Direito tributário – Mandado de segurança – ITCMD – Desconto de 5% concedido nos termos do art. 31, § 1º, item 2, do Dec. Estadual nº 46.655/2002 – Revogação por conta de sobrepartilha, com cobrança de juros e multa de mora – Impossibilidade – Sentença mantida – 1. Apelações e reexame necessário de sentença que determinou a manutenção do desconto de 5% e afastou a cobrança de encargos de mora na sobrepartilha apresentada pela impetrante – 2. A questão em discussão consiste em saber se a apresentação de sobrepartilha desconstitui o prazo previsto para pagamento do ITCMD com desconto, tornando exigíveis a restituição deste e a cobrança de juros e multa de mora – 3. Desconto de 5% deve ser mantido para o valor partilhado, pois cumpridos os requisitos para sua concessão. Inexistência de previsão legal para restituição. Sobrepartilha é procedimento previsto na legislação civil que não configura hipótese de atraso na abertura da sucessão. Afastamento dos encargos de mora incidentes sobre o valor sobrepartilhado. Impossibilidade, porém, de concessão do desconto sobre tal valor – 4. Reexame necessário não acolhido e recursos voluntários não providos – Dispositivo relevante citado: CC, art. 2.022; Dec. Estadual nº 46.655/2002, arts. 15 e 31, § 1º, item 2 – Jurisprudência relevante citada: n/a.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 1025490-08.2024.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é recorrente JUÍZO EX OFFICIO e Apelante/Apelado ESTADO DE SÃO PAULO, são apelados/apelantes JAYME FARIA DE PAULA JÚNIOR, LOURDES FARIA DE PAULA e HENRIQUE FARIA DE PAULA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao apelo e ao reexame necessário. V.U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RICARDO DIP (Presidente sem voto), OSCILD DE LIMA JÚNIOR E AFONSO FARO JR..

São Paulo, 24 de janeiro de 2025.

JARBAS GOMES

relator

VOTO Nº 30.627/2025

11a Câmara de Direito Público

Apelação/Reexame necessário n°: 1025490-08.2024.8.26.0053

Recorrente: Juízo Ex Officio

Apelante/Apelada: Fazenda do Estado de São Paulo

Apelados/Apelantes: Jayme Faria de Paula Júnior e outros

Interessado: Secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo

DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ITCMD. DESCONTO DE 5% CONCEDIDO NOS TERMOS DO ART. 31, § 1º, ITEM 2, DO DEC. ESTADUAL Nº 46.655/2002. REVOGAÇÃO POR CONTA DE SOBREPARTILHA, COM COBRANÇA DE JUROS E MULTA DE MORA. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA.

1. Apelações e reexame necessário de sentença que determinou a manutenção do desconto de 5% e afastou a cobrança de encargos de mora na sobrepartilha apresentada pela impetrante.

2. A questão em discussão consiste em saber se a apresentação de sobrepartilha desconstitui o prazo previsto para pagamento do ITCMD com desconto, tornando exigíveis a restituição deste e a cobrança de juros e multa de mora.

3. Desconto de 5% deve ser mantido para o valor partilhado, pois cumpridos os requisitos para sua concessão. Inexistência de previsão legal para restituição. Sobrepartilha é procedimento previsto na legislação civil que não configura hipótese de atraso na abertura da sucessão. Afastamento dos encargos de mora incidentes sobre o valor sobrepartilhado. Impossibilidade, porém, de concessão do desconto sobre tal valor.

4. Reexame necessário não acolhido e recursos voluntários não providos.

Dispositivo relevante citado: CC, art. 2.022; Dec. Estadual nº 46.655/2002, arts. 15 e 31, § 1º, item 2. Jurisprudência relevante citada: n/a.

Trata-se de ação constitucional com pedido mandamental impetrado por JAYME FARIA DE PAULA JUNIOR, HENRIQUE FARIA DE PAULA LOURDES FARIA DE PAULA contra ato do SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO, objetivando assegurar o direito líquido e certo ao desconto de 5% do ITCMD nos termos do artigo 31, parágrafo 1º, item 2, do Decreto Estadual n.º 46.655/2000, mesmo após a retificação da declaração de bens, além de não se sujeitarem à multa moratória de 20% e juros de mora.

A r. sentença de fls. 167-169, cujo relatório se adota, concedeu a segurança para que seja “mantida o desconto já concedido, e para que o valor acrescido não sofre incidência de juros ou multa.”.

Anotou o reexame necessário.

Inconformadas, insurgem-se as partes objetivando a reforma da r. sentença.

A assistente litisconsorcial da autoridade impetrada sustenta, em síntese, que o desconto de 5% somente é concedido quando o pagamento do imposto ocorre até 90 (noventa) dias contados da abertura da sucessão, o que deixou de ocorrer em razão da sobrepartilha, ocasião em que deve ser pago o valor previamente descontado, com inclusão de juros de mora e multa moratória (fls. 173-186).

Já os impetrantes, em síntese, requerem que o desconto de 5% incida também sobre o valor sobrepartilhado (fls. 195-202).

Os recursos foram processados, sobrevindo as contrarrazões da Fazenda Estadual (fls. 212-217).

O Ministério Público deixou de ofertar parecer, por se tratar de litígio que versa dobre direito disponível envolvendo partes maiores e capazes (fls. 165-166).

É o breve relato.

Depreende-se dos autos que, em razão do falecimento de Jayme Faria de Paula em 08.11.2018, os impetrantes ingressaram com procedimento administrativo de inventário e partilha mediante escritura pública junto ao 26º Tabelião de Notas de São Paulo.

Em 04.01.2019 elaboraram declaração de bens para apuração do ITCMD (fls. 35-38), retificada em 30.09.2019 (fls. 49-55). Segundo consta da Escritura de Inventário e Partilha (fls. 23-34), o imposto foi recolhido nos dias 07.01.2019 e 02.10.2019.

Sobre o valor total do ITCMD incidiu desconto de 5%, conforme previsto no artigo 31, parágrafo 10, item 2, do Decreto Estadual nº 46.655/2002:

“Artigo 31 – O imposto será recolhido (Lei 10.705/00, art. 17, com alteração da Lei 10.992/01, e 18):

I – na transmissão “causa mortis”, no prazo de 30 (trinta) dias após a decisão homologatória do cálculo ou do despacho que determinar seu pagamento;

(…)

§ 1.º – Na hipótese prevista no inciso I:

(…)

2 – será concedido desconto de 5% (cinco por cento) sobre o valor do imposto devido, desde que recolhido no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data de abertura da sucessão.”

Verificando a existência de outros bens não inventariados, em 12.04.2024 apresentaram nova declaração retificadora (fls. 56-63). Porém, verificaram que, além do imposto, foi cobrada a quantia referente ao desconto de 5% concedido previamente e juros de mora, com o que não concordam.

Pois bem.

Como visto, quando da apresentação da primeira declaração de bens, os impetrantes recolheram o ITCMD antes de 90 (noventa) dias a contar da data da abertura da sucessão, razão pela qual foi concedido desconto de 5% no valor do imposto.

Em observância à segurança jurídica e ao ato jurídico perfeito, não há como considerar a apresentação de declaração retificadora ou sobrepartilha como fato apto a desconsiderar atos já formalizados e que já foram cumpridos, como é o caso dos autos.

Ademais, a sobrepartilha é procedimento previsto no artigo 2.022 do Código Civil e não se equipara à hipótese de atraso na abertura de inventário.

Ressalte-se que o próprio Decreto Estadual nº 46.655/2002 dispõe, em seu artigo 15, que “Na hipótese de sobrepartilha, o imposto devido na transmissão “causa mortis” será recalculado para considerar o acréscimo patrimonial de cada quinhão.”, nada mencionando acerca da perda do desconto previamente concedido.

Assim, inexiste fundamento legal para exigência do valor descontado e de juros e multa de mora sobre tal quantia, devendo ser mantida a r. sentença que afastou tais cobranças.

Os encargos de mora podem ser cobrados apenas e tão somente sobre os bens sobrepartilhados.

Nesse sentido:

“APELAÇÃO CÍVEL e REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. ITCMD. Inventário. Sobrepartilha. Pretensão recursal da Fazenda do Estado voltada ao recolhimento do imposto com base no valor total dos bens transmitidos, com incidência de multa e encargos moratórios, além da reversão do desconto de 5%. Inadmissibilidade. Ausência de comprovação de má-fé da parte impetrante. Sobrepartilha que é procedimento admitido na legislação civil (CC, art. 2.022), não se equiparando à hipótese de atraso na abertura do inventário. Sentença mantida. Remessa necessária e recurso voluntário não providos.”

(TJSP, Apelação nº 1067978-12.2023.8.26.0053, rel. Des. Jose Eduardo Marcondes Machado, j. em 26.08.2024)

APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – ITCMD – SOBREPARTILHA – Revogação do desconto de 5% (cinco por cento) anteriormente concedido à época da partilha, na forma do artigo 31, § 1.º, item 02, do Decreto Estadual n.º 46.655/2002, que regulamentou o artigo 17, § 2.º, da Lei Estadual n.º 10.705/2000, por conta de sobrepartilha – Descabimento – Ausência de amparo legal – Desconto que não poderia ter sido revogado, uma vez que o recolhimento do ITCMD foi feito dentro do prazo legal de 90 (noventa) dias da data da abertura da sucessão, não obstante a identificação de outro bem deixado pelo de cujus – Inexistência de sonegação, fraude, má-fé ou dolo dos herdeiros – Precedentes – Segurança concedida em parte – Manutenção da sentença – Reexame necessário e recurso de apelação não providos.”

(TJSP, Apelação nº 1011695-32.2024.8.26.0053, rel. Des. Osvaldo de Oliveira, j. em 02.08.2024)

Outrossim, em que pese a sobrepartilha não se equiparar à hipótese de atraso na abertura de inventário, os impetrantes apresentaram a declaração retificadora após mais de cinco anos contados da abertura da sucessão.

Desta forma, sobre os valores sobrepartilhados, não possuem direito ao desconto previsto no artigo 31, parágrafo 10, item 2, do Decreto Estadual nº 46.655/2002, o qual expressamente prevê a sua incidência quando o ITCMD for “recolhido no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data de abertura da sucessão”, prazo há muito tempo ultrapassado.

Isto posto, desacolhe-se a remessa necessária e nega-se provimento aos recursos voluntários das partes.

Eventual insurgência apresentada em face deste acórdão estará sujeita a julgamento virtual, nos termos da Resolução nº 549/2011 do Colendo Órgão Especial deste Egrégio Tribunal de Justiça, ressaltando-se que as partes poderão, no momento da apresentação do recurso, opor-se à forma do julgamento ou manifestar interesse no preparo de memoriais. No silêncio, privilegiando-se o princípio da celeridade processual, prosseguir-se-á com o julgamento virtual, na forma dos §§ 1º a 3º do artigo 1º da referida Resolução.

José Jarbas de Aguiar Gomes – Relator 

Dados do processo:

TJSP – Apelação / Remessa Necessária nº 1025490-08.2024.8.26.0053 – São Paulo – 11ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. José Jarbas de Aguiar Gomes

Fonte: DJE/SP 06.02.2025.

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IBDFAM: TJES autoriza adoção sem consentimento de adolescente ao reconhecer vínculo socioafetivo consolidado.


O Tribunal de Justiça do Espírito Santo – TJES autorizou a adoção de um adolescente por seus tios paternos, mesmo sem o consentimento expresso do jovem – exigência prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA para casos de adoção de menores de idade a partir dos 12 anos.

O entendimento é de que a exigência de consentimento do adotando pode ser flexibilizada quando houver vínculo socioafetivo comprovado antes dessa idade, e quando a demora no processo não for causada pelas partes envolvidas.

De acordo com a decisão, a família que criou o adolescente como filho – sem qualquer distinção em relação aos filhos biológicos – tem o entendimento de que a adoção só deveria ser revelada a ele após a maioridade.

Em 2017, quando o menino tinha 8 anos, o casal ajuizou uma ação para adotá-lo e destituir o poder familiar dos pais biológicos, acusados de abandono. O processo se arrastou por vários anos e a criança completou 12 anos antes da audiência.

Quando o caso foi apreciado, o Ministério Público – MP exigiu o consentimento do jovem para autorizar a adoção. O casal decidiu não seguir o parecer do MP e optou por manter o pedido de adoção mesmo sem o consentimento do adolescente.

Relação consolidada

O tribunal estadual considerou que a relação de filiação estava consolidada desde a primeira infância e que a adoção representa o melhor interesse da criança – princípio que deve prevalecer sobre formalidades legais. Laudos técnicos e pareceres no processo confirmaram o forte vínculo afetivo e o reconhecimento dos tios como figuras parentais pela criança.

O STJ destacou ainda que o direito ao pertencimento familiar é um direito fundamental da criança, assegurado pela Constituição Federal.

A advogada Ana Paula Morbeck, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Espírito Santo – IBDFAM-ES, que atuou no caso, defende a possibilidade de flexibilizar a exigência legal prevista no ECA.

“A regra prevista pode ser flexibilizada especialmente porque não se trata de uma criança acolhida em abrigo, mas de alguém que sempre foi tratado como filho pelo casal que pretendia adotá-lo. Além disso, o princípio do melhor interesse da criança deve prevalecer sobre a rigidez da norma legal”, afirma.

A sentença que indeferiu o pedido de adoção acolheu o parecer do promotor de Justiça, que sustentou: “A legislação brasileira é clara ao estabelecer a necessidade do consentimento expresso do maior de 12 anos, uma vez que possui condições mínimas para exprimir sua vontade, devendo ser ouvido e respeitado, conforme previsão contida no art. 28, § 2º cc. art. 45, § 2º todos do Ecriad, e portanto não pode lhe ser subtraído tal direito”.

Rigor da lei

A advogada observa que a lentidão no andamento do processo impactou o pedido de adoção, uma vez que, até a realização da audiência, o adolescente já havia completado 12 anos. Segundo ela, esse fator contribuiu para que a exigência fosse incluída na sentença.

“O rigor da lei, nesse caso, acabou desfavorecendo o jovem, que já não contava com o amparo dos pais biológicos e também não pôde ter, em seus registros, os nomes dos tios que sempre o criaram como filho. Isso porque se deu ênfase à exigência de consentimento prevista no ECA, mas não ao próprio prazo estabelecido pelo mesmo Estatuto para a conclusão da adoção – 120 dias –, que não foi respeitado”, pontua.

Ana Paula Morbeck destaca que, se o processo tivesse tramitado dentro do prazo legal, a exigência de consentimento sequer seria aplicada, já que o jovem tinha 8 anos quando a adoção foi requerida.

“Foi reconhecida a tese de que a demora no andamento do processo não pode impedir o pedido de adoção nem o reconhecimento do vínculo de filiação já consolidado entre os pretensos adotantes e o adotado”, acrescenta.

A advogada destaca que o julgamento traz um avanço importante na forma como se interpreta a legislação voltada à infância e juventude. “A grande relevância desse julgamento é o entendimento de que a interpretação literal dos artigos 28, § 2º, e 45, § 2º, do ECA deve ser mitigada quando sua aplicação contrariar o princípio do melhor interesse da criança”, afirma.

Ela ressalta que esse princípio está presente na Constituição e já é consolidado na jurisprudência dos tribunais superiores. “Trata-se de garantir que a norma legal não se sobreponha ao que efetivamente atende às necessidades e ao bem-estar da criança, como determina o artigo 227 da Constituição e diversas decisões do STJ.”

Por Guilherme Gomes

Fonte: Instituto Brasileiro de Direito de Família.

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