais dúvidas, no estágio atual do desenvolvimento da ciência jurídica, que o dano injusto proveniente do ato praticado em abuso do direito deva ser objeto de indenização[2]

Assim, a ré não cometeu qualquer ato ilícito ao renovar sua equipe e reorganizar o Tabelionato a partir de sua posse.

Isto porque, como foi acima descrito, o autor não era considerado seu subordinado e, mesmo que fosse, ao assumir o Tabelionato, a nova Delegada Notarial é autorizada a renovar sua equipe, tendo em vista a ausência de qualquer previsão legal contrária a isso.

Assim, a ré contratou um advogado para realizar os procedimentos necessários para organizar a demissão dos funcionários que não integrariam a sua equipe de acordo com o prescrito em lei. Entre aqueles que foram desligados de sua equipe estava, infelizmente, o autor. E tal fato não configura, por si só, ato ilícito, como acima explanado.

Ademais, a mudança das fechaduras e a contratação de segurança particular não são formas de ofender pessoalmente o autor, mas apenas medida de segurança a ser adotada, tendo em vista a importância dos documentos presentes dentro do cartório.

Inclusive, não era de se esperar outra atitude da Nova Delegada ao assumir um novo negócio, qual seja, implantar um novo sistema de segurança para proteger os documentos que passaram então ser de sua responsabilidade.

Portanto, não há configuração da pratica de ato ilícito por parte da ré e, consequentemente, de danos morais.

Desta feita, mantenho a r. sentença por seus próprios e bastante fundamentos, nos termos do artigo 252 do Regimento Interno deste E. Tribunal de Justiça.

Diante do exposto, pelo meu voto NEGO PROVIMENTO ao recurso, nos termos da fundamentação supra.

Em razão do disposto no artigo 85, § 11 do Código de Processo Civil, majoro os honorários advocatícios em favor dos patronos da ré para 12% do valor atualizado da causa, observada a justiça gratuita.

MARIA SALETE CORRÊA DIAS

RELATORA


Notas:

[1] GUERRA, Alexandre Dartanhan de Mello. BENACCHIO, Marcelo. Responsabilidade Civil. São Paulo: Escola Paulista de Magistratura, 2015. P. 299 a 320.

[2] GUERRA, Alexandre Dartanhan de Mello. BENACCHIO, Marcelo. Responsabilidade Civil. São Paulo: Escola Paulista de Magistratura, 2015. P. 299 a 320. – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1097598-40.2014.8.26.0100 – São Paulo – 3ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Maria Salete Corrêa Dias – DJ 30.09.2019

Fonte: INR Publicações

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