TJSP: Supermercado deverá indenizar cliente por furto de veículo em estacionamento

A 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que um supermercado pague indenização por danos materiais no valor de R$ 15 mil a uma cliente. A autora da ação teve seu veículo Fusca, ano 1970, furtado do estacionamento enquanto fazia compras.

 

De acordo com o voto do relator do processo, desembargador Teixeira Leite, “é evidente que a oferta de estacionamento gratuito, acaba, por fim, gerando lucro para o fornecedor, razão pela qual, desse contexto, emerge sua obrigação em indenizar prejuízos eventualmente experimentados, especialmente se considerado que os clientes buscam o estabelecimento com a expectativa de comodidade e segurança, uma exigência da atualidade”.

 

Com relação ao valor da indenização, segundo a decisão, deve corresponder exatamente ao do veículo, uma vez que a cliente pretende obter apenas o ressarcimento do que lhe foi tirado. Fotografia e depoimento de testemunha que trabalha com venda de automóveis não deixaram dúvida sobre o bom estado do carro e de seu elevado valor de mercado, por se tratar de raridade.

 

Também participaram da decisão (unânime) os desembargadores Fábio Quadros e Natan Zelinschi de Arruda.

 

Apelação nº 0105785-55.2008.8.26.0006.

 

Fonte: TJSP | 29/06/2013.

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TJSP: RESPONSABILIDADE CIVIL – Danos ocasionados por Tabelião – Falsificação de guia de recolhimento do ITBI – Pagamento em duplicidade pelo autor – Danos morais – Abalo que superou o mero dissabor – Quantia fixada adequadamente, com base nas circunstâncias do caso concreto

EMENTA

RESPONSABILIDADE CIVIL – Danos ocasionados por Tabelião – Falsificação de guia de recolhimento do ITBI – Pagamento em duplicidade pelo autor – Preliminar de ilegitimidade passiva afastada – Posição já consolidada no E. STF acerca da função eminentemente pública dos serviços notariais, a caracterizar a natureza estatal das atividades exercidas pelos serventuários titulares de cartórios e registros extrajudiciais, albergados consequentemente pela norma constitucional – Responsabilidade objetiva do Estado de São Paulo – Aplicação do disposto no art. 37, §6º, da CF – Elementos de prova constantes dos autos que permitem concluir pela existência do ilícito, qual seja, a falsidade da guia de recolhimento do ITBI, assinada pelo Tabelião Substituto – Danos materiais evidenciados – Danos morais – Abalo que superou o mero dissabor – Quantia fixada adequadamente, com base nas circunstâncias do caso concreto – Observações quanto aos critérios de aplicação dos juros de mora e atualização monetária, com o advento da Lei nº 11.960/2009 – Recursos desprovidos, com observações. (TJSP – Apelação Cível nº 0004821-19.2006.8.26.0299 – Barueri – 11ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Oscild de Lima Júnior – DJ 05.06.2013)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0004821-19.2006.8.26.0299, da Comarca de Barueri, em que são apelantes FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO e LUIS ANTONIO PEREIRA RAMOS (TABELIAO DE REGISTRO DE JANDIRA), é apelado JOÃO BATISTA RIGONI.

ACORDAM, em 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento aos recursos, com observação. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores AROLDO VIOTTI (Presidente) e RICARDO DIP.

São Paulo, 14 de maio de 2013.

OSCILD DE LIMA JÚNIOR – Relator.

RELATÓRIO

Trata-se de ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada por João Batista Rigoni contra o Cartório de Registro Civil e Tabelionato de Jandira, posteriormente alterado o polo passivo para Fazenda do Estado de São Paulo e Luis Antônio Pereira Ramos, alegando que em 19/02/2002, pelo valor de R$ 20.000,00, adquiriu da Conspar Empreendimentos e Participações Ltda. um imóvel constituído de terreno urbano, situado na Estrada Velha de Itapevi, e que o referido negócio foi prenotado na matrícula do imóvel pelo Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Barueri. Para a realização dos serviços de lavratura da escritura, certidões necessárias, pagamento do ITBI, registro no Cartório de Registro de Imóveis e os respectivos honorários, pagou ao réu a importância de R$ 2.134,00. O réu realizou os serviços contratados e forneceu ao autor o comprovante do pagamento do ITBI, no valor de R$ 1.000,00. Ocorre que em 24/10/2006 o autor foi surpreendido pela notificação 06/2006 da Prefeitura do Município de Barueri, solicitando o seu comparecimento na Secretaria de Finanças para realizar o pagamento do ITBI referente à compra do imóvel, sob pena de inscrição do débito na dívida ativa municipal. Foi informado pela Municipalidade que a guia que o réu lhe fornecera era falsa, e que o tributo não havia sido recolhido pelo Cartório de Registro Civil e Tabelionato de Jandira. Não restou outra alternativa ao autor, que recolheu novamente o tributo para não ver o seu nome inscrito na dívida ativa municipal, com o pagamento do valor de R$ 2.295,13, já acrescido de multa, juros e correção monetária, tendo em vista o atraso no recolhimento. Requer, assim, seja o réu condenado a reparar os danos materiais, no valor acima apontado, bem como indenização por danos morais, em valor correspondente a décuplo do prejuízo, tudo devidamente corrigido monetariamente e acrescido dos respectivos juros.

A r. sentença de fls. 102/108 julgou procedente o pedido, para condenar os réus ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00, acrescidos de correção monetária, calculada a partir da data daquela data e juros legais, a contar da data da expedição da primeira guia do ITBI, de 0,5% ao mês até a entrada do Novo Código Civil, a partir de quando serão devidos no percentual de 1% ao mês, bem como ao pagamento de R$ 2.295,13, acrescido de juros de mora e correção monetária, ambos calculados da data da expedição da guia de ITBI de fls. 13, de conformidade com as Súmulas 43 e 54 do STJ. Em razão da sucumbência, condenou os réus no pagamento das custas, das despesas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% do valor da condenação corrigido.

A Fazenda do Estado de São Paulo interpôs recurso de apelação a fls. 127/147, alegando, preliminarmente, ilegitimidade passiva, tendo em vista o disposto no art. 22 da Lei nº 8.935/94 e no art. 236, §1º, da CF. No mérito, pugna pela inviabilidade da indenização por danos morais, ou a sua redução para, no máximo, R$ 3.000,00, considerando as especificidades do caso. Por fim, requer sejam observadas as regras de juros e correção previstas na Lei nº 9.494/97.

Luis Antônio Pereira Ramos interpôs recurso de apelação a fls. 148/151, deduzindo que não pode ser responsabilizado por obrigações concernentes ao escrivão do Cartório, pois teria provado que não era o escrivão responsável pelo Cartório na data da lavratura da escritura pública, levada a efeito em 19/02/2002. Além disso, a Lei nº 8.835/94 é clara ao estabelecer que o tabelião é o responsável pelos atos próprios e da serventia do Cartório, sendo ele mero funcionário do Tabelionato não é o tabelião ou escrivão responsável pelos atos notariais realizados no Cartório.

Os recursos foram respondidos a fls.159/164.

É o relatório.

VOTO

Não vinga a preliminar de ilegitimidade passiva da Fazenda do Estado de São Paulo, inexistindo, na espécie, qualquer ofensa ou contrariedade aos arts. 22 da Lei nº 8.935/94 e 236, §1º, da CF.

Na verdade, a regra estabelecida no art. 22 não exclui a previsão contida no texto constitucional (arts. 236, §1º e art. 37, §6º).

No escólio de José Roberto dos Santos Bedaque, “se o autor indicar para figurar como réu no processo pessoa diversa daquela que, segundo a descrição fática por ele mesmo feita, participa da relação substancial, estará configurada a ilegitimidade passiva”[1]

Diante do regime de responsabilidade objetiva insculpido no art. 37, §6º, da CF, reputo que a Fazenda do Estado de São Paulo é sim parte legítima para responder pelos danos causados pelos agentes notariais aos particulares, não se tratando, na espécie, de responsabilidade subsidiária, quando já esgotadas as forças patrimoniais do delegatário.

Nessa seara, o Egrégio Supremo Tribunal Federal já solidou o entendimento que “a função eminentemente pública dos serviços notariais configura a natureza estatal das atividades exercidas pelos serventuários titulares de cartórios e registros extrajudiciais”, caracterizando a responsabilidade extracontratual do Estado (Segunda Turma, Ag. Reg. no RE 551.156-1/SC, j. 10/03/2009, rel. Min. Ellen Gracie).

E mais:

CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. TABELIÃO. TITULARES DE OFÍCIO DE JUSTIÇA: RESPONSABILIDADE CIVIL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. CF, art. 36, §6º. I- Natureza estatal das atividades exercidas pelos serventuários titulares de cartórios e registros extrajudiciais, exercidas em caráter privado, por delegação do Poder Público. Responsabilidade objetiva do Estado pelos danos praticados a terceiros por esses servidores no exercícios de tais funções, assegurado o direito de regresso contra o notário, nos casos de dolo ou culpa (C.F, art. 37, §6º). II- Negativa de trânsito ao RE. Agravo não provido.

(…)

Posto isso, decido.

Destaco do parecer da Procuradoria-Geral da República, da lavra do ilustre Subprocurador-Geral Flávio Giron:

'(…)

Deve-se ressaltar, entretanto, que a atividade desempenhada pela tabeliã, munida de fé-pública, destinase a estabelecer a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos, sujeitando-se a ostensiva fiscalização pelo Juízo responsável, configurandose, em decorrência, como uma função pública.

Assim, apesar de exercida em caráter privado, por delegação do Poder Público, como acentuou o Ministro Celso de Mello (Recurso Extraordinário nº 178.236-6, DJ 11-4-97), “não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas atividades”, consoante o regime de direito público a que estão adstritas.

Neste sentido, reiterada é a jurisprudência dessa Excelsa Corte, que considera os serventuários, titulares de cartórios e registros extrajudiciais, funcionários públicos em sentido amplo, como se depreende do excerto abaixo transcrito:

'SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. A atividade notarial e registral, ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, constitui, em decorrência de sua própria natureza, função revestida de estabilidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um regime estrito de direito público. A possibilidade constitucional de a execução dos serviços notariais e de registro ser efetivada 'em caráter privado, por delegação do poder público' (CF, art. 236), não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa. As serventias extrajudiciais, instituídas para o desempenho de funções técnico-administrativas destinadas 'a garantir a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos' (Lei nº 8.935/94, art. 1º), constituem órgãos públicos titularizados por agentes que se qualificam, na perspectiva das relações que mantêm com o Estado, como típicos servidores públicos (ADIMC = 1378, DJ 30/05/97)'.

Deste modo não há que se olvidar da responsabilidade objetiva do Estado do Paraná, constatada a natureza pública da função exercida pela tabeliã, típica servidora pública, albergada consequentemente pela norma constitucional do artigo 37, §6º, que lhe assegura responder regressivamente pelo dano causado a terceiro.

Ademais, a contagem colimada pela norma constitucional supramencionada é assegurar ao particular o restabelecimento de seu direito, que o agente público venha a lesionar, nessa qualidade, devendo o Estado, deste modo, comprovar a culpa ou dolo da vítima do evento danoso, como enuncia, aliás, a teoria da responsabilidade objetiva da Administração, que reconhecendo a supremacia do ente estatal, compensa o particular exigindo-lhe apenas a demonstração do nexo causal entre o fato lesivo e o dano, obrigando o Estado a evidenciar a sua culpabilidade.

Assim, apresenta-se descabida a tese da subsidiariedade da responsabilidade, agitada no extraordinário face a denunciação de lide e condenação do agente estatal pelo v. acórdão recorrido, pois, aceita-la, eximindo o Estado de sua responsabilidade, seria onerar o particular, vítima do dano(STF, Segunda Turma, Ag. Reg. no RE 209.354-8/PR, j. 02/03/1999, rel. Min. Carlos Velloso).

Deste modo, afasto a objeção.

No mérito propriamente dito, os recursos devem ser desprovidos, com observações no tocante aos critérios de fixação dos juros moratórios e atualização monetária.

Com efeito, dispõem os arts. 186 e 927 do CC de 2002:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Dispõe, ainda, o art. 37, § 6º, da CF, a respeito da responsabilidade objetiva do Estado, enunciando que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Para que se configure a responsabilidade do Estado, faz-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: conduta, dano e nexo causal.

Referido dispositivo legal não adotou o princípio do risco integral, e sim a teoria do risco administrativo, pela qual o lesado não precisa demonstrar a culpa da Administração para obter indenização em face de ato danoso causado por seus agentes, responsabilidade estatal que pode ser proporcional ou integralmente afastada com a comprovação, pelo Poder Público, de que o dano resultou de conduta total ou parcialmente imputável ao lesado.

Cabe a responsabilização do Estado não só pela ação, mas pela omissão de seus agentes. Segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, “a responsabilidade extracontratual do Estado corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos (Direito Administrativo, Atlas, 17ª Ed., 2004, p. 548).

Neste sentido, o julgamento da Apelação Cível n° 853.575-5/7-00, Rel. Burza Neto, j. 21/01/2009, nos seguintes termos:

“O Estado é responsável civilmente quando este ente se omitir diante do dever legal de obstar a ocorrência do dano, ou seja, sempre quando o comportamento do órgão estatal ficar abaixo do padrão normal que se costuma exigir.

Assim, pode-se afirmar que a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre decorrente de ato ilícito, porque havia um dever de agir imposto pela norma.

A responsabilidade do Estado por conduta omissiva indaga qual dos fatos foi decisivo para configurar o evento danoso, ou seja, qual fato gerou decisivamente o dano e quem estava obrigado a evitá-lo.

Desta forma, o Estado responderá não pelo fato que diretamente gerou o dano, outrossim, por não ter ele praticado conduta suficientemente adequada para evitar o dano ou mitigar seu resultado, quando o fato for notório ou perfeitamente previsível.”

Nos casos de omissão estatal, contudo, muitos defendem que devem ser aplicadas as regras da responsabilidade civil subjetiva (Teoria da 'Falta' ou Culpa do Serviço). Aliás, nessa hipótese, conforme Maria Sylvia Zanella di Pietro, “entende-se que a responsabilidade não é objetiva, porque decorrente do mau funcionamento do serviço público; a omissão na prestação do serviço tem levado à aplicação da teoria da culpa do serviço público (faute du service); é a culpa anônima, não individualizada; o dano não decorreu de atuação de agente público, mas de omissão do poder público (cf. acórdãos in RTJ 70/704, RDA 38/328, RTJ 47/378)[2]”.

Entretanto, a teoria do risco administrativo, como ensina Hely Lopes Meirelles, “embora dispense a prova da culpa da Administração, permite que o Poder Público demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização. Isto porque o risco administrativo não se confunde com o risco integral. O risco administrativo não significa que a Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa apenas e tão-somente, que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente da indenização” (Direito Administrativo Brasileiro, Ed. Malheiros, 29ª ed., 2004, pág. 627).

Destaque-se a afirmação de Yussef Said Cahali[3] ao expor que segue “…a jurisprudência no sentido de não levar a extremos uma concepção de risco integral e absoluto da atividade da Administração por todos esses eventos (que também são da Natureza), procurando estabelecer não sem dificuldade até que ponto se pode determinar a existência da falha do serviço, posta como causa para o reconhecimento da responsabilidade indenizatória”.

Nesse sentido v. aresto desta E. Corte, na Apelação Cível nº 38.458-5/0, rel. Des. Toledo Silva, j. 19.05.1999, com a seguinte passagem:

“No ordenamento jurídico constitucional brasileiro prevalece a teoria do risco administrativo, pelo qual a vítima, para a obtenção do ressarcimento do dano, está dispensada de provar a culpa da Administração ou de seus agentes, bastando provar o dano e o nexo causal. À Administração, para livrar-se da obrigação de ressarcir, é facultado provar que o dano aconteceu por culpa da vítima, competindo-lhe o ônus da prova.”

A discussão em torno do dever estatal de pagamento de indenização, decorrente de sua responsabilidade pelo risco administrativo, parte da premissa de que o dano, efetivamente, ocorreu e de que esse dano guarda relação de causalidade com a atuação ou a falha na atuação estatal.

Pois bem.

Diferentemente do que alegam os réus em suas razões recursais, os elementos coligidos aos autos permitem concluir que os fatos ocorreram na forma relatada na petição inicial.

Com efeito, restou devidamente comprovado que o autor procedeu ao pagamento do ITBI em duplicidade na primeira oportunidade, quando da lavratura da escritura do imóvel, forneceu a quantia de R$ 2.134,00, sendo que R$ 1.000,00 seriam referentes ao pagamento do ITBI, de acordo com o comprovante fornecido e assinado pelo réu Luis Antônio Pereira Ramos, guia nº 1004196, em nome da Prefeitura do Município de Barueri (fls.13); já na segunda oportunidade, diante da falsidade da guia de recolhimento assinada pelo réu Luis Antônio Pereira Ramos (falsidade esta, aliás, que sequer foi impugnada), teve o autor que proceder ao pagamento de R$ 2.295,13 ao Município de Barueri (fls. 15/17), sob pena de ter o seu nome inscrito na dívida ativa municipal.

Ademais, evidenciado está que o réu Luis Antônio, na qualidade de Tabelião Substituto, foi quem lavrou e subscreveu com fé pública, no dia 19 de fevereiro de 2002, a Escritura de Venda e Compra do imóvel do autor (fls. 07/09), e deu recibo ao autor, em nome do “Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas de Jandira, Comarca de Barueri, Estado de São Paulo”, de que recebeu a quantia de R$ 2.134,00 para o pagamento da aludida escritura, certidões, ITBI, registro e honorários.

Portanto, caracterizado o ilícito com a fraude, ou seja, com a falsidade da guia de recolhimento do ITBI pelo Tabelião Substituto, ocasionando danos ao autor, estes devem ser reparados, tanto na esfera material quanto moral, na forma já especificada na r. sentença.

Aliás, importante ponderar, nesse aspecto, que os réus não trouxeram qualquer prova para rechaçar a tese aventada pelo autor, ou mesmo evidências de que a fraude não teria sido cometida, ou que deveria ser atribuída a uma terceira pessoa. O réu Luis Antônio se limitou a sustentar que não possuía atribuição para a prática dos atos, não podendo responder por eles, porém é de absoluta clareza que, à época dos fatos, praticou os fatos como Tabelião Substituto, agindo, se não de forma dolosa, no mínimo com culpa para a obtenção do resultado danoso.

Vale dizer, os danos materiais comportam a quantia de R$ 2,295,13, referente ao pagamento feito pelo autor, a título de ITBI, à Municipalidade, após a ocorrência da fraude na guia de recolhimento pelo Tabelião Substituto.

Por sua vez, comunga-se do entendimento do juízo a quo no sentido de que o dano moral foi provocado pela situação vivenciada, pelo desconforto e indignação a que se pode atribuir ao homem médio, cumpridor de suas obrigações, ao se deparar com situação similar, vítima de fraude por parte de Tabelião e na iminência de ter um débito incluído na dívida ativa municipal, não obstante já ter pago quantia substancial para a regularização de seu imóvel por aquele que é dotado, ressalte-se, de fé pública.

Os fatos ocorridos ocasionaram ao autor sofrimento e profundo abalo psicológico, que superam e muito – o mero aborrecimento ou dissabor.

A respeito da prova do dano moral, preleciona Rui Stoco:

… porque o gravame no plano moral não tem expressão matemática, nem se materializa no mundo físico e, portanto, não se indeniza, mas apenas se compensa, é que não se pode falar em prova de um dano que, a rigor, não existe no plano material.

Mas não basta a afirmação da vítima de ter sido atingida moralmente, seja no plano objetivo como no subjetivo, ou seja, em sua honra, imagem, bom nome, intimidade, tradição, personalidade, sentimento interno, humilhação, emoção, angústia, dor, pânico, medo e outros.

Impõe-se que se possa extrair do fato efetivamente ocorrido o seu resultado, com a ocorrência de um dos fenômenos acima exemplificados (Tratado de Responsabilidade Civil, 7ª edição, 2007).

Realmente, em trabalho sobre a responsabilidade civil o Professor André Tunc, da Universidade de Paris, salientou como o juiz tem deveres redobrados para com a sociedade quando é chamado a julgar casos em que a matéria envolve a responsabilidade civil. É preciso “arregaçar as mangas da camisa”, contribuindo para a proteção da sociedade contra atos que possam torná-la indefesa ou desprotegida. Este é um dos objetivos das responsabilidades penal e civil. E, quanto a esta última, deve ele se preocupar, principalmente, com a indenização que a vítima tem direito.[4] Como lecionou Aguiar Dias, “o problema se prende intimamente ao da causa. Para apreciar a contraprestação, rejeita-se o valor irrisório. Não contém exigir equivalência, palavra que se presta a equívocos. O que se procura é o mínimo de proteção capaz de tornar a injustiça por demais violenta”.[5]

"Na concepção moderna da teoria da reparação de danos morais prevalece, de início, a orientação de que a responsabilização do agente se opera por força do simples fato da violação. Com isso, verificado o evento danoso, surge, ipso facto, a necessidade de reparação, uma vez presentes os pressupostos de direito. Dessa ponderação, emergem duas conseqüências práticas de extraordinária repercussão em favor do lesado; uma, é a dispensa da análise da subjetividade do agente; outra, a desnecessidade de prova do prejuízo em concreto. Nesse sentido, ocorrido o fato gerador e identificadas às situações dos envolvidos, segue-se à constatação do alcance do dano produzido, caracterizando-se o de cunho moral pela simples violação da esfera jurídica, afetiva e moral, do lesado. Ora, essa verificação é suscetível de fazer-se diante da própria realidade fática, pois, como respeita à essencialidade humana, constitui fenômeno perceptível por qualquer homem normal…".

Com efeito: "É que as lesões morais derivam imediata e diretamente do fato lesivo, muitas vezes deixando marcas indeléveis na mente e no físico da vítima, mas outras sob impressões internas, imperceptíveis às demais pessoas, mesmo íntimas. São de resto, as de maior amargor e de mais desagradáveis efeitos para o lesado, que assim pode, a qualquer tempo, reagir juridicamente".

"Essas observações coadunam-se, aliás, com anatureza dos direitos lesados, eis que, como acentuamos, compõem-se o âmago da personalidade humana, sendo identificáveis por qualquer pessoa de senso comum. Uma vez atingidos, produzem os reflexos danosos próprios, de sorte que basta, em concreto, a demonstração do nexo etiológico entre a lesão e o evento” (Carlos Alberto Bittar, in "Reparação Civil por Danos Morais", Ed. RT, 1993, pp. 202/203).

Lembrava ainda Alberto Trabucchi: "O ressarcimento dos danos morais não atende à restitutio in integrum do dano causado; tende mais a uma genérica função satisfativa, com a qual se procura um bem que compense, em certo modo, o sofrimento ou a humilhação sofrida. Se substitui o conceito de equivalência (próprio do ressarcimento), pelo de reparação, que se obtém atenuando de maneira indireta a conseqüência dos sofrimentos daquele que padeceu uma lesão” (Instituciones de Derecho Civil, v. 1/228, Editorial Revista de Derecho Privado, Madri, 1967 (RT 584/229).

No que concerne à fixação do “quantum debeatur” para a reparação dos danos morais, como é cediço, não existem critérios fornecidos pela lei.

Nessa senda, a jurisprudência aponta alguns indicativos que podem servir de parâmetros na fixação do valor de indenização. Em geral recomenda-se evitar o enriquecimento sem causa do beneficiário e, ao mesmo tempo, repreender o agressor de modo perceptível no seu patrimônio. A ideia que se aceita hodiernamente é de se afastar o estímulo ao ilícito.

Esclarecedor sobre o tema é o precedente julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual “o arbitramento da condenação a título de dano moral deve operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte empresarial das partes, suas atividades comerciais, e, ainda, ao valor do negócio, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida, notadamente à situação econômica atual, e às peculiaridades de cada caso” (STJ, REsp n. 173.366-SP, 4ª Turma, j. 03-12-1998, rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA).

Diante disso, atento aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e adequação, tendo em conta as circunstâncias que envolveram o fato, as condições pessoais e econômicofinanceiras dos envolvidos, assim como o grau da ofensa moral e a preocupação de não permitir que se transforme em fonte de renda indevida do ofendido, bem como não passe despercebido pela parte ofensora, consistindo, destarte, no necessário efeito pedagógico de evitar futuros e análogos fatos, reputo que o valor fixado pelo juízo de primeiro grau, no importe de R$ 20.000,00, a título de danos morais, se afigura razoável.

Por derradeiro, uma única observação deve ser levada a efeito na r. sentença, destacando-se que, com o advento da Lei nº 11.960, de 29 de junho de 2009, estabeleceu-se novo critério de cálculo dos juros moratórios e da atualização monetária, modificando o texto do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, que passou a viger com a seguinte redação:

Art. 5º. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, de 10 de setembro de 1997, introduzido pelo art. 4º da Medida Provisória nº 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, passa a vigorar com a seguinte redação:

'Art. 1º-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.’

Necessário esclarecer, dessa forma, que os juros e atualização monetária incidentes sobre as parcelas em atraso deverão observar o disposto na novel norma, no período posterior a sua vigência, entendimento este adotado a partir da publicação do acórdão proferido pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça nos Embargos de Divergência em Recurso Especial de nº 1.207.197-RS (2011/0028141-3), de relatoria do Ministro Castro Meira, publicado em 02 de agosto de 2011, cuja ementa segue abaixo transcrita:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. JUROS MORATÓRIOS. DIREITO INTERTEMPORAL. PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM. ARTIGO 1º-F, DA LEI Nº 9.494/97. MP 2.180-35/2001. LEI Nº 11.960/09. APLICAÇÃO AOS PROCESSOS EM CURSO. 1. A maioria da Corte conheceu dos embargos, ao fundamento de que divergência situa-se na aplicação da lei nova que modifica a taxa de juros de mora, aos processos em curso. Vencido o Relator. 2. As normas que dispõem sobre os juros moratórios possuem natureza eminentemente processual, aplicando-se aos processos em andamento, à luz do princípio tempus regit actum. Precedentes. 3. O art. 1º-F, da Lei nº 9.494/97, modificado pela Medida Provisória 2.180-35 e, posteriormente, pelo artigo 5º da Lei nº 11.960/09, tem natureza instrumental, devendo ser aplicado aos processos em tramitação. Precedentes. 4. Embargos de divergência providos.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento aos recursos, com a observação de que os juros moratórios serão de 1% ao mês e a atualização monetária deverá se dar pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça de São Paulo, até o advento da Lei nº 11.960/09, momento a partir do qual deverão observar o disposto na novel norma.

OSCILD DE LIMA JÚNIOR Relator.


Notas:

[1] Efetividade do Processo e Técnica Processual, 3ª ed., 2010, São Paulo, Malheiros, p. 287.

[2] Direito Administrativo, 20ª ed., 2007, São Paulo, Ed. Atlas, p. 602/603.

[3] Responsabilidade Civil do Estado, 2.ª edição, Malheiros, p. 465.

[4] La Responsabilité Civile, Paris, 1981, pp. 108 e 109; in apelação nº 358.886-4, 7º Câmara, j. 10.02.1987, rel. Juiz Luiz de Azevedo, RT 623/101.

[5] Cláusula de Não Indenizar, Forense, 4º, 1980, pp. 129/130.

Fonte: Boletim Eletrônico INR nº 5877. Publicação em 10/06/2013.


TJSP condena responsáveis por loteamento instalado em área de preservação permanente

A 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça deu parcial provimento ao recurso e às apelações e condenou a Prefeitura Municipal de Boituva, a Sociedade Brasileira de Terra S/C Ltda. (Sobrater), a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), J.D.S.R., M.G.L.F.R. e G.B., na obrigação de reconstituir o estado original de área degradada em área de preservação permanente localizada em Boituva, interior de São Paulo.
 
Em primeira instância o Ministério Público ingressou com ação civil pública para declarar ineficazes as licenças expedidas pela prefeitura e pela Cetesb, para aprovação e implantação do loteamento “Campos de Boituva”, em razão de ocorrência de danos ambientais e urbanísticos, apenas em relação aos lotes localizados em área de preservação permanente e sujeitos à inundação.

O relator Antonio Celso Aguilar Cortez afirmou que, “a implantação de lotes efetivada é incompatível com a regular ocupação em razão da ausência de áreas institucionais, de abertura de vias de trânsito e da ausência de infraestrutura, e causou graves danos ambientais, porquanto avançou sobre área de preservação permanente”. Ele assegurou que, “o Ministério Público tem legitimidade e interesse de agir para a presente ação, que busca ao mesmo tempo a defesa de interesses difusos e individuais homogêneos concernentes ao meio ambiente e à observância das normas de urbanismo e de uso e ocupação do solo”.

Segundo seu voto, “tanto o município quanto a Cetesb são partes legítimas para figurar no pólo passivo”, destacou o relator, “confundindo-se com o mérito as objeções que fizeram, insustentáveis do ponto de vista processual; não se discute aqui invasão de atribuições ou coerção quanto ao exercício do poder de polícia administrativa, mas a responsabilidade por ato ilícito de agente público. O pedido é juridicamente possível em relação a cada um dos requeridos, tanto no que diz respeito à indenização e multa, quanto a proibição de vendas, recomposição da área e penalidades por infração urbanística e ambiental”.

O relator sustentou que, “a municipalidade tem o dever de regularizar o solo, no parcelamento e ocupação do mesmo, para assegurar o respeito aos padrões urbanísticos e o bem-estar da população”. Para ele, “são responsáveis pelos danos ambientais e pela regularização da ocupação com observância da legislação ambiental, solidariamente, o município de Boituva e todos os demais requeridos, à exceção do Estado de São Paulo, cuja responsabilidade, como se viu, foi reconhecida em caráter subsidiário por se tratar do acionista majoritário da Cetesb”.

Aguilar Cortez finalizou seu voto dizendo que, “ante o exposto, dá-se parcial provimento ao recurso oficial, que se considera interposto, e às apelações, para julgar improcedente a lide em face do Estado de São Paulo excluir a responsabilidade do município pelo pagamento de indenização aos adquirentes de lotes irregulares, e manter a condenação dos requeridos na obrigação de reconstituir o estado original da área degradada, conforme se apurar em execução”.

Da turma julgadora participaram também os desembargadores João Negrini Filho e Torres de Carvalho. A votação foi unânime.

Processo nº 0236991-79.2009.8.26.0000

Fonte: TJSP. Publicação em 05/06/2013.