2VRP/SP: Tabelionato de Notas. Custas e emolumentos. Devolução em décuplo só quando há má-fé. IEA não é base de cálculo para custas e emolumentos, pelo art. 7⁰, inciso II da Lei Estadual n. 11.331/02.


Processo 0028323-06.2023.8.26.0100
Pedido de Providências – Vistos, Trata-se de representação formulada por usuária, encaminhada por e-mail a este Juízo Corregedor Permanente, que protesta contra supostas falhas no serviço extrajudicial prestado pelo (…) Tabelionato de Notas (…)ao lavrar duas escrituras públicas, relatando emolumentos cobrados a maior, demora na conclusão dos serviços notariais e registrais e falhas no atendimento prestado. O Senhor Titular prestou esclarecimentos às fls. 21/25. Instada a se manifestar, a parte Representante reiterou os termos de seu protesto inaugural (fls. 44 e 50/51). Nova manifestação do Senhor Titular às fls. 54/57, seguida de outra da Sra. Representante (fls. 62/64). O Ministério Público ofertou parecer opinando pelo arquivamento do feito, ante a inexistência de indícios de falha na prestação do serviço por parte do Senhor Titular a ensejar apenamento na seara censório-disciplinar (fls. 70/71). Seguiram-se mais manifestações da Sra. Representante (fls. 72/73, 100/105, 126/127), bem como do Sr. Notário (fls. 82/90, 112/114, 123/124). O Ministério Público reiterou seu parecer às fls. 118/120 e 131. Solicitada a contribuição do n. Colégio Notarial do Brasil, Seção São Paulo, a respeito de seu entendimento acerca da possibilidade de definição do valor do imóvel, para fins de concessão do desconto de 40% previsto no item 1.6 das notas explicativas da tabela de emolumentos, utilizando-se como base valor do imóvel calculado pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA). A respectiva manifestação consta às fls. 136/142, no sentido de ser devida a utilização do valor divulgado pelo IEA quando se tratar do maior valor entre aqueles previstos no art. 7º da Lei Estadual nº 11.331/02. Determinei ao Sr. Notário que esclarecesse objetivamente seus cálculos, se o caso com comprovação da aceitação por órgão federal do valor divulgado pelo IEA. Outrossim, determinei à parte Representante que informasse o valor total que pagou pelos serviços extrajudiciais (fls. 143/144). Em nova manifestação, o Sr. Tabelião verificou ter cobrado a maior R$ 1.284,80, por equívoco na subsunção dos valores dos bens às respectivas faixas da Tabela da Lei de Emolumentos, o qual sustentou ser desprovido de má-fé. Não obstante, sustentou a regularidade da cobrança de emolumentos sem a concessão do desconto de 40% previsto no item 1.6 das Notas Explicativas da Tabela da Lei Estadual nº 11.331/02 (Lei de Emolumentos Extrajudiciais) para transação cuja instrumentalização admite forma particular (fls. 149/154). A Sra. Representante, por seu turno, reiterou ter despendido o total de R$ 19.777,46 com os serviços notariais e registrais (fls. 156/158). Em seguida, a D. Representante do Ministério Público opinou pela instauração de processo administrativo disciplinar em face do Sr. Notário (fls. 163/164). Determinei ao Sr. Notário que esclarecesse as medidas tomadas para aprimorar os serviços prestados e evitar que seus equívocos se repitam. Em sua derradeira manifestação, o Sr. Tabelião ofereceu suas desculpas à Sra. Representante, pontuando, ainda, suas escusas aos Tabeliães e Registradores, em especial do Estado de São Paulo, prontificando-se a reparar prejuízos causados pelos erros cometidos por sua equipe. Salientou possuir setor específico para conferência de cobranças e destinação de valores, o qual funciona ativamente e com proficiência, porém em vista da equivocada base de cálculo adotada, o colaborador não detectou a falha. É o breve relatório. Decido. Primeiramente, saliento que a matéria aqui ventilada é objeto de apreciação no limitado campo de atribuição desta Corregedoria Permanente, que desempenha, dentre outras atividades, a verificação do cumprimento dos deveres e obrigações dos titulares de delegações afetas à Corregedoria Permanente desta 2ª Vara de Registros Públicos da Capital, prestadores de serviços de Registro Civil e Notariais. Nessa senda, compete à 1ª Vara de Registros Públicos da Capital o exame do cumprimento dos deveres e obrigações dos titulares de delegações de Registro de Imóveis, afetas àquela Corregedoria Permanente, como é de conhecimento das partes, consoante manifestações anteriores. Dessarte, não analisarei a atuação do Sr. Registrador de Imóveis, devendo a Sra. Representante distribuir junto àquele MM. Juízo eventual reclamação que possua em face do Sr. (…) Registrador de Imóveis (…). Considerando o âmbito de atribuições administrativas do exercício desta Corregedoria Permanente da Comarca da Capital, pontuo que alegações de danos morais devem ser discutidas junto às vias ordinárias, se o caso. Pois bem. Insurge-se a parte Representante contra supostas falhas na prestação do serviço extrajudicial pelo (…) Tabelionato de Notas (…), narrando que havia cotado a lavratura de duas escrituras públicas junto à Serventia, no valor total de R$ 14.777,46, porém posteriormente lhe foi solicitado o pagamento de uma diferença de 5 mil reais, tendo despendido RS 19.777,46. Até a instauração deste expediente, os serviços ainda não haviam sido concluídos, sendo excessiva a demora. Instado a se manifestar, o Sr. Tabelião informou ter lavrado, por escrevente habilitado, duas escrituras de doação em que a reclamante constou como donatária de bens imóveis, sendo que o pagamento engloba a totalidade dos emolumentos devidos ao (…) Tabelionato e ao (…) Registro de Imóveis (…). Na verdade, ainda faltaria uma diferença de R$ 1.861,76 a ser paga pelos participantes dos atos notariais. Em suma, das manifestações da Sra. Representante infere-se que esta: (i) considera ter recolhido emolumentos a maior; (ii) possui dúvidas sobre se deve ser aplicada a tabela de 2022 ou a tabela de 2023 para cálculo dos emolumentos; (iii) entende ser dispensável escritura para imóvel com valor inferior a 30 salários mínimos, de modo que foi prejudicada pela lavratura do ato notarial, inclusive pela ausência de concessão do desconto de 40% previsto no item 1.6 das Notas Explicativas da Tabela da Lei Estadual nº 11.331/02 (Lei de Emolumentos Extrajudiciais); (iv) alega que a falta de documento (CAR) que teria gerado a demora no procedimento deveria ter sido apontada desde o início pela Unidade; (v) recolheu ITCMD sobre a doação com reserva de usufruto, porém entende que parte deveria ter sido recolhido somente em sua extinção; (vi) reclama da demora excessiva e da qualidade do atendimento prestado; (vii) após reclamação ao (…) Registrador de Imóveis (…), este reconheceu erros nos cálculos dos emolumentos devidos pelos atos registrais e ofereceu cheque para devolução, o qual foi recusado pela Sra. Representante, pois considera que o ressarcimento deve ser entregue pelo Sr. Scudeler, preposto do (…) Tabelionato; (viii) pleiteia a condenação em décuplo das diferenças a ser paga por ambas as Serventias, a notarial e a registral; (ix) a divisão dos atos notariais em duas escrituras em vez de uma teria gerado a cobrança e recolhimento de emolumentos a maior; (x) sustenta lhe ser devida indenização pelos danos morais causados pela Unidade; (xi) requer a condenação do Sr. Notário nas sanções cabíveis pelo reconhecimento de sua má-fé. Por sua vez, das manifestações do Sr. Notário se constata que: (i) inicialmente, considerou regulares as cobranças dos emolumentos, alegando que o valor indicado na cotação é mera prévia, sujeita a alteração por outras circunstâncias; (ii) durante a tramitação deste expediente, identificou a cobrança a maior de emolumentos, desprovida de má-fé,  decorrente  de erro de cálculo:  equivocou-se  na operação matemática  ao utilizar  valor  superior ao proporcionalmente correto. Indicou em suas manifestações valores divergentes a serem devolvidos: R$ 894,31 em uma das escrituras (fl. 55); R$ 897,31 em uma escritura e R$ 387,49 em outra, totalizando R$ 1.284,80 (fl. 153); (iii) a demora na conclusão do serviço decorreu das exigências do serviço registral, por questões extrínsecas às escrituras; (iv) o cheque no importe de R$ 1.199,98, emitido pelo (…) Registro de Imóveis estaria à disposição da Sra. Representante, em poder do Sr. Notário; (v) as escrituras foram lavradas conforme a legislação de regência, sendo as partes assessoradas por advogada, com a devida aprovação de seu conteúdo; (vi) o preposto responsável pelos cálculos conta com mais de 74 anos de idade, tendo laborado em Cartório Extrajudicial por 60 anos, dos quais 40 deles dedicado a lavrar escrituras e procurações, sendo profissional de atuação exemplar; (vii) o valor venal atribuído pelo IEA ultrapassa trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país, não se aplicando o desconto do item 1.6 das Notas Explicativas da Tabela de Emolumentos (de 40%), em alinhamento ao seu dever de fiscalização tributária, bem como em razão de que ambas as escrituras trataram de partes ideais de dois imóveis, um urbano e um rural, sendo que um deles certamente possuía valor venal superior ao limite para concessão do desconto, a justificar sua não concessão. Ao final, ofereceu suas escusas pelos erros ou equívocos de seus prepostos, justificando que a tomada equivocada da base de cálculo no tocante ao valor proporcional de cada ato e de cada bem transmitido teria impedido que o setor responsável pela conferência dos cálculos percebesse a falha. Compulsando detidamente os autos, das alegações aos documentos, com exame da Tabela da Lei de Emolumentos Extrajudiciais, identifiquei que os seguintes motivos ensejaram a cobrança a maior de emolumentos pelo (…) Tabelionato de Notas da Capital: a) o equivocado enquadramento em faixa diversa da tabela de emolumentos do valor do imóvel rural na escritura pública lavrada no livro 5963, páginas 287/292; e b) a ausência de concessão de desconto de 40% do item 1.6 das Notas Explicativas da Tabela de Emolumentos para lavratura das duas escrituras de doação de frações ideais do imóvel rural. Não obstante, não se evidenciou comportamento grave o bastante para reprimenda, sendo a atuação do Sr. Tabelião e a cobrança dos emolumentos a maior desprovidas de dolo, má-fé ou culpa grave. Sabe-se que o Sr. Tabelião, no desempenho de suas funções, responde pelos atos de seus prepostos (item 7, do Capítulo XVI, das NSCGJ, e artigo 21 da Lei 8.935/1.994). Contudo, supor indícios de ilícito administrativo em razão de eventuais falhas isoladas, cometidas por colaboradores, que vêm sendo devidamente orientados e fiscalizados, seria imputar ao Delegatário responsabilidade objetiva, o que não se pode conceber, haja vista que a responsabilização dos Titulares de Delegações deriva da inobservância de seus deveres funcionais, o que não se apurou. Consoante bem assentado nos julgamentos desta Corregedoria Permanente, os precedentes desta 2ª Vara de Registros Públicos, mormente de seu Titular, fixaram a: “responsabilização disciplinar do Oficial ou Tabelião somente no caso da possibilidade de comportamento (culposo) com aptidão para impedir ato contrário ao ordenamento jurídico (erro praticado pelo Titular ou preposto). Assim, ocorrendo erro de preposto, que poderia ser evitado com a orientação e ou fiscalização do Titular da Delegação, ocorre sua responsabilização administrativa- disciplinar; a exemplo de equívocos repetidos, situações perceptíveis com um mínimo de diligência e erros crassos que denotem clara falta de orientação ou fiscalização. De outra parte, ocorrendo equívoco do preposto, o qual foi corretamente orientado e fiscalizado, ato doloso do serventuário ou ainda um erro isolado e sem maior repercussão, tenho aplicado o entendimento da insuficiência para configuração do ilícito administrativo do Registrador ou Tabelião em virtude da ausência de culpa e gravidade, respectivamente”. (vide sentença dos autos de nº 0054811-42.2016.8.26.0100). No caso em tela, a cobrança de R$ 894,31 a maior de emolumentos é incontroversa e apesar de tratar-se de erro passível de verificação pelo mero confronto entre os valores das frações ideais dos bens imóveis doados e suas respectivas faixas na Tabela da Lei de Emolumentos Extrajudiciais, foi necessário que a Sra. Representante o apontasse explicitamente para ser assumido pela Serventia. No entanto, tal fato por si só, não demonstra má-fé. Além disso, trata-se de erro isolado e sem maior repercussão cometido por preposto treinado e experiente, em atividade há décadas. Não se sabe se o enquadramento equivocado decorreu do preposto ter olvidado de dividir o valor venal do imóvel rural pela fração de 1/6, conforme a doação, pois não foi apresentada essa justificativa, sustentando-se ter sido um lapso. Mas é provável que esse tenha sido o erro, visto que o valor venal de cerca de 24 mil reais, dividido por 6 é equivalente a 4 mil reais, sendo que o valor de 24 mil reais enquadrava-se na faixa de R$ 1.338,11 de emolumentos, ao passo que o valor de 4 mil reais se encaixa na faixa inferior, de R$ 443,80 de emolumentos. De todo modo, a diferença exata entre ambas as faixas (R$ 894,31) deve ser devolvida, conforme reconhecido nos autos, corrigida monetariamente, desde o desembolso. Por outro lado, conforme entendimento exarado pelo MM. Juiz titular desta Corregedoria Permanente, Dr. Marcelo Benacchio, ao assessorar a E. Corregedoria Geral da Justiça (Parecer 317/2019-E, acolhido pela E. CGJ), bem como em precedentes da E. CGJ, cujos entendimentos também compartilho, a pena do art. 32, § 3º, da Lei Estadual nº 11.331/02, que preceitua a restituição ao interessado do décuplo da quantia irregularmente cobrada, possui natureza jurídica de pena privada, podendo ser exigida apenas em caso de dolo e má-fé, porém não para ato culposo, sobretudo se fundado em razões jurídicas, ainda que não aceitas. Nessa linha de raciocínio, inexistentes indícios de que a atuação foi dolosa no caso concreto, não é devida a devolução em décuplo. Com efeito, não há como se presumir a má-fé e esta não foi comprovada, de modo que a restituição dos R$ 894,31 deve ocorrer de forma simples. Outrossim, a devolução dos valores referentes ao desconto de 40% não concedido pela lavratura de escrituras públicas de doação de frações do  imóvel rural que comportavam instrumento particular também deve ocorrer de forma simples. Nesse último caso, a ausência de dolo ou culpa é evidenciada pela divergência interpretativa, sendo a interpretação do Sr. Tabelião razoável e expressa em observância à prerrogativa de independência no exercício de suas atribuições (art. 28 da Lei nº 8.935/94). Aliás, o entendimento é sufragado pelo Colégio Notarial do Brasil, Seção São Paulo, em esclarecedora manifestação de fls. 136/142, na qual recorda que para as escrituras com valor econômico devem ser observados os parâmetros fixados nos incisos I a III do art. 7º da Lei Estadual nº 11.331/02, prevalecendo o que for maior. Dessa maneira, a base de cálculo dos emolumentos deve corresponder ao maior valor entre (i) o valor venal; (ii) o valor tributário do imóvel (ou o valor da avaliação do imóvel rural aceito pelo órgão federal competente, considerando o valor da terra nua, as acessões e as benfeitorias); ou (iii) a base de cálculo para recolhimento do imposto de transmissão “intervivos”. Com essas considerações, o valor atribuído pelo Instituto de Economia Agrícola – IEA seria adequado como valor de avaliação do imóvel rural aceito pelo órgão federal competente, inclusive prevalecendo caso seja maior que as demais bases elencadas. Por conseguinte, uma vez que o item 1.6 da Nota 1, das Notas Explicativas da Tabela de Emolumentos da Lei nº 11.331/02, prevê a redução em 40% dos emolumentos da tabela com observância do art. 7º referido para imóveis que admitem forma particular (nos termos do art. 108 do Código Civil, isto é, imóveis de valores não superiores a trinta vezes o maior salário-mínimo vigente no país), opinou pela utilização do valor apurado pelo IEA como apto a figurar como base de cálculo, o qual também seria utilizado para verificar a incidência ou não do desconto. Contudo, respeitados os nobres argumentos supramencionados, não há comprovação de que o valor divulgado pelo IEA seja o valor aceito pelo órgão federal competente, como exige a Lei, embora assim tenha sido oportunizado na decisão de fls. 143/144. Dessarte, comungo do entendimento exposto pelo MM. Juiz Gustavo Henrique Bretas Marzagão ao assessorar a Corregedoria Geral da Justiça, em parecer de nº 305/2013-E, acolhido pelo à época E. Corregedor Geral da Justiça, Ilmo. José Renato Nalini, nos autos de nº 2013/27406: A avaliação do IEA – órgão Estadual e não Federal – tem valia para a fixação da base de cálculo do ITCMD no caso de imóvel rural, imposto de competência Estadual e não Federal, sendo demasiado pretender estender sua aplicação para os fins do inciso II, do art. 7º, da Lei Estadual nº 11.331/02. Assim, ao contrário do que entende o Oficial de Registro de Imóveis, o art. 7º, da Lei nº 11.331/02, não autoriza a utilização da base de cálculo do imóvel rural do ITCMD como parâmetro para cobrança de emolumentos. Correta, destarte, a premissa adotada pelo MM. Juízo Corregedor Permanente de que o valor a ser considerado para os fins da parte final do inciso II, do art. 7º, era a base de cálculo do ITR. Sem embargo, como a base de cálculo do ITR era inferior à do ITBI, esta é que deveria ter sido utilizada pelo Oficial de Registro de Imóveis, nos termos do art. 7º, da Lei Estadual nº 11.331/02. Deste modo, adotando-se a base de cálculo do ITBI e a mesma regra de proporção utilizada pelo Oficial de Registro de Imóveis para cada averbação efetivada (servidões de passagem e reserva legal), é possível verificar os valores corretos que deveriam ter sido cobrados (…). Consoante acima aduzido, no parecer publicado para conhecimento geral, ausente a comprovação de aceitação do valor do IEA pelo órgão federal competente, não é possível adotar o valor apurado pelo IEA para fins de cobrança de emolumentos nos termos do art. 7º, inciso II, da Lei nº 11.331/02 e, por conseguinte, para definir se o valor do imóvel rural está abaixo ou acima dos 30 salários-mínimos para fins de definição da obrigatoriedade de instrumento público e do desconto do item 1.6 das Notas Explicativas. Na medida em que a ausência de concessão do desconto decorreu de interpretação do dispositivo legal ora não acolhida, porém compartilhada pelos pares do Sr. Tabelião, conforme posição do Colégio Notarial do Brasil, Seção São Paulo, não há de se falar em dolo, má-fé ou culpa grave, visto que se trata de divergência interpretativa. Não obstante, entendo que o Sr. Notário deve conceder o  desconto nos termos da fundamentação acima, mormente por não comprovar a aceitação do valor divulgado pelo IEA ou de constar dos autos outra base de cálculo além daquela prevista para oITR, a qual é inferior aos trinta salários-mínimos do art. 108 do Código Civil. Acerca da justificativa de não concessão do desconto por se aplicar a somente um dos imóveis, constato que se tratam de negócios jurídicos distintos e não acessórios, de modo que a interpretação do Sr. Tabelião é equivocada. Assim, a necessidade de concessão do desconto deve ser examinada separadamente, não como realizada. Com efeito, se é possível conceder desconto em escrituras apartadas, a simplificação de dois atos em um só documento não deve merecer outra interpretação senão aquela de igual tratamento previsto no item 1.6 das Notas Explicativas, ou seja, deve ser concedido o desconto de 40% para negócio que admita forma particular. Em sentido semelhante, porém para escritura de compra e venda e cessão, vide decisão desta Corregedoria Permanente no processo 100.09.124349-4. Dessarte, afasto a interpretação do Sr. Tabelião, mas não a considero de má-fé. Nos termos de precedente da E.CGJ: No caso em exame, não há indícios de má-fé, dolo ou erro grosseiro, mas mera interpretação equivocada dos preceitos normativos ainda não específicos sobre os inventários e partilhas, separações e divórcios extrajudiciais. Incabíveis, por conta deste episódio isolado, adevolução no décuplo da quantia cobrada a maior e a instauração de procedimento disciplinar, devendo a reclamada, doravante, observar a forma de cobrança ora delineada para os atos futuros. (Processo CG 2012/00006965). Deste modo, tratando-se de mera interpretação equivocada sobre os pontos delineados anteriormente, reitero, é devida apenas a devolução simples, corrigida monetariamente, desde o desembolso, da quantia a maior paga pela Sra. Representante ao Sr. Tabelião. Por outro lado, a sistemática do cálculo da doação de imóveis com reserva de usufruto foi acertada: emolumentos com base em 2/3 do valor do imóvel no caso da doação, e em 1/4 sobre 1/3 do valor do imóvel, no tocante à reserva de usufruto. Não se olvide, além disso, do respeito ao mínimo previsto no item 1 da Tabela. Passo a tratar dos demais pontos discutidos. A Sra. Representante possui dúvidas sobre se deveria ser aplicada a tabela de 2022 ou 2023 para cálculo dos emolumentos. Ocorre que para os atos do Tabelionato foram aplicados os valores da tabela de 2022, não comportando reparo nesse ponto. Em relação ao uso da tabela de 2023 pelo Registro de Imóveis, é cediço que a este Juízo não compete sua correição, consoante outrora esclarecido. De todo modo, assevero à Sra. Representante que, como foi necessária nova prenotação em virtude de documentação (inscrição no Cadastro Ambiental Rural) que dependia de órgão público, não identifico falha funcional nesse ponto, em especial em virtude de serem incontroversos os esforços da Serventia em exame para solucionar a demora, conforme demonstram as conversas acostadas aos autos. Em relação à dispensabilidade da escritura pública, foi justificada sua lavratura pela utilização do valor do IEA (o qual não prevalecerá, pelos fundamentos já expostos). Ademais, a opção de lavrar a doação por escritura foi objeto de aceitação pelas partes, as quais estavam devidamente assistidas por Advogada, não podendo agora alegar desconhecimento jurídico. Aliás, os registros e averbações foram efetuados, de modo que os títulos as beneficiaram. Igualmente, o recolhimento integral do ITCMD e a lavatura de escrituras por doador e não por imóvel também foram aceitos pelas partes, assistidas por advogada, de modo que não identifico irregularidade. Sequer há prejuízo no recolhimento integral no momento da doação e instituição do usufruto, havendo mero exercício de opção fiscal, tratando-se de obrigação tributária das próprias partes, de sua responsabilidade. E também não há inadequação na formalização jurídica da vontade das partes mediante a lavratura das duas escrituras em comento. Na verdade, uma vez que os cálculos dos emolumentos notariais consideram as frações ideais dos imóveis transmitidos e o usufruto, os valores finais devidos ao Tabelionato remanesceriam os mesmos, ainda as escrituras fossem lavradas por imóvel. A respeito da falta do CAR e de seu apontamento pela Serventia desde o início da prestação dos serviços, trata-se de exigência do Ofício de Registro de Imóveis que seu preposto poderia ter previsto, porém não imputável ao Sr. Tabelião. Entretanto, seu dever de conferência documental impõe que se atente ao aprimoramento das rotinas de serviço a fim de prevenir situações como essa, sobretudo se atinentes àquilo que ordinariamente sabe ser necessário para a finalização dos serviços. Sendo assim, ao final, verifico falha na prestação dos serviços, relacionada à informação insuficiente e falta de transparência das informações fornecidas aos usuários, as quais não devem ser admitidas. Não é razoável que a serventia deixe de explicar o enquadramento dos emolumentos nas faixas da tabela ou o faça sem a devida discriminação.Igualmente, deve se pautar pela informação transparente e correta aos seus usuários e prepostos. Consequentemente, alerto ao Sr. Tabelião para que oriente e fiscalize seus prepostos de modo que as situações relativas à ausência de transparência ou falhas na comunicação e no cumprimento do dever de informação não se repitam, visto que possui o dever de exercer a atividade notarial velando pela rígida observância das normas técnicas. Com efeito, a demora excessiva (embora justificada, ainda que parcialmente, com referência ao CAR), as críticas acerca da qualidade do atendimento prestado, bem como as diversas manifestações pouco esclarecedoras e confusas do Sr. Tabelião nestes autos, demonstram que é preciso aprimorar os serviços prestados. As falhas na prestação do serviço podem não ser graves o bastante para justificar a instauração de processo administrativo disciplinar em face do Sr. Tabelião, mormente em razão da ausência de responsabilidade objetiva, das divergências de interpretação citadas e da quebra de nexo causal entre a demora excessiva e ato alheio ao serviço (obtenção do CAR). No entanto, as rotinas dos serviços prestados pela Unidade a si delegada podem e devem ser melhoradas, evitando-se a repetição de queixas assemelhadas. Certamente, a constatação de falhas nos deveres de orientação e fiscalização dos prepostos enseja a responsabilização administrativa por fatos que podem ser evitados mediante diligências normais e necessárias que o Sr. Tabelião deve adotar, sob pena das falhas de seus prepostos serem consideradas como infrações disciplinares, apenáveis nos termos do art. 32 da Lei nº 8.935/94. Ante o exposto, no limite do tolerável, reputo satisfatórias as explicações apresentadas pelo Senhor Titular no presente caso, em razão de suas peculiaridades, não vislumbrando responsabilidade funcional apta a ensejar a instauração de procedimento administrativo, no âmbito disciplinar. Não obstante, consigno ao Senhor Delegatário que se mantenha atento na orientação e fiscalização dos prepostos sob sua responsabilidade, para que observem os emolumentos fixados para a prática dos atos de seu ofício; forneçam recibos dos emolumentos percebidos, com discriminação dos serviços prestados; forneçam as informações necessárias ao processamento de pedidos de seu mister, detalhada e pacientemente, haja vista que o usuário do serviço extrajudicial, leigo no geral, desconhece os procedimentos cartorários, observando-se seus deveres funcionais de atendimento com presteza, eficiência e urbanidade; atentem-se à observância das normas técnicas, aos prazos legais e às prescrições legais e normativas, de modo a evitar a repetição de fatos assemelhados. Ademais, o correto orçamento dos atos notariais é medida mínima que se impõe. Embora os erros tenham sido pontuais em meio a inúmeros atos praticados a contento, consigno ao Sr. Tabelião a importância para a segurança jurídica e para aprimorar os serviços prestados por delegação de que o exercício da atividade seja zeloso e vise à excelência, sendo que medidas como a dupla conferência dos atos praticados pela serventia devem efetivamente funcionar “ativa e proficientemente” como alega. Assim, é mister que reoriente e fiscalize seus prepostos, solucionando as falhas existentes no fluxo de trabalho da Unidade, com atenção à Tabela da Lei de Emolumentos, à legislação de regência e às decisões proferidas pelo Poder Judiciário no exercício de seu poder fiscalizatório (normativo-regulador) dos Serviços Notariais e Registrais. Por fim, determino ao Sr. Tabelião que efetue a devolução dos emolumentos cobrados a maior, inclusive concedendo o desconto do item 1.6 das Notas Explicativas, nos termos da fundamentação, comprovando-se nos autos. Nessas condições, à míngua de providência censório- disciplinar a ser adotada, determino o arquivamento dos autos, oportunamente. Encaminhe-se cópia desta r. Sentença à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente como ofício. Ciência ao Senhor Delegatário, ao Ministério Público e à parte Representante, por e-mail (cujo silêncio, desde que certificado o recebimento da mensagem eletrônica pelo servidor de destino, será interpretado como ciência aos termos desta decisão, sem necessidade de posterior conclusão). Publique-se para conhecimento, inclusive considerando a repercussão da matéria ora discutida. P.I.C.

Fonte: DJE/SP – 31.03.2025.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.




CSM/SP: Direito registral – Apelação – Transmissão de propriedade – Art. 26, §6º da Lei Nº 6.766/1979 – Improvimento do apelo. A dispensa de escritura pública aplica-se somente à primeira transferência do loteador para o adquirente, não à revenda do lote. Pode abranger também negócios de cessão de direitos do promissário comprador original.


Apelação n° 1001210-81.2024.8.26.0405

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001210-81.2024.8.26.0405
Comarca: OSASCO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1001210-81.2024.8.26.0405

Registro: 2025.0000289637

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001210-81.2024.8.26.0405, da Comarca de Osasco, em que é apelante LUIZ MULLER, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTROS DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE OSASCO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), ADEMIR BENEDITO(PRES. SEÇÃO DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 21 de março de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1001210-81.2024.8.26.0405

Apelante: Luiz Muller

Apelado: 1º Oficial de Registros de Imóveis e Anexos da Comarca de Osasco

VOTO Nº 43.737

Direito registral – Apelação – Transmissão de propriedade – Art. 26, §6º da Lei Nº 6.766/1979 – Improvimento do apelo.

I. Caso em Exame

1. Recurso interposto contra sentença que manteve óbice ao registro de transmissão de propriedade com base em instrumento particular de compra e venda, alegando ausência de quitação do imóvel e do pagamento do ITBI. O recorrente adquiriu direitos sobre o imóvel por cessão de compromisso de compra e venda, alegando que está prescrita a discussão a respeito da quitação do contrato, vencidos todos os prazos prescricionais vigentes. Alega que o ITBI foi pago em 1967.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em saber se o título examinado pode dar causa à transmissão do domínio sem a necessidade de escritura pública, considerando a alegada prescrição da exigência de quitação e o pagamento do ITBI.

III. Razões de Decidir

3. A dispensa da escritura pública aplica-se aos imóveis loteados apenas aos compromissos firmados entre o loteados com prova documental da solução do preço.

4. A prescrição da de eventual pretensão de cobrança das parcelas do preço não pode ser reconhecida em procedimento administrativo, sendo necessária ação judicial para tanto. A prescrição tem causas suspensivas e interruptivas, que não se sabe se incidem no caso concreto. A ausência de prova de do pagamento do preço e do recolhimento do ITBI impedem o registro.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso desprovido.

Tese de julgamento: “1. A dispensa de escritura pública aplica-se somente à primeira transferência do loteador para o adquirente, não à revenda do lote. Pode abranger também negócios de cessão de direitos do promissário comprador original. 2. A eventual prescrição da pretensão creditória de cobrança do preço deve ser reconhecida judicialmente, não em procedimento administrativo”.

Legislação Citada:

Código Civil, art. 108; Lei nº 6.766/1979, art. 26, §6º; Lei nº 6.015/1973, art. 289.

Jurisprudência Citada:

Conselho Superior da Magistratura, Apelação Cível nº 9000001-18.2013.8.26.0407, Rel. Des. Hamilton Elliot Akel, j. 07.10.2015.

Cuida-se de recurso interposto por LUIZ MÜLLER em face da r. sentença de fls. 131/133, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Osasco, que, em procedimento de dúvida, manteve o óbice ao registro de Transmissão de Propriedade com base em Instrumento Particular de Compra e Venda averbado, sob alegação de que se trata de instrumento particular, ausente apresentação de quitação do imóvel e do comprovante do pagamento do ITBI.

O recorrente interpôs recurso visando à reforma da sentença que indeferiu o pedido de registro da propriedade definitiva de um terreno localizado na Avenida Antonio Carlos Costa, lote 16, quadra 04, no loteamento Vila Nova Osasco, com área de 317m², conforme descrito na matrícula nº 153.506 do Registro de Imóveis de Osasco/SP; sustenta que adquiriu o imóvel por meio de compromisso de compra e venda celebrado em 15/07/1968 com Francisco Machado Borges, Nair Oliveira Borges e Francisco de Oliveira, devidamente averbado sob nº 28 em 09/08/1968, nas transcrições 16.669 e 16.670 do 16º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo; afirma que protocolou o requerimento de registro em 12/12/2023, o qual foi indeferido pelo Oficial de Registro de Imóveis de Osasco, sob o argumento de ausência de comprovação da quitação do contrato; em 10/01/2024, apresentou pedido de reconsideração, sustentando que a única exigência cabível seria o recolhimento do ITBI, obrigação esta que, segundo o recorrente, foi cumprida em 1967, conforme comprovantes anexados aos autos; defende que a legislação permite o registro da propriedade após cinco anos, independentemente do valor venal ou do prévio registro do compromisso de compra e venda, e que a exigência de quitação do contrato não subsiste, pois estaria prescrita, nos termos do art. 206, §5º, I, do Código Civil e do art. 33 da Lei nº 6.766/1979; para reforçar sua tese, juntou cópia das matrículas nº 284.186 e 10.716 do 18º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, que demonstram registros de domínio concedidos em circunstâncias semelhantes; diante disso, requereu a reforma da decisão com o deferimento do registro da propriedade definitiva em seu nome (fls. 134/138).

O Oficial ofertou contrarrazões ao recurso (fls. 144/146).

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento do recurso (fls. 167/170).

É o relatório.

Inicialmente, tratando-se de recurso interposto em face de sentença proferida em procedimento de dúvida registral, fala-se em apelação, e não recurso administrativo. O erro na denominação, todavia, não impede o conhecimento do apelo.

No mérito, a apelação não merece provimento.

É dos autos que o interessado Luiz Muller apresentou requerimento de registro de transmissão de propriedade com base em instrumento particular de compromisso de compra e venda averbado, relativamente aos imóveis objeto das transcrições 16.669 e 16.670, que deu origem à atual matrícula nº 153.506 do 1º Oficial de Registro de Imóveis de Osasco, sustentando ser detentor dos direitos de compromissário comprador do bem, por aquisição feita de Francisco Machado Borges e sua mulher Nair Oliveira Borges e Francisco de Oliveira, conforme averbação nº 1/M.153.506, nos termos do art. 26, §6° da Lei nº 6.766/1979 (certidão de fls. 35/36). Por sua vez, os cedentes adquiriram os direitos sobre o imóvel por instrumento particular de compromisso de venda e compra de 21 de maio de 1959 firmado com os titulares de domínio Carlos Charnaux e sua esposa e outros (fls. 35/36).

Recebido e prenotado o título, o Oficial apresentou a seguinte nota devolutiva (nº 423.366, fl. 38):

“Tendo em vista tratar-se de negócio jurídico que importa transmissão da propriedade com valor superior a trinta salários mínimos vigente no País, a celebração deverá ser feita através de Escritura Pública, nos termos do Art. 108 do Código Civil”.

A despeito de sua incompletude, a referida nota devolutiva há de ser examinada em conjunto com os demais elementos dos autos e das razões da dúvida.

No curso do procedimento, ficou esclarecido que o apelante Luiz Muller é titular dos direitos de cessionários de compromissário comprador do imóvel objeto da matricula nº 153.506 do 1º RI de Osasco.

Conforme Av.1/M.153.506 (fls. 28/29), ditos direitos foram adquiridos por instrumento particular de cessão datada de 15 de julho de 1968 feita por FRANCISCO MACHADO BORGES e sua mulher NAIR OLIVEIRA BORGES e FRANCISCO DE OLIVEIRA.

Logo, de acordo com tal narrativa, o requerimento foi feito com base no §6º do art. 26 da Lei nº 6.766/1979.

A questão controversa está em saber se o título examinado pode ou não dar causa à transmissão do domínio, o que foi negado pelo Oficial, julgando que esse instrumento não se enquadra na espécie do §6º do art. 26, da Lei nº 6.766/1979 porque também presente a cessão dos direitos em favor do apelante.

A orientação que prevalece é no sentido de que a dispensa da escritura pública só se aplica para os compromissos firmados entre o Loteador e o primeiro adquirente do lote, primeira razão para a exigência do Oficial.

Dispõe a Lei nº 6.766/1979:

“Art. 26. Os compromissos de compra e venda, as cessões ou promessas de cessão poderão ser feitos por escritura pública ou por instrumento particular, de acordo com o modelo depositado na forma do inciso VI do art. 18 e conterão, pelo menos, as seguintes indicações:

I – nome, registro civil, cadastro fiscal no Ministério da Fazenda, nacionalidade, estado civil e residência dos contratantes;

II – denominação e situação do loteamento, número e data da inscrição;

III- descrição do lote ou dos lotes que forem objeto de compromissos, confrontações, área e outras características;

IV- preço, prazo, forma e local de pagamento bem como a importância do sinal;

V- taxa de juros incidentes sobre o débito em aberto e sobre as prestações vencidas e não pagas, bem como a cláusula penal, nunca excedente a 10% (dez por cento) do débito e só exigível nos casos de intervenção judicial ou de mora superior a 3 (três) meses;

VI- indicação sobre a quem incumbe o pagamento dos impostos e taxas incidentes sobre o lote compromissado;

VII- declaração das restrições urbanísticas convencionais do loteamento, supletivas da legislação pertinente.

(…)

§ 6º Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título para o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhados da respectiva prova de quitação“. (grifo nosso)

É certo que o §6º do art. 26 da Lei nº 6.766/1979 continua em pleno vigor e o instrumento particular de compromisso de compra e venda de lote urbano, firmado entre o loteador e o adquirente, quando acompanhado da prova de quitação do preço, serve como título para a transmissão da propriedade imobiliária perante o Cartório de Registro de Imóveis, dispensando a lavratura de escritura pública, independentemente do valor do negócio ou do imóvel.

Desse modo, foi excepcionado o monopólio da escritura pública prescrito no art. 108 do Código Civil, por intermédio do §6º, art. 26 da Lei nº 6.766/1979.

O legislador beneficiou com praticidade e menor ônus os consumidores que adquirem lotes diretamente do loteador que promove a abertura de ruas e execução da infraestrutura em gleba para divisão em lotes urbanos, denominado pela lei como loteamento, conforme art. 2º, §1º da Lei nº 6.766/1979.

Vale dizer, na aquisição direta de lote pelo consumidor, por meio de compromisso de compra e venda celebrado por instrumento particular com o loteador, quando instruído com prova da quitação do respectivo preço, poderá ser apresentado diretamente no Cartório de Registro de Imóveis para registro da aquisição do imóvel, por ser título hábil à transmissão da propriedade imobiliária.

Essa possibilidade, segundo ensina João Baptista Galhardo, após transcrever o teor do §6º e consignar a validade dos compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessão, como títulos para o registro da propriedade, ressalva apenas que a validade limita- se à primeira transferência, do loteador para o primeiro adquirente, valendo transcrever: “Esse parágrafo aplica-se uma única vez com referência ao lote, ou seja, quando o domínio houver de ser transferido do loteador para o comprador” (Aspectos registrários da aplicação da lei federal nº 9.785, de 29.01.1999, in Revista de Direito Imobiliário nº 46, janeiro-junho de 1999, ano 22, p. 38).

Destarte, o adquirente de lote urbano, por compromisso de compra e venda, celebrado por instrumento particular com o loteador, tem o direito de apresentar diretamente ao Cartório de Registro de Imóveis tal contrato e a respectiva quitação para ultimar o registro da aquisição da propriedade, por força do art. 26, §6º da Lei nº 6.766/1979, podendo, se assim desejar, prescindir da lavratura da escritura pública.

Essa exceção, como visto, só tem aplicação para os compromissos celebrados entre o loteador e o adquirente, o que não é o caso dos autos.

Note-se que a norma do art. 26, §6º da Lei nº 6.766/1979 também se estendem aos cessionários de direitos do promissário comprador original, que assumem sua posição jurídica no negócio de cessão de posição contratual.

O que não se admite é extensão da norma à revenda do lote, ou seja, segunda alienação feita pelo comprador original ao sub- adquirente.

No caso concreto, como se trata de cessão de direitos do promissário comprador original, em tese incidiria a norma norma do art. 26, §6º da Lei nº 6.766/1979.

Mas não só.

Ainda foram feitas outras objeções pelo Oficial quanto ao deferimento do pedido, conforme as razões levantadas na suscitação de dúvida (fl. 02):

“Ainda que, por absurdo, não se aplique o disposto no art. 108 do Código Civil, relevante que a documentação apresentada não vem acompanhada de prova de quitação e nem mesmo do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – ITBI”.

Quanto à ausência de prova da quitação, o apelante sustenta a ocorrência da prescrição, mas essa prova não cabe ser feita no procedimento de dúvida registral. A atividade desenvolvida no serviço registral é administrativa, assim, não há liberdade para ampliação interpretativa, competindo o exame da documentação de prova do pagamento, à luz da legalidade estrita.

Isso porque a perda da pretensão de cobrar o preço pela inércia do promitente vendedor se encontra sujeita a causas suspensivas e interruptivas, somente aferíveis na esfera jurisdicional.

A documentação referida não fornece a certeza necessária para afirmar a ocorrência da solução do preço. Tl como exige a legislação citada.

É incabível o reconhecimento de prescrição da pretensão na esfera administrativa em razão da não participação dos credores que integraram a relação jurídica, competindo ação de natureza judicial para tanto. Somente em ação de adjudicação compulsória, na qual será citado o promitente vendedor, se poderá aferir a prescrição da preensão creditória.

Essa compreensão foi adotada em precedente deste Conselho Superior da Magistratura como se observa do voto do Excelentíssimo Desembargador Hamilton Elliot Akel, então Corregedor Geral da Justiça, na apelação cível n. 9000001-18.2013.8.26.0407, j. 07.10.2015:

“Não se controverte acerca da necessidade de ser provada a quitação do preço avençado no compromisso de compra e venda, porém, o apelante sustenta que a configuração da prescrição em relação ao pagamento das parcelas convencionadas no título, prova a quitação.

É sabido que prescrição é matéria inerente ao âmbito jurisdicional, o que reclama a observância do contraditório e do direito de defesa, e consequentemente impossibilita o seu reconhecimento no âmbito administrativo. O exame do título pelo Oficial é restrito aos seus aspectos formais e extrínsecos, o que inviabiliza o reconhecimento da prescrição como forma de comprovar a quitação do preço avençado no título”.

Nestes termos, considerada a natureza administrativa da atividade desenvolvida no registro imobiliário, a ausência da prova inequívoca da quitação das parcelas dos contratos e a impossibilidade do reconhecimento de prescrição neste processo administrativo, soma-se mais um óbice à qualificação positiva do título.

Por tais razões, por entender que o instrumento apresentado pelo apelante não se amolda à situação abrangida pelo §6º do art. 26 da Lei nº 6.766/1979, exigiu a apresentação de escritura pública, vez que não há controvérsia sobre o fato de que o imóvel tem valor superior a 30 salários mínimos.

A escritura pública é essencial para a validade do negócio de transmissão de direito real sobre imóvel com valor superior a trinta vezes o salário mínimo, como previsto no art. 108 do Código Civil

Por fim, quanto ao ITBI, o artigo 289 da Lei nº 6.015/1973 é expresso ao indicar que é dever do registrador fiscalizar o pagamento dos tributos incidentes:

“Art. 289. No exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício”.

A omissão do titular da delegação pode levar à sua responsabilidade solidária no pagamento do tributo, nos termos do artigo 134, inciso VI, do Código Tributário Nacional.

O Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis – ITBI é de competência municipal no Município de Osasco e rege-se nos termos dos artigos 48 e 49, da LC nº 404/2022, e mais remotamente pela Lei nº 160/1963, dispondo como fatos geradores do imposto de compra e venda e suas cessões, tanto no primitivo instrumento de compromisso de compra e venda quanto no contrato particular de cessão e transferência de direitos (fls. 94/97), o que, neste último caso, nada foi apresentado quanto ao recolhimento do ITBI.

À vista deste quadro, não há fundamento para reversão da qualificação negativa promovida pelo Oficial, que deve ser mantida.

Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator.

Fonte: DJE/SP – 28.01.2025.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.