A Medida Provisória nº 656/2014 e o Registro de Imóveis – Por Francisco José Barbosa Nobre

* Francisco José Barbosa Nobre

O princípio da concentração na matrícula

A Medida Provisória nº 656/2014 traz importantes modificações no que diz respeito à segurança jurídica dos negócios imobiliários, com restrições ao risco de evicção, mediante a utilização da técnica de concentração de informações na matrícula do imóvel.

A Medida Provisória nº 656/2014, que, dentre vários assuntos, trata de temas relacionados ao Registro de Imóveis em seus artigos 10 a 17, vem sendo recebida com grandes controvérsias pelo meio jurídico. Os  comentários e referências que vêm sendo divulgados pelos meios de comunicação, por blogs e redes sociais, pelo próprio Governo Federal, e até mesmo por publicações em tese voltadas para a comunidade jurídica, são extremamente díspares e pouco esclarecedores, variando dos epítetos de “RENAVAM imobiliário” até “MP do calote”. O propósito deste artigo é, por meio da visão de um registrador imobiliário, destacar as vantagens e as desvantagens do novo sistema, que entrará em vigor dentro de poucos dias, em 7 de novembro de 2014, trazendo repercussões importantes para os negócios imobiliários e para a atividade forense. Face à importância do assunto para o homem comum, tentar-se-á, tanto quanto possível, utilizar uma linguagem acessível, que não dificulte a compreensão do tema por pessoas leigas no Direito. 

Para um melhor entendimento das modificações legais que serão introduzidas, é preciso que, inicialmente, se faça um retrato, ainda que singelo, do sistema até agora vigente.

Atualmente, quando alguém busca segurança na aquisição de um imóvel, o profissional assistente (advogado, corretor de imóveis ou tabelião) recomenda, dentre outras medidas, a obtenção da certidão de distribuição de feitos ajuizados em nome do vendedor. Da mesma forma, quando uma instituição financeira é solicitada a fornecer um empréstimo ou financiamento tendo por garantia um imóvel, é exigida, igualmente, essa certidão.

O que é a certidão de feitos ajuizados e qual o seu propósito? A certidão de feitos ajuizados indica se existem ações judiciais em curso contra o proprietário do imóvel. Caso existam, e se o resultado final da ação for desfavorável ao proprietário, o imóvel, em certos casos, pode ser atingido, mesmo que já tenha sido transferido a outra pessoa. É o que, nos meios jurídicos, se chama de evicção, ou seja, a perda da coisa em virtude de uma sentença judicial que a atribui a um terceiro.

O sistema atual parte do princípio de que, verificada a inexistência de ações judiciais em curso contra o vendedor, ou devidamente esclarecidas as possíveis repercussões das ações existentes, o comprador estaria em uma situação de relativa segurança quanto ao risco de perder o imóvel que está adquirindo.

Esse sistema, entretanto, é falho, principalmente por duas razões.

A primeira razão é o fato de que não existe um cadastro centralizado de ações judiciais em curso. Os distribuidores, órgãos que emitem as certidões de feitos ajuizados, têm circunscrições territoriais limitadas. Geralmente são obtidas as certidões de feitos ajuizados do local de domicílio do proprietário e do local onde o imóvel está situado. Dessa forma, se o vendedor estiver sendo processado em outra localidade, ou se declarar um domicílio que não corresponda à realidade, ou se tiver mudado de domicílio, possivelmente as certidões de feitos ajuizados não trarão nenhuma informação que possa alertar o comprador sobre o risco de evicção.

A segunda razão é que é possível que a ação judicial que venha a atingir a propriedade do imóvel ainda não tenha sido ajuizada, e só o seja após o imóvel ter sido vendido, trazendo para o comprador o dissabor de se defrontar com a evicção mesmo tendo adotado todas as cautelas documentais que estavam a seu alcance.

Além de falho, o sistema é dificultoso. Os órgãos de distribuição, em razão da estrutura complexa do Poder Judiciário, são vários. É usual obter certidões de feitos ajuizados da Justiça Estadual cível, da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho. Muitas vezes, nos grandes centros, os distribuidores cíveis da Justiça Estadual são vários, exigindo a obtenção de diversas certidões. E, mesmo assim, o comprador não estaria inteiramente seguro, dada a possibilidade, ainda que mais remota, de o imóvel ser atingido por uma sentença criminal ou de outra natureza, não coberta pelas certidões costumeiramente obtidas.

"Art. 10.  Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:

I – registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias;

II – averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos do art. 615-A da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil;

III – averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e

IV – averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso II do art. 593 do Código de Processo Civil.

Parágrafo único.  Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos art. 129 e art. 130 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel."

Em palavras simples: doravante, com a vigência da MP 656, examinando a certidão da matrícula no Registro de Imóveis, o comprador pode ter a certeza de que existem, ou de que não existem, ações judiciais que possam atingir o imóvel que ele está adquirindo. O que não estiver na matrícula do imóvel, não atinge o imóvel. É o que se tem apelidado nos meios técnicos de princípio da concentração na matrícula.

É claro que todo sistema tem suas vantagens e desvantagens. Pelo quanto se relatou até aqui, são óbvias as vantagens. A alteração traz grande segurança para o adquirente e confiabilidade para o sistema de registro de imóveis como um todo. Virtualmente torna impossível a chamada ação pauliana contra adquirente de boa-fé. Em tese, pode reduzir os juros bancários cobrados em empréstimos e financiamentos com garantia imobiliária. Reduz a burocracia e os custos da transmissão imobiliária, eliminando as inúmeras certidões de feitos ajuizados. 

Vamos, agora às desvantagens. A principal delas diz respeito à possibilidade de um credor do proprietário ficar privado da penhora sobre o imóvel que foi alienado no curso da ação. Daí o apelido maldoso de “MP do calote”. Suponha-se que o proprietário, antevendo que perderá a ação judicial, se desfaça do imóvel, vendendo-o a toque de caixa. Vendido o imóvel, este não poderá mais ser alcançado na execução da sentença, e o dinheiro obtido com a venda pode ser ocultado com facilidade, frustando o efeito prático da condenação.

Para evitar essa desvantagem, cabe ao credor judicial ser diligente, providenciando o quanto antes o registro da citação ou a averbação da existência da ação na matrícula do imóvel. A MP prevê, inclusive, a gratuidade dessa averbação àqueles que não possam custeá-la (art. 12, § 2º).

Daí advém uma segunda desvantagem. É possível que, em certos casos, a realização de inúmeros registros ou averbações na matrícula seja improdutiva, simplesmente porque o proprietário, apesar de muito demandado na Justiça, paga regularmente as condenações de que é alvo. Imagine-se, por exemplo, uma grande construtora, plenamente solvente, que é proprietária de muitos imóveis e é ré em centenas de ações judiciais cíveis e trabalhistas. Caso cada credor requeira a averbação da existência da ação em cada imóvel, haverá uma quantidade considerável de assentos imobiliários que serão feitos e, depois, cancelados.  A matrícula imobiliária ficará sobrecarregada, dificultando sua leitura e trazendo um esforço quiçá inócuo aos serviços de Registro de Imóveis. Caberá, decerto, ao Poder Judiciário estabelecer os limites de razoabilidade para a ordem de averbação de existência de ação, a fim de que essa medida não se banalize indiscriminadamente.

Em conclusão, a meu juízo pessoal, as desvantagens são em muito sobrepujadas pelas indiscutíveis vantagens do novo sistema, que valoriza o papel do Registro de Imóveis, o aproxima do cidadão e, tecnicamente, o torna equiparável aos sistemas de registro de imóveis de confiabilidade absoluta, como o alemão e o australiano. Sendo a aquisição imobiliária, em nossa cultura, vista como uma conquista pessoal, fruto muitas vezes de uma vida de economias, a eliminação dos riscos imponderáveis de evicção expressa verdeira realização dos postulados constitucionais de dignidade da pessoa humana e respeito à propriedade.

Fonte: Jus Navigandi.

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* Francisco José Barbosa Nobre é Registrador imobiliário no Paraná. Ex-professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ex-professor da Faculdade de Direito da UniBennett.

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CSM/SP: Compra e venda. Ações pessoais sem natureza reipersecutória – menção – desnecessidade.

Não é necessária a menção na escritura pública de compra e venda da existência de ações pessoais sem natureza reipersecutória.

O Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo (CSM/SP) julgou a Apelação Cível nº 0005833-73.2010.8.26.0543, onde se entendeu ser desnecessária a menção na escritura pública de compra e venda da existência de ações pessoais sem natureza reipersecutória. O acórdão teve como Relator o Desembargador Hamilton Elliot Akel e o recurso foi julgado provido por unanimidade.

No caso em tela, o Oficial Registrador apresentou óbice ao registro de compra e venda por ter constatado a existência de duas ações ajuizadas contra o vendedor, o que tornaria necessária a retificação da escritura pública de compra e venda para constar a existência de tais ações, conforme disposição do § 3º do art. 1º do Decreto nº 93.240/86. Julgada procedente a dúvida inversamente suscitada, o juízo originário manteve a recusa do Oficial Registrador, sustentando que permanece imperativa a exigência, pelos Tabeliães de Notas, da apresentação das certidões dos distribuidores cíveis para a lavratura de atos notariais, nos termos do Comunicado CG nº 465/07. Inconformado, o apelante alegou que o óbice apresentado pelo Oficial Registrador não pode ser mantido, considerando que as partes expressamente dispensaram a apresentação das certidões de que trata a Lei nº 7.433/85, pelo que assumiram a responsabilidade. Argumentou, ainda, que tais ações já se encontram arquivadas.

Ao julgar o recurso, o Relator apontou que, in casu, não se trata de ação real ou pessoal reipersecutória, nos moldes do art. 1º, IV do Decreto nº 93.240/86, que regulamentou a Lei nº 7.433/85, a impor a retificação da escritura pública, mas sim de execuções fundadas em títulos extrajudiciais arquivadas. O Relator entendeu que as ações de execução de título extrajudicial podem ser consideradas de natureza pessoal, pura e simplesmente, eis que não estão relacionadas a nenhum imóvel, destacando-se que o fato de poderem implicar na penhora de bens imóveis não lhes atribui natureza reipersecutória. Além disso, apontou que a exigência feita pelo Oficial Registrador não pode ser mantida, mesmo porque constou da escritura pública de compra e venda a expressa dispensa, pelos compradores, da apresentação de demais certidões exigidas pela Lei nº 7.433/85, conforme faculta o Decreto nº 93.240/86, respondendo o adquirente pelo pagamento de eventuais débitos fiscais existentes.

Diante do exposto, o Relator votou pelo provimento do recurso.

Clique aqui e leia a decisão na íntegra.

Fonte: IRIB.

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Questão esclarece acerca da usucapião de imóvel rural por estrangeiro.

Usucapião. Imóvel rural – aquisição por estrangeiro

Para esta edição do Boletim Eletrônico a Consultoria do IRIB selecionou questão acerca da usucapião de imóvel rural por estrangeiro. Veja como a Consultoria do IRIB se posicionou acerca do assunto, valendo-se dos ensinamentos de Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza:

Pergunta: No caso de usucapião de imóvel rural por estrangeiro, este deverá se submeter às exigências previstas na Lei nº 5.709/71?

Resposta: Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza, em trabalho publicado pelo IRIB, intitulado “Coleção Cadernos IRIB – vol. 7 – Os Imóveis Rurais Na Prática Notarial e Registral – Noções Elementares”, p. 35-36, abordou este tema com muita propriedade. Vejamos o que ele nos ensina:

Usucapião: admite-se a aquisição por usucapião desde que observadas as restrições quanto à aquisição da propriedade imóvel rural por estrangeiro. As restrições atuam sobre o direito de adquirir, em qualquer de suas formas.

Não obstante tal entendimento predominante, a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo admite usucapião por estrangeiro, em qualquer de suas espécies, não se aplicando as restrições da Lei nº. 5.709/1971 (item 41 da Seção V do Capítulo XIV das Normas de Serviço). O tema foi analisado nos autos do Proc. 2011/488 – São Paulo, e o autor do parecer afirmou:

a sentença, na usucapião, é meramente declaratória de um direito de propriedade preexistente. Tampouco, além do mais, o seu registro é constitutivo do direito real. Ambos, sentença e registro, malgrado úteis, visam, especialmente, à regularização e à publicidade de uma situação consolidada, revelada pela posse qualificada prolongada no tempo, à qual se somam outros requisitos, próprios de cada uma de suas espécies, indiferentes, contudo, à autorização do INCRA. Logo, na hipótese vertente, é dispensável, de fato, a prévia autorização do INCRA, requisito inexigível para a válida aquisição da propriedade imobiliária rural mediante usucapião, ainda que por pessoa estrangeira.

Para maior aprofundamento na questão, sugerimos a leitura da obra indicada.

De importância ainda observar que as Normas de Serviço da egrégia Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, citadas por Eduardo, na obra que está servindo de suporte para a resposta à questão aqui em estudos, teve sua redação atualizada, estando o que antes vinha disposto no item 41, seção V, de seu Cap. XIV, agora a se apresentar com o número 67, subseção II, da mesma seção V e Cap. XIV.

Vale aqui também lembrar que, mesmo com a defesa de não estarem as aquisições de imóveis rurais feitas por estrangeiros, mediante uso do instituto da usucapião, sujeitas ao que trata a Lei 5.709/71, e ao seu Decreto regulamentador, de número 74.965/74, como entendido pelo Judiciário Paulista, ficarão elas, ainda, sujeitas ao cadastro especial que faz parte do acervo dos Registradores de Imóveis, e também às comunicações referidas nos artigos 10 e 11, da sobredita Lei 5.709/71, e nos artigos 15 e 16, do referido Decreto 74.965/74. Este entendimento também vem esposado pela mesma Corregedoria, como se nota do item 100, do Cap. XX, das sobreditas Normas de Serviço, já com sua redação atual.

Com o até aqui exposto, parece-nos que o melhor entendimento para a questão, salvo melhor juízo, seria o da admissão dessas aquisições, independentemente do reclamado pela Lei 5.709/71 e Decreto 74.965/74, mantendo-se apenas obrigações quanto ao cadastro e comunicações, da forma como inserto no final da redação do parágrafo anterior.

Finalizando, recomendamos sejam consultadas as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça de seu Estado, para que não se verifique entendimento contrário ao nosso. Havendo divergência, recomendamos obediência às referidas Normas, bem como a orientação jurisprudencial local.

Fonte: IRIB.

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