1VRP/SP: Registro de Imóveis. Registro de carta de sentença extraída de ação de reconhecimento e dissolução de união estável. É necessária anuência da instituição financeira quando no imóvel houver registro de alienação fiduciária.


Processo 1088660-75.2022.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Sheila Nunes Araújo – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: RENATO DONIZETI PELAGALI (OAB 363802/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1088660-75.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 12º Ofícial de Registro de Imóveis da Capital

Suscitado: Sheila Nunes Araújo

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 12º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Sheila Nunes Araújo após negativa de registro de carta de sentença extraída de ação de reconhecimento e dissolução de união estável (processo de autos n. 1004176-63.2018.8.26.0005, 2ª Vara de Família e Sucessões do Foro Regional V – São Miguel Paulista), na qual se resolveu pela partilha dos direitos que recaem sobre o imóvel da matrícula n. 185.288 daquela serventia.

O Oficial esclareceu que o imóvel foi adquirido apenas pelo ex-companheiro enquanto solteiro, que o alienou fiduciariamente à instituição financeira. O ingresso do título não foi possível por atribuir à parte suscitada, que não participou do negócio, 24,195% dos direitos e obrigações.

O óbice reside, portanto, na falta de anuência do credor fiduciário, Banco Bradesco S/A, com a partilha, o que deverá ser comprovado mediante apresentação, no original ou por cópia autenticada, de representação atualizada (artigo 29 da Lei n. 9.514/97 e item 232, Cap. XX, NSCGJ).

Documentos vieram às fls. 04/1623.

A parte suscitada apresentou impugnação às fls. 1624/1632, aduzindo que a partilha considerou os valores pagos durante a convivência, mas sem cessão de direito fiduciário ou modificação de garantia ou do contrato. Em outros termos, não houve assunção de dívida. Desta forma, a partilha independeria da anuência do credor fiduciário, notadamente porque se operou apenas entre os conviventes, sem produzir efeitos perante terceiros (o ex-companheiro continuará responsável pela dívida); que a partilha deve ser aceita a exemplo do que se dá com a sucessão causa mortis; que a transferência também é possível sem anuência porque o devedor fiduciante possui direito real de aquisição (artigo 1.368-B do Código Civil; artigo 13 do Decreto- Lei n.58/37 e artigo 31 da Lei n. 6.766/79).

O Ministério Público opinou pela procedência (fls. 1636/1638).

É o relatório.

Fundamento e Decido.

No mérito, a dúvida é procedente. Vejamos os motivos.

De início, vale destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real.

O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7).

Neste sentido, também a Ap. Cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:

“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.

E, ainda:

“REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA.

O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência – pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).

Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.

Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei (item 117, Cap. XX, NSCGJ):

“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

No caso concreto, verifica-se que o título documenta a transferência de direitos da titularidade do devedor fiduciante, Márcio Ribeiro dos Santos, sobre o imóvel para sua ex-companheira, parte suscitada (Sheila Nunes Araújo): atribuiu-se a ela o correspondente a 24,195% dos direitos que recaem sobre o imóvel, mas sem anuência do credor fiduciário (processo de autos n. 1004176-63.2018.8.26.0005 – fls. 1591/1600). O imóvel havia sido adquirido por Márcio enquanto solteiro e alienado fiduciariamente ao Banco Bradesco S/A (Rs.04 e 05/M.185.288, fls. 127/128).

Tal anuência, porém, era imprescindível.

De fato, a Lei n. 9.514/97, ao tratar da transmissão dos direitos que recaem sobre o imóvel alienado fiduciariamente, estabelece a obrigatoriedade de intervenção do credor fiduciário, assim como o item 232, Cap. XX, das NSCGJ:

“Art. 29. O fiduciante, com anuência expressa do fiduciário, poderá transmitir os direitos de que seja titular sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o adquirente as respectivas obrigações”.

“232. O devedor fiduciante, com anuência expressa do credor fiduciário, poderá transmitir seu direito real de aquisição sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o cessionário adquirente as respectivas obrigações, na condição de novo devedor fiduciante”.

Note-se que a tese defendida pela parte suscitada não se sustenta na medida em que houve transferência de direitos do fiduciante sobre o imóvel. Ela, entretanto, não participou do negócio de aquisição do imóvel mediante alienação fiduciária nem figura na matrícula.

Assim, ainda que os ex-companheiros tenham acordado que as obrigações futuras relativas ao imóvel serão arcadas por Márcio e que a partilha reflita apenas as parcelas em que houve contribuição da parte suscitada durante a convivência, o fato é que a regularização da divisão de tais direitos perante o fólio real depende da anuência do credor fiduciária na forma da lei e, também, pela necessidade de respeito ao princípio da continuidade registral.

Neste sentido se decidiu em casos análogos:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de Sentença – Partilha de Bens – Dúvida procedente – Necessidade de correção do plano de partilha para constar a partilha dos direitos aquisitivos dos fiduciantes e não a partilha do imóvel propriamente dito – Indispensabilidade da anuência do credor fiduciário, na forma do art. 29 da Lei 9.514/97 – Carta de sentença que deve ser aditada porque o plano de partilha se encontra incompleto – Apelação não provida” (CSM Apelação n. 1036558-52.8.26.0100 Des. Pinheiro Franco j. 28.03.2018).

“Registro de Imóveis – Carta de sentença – Partilha de bem objeto de alienação fiduciária em garantia – Resignação parcial – Recurso não conhecido – Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação – Necessidade de constar no título a porcentagem do bem atribuída a cada um dos ex-companheiros – Descabimento – Atribuição de quinhões que decorre do título judicial – Anuência da credora fiduciária para a transferência do contrato de alienação fiduciária em garantia – Necessidade – Inteligência do artigo 29 da Lei nº 9.514/97 e do item 238 do Capítulo XX das Normas de Serviço” (CGJ Processo n. 0011989-18.8.26.0291 Des. Pereira Calças j. 20.04.2016).

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida para manter o óbice registrário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 28 de setembro de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 30.09.2022 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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CNJ discute transição ao acesso digital a serviços de cartórios


A previsão de implementação do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp), em junho passado, por meio da edição da Lei 14.382, visa à simplificação e à modernização do acesso dos cidadãos a serviços extrajudiciais prestados pelos cartórios. E os desafios envolvidos na missão de transformar a relação entre pessoas (físicas e jurídicas) e documentos essenciais para os negócios públicos e privados precisam ser discutidos entre o Poder Judiciário e os delegatários desses serviços. Por isso, nesta quarta-feira (28/9), a Corregedoria Nacional de Justiça promoveu a realização do Seminário Sistema Eletrônico dos Registros Públicos.

Uma das primeiras providências a serem tomadas para a implementação do Serp é estudar a possibilidade de integração dos sistemas informatizados que os cartórios já utilizam. “Para termos um sistema que possa permitir controle eletrônico e eficiente dos serviços em âmbito nacional, precisamos discutir a interoperabilidade de todos os sistemas em uso”, afirmou o conselheiro Bandeira de Mello, que presidiu um dos painéis do evento.

O custeio desse novo serviço virtual será assegurado, de acordo com a Lei 14.382/22, pelo Fundo para a Implementação e Custeio do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (FICS), a ser regulamentado pela Corregedoria Nacional de Justiça e mantido com recursos dos cartórios. O modelo que divide responsabilidades entre cartórios e um órgão central que fiscaliza os serviços extrajudiciais é uma das marcas que garantem a eficiência dos serviços prestados pelos cartórios, de acordo com o registrador do 3º Registro de Imóveis de Campo Grande José Paulo Baltazar Júnior.

O grande valor do regime de delegação das serventias extrajudiciais deve-se à gestão privada dos serviços e à forma de responsabilização, a cargo do Poder Judiciário. O sistema funciona, desde que haja espaço para gestão privada. Por isso, peço um voto de confiança para que delegatários na sua atividade privada possam implementar o Serp, sob as diretrizes que serão fixadas pelo órgão regulador”, destacou José Paulo Baltazar Júnior.

O 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo e presidente do Operador do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR), Flauzilino Araújo dos Santos, lembrou que a nova lei prevê que o ONR será uma pessoa jurídica de direito privado e defendeu uma gestão sob responsabilidade do próprio setor. “As associações nacionais que representam as entidades responsáveis pelo Registro Civil de Pessoas Naturais, de Pessoas Jurídicas e de Imóveis deveriam fazer a sustentação financeira do SERP”, disse.

De acordo com o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Raul Araújo, que presidiu o painel sobre questões práticas na implementação do Serp, a Lei 14.382/22 impactou várias outras leis e “estabelece importantes atribuições à Corregedoria Nacional de Justiça que em excelente momento realiza seminário para que se debatam questões sobre implementação da nova lei”, afirmou.
Uma das definições é relativa à necessidade de assinatura eletrônica em atos relativos a bens imóveis. A Lei das Assinaturas Eletrônicas (14.063/20) incorporou à lei brasileira parâmetros europeus de tipos de assinaturas eletrônicas – simples, avançada e qualificada. Segundo o professor da Universidade Goethe Universitat Frankfurt am Main Ricardo Campos, atos mais complexos, como a quitação de um financiamento, por exemplo, demandam “uma estruturação da confiabilidade”. Por isso, defendeu para esses casos a exigência de uma assinatura qualificada, que tem presunção de veracidade e usa certificados e chaves da ICPBrasil. Seria uma forma de equilibrar as necessidades de menos burocratização e manutenção da confiabilidade.

Também participaram do seminário o ministro do STJ Moura Ribeiro; Ricardo Couto, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro; Celso Fernandes Campilongo, advogado e professor da USP; e Flávia Hill, delegatária de Cartório Extrajudicial no Rio de Janeiro e professora associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Fonte: INR Publicação

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