CSM/SP: Registro de Imóveis. Pela análise do art. 9º, II, da Lei Estadual nº 11.331/2002 e do item 68 das NSCGJ resta claro que a gratuidade de ato extrajudicial depende de expressa determinação do magistrado que preside o feito na esfera jurisdicional.


Apelação n° 1000904-74.2024.8.26.0062
Espécie: APELAÇÃO
Número: 1000904-74.2024.8.26.0062
Comarca: BARIRI

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1000904-74.2024.8.26.0062
Registro: 2025.0000608520
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000904-74.2024.8.26.0062, da Comarca de Bariri, em que é apelante MARIA APARECIDA DE SOUZA GUELFI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BARIRI.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Não conheceram da apelação e deram por prejudicada a dúvida, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES  DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 11 de junho de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível: 1000904-74.2024.8.26.0062
Apelante: Maria Aparecida de Souza Guelfi
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Bariri
VOTO Nº 43.817
Apelação – Registro de imóveis – Dúvida – Negativa de registro de formal de partilha – Exigências de recolhimento do ITCMD (ou comprovação de isenção) e dos emolumentos – Insurgência parcial quanto às exigências formuladas pelo registrador – Dúvida prejudicada – Apelação não conhecida – Análise das exigências para orientar futura prenotação – Exigências cabíveis.
I. Caso em Exame
1. Apelação interposta contra sentença que negou o ingresso do formal de partilha no fólio real, sob a alegação de que a justiça gratuita concedida nos autos da ação judicial de inventário deveria isentar a cobrança dos emolumentos incidentes. 2. Recurso que não ataca todos os óbices registrais.
II. Questão em Discussão
3. Discute-se eventual prejuízo da dúvida e da apelação em razão da impugnação parcial das exigências. 4. Para orientar futura prenotação, questiona-se a exigência de recolhimento do ITCMD ou de comprovação de isenção, assim como o óbice de recolhimento de emolumentos à vista da concessão dos benefícios da justiça gratuita nos autos judiciais.
III. Razões de Decidir
5. A ausência de insurgência contra todas as exigências registrárias prejudica a dúvida, pois não permite decisão sobre a registrabilidade do título. Consequentemente, a apelação não pode ser conhecida.
6. Ao registrador cabe fiscalizar o recolhimento dos tributos relativos aos atos que lhe são apresentados (art. 289 da Lei nº 6.015/1973 e art. 134, VI, do CTN). Como não houve comprovação do recolhimento do ITCMD ou de concessão de isenção, a manutenção da exigência se impõe.
7. A justiça gratuita deferida na esfera judicial não se estende automaticamente aos emolumentos do registro, conforme entendimento da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo.
IV. Dispositivo e Tese
8. Apelação não conhecida e dúvida prejudicada.
Tese de julgamento:
1. A ausência de impugnação de todas as exigências registrárias prejudica a dúvida e impõe o não conhecimento da apelação.
2. Para orientar futura prenotação, os óbices prevaleceriam.
Legislação Citada:
Código de Processo Civil, art. 98, IX.
Lei nº 6.015/73, art. 289.
Código Tributário Nacional, art. 134, VI.
Lei Estadual nº 11.331/2002, art. 9º, incisos I e II.
NSCGJ, item 68 do Capítulo XIII. Constituição Federal, § 2º do art. 236.
Jurisprudência Citada:
CSM/SP, Apelação nº 1015474-45.2020.8.26.0114, Rel. Des. Torres Garcia, j. em 31/5/2022.
CSM/SP, Apelação nº 0004941-15.2014.8.26.0224, Rel. Des. Elliot Akel, j. em 11/5/2015.
CGJ/SP, RA. nº 1001907-19.2024.8.26.0562, Parecer de nº 536/2024-E, de autoria do MM. Juiz Assessor da Corregedoria, Carlos Henrique André Lisboa, aprovado em 29/08/2024 pelo Exmo. Corregedor Geral da Justiça, Des. Francisco Loureiro.
CSM/SP, Apelação nº 1024661-80.2024.8.26.0100; Rel. Des. Francisco Loureiro, j. em 29/08/2024.
Trata-se de apelação (fls. 104/115) interposta por MARIA APARECIDA DE SOUZA GUELFI contra a r. sentença (fls. 91/94) proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Bariri/SP, que manteve a recusa do ingresso, no fólio real, do formal de partilha judicial expedido nos autos do Inventário de Luiz Raimundo de Souza e Severina Alves de Souza, que tramitou perante a 2ª Vara da Comarca de Bariri, sob o nº 1000308-32.2020.8.26.0062 (fls. 25/68).
A apelante insiste, em suma, em que, por lhe terem sido concedidos os benefícios da justiça gratuita nos autos do referido inventário (fls. 46/47 e 65), o registro do formal de partilha deve ser efetivado sem a cobrança dos emolumentos registrais, nos termos do artigo 98, IX, do Código de Processo Civil. Requer, então, a reforma da sentença.
A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 155/156).
É o relatório.
O registro do formal de partilha expedido nos autos do inventário de Luiz Raimundo de Souza e Severina Alves de Souza, que tramitou perante a 2ª Vara da Comarca de Bariri/SP, sob o nº 1000308-32.2020.8.26.0062, foi negado pelo Oficial de Registro, que expediu a Nota de Devolução de nº 5042 (fls. 23/24), contendo as seguintes exigências:
“Conforme determina a Lei Estadual nº 10.705/00, e alterada pela Lei Estadual nº 10.992/01, regulamentada pelo Decreto Estadual nº 46.655/02, bem como no artigo 289 da Lei nº 6.015/73 Lei de Registros Públicos e Artigo 134, VI, do Código Tributário Nacional CTN, se faz necessário apresentar junto ao Formal de Partilha, os seguintes documentos:
a) Apresentar o Procedimento Administrativo realizado junto a Fazenda do Estado de São Paulo, onde apurou eventual incidência ou isenção do recolhimento de ITCMD Imposto de transmissão causa mortis ou doação, em virtude dos bens deixados pelos falecimentos de Luiz Raimundo de Souza e Severina Alves de Souza.
b) No caso de apuração de incidência de recolhimento de ITCMDs, apresentar cópia(s) autenticada(s) da(s) respectiva(s) guia(s) e do(s) correspondente(s) recolhimento(s).
c) Apresentar as Certidões de Homologação, emitidas pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, atestando que os lançamentos do ITCMDs foram homologados. (Inventário. Partilha. ITCMD. Recolhimento. Qualificação registral. Tributos. CSMSP -Apelação Cível: 1034876-28.2018.8.26.0100 São Bernardo do Campo -Data de Julgamento: 14/03/2019 Data DJ: 09/04/2019)
2 – Foi constatado por este Oficial que, na Decisão de fls. 34 do processo, foi concedido aos requerentes o benefício da assistência judiciaria para o tramite judicial.
Todavia, tais benefícios não são imediatamente estendidos aos emolumentos do serviço extrajudicial, conforme entendimento da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo – CGJ/SP (EMOLUMENTOS COBRANÇA GRATUIDADE BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA RECLAMAÇÃO CGJSP Recurso Administrativo 0004478-42.2023.8.26.0100 Localidade: São Paulo Data de Julgamento: 28/08/2023 Data DJ: 01/09/2023).
Desta forma, com o cumprimento das exigências apontadas no item 1 acima, o interessado deverá efetuar o pagamento dos emolumentos referentes ao registro pretendido, observadas as disposições contidas no art. 9º, inciso II, in fine, da Lei Estadual nº 11.331/2002 e, também contidas no item 68 e 68.1 do Capítulo XIII, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo.
3 – Com o cumprimento das exigências acima, recolher os emolumentos para a prática dos atos do Formal de Partilha no valor de R$ 2.332,36 até a data de 20/05/2024, fazendo um pix na Chave Pix CNPJ Nº 52.787.780/0001-65 ou deposito bancário no Banco Itaú, agencia 0424, conta corrente 99793-0, favorecido Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Bariri-SP, e encaminhar o comprovante de depósito no e-mail registrobariri@uol.com.br ou trazer pessoal uma cópia do comprovante de pagamento”.
Inconformada, a ora apelante solicitou a reconsideração das exigências e, alternativamente a suscitação de Dúvida (fls. 06/16), o que foi atendido pelo Oficial (fls. 01/04).
Após a manifestação do Ministério Público pela improcedência do pedido (fl. 90), sobreveio a r. sentença que manteve os óbices registrários, mencionando, contudo, que a dúvida havia sido suscitada pela interessada, quando foi o Oficial quem a suscitou, além de ter julgado a dúvida improcedente.
Saliente-se, por oportuno, que, tanto nas hipóteses de dúvida, diretamente ou inversamente suscitada, a regra da procedência ou improcedência não se modifica: será procedente quando o registro não se fizer, improcedente quando o registro for autorizado.
Nesse sentido, há equívoco na sentença ao manter as exigências registrárias e, não obstante, julgar a dúvida (direta) improcedente.
Feita a observação, verifica-se que a dúvida, todavia, está prejudicada.
Para que se possa decidir se o título pode ser registrado ou não, é preciso que todas as exigências, e não apenas parte delas, sejam impugnadas.
A ausência de insurgência contra uma ou mais exigências registrais, e, do mesmo modo, a anuência em relação a qualquer um dos óbices prejudica a dúvida, a qual só admite duas soluções: a) a determinação do registro do título protocolado e prenotado, que é analisado, em reexame da qualificação, tal como se encontrava quando surgida dissensão entre o apresentante e o Oficial de Registro de Imóveis; ou b) a manutenção da recusa do Oficial.
Na espécie, a dúvida está prejudicada porque o interessado, ao requerer a suscitação de dúvida e, posteriormente, ao recorrer, não se insurgiu com relação a todas as exigências (fls. 104/115). Com efeito, há insurgência apenas quanto ao recolhimento dos emolumentos, conforme fl. 114. Por consequência, a dúvida e o recurso de apelação estão prejudicados.
Apesar disso, é pertinente analisar os óbices para orientar futura prenotação.
Como não houve comprovação do recolhimento do ITCMD ou de concessão de isenção, a manutenção da exigência se impõe.
Isso porque são sucessivos os precedentes deste Conselho, dando concretude ao art. 289 da Lei nº 6.015/73 e ao art. 134, VI, do CTN, no sentido de que cabe ao registrador fiscalizar o recolhimento dos tributos relativos aos atos que lhe são apresentados.
Especificamente em relação ao imposto de transmissão causa mortis, cito os seguintes julgados:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Formal de partilha – Arrolamento – Suposta ofensa ao princípio da especialidade subjetiva não configurada – Exigência de documentação pessoal atualizada afastada – ITCMD – Necessidade de comprovação de recolhimento do imposto, ou de demonstração de sua isenção – Óbice mantido – Apelação não provida” (CSM/SP – apelação nº 1015474-45.2020.8.26.0114, Rel. Des. Torres Garcia, j. em 31/5/2022).
“Registro de Imóveis – Formal de partilha – ITCMD – Recolhimento do tributo não comprovado – Dever do Oficial de fiscalizar o pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados em razão do ofício – Via administrativa incompetente para dispensar a apresentação de comprovantes de pagamento – Dúvida procedente – Recurso não provido” (CSM/SP – apelação nº 0004941-15.2014.8.26.0224, Rel. Des. Elliot Akel, j. Em 11/5/2015).
Ademais, quanto à exigência impugnada, ao contrário do que a apelante alega, o benefício da justiça gratuita, deferido na esfera jurisdicional, não atinge o recolhimento dos emolumentos devidos ao registro do formal de partilha.
À falta de decisão judicial específica que estenda os benefícios da justiça gratuita aos emolumentos, deve haver sua cobrança.
Nesse sentido, destaca-se trecho do seguinte parecer de nº 536/2024-E, do Juiz Assessor desta Corregedoria Geral da Justiça, Carlos Henrique André Lisboa, proferido nos autos do RA. Nº 1001907-19.2024.8.26.0562, que acolhi em 29 de agosto de 2024:
“Sobre o tema, preceitua o art. 98, § 1º, IX, do Código de Processo Civil:
Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei. § 1º A gratuidade da justiça compreende: (…) IX – os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.
Já a Lei Estadual nº 11.331/2002, que dispõe sobre os emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, prescreve, de forma mais específica:
Artigo 9° – São gratuitos: I – os atos previstos em lei; II – os atos praticados em cumprimento de mandados judiciais expedidos em favor da parte beneficiária da justiça gratuita, sempre que assim for expressamente determinado pelo Juízo.
Em sentido muito semelhante, o item 68 do Capítulo XIII das NSCGJ:
68. São gratuitos os atos previstos em lei e os praticados em cumprimento de mandados e demais títulos judiciais expedidos em favor da parte beneficiária da justiça gratuita, sempre que assim for expressamente determinado pelo Juízo.
Nota-se que a regulamentação da concessão de gratuidade para a prática de atos notariais e de registro segue os parâmetros definidos pelo § 2º do art. 236 da Constituição Federal, ou seja, enquanto o Código de Processo Civil e a Lei Federal nº 10.169/2000 estabelecem normas gerais sobre o tema, a Lei Estadual nº 11.331/2002 e as Normas de Serviço da Corregedoria de Justiça regulamentam a matéria de forma mais detalhada.
E pela análise do art. 9º, II, da Lei Estadual nº 11.331/2002 e do item 68 das NSCGJ resta claro que a gratuidade de ato extrajudicial depende de expressa determinação do magistrado que preside o feito na esfera jurisdicional.” (grifei)
Assim também já foi decidido por este CSM, em voto recente de minha lavra (Apelação Cível 1024661-80.2024.8.26.0100; julgado em 29/08/2024):
“REGISTRO DE IMÓVEIS. PROCEDIMENTO DE DÚVIDA INVERSA. MANDADO DE PENHORA. NECESSIDADE DE PRÉVIO REGISTRO DE TÍTULO TRANSLATIVO DA PROPRIEDADE EM FAVOR DO EXECUTADO PARA DAR CUMPRIMENTO AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE REGISTRAL. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 98, §1º, IX DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DA GRATUIDADE PROCESSUAL QUE SE ESTENDE AOS EMOLUMENTOS DEVIDOS PARA O REGISTRO DA ESCRITURA PÚBLICA DE INVENTÁRIO E PARTILHA. DECISÃO JUDICIAL NOS AUTOS DA EXECUÇÃO COM DETERMINAÇÃO PARA CUMPRIMENTO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO PROVIDA.”
E, na espécie, não há decisão específica emanada do Juízo do inventário determinando o registro do formal de partilha de maneira gratuita. A r. sentença que homologou a partilha e determinou a expedição do respectivo formal não determinou de maneira expressa o registro do título judicial com isenção de emolumentos (fl. 65).
Enfim, não fosse a dúvida prejudicada, seria o caso de manter os óbices registrais pelas razões expostas.
Ante o exposto, pelo meu voto, não conheço da apelação e dou por prejudicada a dúvida.
FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: DJE/SP 24.06.2025.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.




CSM/SP: Direito de família – Escritura pública de venda e compra de imóvel próprio adquirido pela alienante no estado de casada sob o regime da separação obrigatória de bens – Registro recusado – Dúvida julgada procedente – Apelo provido para determinar o registro do título.


Apelação Cível nº 1043089-29.2024.8.26.0224

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1043089-29.2024.8.26.0224
Comarca: GUARULHOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1043089-29.2024.8.26.0224

Registro: 2025.0000608525

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1043089-29.2024.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante SANDRA DOS SANTOS BARBOSA, é apelado PRIMEIRO OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE GUARULHOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de junho de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1043089-29.2024.8.26.0224

Apelante: Sandra dos Santos Barbosa

Apelado: Primeiro Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Guarulhos

VOTO Nº 43.825

Direito de família – Escritura pública de venda e compra de imóvel próprio adquirido pela alienante no estado de casada sob o regime da separação obrigatória de bens – Registro recusado – Dúvida julgada procedente – Apelo provido para determinar o registro do título.

I. Caso em exame1. O Oficial negou o registro porque o bem imóvel não consta como de titularidade exclusiva da vendedora, que o adquiriu no estado de casada sob o regime da separação obrigatória de bens. 2. A interessada/suscitada, alienante do imóvel, alegando que o bem imóvel integra seu patrimônio particular, apelou da r. sentença, que confirmou o juízo negativo de qualificação registral.

II. Questões em discussão3. O exato conteúdo e o alcance da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal.

4. A pertinência da comprovação exigida, relacionada à propriedade exclusiva do imóvel objeto da compra e venda, à luz do atual entendimento da jurisprudência sobre o tema.

IIIRazões de decidir5. A comunhão dos aquestos, no regime da separação obrigatória de bens, não é a regra, tampouco é presumida, muito menos de forma absoluta. 6. Embora, nos termos da Súmula 377, se admita a partilha dos bens adquiridos onerosamente e por esforço comum, este deve ser provado, não pode ser presumido, em conformidade com a orientação do C. Superior Tribunal de Justiça. 7. Em se tratando do regime da separação obrigatória de bens, é ônus do interessado provar a efetiva participação no esforço para a aquisição onerosa, sendo inadmissível, ainda mais na esfera administrativa, possa prevalecer a presunção de comunhão. 8. A regra é a separação patrimonial entre os cônjuges. A exceção é a existência de aquestos, subordinada à prova do esforço comum. A exigência impugnada acaba por inverter a textual opção do legislador e a interpretação do Superior Tribunal de Justiça sobre o conteúdo e o exato alcance do verbete 377.

IVDispositivo9. Recurso provido, dúvida julgada improcedente, registro determinado.

Tese de julgamento1. A comunicação dos bens onerosamente adquiridos sob regime da separação obrigatória exige a comprovação de esforço comum. 2. A qualificação do título não se presta à inquirição de realidade extratabular.

Legislação citada: CC/1916, art. 259.

Jurisprudência citada: STJ, Embargos de Divergência em REsp n.º 1.171.820/PR, rel. Min. Raul Araújo, j. 26.8.2015; REsp n.º 1.689.152/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 24.10.2017; Embargos em Divergência em REsp n.º 1.623.858/MG, rel. Ministro Lázaro Guimarães, j. 23.5.2018; AgInt no AgRg no Agravo em REsp n.º 233.788/MG, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 19.11.2018; AgInt nos EDcl no AgInt no Agravo em REsp n.º 1.084.439/SP, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 3.5.2021; CSM/TJSP, Apelação Cível n.º 1000094-56.2023.8.26.0120, rel. Des. Francisco Loureiro, j. 12.9.2024, e na Apelação Cível n.º 1017957-06.2024.8.26.0309, rel. Des. Francisco Loureiro, j. 16.12.2024.

A interessada Sandra dos Santos Barbosa pretende o registro da escritura pública de venda e compra do bem imóvel descrito na matrícula n.º 44.287 do 1.º RI de Guarulhos, por ela anteriormente adquirido na condição de casada sob o regime da separação obrigatória de bens com Sérgio Fernandes, agora alienado ao casal Paulo Bandeira e Roseni Teixeira Alencar Bandeira.

Ao recusar o registro do título de fls. 37-38, prenotado sob o n.º 414.278, e ao suscitar a dúvida, o Oficial invocou a Súmula n.º 377 do E. Supremo Tribunal Federal, a presunção de comunicabilidade dos bens adquiridos na constância do casamento, não afastada à época da aquisição do bem imóvel ora alienado, que, na matrícula, não consta como pertencendo exclusivamente à suscitada (fls. 1-7 e 16-18).

A dúvida foi julgada procedente. Inconformada com a r. sentença de fls. 153-155, a interessada apelou. Em suas razões de fls. 161-169, sustentou que o bem imóvel alienado integra seu patrimônio particular e a inaplicabilidade da Súmula n.º 377 do E. Supremo Tribunal Federal. Aguarda, assim, o provimento da apelação e, por conseguinte, o registro da escritura de venda e compra.

A d. Procuradoria-Geral de Justiça, em seu parecer de fls. 198-200, opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

1. A interessada/suscitada Sandra dos Santos Barbosa, ora recorrente, busca o registro do título de fls. 203-206, escritura pública de venda e compra lavrada no dia 13 de maio de 2024, na matrícula n.º 44.287 do 1.º RI de Guarulhos, que tem por objeto o bem imóvel por ela alienado, na condição de divorciada, ao casal Paulo Bandeira e Roseni Teixeira Alencar Bandeira.

Trata-se de bem imóvel cuja propriedade foi transferida anteriormente à recorrente, incorporado ao patrimônio imobiliário dela a título oneroso no dia 8 de junho de 2015, no estado de casada, sob o regime da separação obrigatória de bens, com Sérgio Fernandes, que faleceu no dia 10 de março de 2017, após o divórcio ocorrido no dia 2 de maio de 2016 (fls. 8-14, 19-31, r. 10 e av. 11, e 47-48).

A desqualificação registral, expressa na nota devolutiva de fls. 16-18 e na suscitação de dúvida de fls. 1-7, está assentada na Súmula n.º 377 do E. Supremo Tribunal Federal, de acordo com a qual “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”, fundamenta-se, precipuamente, na presunção de comunicabilidade e, sob essa compreensão, na falta de partilha do patrimônio conjugal atribuindo o imóvel exclusivamente à recorrente.

A controvérsia repousa, em última análise, nos efeitos da Súmula n.º 377 do E. Supremo Tribunal Federal.

2. Tenho pessoalmente sérias dúvidas a respeito da incidência da Súmula n.º 377 na vigência do atual Código Civil, porque ausente a sua razão de ser, a regra do art. 259 do Código Civil de 1916, segundo a qual, no regime da separação convencional de bens, silente o pacto antenupcial, haveria a comunicação dos aquestos, bens adquiridos na constância do casamento.

À época da legislação civil revogada, a jurisprudência estendeu a eficácia de aludida regra, e logo a aplicação dos princípios da comunhão parcial quanto aos bens adquiridos no curso do matrimônio, ao regime da separação obrigatória de bens.

Aí se encontra a origem da Súmula n.º 377, aprovada pelo E. Supremo Tribunal Federal no dia 3 de abril, editada no dia 8 de maio de 1964.

Ocorre que o Código Civil em vigor, Código Reale, não contém norma semelhante à do art. 259 do Código Beviláqua, regra que distorce o regime da separação de bens.

Sobre mencionado dispositivo, dizia Silvio Rodrigues:

Tal regra, que surge como um alçapão posto na lei para ludibriar a boa-fé dos nubentes e conduzi-los a um regime de bens não desejado, só encontra explicação na indisfarçável preferência do legislador de 1916 pelo regime da comunhão e na sua desmedida tutela do interesse particular, injustificável em assunto que não diz respeito à ordem pública. …[1]

Seja como for, de acordo com a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça, o verbete 377 da Excelsa Corte segue em vigor, subsiste, é aplicável, malgrado sob uma nova leitura.

O C. Superior Tribunal de Justiça fez, de fato, a releitura do preceito sumular, para evitar, de um lado, o locupletamento injusto, situações de injustiça, que então desconsiderassem o esforço comum na construção do patrimônio formado posteriormente ao casamento, e, de outro, a automática conversão, a transformação (assim pura e simples) da separação obrigatória de bens em regime da comunhão parcial.

3. A comunhão dos aquestos, no regime da separação obrigatória de bens, não é a regra, tampouco é presumida, muito menos de forma absoluta. Embora, nos termos da Súmula n.º 377, se admita a partilha dos bens adquiridos de forma onerosa e por esforço comum, este, o esforço comum, deve ser demonstrado, comprovado, em suma, não pode ser presumido.

O entendimento no sentido da presunção do esforço comum firmado no preceito sumular vem sofrendo temperamento pelo C. Superior Tribunal de Justiça, que em diversos precedentes e com a finalidade de evitar confusão com o regime da comunhão parcial de bens, tem exigido a prova de esforço comum na aquisição de bens no caso de separação legal. Consolidou-se, na verdade, em aludido sentido.

In casu, o mais recente posicionamento da Corte Superior a respeito da interpretação da Súmula n.º 377 do E. Supremo Tribunal Federal, o da sua Segunda  Seção, foi estabelecido nos Embargos de Divergência em Recurso Especial n.º 1.171.820/PR, rel. Min. Raul Araújo, j. 26.8.2015, de cuja ementa extraio os seguintes excertos:

1. Nos moldes do art. 258, II, do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos (matéria atualmente regida pelo art. 1.641, II, do Código Civil de 2002), à união estável de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens.

2. Nessa hipótese, apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição, devem ser objeto de partilha.

Do corpo do v. acórdão constam passagens, abaixo transcritas, que resumem com precisão a questão e a exata exegese do alcance da Súmula n.º 377 pelo C. Superior Tribunal de Justiça:

Cabe definir, então, se a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento ou da união depende ou não da comprovação do esforço comum, ou seja, se esse esforço deve ser presumido ou precisa ser comprovado. Noutro giro, se a comunhão dos bens adquiridos pode ocorrer, desde que comprovado o esforço comum, ou se é a regra.

Tem-se, assim, que a adoção da compreensão de que o esforço comum deve ser presumido (por ser a regra) conduz à ineficácia do regime da separação obrigatória (ou legal) de bens, pois, para afastar a presunção, deverá o interessado fazer prova negativa, comprovar que o ex-cônjuge ou ex-companheiro em nada contribuiu para a aquisição onerosa de determinado bem, conquanto tenha sido a coisa adquirida na constância da união. Torna, portanto, praticamente impossível a separação  dos aquestos.

Por sua vez, o entendimento de que a comunhão dos bens adquiridos pode ocorrer, desde que comprovado o esforço comum, parece mais consentânea com o sistema legal de regime de bens do casamento, recentemente confirmado no Código Civil de 2002, pois prestigia a eficácia do regime de separação legal de bens. Caberá ao interessado comprovar que teve efetiva e relevante (ainda que não financeira) participação no esforço para aquisição onerosa de determinado bem a ser partilhado com a dissolução da união (prova positiva).

No mesmo sentido, há diversos precedentes recentes da Corte Superior: REsp n.º 1.689.152/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 24.10.2017; Embargos em Divergência em REsp n.º 1.623.858/MG, rel. Ministro Lázaro Guimarães, j. 23.5.2018; AgInt no AgRg no Agravo em REsp n.º 233.788/MG, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 19.11.2018; e AgInt nos EDcl no AgInt no Agravo em REsp n.º 1.084.439/SP, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 3.5.2021.

De tal forma, tratando-se do regime da separação legal (obrigatória) de bens, cabe ao interessado provar a efetiva participação no esforço para a aquisição onerosa do bem, não sendo admissível que na via administrativa possa prevalecer a presunção de comunhão.

A exigência do Registrador, neste contexto, acaba por inverter a textual opção do legislador e a clara interpretação atual do C. Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema.

4. Do exposto, na falta de prova do esforço comum do casal, não há que se falar em fato jurídico capaz de amparar a divisão de bens entre os cônjuges, a exigência de partilha então comprobatória da atribuição do bem imóvel exclusivamente à interessada, ora recorrente, e, portanto, é de se reconhecer a falta de interesse jurídico no suposto e eventual direito à meação.

Vale aqui a lição de Francisco José Cahali:

(…) Isto porque o novel legislador deixou de reproduzir a regra contida no malfadado artigo 259 (CC/1916). Desta forma, superada está a Súmula n.° 377, desaparecendo a incidência de seu comando no novo regramento. Sabida a nossa antipatia à Súmula, aplaudimos o novo sistema. E assim, não mais se admite a prevalência dos princípios da comunhão parcial quanto aos bens adquiridos na constância do casamento pelo regime de separação obrigatória (separação legal). A separação obrigatória passa a ser, então, um regime de efetiva separação de bens, e não mais um regime de comunhão simples (pois admitida a meação sobre os aquestos), como alhures. A exceção deve ser feita, exclusivamente, se comprovado o esforço comum dos cônjuges para a aquisição de bens, decorrendo daí uma sociedade de fato sobre o patrimônio incrementado em nome de apenas um dos consortes, justificando, desta forma, a respectiva partilha quando da dissolução do casamento. Mas a comunhão pura e simples, por presunção de participação sobre os bens adquiridos a título oneroso, como se faz no regime legal de comunhão parcial, e até então estendida aos demais regimes, deixa de encontrar fundamento na lei. (…).[2]

Neste quadro, em razão de recentes interpretações do C. Superior Tribunal de Justiça a respeito da aplicabilidade da Súmula n.º 377 do STF e da necessidade de comprovação do esforço comum para permitir a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento sob o regime da separação obrigatória, dependendo do exercício da pretensão e da prova do esforço comum, impossível admitir que na via administrativa o Oficial subverta tal regime jurisprudencial, ao qual subordinado, impondo exigência fundada na presunção, que, como se disse, não mais prevalece.

Em síntese: o apelo da interessada/suscitada é de ser provido, e isso porque a exigência oposta está em aberto desacordo com a compreensão contemporânea do preceito sumular 377, a respeito de sua aplicabilidade; ademais, contraria a orientação atual deste C. Conselho Superior da Magistratura sobre o tema, expressa, v.g., na Apelação Cível n.º 1000094-56.2023.8.26.0120, j. 12.9.2024, e na Apelação Cível n.º 1017957-06.2024.8.26.0309, j. 16.12.2024, ambas de minha relatoria.

Daí a reforma da r. sentença.

A intelecção sumulada, isoladamente, não confere ao cônjuge, in casu, ao seu espólio, o direito à meação dos bens adquiridos durante o casamento sem que seja provado o esforço comum, assim, a qualificação do título deve se ater dentro de tais lindes e, nessa senda, sem projeção exógena para inquirição de uma realidade extratabular.

Ante o exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO à apelação para afastar a exigência e, julgando a dúvida improcedente, determinar o registro da escritura de venda e compra de fls. 203-206.

FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: DJE/SP 24.06.2025.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.