STJ: Recurso especial – Direito civil – Sucessão – Inventário – Depósito judicial dos aluguéis auferidos de Imóvel de espólio – Concorrência de irmão bilateral com irmãs unilaterais – Inteligência do Art. 1.841 do Código Civil – 1 – Controvérsia acerca do percentual da herança cabível em favor das irmãs unilaterais no inventário do “de cujus”, que também deixou um irmão bilateral a quem indicara em testamento como herdeiro único – 2 – Discussão judicial acerca da validade do testamento – 3 – Possibilidade de o irmão bilateral levantar a parte incontroversa dos aluguéis do imóvel deixado pelo “de cujus” – 4 – Necessidade, porém, de depósito judicial da parcela controvertida – 5 – Cálculo do valor a ser depositado em conformidade com o disposto no art. 1841 do Código Civil (“Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar”) – 6 – Recurso especial provido.

Acórdão: Recurso Especial n. 1.203.182 – MG.
Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino.
Data da decisão: 19.09.2013.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.203.182 – MG (2010⁄0128448-2)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE : J S C S E OUTROS
ADVOGADO : ALEXANDRE A NASCENTES COELHO E OUTRO(S)
RECORRIDO : R C C
ADVOGADO : EUSTAQUIO PEREIRA DE MOURA JUNIOR
EMENTA: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. SUCESSÃO. INVENTÁRIO. DEPÓSITO JUDICIAL DOS ALUGUÉIS AUFERIDOS DE IMÓVEL DO ESPÓLIO. CONCORRÊNCIA DE IRMÃO BILATERAL COM IRMÃS UNILATERAIS. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.841 DO CÓDIGO CIVIL. 1. Controvérsia acerca do percentual da herança cabível em favor das irmãs unilaterais no inventário do “de cujus”, que também deixou um irmão bilateral a quem indicara em testamento como herdeiro único. 2. Discussão judicial acerca da validade do testamento. 3. Possibilidade de o irmão bilateral levantar a parte incontroversa dos aluguéis do imóvel deixado pelo “de cujus”. 4. Necessidade, porém, de depósito judicial da parcela controvertida. 5. Cálculo do valor a ser depositado em conformidade com o disposto no art. 1841 do Código Civil (“Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar”). 6. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Nancy Andrighi e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sidnei Beneti.
Brasília (DF), 19 de setembro de 2013(Data do Julgamento)
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 1.203.182 – MG (2010⁄0128448-2)
RELATOR: MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE: J S C S E OUTROS
ADVOGADO : ALEXANDRE A NASCENTES COELHO E OUTRO(S)
RECORRIDO: R C C
ADVOGADO: EUSTAQUIO PEREIRA DE MOURA JUNIOR
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):
Trata-se de recurso especial interposto por J S C S E OUTROS com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea “a” da Constituição da República contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que restou assim ementado (fl. 888):
AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. MEDIDA ACAUTELATÓRIA DE DEPÓSITO JUDICIAL DOS ALUGUÉIS DOS BEM DO ESPÓLIO. DECISÃO CONFIRMADA. DIVERGÊNCIA ENVOLVENDO A CAPACIDADE DE FATO DO FALECIDO HERDEIRO, O QUE COLOCA SOB DÚVIDA A EFICÁCIA DO SEU RESPECTIVO TESTAMENTO.
Consta dos autos que, no curso do inventário dos bens deixados por Laurita Chaves, mãe de Renan Costa Chaves (recorrido) e de Miguel Chaves Costa, sobreveio a morte de último herdeiro.
Jaqueline Sampaio Costa Sena e outras, na condição de irmãs unilaterais de Miguel, foram admitidas no inventário, bem como foi deferido o depósito de aluguéis de imóvel cabível ao de cujus (Miguel), sob a administração do ora recorrido (Renan).
Inconformado, o recorrido apresentou recurso de agravo de instrumento perante o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, o qual negou provimento ao reclamo conforme a ementa acima transcrita.
Opostos embargos de declaração, estes foram parcialmente acolhidos nos seguintes termos (fl. 865):
DAR PARCIAL PROVIMENTO AOS EMBARGOS, PARA SANAR A CONTRADIÇÃO E A OMISSÃO APONTADAS, DETERMINANDO QUE APENAS 1⁄3 DO VALOR DO ALUGUEL SEJA DEPOSITADO EM JUÍZO.
No presente recurso especial, as recorrentes sustentam que o acórdão recorrido violou a regra do art. 1.841,do Código Civil de 2002, ao determinar que apenas 1⁄3 (um terço) do valor do aluguel do imóvel que caberia ao herdeiro falecido (Miguel) seja depositado em juízo. Asseveraram que, em face dessa disposição legal, os irmãos unilaterais, concorrendo à herança, recebem a metade do que couber aos bilaterais. Sustentam que o percentual do aluguel a ser depositado em juízo deve ser elevado para no mínimo 3⁄5 (três quintos),ou seja, 60% (sessenta por cento) do seu valor. Requereram o provimento do presente recurso especial.
O Ministério Público Federal ofereceu parecer às fls. 957⁄961 no sentido do provimento do recurso especial.
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.203.182 – MG (2010⁄0128448-2)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):
Destaca-se, inicialmente, que a controvérsia posta nos presentes autos cinge-se em se estabelecer o correto percentual da herança a que tem direito as três irmãs unilaterais (recorrentes) e a irmão bilateral (recorrido) no inventário dos bens deixados pelo irmão falecido (Miguel Chaves Costa) para efeito de depósito judicial da parcela controvertida relativa a aluguéis devidos ao espólio.
A questão é relevante, pois o falecido Miguel Chaves Costa, mediante testamento, cuja validade é discutida em outra demanda judicial, indicou seu irmão germano (bilateral), Renan Chaves Costa, ora recorrido, como herdeiro único.
Com isso, não há dúvida que o recorrido tem, como herdeiro legítimo de seu irmão germano falecido, uma parte da herança, podendo levantar os aluguéis correspondentes a essa parcela.
A dúvida reside precisamente em se estabelecer o percentual devido a cada herdeiro a partir da fórmula de cálculo estatuída pela regra do art. 1841 do Código Civil, que estatui o seguinte:
Art. 1.841. Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar.
O Tribunal de Justiça mineiro, quando do julgamento do recurso de agravo de instrumento (fl. 890), asseverou o seguinte:
A decisão interlocutória desafiada não merece reparos.
O ilustre juiz de 1ª instância, após admitir a habilitação de Jaqueline Sampaio Costa Sena, Maria Elizabeth Sampaio Costa e Francisca Eulália Costa, irmãs unilaterais do agravante e de seu falecidoirmão, Miguel Chaves Costa, determinou o depósito em juízo dos aluguéis referentes ao espólio.
Como fundamento da medida acautelatória, tem-se a alegada incapacidade do falecido irmão e, por conseguinte, a invalidade do respectivo testamento, o que, in casu, justifica fática e juridicamente a decisão desafiada.
Tal como restou assentado pela Douta Procuradoria Geral de Justiça:
“Não há negar a existência de fundados indícios sobre a incapacidade do falecido herdeiro Miguel Chaves Costa e, ipso facto, a ocasional ineficácia do ato de disposição de última vontade que contemplou com a herança o ora recorrente. Assim é que o r. decisum determinou o acautelamento judicial dos locativos fruídos dos imóveis locados visando, a um só tempo, a preservação do acervo causa mortis e as cotas das herdeiras potencialmente preteridas em testamento inválido.”.
Portanto, a inexistência de verossimilhança das alegações do agravante e a necessária cautelaridade adotada pelo ilustre juiz de 1ª instância impõem o indeferimento da pretensão recursal.
No entanto, em sede de embargos de declaração, o Tribunal a quo alterou esse entendimento, decidindo o seguinte (fl. 913):
No que tange a alegação de que o depósito integral do valor pago a título de aluguel causará prejuízo grave e de difícil reparação ao embargante, ao argumento de sua quota é intangível, entende-se que as embargadas comprovaram a condição de irmãs do falecido MIGUEL, sendo certo que, se julgada procedente a ação de nulidade do testamento, as mesmas receberão o quinhão devido a cada uma delas. De fato, na pior das hipóteses, o embargante é detentor de 2⁄3 dos bens deixados pelo falecido irmão MIGUEL e, tendo em vista o quinhão devido ao embargante, deve ser modificado o acórdão para determinar que 1⁄3 (um terço) do valor do imóvel seja depositado em juízo, referente a cota parte das embargadas.
Verifica-se, portanto, que a fundamentação dada pelo eg. Tribunal deverá ser reformada nesta parte, para constar que apenas 1⁄3 (um terço) do valor deverá ser depositado em juízo, ficando o embargante autorizado a receber 2⁄3 do valor do aluguel do imóvel situado na Rua Alvarenga Peixoto, 1000, Bairro de Lourdes, nesta Capital.
Dessa forma, integra-se o julgado com o acolhimento dos presentes embargos, sanando-se os vícios apontados no acórdão recorrido, para lhes dar parcial provimento, alterando o julgado para determinar que apenas 1⁄3 do valor seja depositado em juízo.
Por sua vez, o Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso com os seguintes argumentos (fls. 960⁄961):
Autorizada doutrina se prestou a explicar referido dispositivo, conforme se extrai dos excertos abaixo transcritos:
O art. 1.841 (antigo, art. 1.614) cuida da sucessão dos colocados em primeiro lugar na linha colateral, os irmãos (parentes em segundo grau). O Código estabelece diferença na atribuição da quota hereditária, tratando-se de irmãos bilaterais ou irmãos unilaterais. Os irmãos, bilaterais filhos do mesmo pai e da mesma mãe, recebem em dobro do que couber ao filho só do pai ou só da mãe. Na divisão da herança, coloca-se peso 2 para o irmão bilateral e peso 1 para o irmão unilateral, fazendo-se a partilha. Assim, existindo dois irmãos bilaterais e dois irmãos unilaterais, a herança divide-se em seis partes, 1⁄6 para cada irmão unilateral e 2⁄6 (1⁄3) para cada irmão bilateral. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões, 7ª edição, São Paulo: Atlas, 2007. p. 138).
No caso dos autos, considerando-se a existência de um irmão bilateral (recorrido) e três irmãs unilaterais (recorrentes), deve-se, na linha dos ensinamento acima colacionados, atribuir peso 2 aoprimeiro e às últimas peso 1. Deste modo, àquele efetivamente caberia 2⁄5 da herança (40%) e a cada uma desta últimas 1⁄5 da herança (20%).
(…)
De se perceber, portanto, que a permanecer a solução engendrada pelo Tribunal de a quo, ao recorrido caberia o dobro da herança das recorrentes conjuntamente consideradas, e não individualmente, como determina o dispositivo legal acima mencionado, de modo que resta equivocada a determinação do depósito de apenas 1⁄3 (um terço) do valor dos aluguéis objeto do presente recurso.
A precisa análise feita pelo Dr. Antônio Carlos Pessoa Lins, ilustre Subprocurador-geral da República, como representante do Ministério Público Federal no processo, confere a adequada solução ao caso.
Com efeito, a fórmula correta de cálculo que se extrai do enunciado normativo do art. 1.841 do Código Civil é no sentido de que, cabendo ao irmão germano (bilateral) o dobro do devido aos irmãos unilaterais, na divisão da herança, atribui-se peso dois (2) para cada irmão bilateral e peso um (1) para cada irmão unilateral.
Nesse sentido, é a precisa lição de Carlos Maximiliano, comentando a regra do art. 1.614 do Código Civil de 1916, correspondente ao art. 1841 do Código Civil de 2002 (Direito das Sucessões. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1958. 4ª ed. Vol. I, nº 150, p. 175), verbis:
Quando concorrem irmão unilaterais com bilaterais, para se calcularem os quinhões contam-se os últimos cada um por dois; os quociente é a parte do unilateral; o dobro será a do germano. Exemplo: A tem 3 irmãos bilaterais e 5 unilaterais; divide-se o valor global do espólio, excluídas as dívidas, por 3 + 3 + 5, isto é, por 11. Sendo o acervo de Cr$ 33.000,00, o unilateral recolhe – Cr$ 33.000,00 ⁄ 11 = Cr$ 3.000,00; o germano, o dobro – Cr$ 6.000,00.
No caso dos autos, existindo um irmão bilateral e três irmãs unilaterais, a herança divide-se em cinco partes, sendo 2⁄5 (dois quintos) para o irmão germano e 1⁄5 (um quinto) para cada irmã unilateral, totalizando para elas 60% (ou 3⁄5) do patrimônio deixado pelo irmão unilateral falecido.
Assim, o valor a ser depositado pelo recorrido, enquanto persistir a polêmica em torno da validade do testamento deixado pelo irmão falecido em seu favor, é de 60% do montante dos aluguéis auferidos com a locação do imóvel, podendo ficar para si com os 40% restantes por se tratar de parcela incontroversa.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, ampliando o valor a ser depositado pelo recorrido para 60% do montante dos aluguéis.
É o voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2010⁄0128448-2
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.203.182 ⁄ MG
Número Origem: 10024830242913010
PAUTA: 19⁄09⁄2013 JULGADO: 19⁄09⁄2013
SEGREDO DE JUSTIÇA
Relator
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO DE PAULA CARDOSO
Secretário
Bel. WALFLAN TAVARES DE ARAUJO
AUTUAÇÃO
RECORRENTE: J S C S E OUTROS
ADVOGADO: ALEXANDRE A NASCENTES COELHO E OUTRO(S)
RECORRIDO: R C C
ADVOGADO: EUSTAQUIO PEREIRA DE MOURA JUNIOR
ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Sucessões – Inventário e Partilha
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a).
Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Nancy Andrighi e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sidnei Beneti.

Fonte: Blog do 26 | 27/04/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


CSM/SP: Escritura Pública de Inventário e Partilha – Necessidade de se inventariar a totalidade dos bens havidos em comunhão no matrimônio – Universalidade de Direitos

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 0002180-42.2012.8.26.0204

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO N° 0002180-42.2012.8.26.0204, da Comarca de General Salgado, em que é apelante AURÉLIO AGOSTINHO RUETE, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE GENERAL SALGADO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, DETERMINANDO O REGISTRO DA ESCRITURA PÚBLICA, V.U.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores IVAN SARTORI (Presidente), GONZAGA FRANCESCHINI, ELLIOT AKEL, SILVEIRA PAULILO, SAMUEL JÚNIOR E TRISTÃO RIBEIRO.

São Paulo, 10 de dezembro de 2013.

JOSÉ RENATO NALINI

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível n° 0002180-42.2012.8.26.0204

Apelante: Aurélio Agostinho Ruete

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de General Salgado

VOTO N° 21.381

REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura Pública de Inventário e Partilha – Necessidade de se inventariar a totalidade dos bens havidos em comunhão no matrimônio – Universalidade de Direitos – Recurso provido.

Apela Aurélio Agostinho Ruete contra r. sentença que reconheceu a impossibilidade do registro de escritura pública de inventário e partilha de bens por entender necessária o registro de transmissão da herança aos filhos herdeiros e, em seguida, a disposição das respectivas cotas.

Sustenta o apelante, amparado em precedentes deste C. Conselho, a possibilidade do registro em razão da regularidade da partilha extrajudicial efetuada (fls. 118/122).

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 138/140).

É o relatório.

A questão não é nova no C. Conselho Superior da Magistratura.

O ingresso da escritura de inventário e partilha, nos moldes confeccionados às fls. 20/30, no Registro de Imóveis é medida de rigor.

Regina Alves Vaz Ruete e Aurélio Agostinho Ruete eram casados sob o regime da comunhão parcial de bens.

Essa previsão determina a formação de uma comunhão de direitos entre os consortes, assim há uma universalidade de direitos relativamente ao patrimônio constituído na união matrimonial.

A universalidade é um bem distinto em respeito aos bens dos quais é composta (Bianca, C. Massimo. Diritto civile: Ia proprietà. v. VI. Milano: Giuffrè, 1999, p. 87).

Desse modo, havendo universalidade de direitos em relação aos bens que compõem a união matrimonial, bem como aos que integram a herança, é necessário inventariar a totalidade do patrimônio e proceder sua partilha.

Na universalidade de direito, antes do inventário e partilha, não é possível a atribuição de bens específicos aos titulares daquela.

Desse modo, é necessário inventariar a totalidade das duas universalidades de direito existentes – os bens da união matrimonial e os integrantes da sucessão hereditária e proceder sua partilha, pois, antes da partilha o direito dos titulares da universalidade não é sobre bens específicos e sim sobre a totalidade do patrimônio.

Somente assim será possível a partilha do patrimônio coletivo nas duas situações.

Nessa ordem de ideias, é possível o acesso do título ao fólio real sem retificação da Escritura Pública de Inventário.

Por fim, cabe mencionar a existência de precedente deste Conselho Superior da Magistratura, consistente na Apelação Cível n.° 425-6/1, de 13 de outubro de 2005, na qual o Exmo. Sr. Des. José Mário Antônio Cardinale, Corregedor Geral da Justiça à época, referiu:

malgrado não se desconheça que a metade ideal já pertencia à devedora antes do óbito de seu esposo, não se pode deslembrar que, como bem entendeu o digno magistrado, a partilha dos bens decorrente do óbito do marido da devedora recai sobre todo o patrimônio do casal para por fim à indivisão, separando dos bens havidos em comum aqueles que pertencerão ao cônjuge meeiro supérstite dos outros que comporão os quinhões hereditários dos sucessores do "de cujus ".

É possível que a meação do cônjuge sobrevivente e os quinhões dos herdeiros recaiam sobre todos os bens pertencentes em comum pelo casal, que passarão a lhes pertencer em condomínio, mas, também, não se pode descartar a hipótese da meação e dos quinhões hereditários se individualizaram em determinados bens.

Pelo exposto, dou provimento ao recurso, determinando o registro da escritura pública.

JOSÉ RENATO NALINI

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: DJE/SP I 04/02/2014 e 05/02/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


TJ/SP: Adoção – Sucessão da avó biológica – Pretensão das netas adotadas após morte do pai – Inventário – Despacho de exclusão – Agravo de instrumento improvido.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de AGRAVO DE INSTRUMENTO n° 426.226.4/2, da Comarca de São Paulo, em que são agravantes ADRIANA MALUF BOGOSSIAN GESUELE e OUTRA, sendo agravados AZIZ BOGOSSIAN e OUTROS:

ACORDAM, em 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o relatório e voto do Relator, que integram este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores Joaquim Garcia (Presidente, com voto), Silvio Marques Neto e Álvares Lobo.

São Paulo, 06 dezembro de 2006

SILVIO MARQUES NETO

Relator

Agravo de Instrumento n° 426.226.4/ 2

Agravantes: ADRIANA MALUF BOGOSSIAN GESUELE e OUTRA Agravados: AZIZ BOGOSSIAN e OUTROS

Comarca: SÃO PAULO

VOTO N° 16.753

EMENTA – ADOÇÃO – SUCESSÃO DA AVÓ BIOLÓGICA – PRETENSÃO DAS NETAS ADOTADAS APÓS MORTE DO PAI – INVENTÁRIO – DESPACHO DE EXCLUSÃO. Agravantes não contempladas no testamento da avó falecida na vigência do Código Reale. Conflito da lei no tempo. Direito adquirido. Mãe casada em segundas núpcias e adoção pelo marido. Adoção na vigência do Código Civil de 1916 e antes do Código de Menores. Ruptura completa do vinculo parental com desaparecimento do direito sucessório. Prevalência da regra “tempus regit actum” quando da abertura da sucessão. Agravo de instrumento improvido.

RELATÓRIO.

Agravo de instrumento interposto contra decisão que excluiu as agravantes da sucessão da avó biológica. O fundamento básico foi o de terem sido adotadas pelo atual cônjuge da mãe, rompendo o parentesco com a família do pai biológico. Entendeu-se também que as agravantes não seriam legatárias vez que a autora da herança dispôs em testamento sobre toda a parte disponível em favor dos filhos que sobreviveram ao pai delas (fl. 18).

Alegam as recorrentes que deve ser aplicado ao presente caso o Código Civil de 1916, não podendo lei posterior regrar sobre o direito adquirido. O vínculo surgido da adoção é restrito a adotante e adotado, estando prejudicado apenas o pátrio poder, o direito de visita, de guarda e Alimentos, mas não o direto sucessório. Foram nominalmente citadas no testamento, sendo então legatárias.

Processou-se o recurso com efeito suspensivo (fl. 36). Foram juntadas as informações (fl. 43). Os agravados responderam (fl. 68).

A D. Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso de (fl. 48).

FUNDAMENTOS.

O tormentoso tema levantado neste recurso estava a merecer uma monografia, no mínimo um acórdão em apelação, não em um simples agravo de instrumento. Além disso, com a Emenda Constitucional 45/2004 não existem mais condições para estudo aprofundado e longas digressões.

Existem duas estranhas omissões nas razões do recurso. Não se sabe por que as agravantes não propuseram este recurso contra o inventariante ou herde nos da autora da herança e por que omitiu a data da morte do pai delas.

As agravantes são filhas biológicas de José Bogossian e Lilian Maluf Bogossian. O pai era filho legitimo e herdeiro necessário de Faride Nasser Bogossian autora do espólio em questão.

José suicidou-se durante a gravidez da filha Adriana. Tempos depois, a mãe contraiu novas núpcias com Arnaldo Napoleone Gesuelie, seu atual marido. Como nessa época as meninas estavam em idade escolar, decidiram fazer a adoção unilateral a fim de evitar problemas para elas. É inegável que a adoção foi feita com a melhor das intenções e o adotante foi o verdadeiro pai das recorrentes desde tenra idade. Sobre esse ato alguém já disse que “a maternidade é um dom da natureza e a adoção é um dom de Deus”.

As recorrentes foram adotadas por Arnaldo Napoleone Gesuelle em 02/08/77 (fl. 28/29), sendo aplicável ao caso o Código Civil de 1916. As adoções foram feitas por escritura pública e após os trâmites legais devidamente averbadas nos assentos de nascimento.

O testamento de 30.03.98 (fl. 26), apesar de fazer referência nominal às agravantes, dispôs dos bens da seguinte forma: metade dos bens disponíveis foi deixada para o filho Ivan Bogossian e a outra metade para os filhos Aziz Bogossian e Roger Bogossian, sendo ressaltado que a legitima deveria ser dividida em partes iguais a todos os filhos. Portanto, não há que se falar em sucessão testamentária, uma vez que as recorrentes não foram contempladas.

Para mais fácil entendimento, principalmente com relação às diversas normas surgidas no curso dos acontecimentos, segue um resumo cronológico.

Vigia o Código Civil de 1916 quando nasceram Cristiane em 1968 e Adriana em 1969. Ao que parece o pai biológico José morreu dia 03.06.1969 e Adriana nasceu cinco meses depois no dia 08.11 do mesmo ano.

A mãe Lilian casou-se de novo e Arnaldo adotou as meninas por escritura de 1977, averbadas em 1978.

Só no dia 10.10.79 surgiu o Código de Menores, Lei 6.697, que criou duas espécies de adoção. A disposição era para o futuro e não atingiu as recorrentes. Para todos os efeitos a adoção delas continuou a ser a agora chamada adoção plena.

Ambas ainda eram menores quando foi promulgada a Constituição em 1988. Dois anos depois, em 13.7.90, já obedecendo à nova ordem, entrou em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei 8.069. Estava instituído todo um novo regime para as adoções. Nesse ano as agravantes já eram maiores.

No dia 30.03.98 a avó Faride faz lavrar seu testamento.

Seguiu-se em 2.002 a promulgação do Código Reale que entrou em vigor dia 10.01.2003. Em 2004 faleceu a avó biológica.

Com base nesses elementos serão examinadas as questões levantadas pelas partes e que se resumem em conflito das leis no tempo e direito adquirido.

Pretendem as recorrentes, legalmente adotadas por terceiro, participar da herança da avó biológica por representação do pai biológico pré-morto. A abertura da sucessão deu-se na vigência do Código Reale em 2004. Nessa ocasião, conforme artigo 1.784 a herança transmitiu-se de imediato aos herdeiros legítimos e testamentários. É com relação a essa data que as agravantes devem provar preencher os requisitos para herdar. Também essa a disposição do artigo 1.787 do Código Reale e 1.577 do Código Beviláqua.

Até a data do óbito nenhum direito hereditário existe. Não há direito a herança de pessoa viva como previsto tanto no artigo 1.784 acima citado como no 1.572 do código anterior. Antes da abertura da sucessão existe apenas expectativa direito. Mesmo assim não se trata de uma vocação absoluta tanto que é possível ocorrer a exclusão da sucessão (CR 1.814 e CB 1.595). Também é possível que ainda em vida o ascendente perca todos os seus bens, nada deixando aos sucessores.

Acrescente-se que a adoção é um ato complexo. Antes era feita por escritura pública (CC art. 375). Hoje é por meio de um processo (ECA art. 47 e CC art. 1.623). Com a escritura ou a decisão judicial aperfeiçoa-se o ato da adoção. Alguns dos efeitos dele decorrentes e dependentes de eventos futuros, como a abertura de sucessão de um ascendente, só podem ser analisados com base na legislação vigente quando desse evento. O magistrado paulista Artur Marques da Silva Filho, no seu trabalho de colaboração para “O Novo Código – Estudos em Homenagem ao Prof. Miguel Reale” (LTr, 1ª ed., p. 1.199) ensina que “A adoção tal como concebida pelo legislador de 2002, é ato jurídico complexo que estabelece vinculo jurídico de filiação. É ato jurídico porque promana inicialmente da vontade autônoma das pessoas envolvidas (art. 1.621, CC). Contudo, os efeitos jurídicos se produzem ex lege (art. 227, § 6º, da CF, e 1.626, CC, dentre outros). Por essa razão afirma à página 1.215 que com adoção desaparece completamente o vinculo parental, exceto para efeitos matrimoniais enquanto que dois efeitos jurídicos interessantes surgem entre adotado e adotante: alimentos e sucessão.

Foi dito nas razões recursais que adquiriram o direito à sucessão quanto adotadas sob a égide do Código Beviláqua e o atual não pode retroagir, daí o equivoco da decisão atacada. Na verdade, segundo referido despacho, as agravantes não adquiriram nenhum direito à herança quando foram adotadas, pelo contrário, perderam o direito. Se alguma expectativa de direito existia surgiu com o nascimento estabelecendo-se o vinculo parental pelo sangue.

Admitido sem discussões que não há direito a herança de pessoa viva, não há que se falar em direito adquirido. Observe-se que quando do falecimento da autora do espólio em tela, abriu-se a sucessão e nesse momento ela já não tinha Cristiane e Adriana como netas.

Desde logo se verifica que o Ministério Público das duas instâncias se equivocou quando se manifestou pelo provimento do recurso. O parecer no JUÍZ O de origem nem tem nenhum fundamento (fl. 30) e nesta instância foi baseado no artigo 378 do código antigo. Consta lá que os direitos decorrentes do parentesco natural não se extinguem pela adoção, exceto o pátrio poder.

Em resumo, segundo as agravantes, elas teriam um direito adquirido pelo parentesco natural desde quando nasceram e as leis posteriores não podem alterar essa situação. Essa a questão a ser examinada doravante. Acontece que, como já mostrado acima, a capacidade de herdar é verificada no momento em que a sucessão é aberta e o chamado direito de sucessão não é absoluto e permanente.

A sociedade e a legislação correspondente, em constante evolução e aperfeiçoamento, não podem permanecer estratificadas nas normas vetustas sob o argumento do direito adquirido, sob pena de não progredirem ou injustamente criarem categorias diversas de cidadãos. Se fosse absoluto e imutável o direito de herdar e os outros decorrentes da sucessão biológica e não haveria necessidade de disposições como do artigo1.577 do Código Civil antigo e 1.787 do atual.

Tomemos, por exemplo, o casamento civil. Ele gera um “status” e do qual decorrem direitos e obrigações. As sucessivas alterações legais acompanhando a evolução da sociedade podem e devem alterar esses direitos e obrigações sem atentar contra o “status”. A redação original artigo 233 do Código Civil de 1916 dizia que “O marido é o chefe da sociedade conjugal“. Sem dissolver o casamento, e sem deixar de considerar a família formada com o casamento como a base da sociedade, em razão da evolução dessa mesma sociedade, veio a nova redação com o Estatuto da Mulher Casada mantendo a chefia com o marido, mas estabelecendo que essa função seria exercida com a colaboração da mulher. Seguiu-se a Constituição de 88 estabelecendo no artigo 226, § 5º, que “os direitos e deveres da sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher“.

Nota-se que na busca da igualdade e da harmonia a mulher passou da condição de submissa a colaborara para depois ser igualada. Nada disso alterou o “status” de homem e mulher casados, ou do próprio casamento como base e sustentáculo da sociedade. Apenas os consectários, ou direitos decorrentes do direito básico, matrimônio, é que foram alterados. Ninguém, nem os casados sob o regime do Código Beviláqua, ousaria contestar a divisão de poderes entre marido e mulher.

Igual evolução ocorreu com a adoção. No Código Civil havia uma só espécie e realizada por simples escritura pública. Com o Código de Menores passou a ter duas categorias, simples e plena com inúmeras diferenças. Nessas duas legislações o adotado era sempre diferente dos filhos biológicos. Essa distinção básica repugnava à sociedade. Sérgio Gischkow Pereira, ilustre Desembargador Gaúcho, em estudo intitulado “O Direito da Família e o Novo Código Civil: Principais Alterações” a propósito do Código Civil que entrava em vigor afirmou enfaticamente que “Em contrapartida, o novo Código termina com regras absurdas, como a que, no Código em vigor, permite sucessão do adotado em relação ao pai natural e vice-versa”. (Revista “Seleções Jurídicas – Advocacia Dinâmica”, abril 2003, p. 24).

Uma vez que a adoção é um ato de amor, condição bastante repisada pelas agravantes, não se justificava essa distinção. Disseram elas que foram adotadas para evitar chacotas e embaraços na vida escolar. Então não havia como admitir a distinção popularmente conhecida como entre filhos legítimos e adotivos. Também disseram que estavam desamparados após a morte do pai, por isso a mãe se casou de novo e o marido as adotou. A adoção das agravantes veio então no sentido de amparo também material.

A Constituição no artigo 227, § 6º estabeleceu que “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação“. Isso significa dizer que o filho adotado passou a ter o mesmo “status” daquele havido naturalmente pelo casal adotante, como se também tivesse sido por eles gerado. Não se conhece maior forma de amor familiar e filial do que essa disposição.

Nessa esteira veio o artigo 41 do ECA dispondo que “A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vinculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais“. No aspecto da sucessão, que interessa aqui, o parágrafo segundo ainda acrescentou que “É recíproco o direito sucessório entre o adotado, seus descendentes, o adotante, seus ascendentes, descendentes e colaterais até o quarto grau, observada a ordem de vocação hereditária“.

Aquela integração e igualdade do adotado com a família adotante passou a ser de tal grau que o artigo 47 do ECA mandou cancelar o registro de nascimento original (§ 2º) e permitiu que no novo registro fosse alterado até o prenome (§ 5º). É o mesmo que nascer de novo na nova família.

Ora, não se está revogando ou desconsiderando o ato de adoção, mas apenas dando a esse mesmo ato novos efeitos criados especialmente em benefício dos adotados.

Se direitos e deveres foram igualados dentro da família adotante, o adotado não pode pretender um benefício extra que o desiguale dos filhos havidos no casamento. É um contra censo, e repugna à lógica admitir que o adotado quebre o princípio da igualdade absoluta criado em seu favor e passe a reclamar, com base na filiação biológica, um duplo direito hereditário. Sim, pois é herdeiro e sucessor dos adotantes, situação que não tinha antes quando da adoção, mas quer conservar o direito sucessório na família biológica.

As regras instituídas pela Constituição são auto aplicáveis e contra elas não existe o direito adquirido. Por essas razões Sebastião Amorim e Euclides de Oliveira, citando Hélio Borghi, afirmam que “fica absolutamente revogada a distinção anterior, situação altamente injusta, como referido, passando tais filhos a terem os mesmos direitos, vale dizer, em iguais proporções como os outros filhos do adotante, quanto à sucessão deste. Assim, não mais vigoram, em termos práticos, os artigos 376, 377 e 1.605, parágrafo 2º, do Código Civil Brasileiro“. (“Inventários e Partilhas”, LEUD, 13ª ed. , p . 51).

Na seqüência, esses mesmos consagrados autores, falando dos efeitos da adoção, afirmam que ocorre o desligamento do vinculo ainda que a adoção tenha ocorrido na vigência do Código Civil de 1916, caso dos autos, por efeito do principio da igualdade adotado na atual Constituição, salvo “se a abertura da sucessão se deu antes” dela. “Mutatis mutandis”, se a sucessão foi aberta na vigência da atual Constituição e atual Código Civil, a adoção feita pelo Código Beviláqua rompeu integralmente o vinculo dos adotados com a família biológica.

Outro magistrado paulista, Márcio Antônio Boscaro, em sua obra “Direito de Filiação” (RT; ed. de 2002, p. 133), também afirma que esse é o entendimento aceito nesta Corte conforme Acórdão inserto em JTJ (LEX) 165/203, para em seguida afirmar que o Colendo Superior Tribunal de Justiça não destoa desse posicionamento conforme dois arestos e cita: “O primeiro deles, publicado na RSTJ 44/150, estabeleceu que o artigo 227, § 6º, da Constituição Federal não poderia ser aplicado a uma sucessão já aberta anteriormente à sua entrada em vigor” e segue justificando que “quando da promulgação da vigente Magna Carta, a herança já havia sido transmitida aos herdeiros, consoante a lei então em vigor“.

Na revista eletrônica “Jus Navegandi”, n°. 232, de 25/2/04, em trabalho doutrinário intitulado “Tribunal de Justiça de Minas Gerais, direitos adquiridos e súmula vinculante”, o advogado e constitucionalista Enéas Castilho Chiarini Júnior, também por raciocínio inverso mostra o acerto da decisão aqui agravada dizendo: “Ora, se a propriedade dos bens se transmite com a morte, isto, no caso em tela, se deu em maio de 1988, antes da Constituição Federal de 1988, onde, pelo direito vigente, o adotado não teria qualquer direito à sucessão. Nesse momento os demais sucessores passaram a ser proprietários dos bens hereditários. Houve a transmissão causa mortis dos bens. Já havia, portanto, por parte dos demais sucessores, o direito adquirido àqueles bens”. E mais adiante: “É claro que, segundo as lições de Alexy, não existe hierarquia entre Direitos Fundamentais, então, neste caso, estar-se-ia diante de um problema a ser solucionado pela regra da proporcionalidade. Neste caso, quanto à limitação da impossibilidade de descriminação dos filhos, me parece que se trata de uma medida adequada, quanto à preservação dos direitos adquiridos. Também parece ser uma medida necessária, à medida que não é possível garantir os direitos adquiridos sem limitar-se a isonomia entre os filhos“. (http://jus2.uol.com.br/doutrj na/texto.asp?id=4883) .

Adotando-se a invocada regra da proporcionalidade, entendo que deva prevalecer a proibição de discriminar os filhos adotivos baseada no princípio da igualdade, em detrimento do direito adquirido no caso de se entender que a adoção pelo Código Civil antigo não rompeu os laços de sangue. Ademais, como já referido acima, o próprio fundamento da adoção, proteger o adotado e melhorar sua situação, estará sendo desvirtuado.

Para finalizar, confirmando o bem lançado despacho do ilustre Juiz João Batista Silvério da Silva, trago à colação ementa de um Acórdão desta Corte relatado pelo Desembargador Manoel Matheus Fontes sobre hipótese análoga: “Inventário – Filha natural adotada por outro casal – Exclusão – Alegado direito a sucessão de pai biológico, conforme art. 378 do CC Inadmissibilidade. Hipótese em que a CF/8, art. 227, § 6º e o art. 41 do ECA, atribuíram a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, desligando-o de qualquer vinculo parental, inclusive sucessório, com os pais biológicos. Não há ofensa ao 5º, XXXVI da CF/88. A adoção é ato perfeito e acabado, válido porque celebrado por meio de escritura pública, única forma viável, segundo a legislação da época. Não necessita, para valer, de sentença judicial transitada em julgado, come atualmente previsto para as adoções de criança e adolescentes (art. 47 da Lei 8.069/90)”. (AI 157.262/1, Iguape, Julg. 05/9/91).

No mesmo sentido:

“Sucessão – Menor impúbere, adotado por terceiros, objetivando participação na herança de sua mãe biológica – Inadmissibilidade – Adoção Plena, de natureza irrevogável, atribuindo a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, desligando-o de qualquer vinculo parental, inclusive sucessório, com os genitores biológicos – Caracterização – O art. 378 do CC não abrange a adoção do menor impúbere e é incompatível com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n°. 8.069/90, art. 41 e 48) e com os preceitos do art. 227 da CF – Recurso não provido.” (AI 197.547.4/4, 7ª Câm., Rel. Leite Cintra, Julg. 05.9.01, v. u.).

Destarte, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

SILVIO MARQUES NETO

Relator

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR

Agravo de Instrumento n° 426 226-4/2-00

Comarca de São Paulo

Agravo de instrumento tirado contra a decisão copiada às fls. 18/19, que nos autos do inventário de Fande Nasser Bogossian excluiu as agravantes do processo, por não serem herdeiras e nem legatárias de sua avó biológica.

Após o voto do Relator, o I Des. Silvio Marques, pedi vista para exame do processo, ante as inúmeras facetas apresentadas e ainda considerando o memorial ofertado pelo advogado dos agravados.

Realmente, as agravantes não são legatárias no testamento juntado aos autos fls. 26/7. Ali só foram contemplados com a parte disponível os filhos da falecida Ivan, com metade da parte disponível e a outra metade dividida em partes iguais para Aziz e Roger. Observa-se que o filho Alberto não foi contemplado com qualquer quinhão da parte disponível, o mesmo ocorrendo com as agravantes, filhas de José, falecido anteriormente à sua mãe, Faride.

É que para ser contemplado em um testamento a menção deve ser clara e evidente, não se pode presumir que a testadora teria a vontade de contemplá-las.

No tocante à sucessão, as agravantes procuram ser herdeiras representando o pai biológico. Contudo, o atual Código Civil, em seu art. 1 787, estabelece que:

“Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela.“

Assim, necessário saber se após a adoção, ocorrida na década de 1.970, permaneceu o vínculo com a família do pai biológico.

Nessa parte, o voto do culto Relator me parece inatacável, porquanto rebateu todos os pontos do recurso, não merecendo qualquer reparo.

Com a adoção, a integração na nova família é total, e em feliz síntese o voto do Relator, após apontar o art. 47 do ECA, menciona “É o mesmo que nascer de novo na nova família”.

Ora, a sucessão foi aberta com o falecimento da avó biológica das agravantes, ocorrido no ano de 2004, já na vigência do atual Código Civil, do ECA e da Constituição Federal de 1988, que em seu art. 227, § 6º estabeleceu que:

“Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quais quer designações discriminatórias relativas à filiação.”

Em conseqüência, verifica-se inexistir razão às agravantes, pois, com a adoção o vínculo com a família biológica restou totalmente rompido Caso contrário as agravantes herdariam do pai adotivo e do pai biológico, ferindo o preceito constitucional acima transcrito Entendo nada mais ser preciso acrescentar para acompanhar integralmente o voto do I. Relator, Des. Silvio Marques, negando provimento ao Agravo de Instrumento.

ÁLVARES LOBO

3º Juiz

Clique aqui e confira o texto orginal.

Fonte: Blog do 26 I 01/02/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.