2VRP/SP: Legitimidade, em concreto, da Negativa de concessão do benefício da gratuidade para a lavratura de Escritura Pública de Inventário.


Processo 1156991-75.2023.8.26.0100

Pedido de Providências – Tabelionato de Notas – C.B. – – N.B. – – Y.S.B. – Juiz(a) de Direito: LETICIA DE ASSIS BRUNING VISTOS, Cuida-se de representação formulada por C. B. e outros, que se insurgem quanto à negativa de concessão do benefício da gratuidade para a lavratura de Escritura Pública de Inventário perante o Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas do 32º Subdistrito – Capela do Socorro, da Capital. Os autos foram instruídos com os documentos de fls. 06/89. O Senhor Interino, responsável pela delegação vaga, prestou esclarecimentos (fls. 94/115). A parte Representante retornou aos autos para reiterar os termos de seu protesto inicial (fls. 117). O Ministério Público ofertou parecer (fls. 131/132). É o breve relatório. Decido. Trata-se de pedido de providências instaurado a partir de representação relativa à suposta negativa de concessão do benefício da gratuidade para a lavratura de Escritura Pública de Inventário perante o Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas do 32º Subdistrito – Capela do Socorro, da Capital. Narra a parte Reclamante que solicitou a concessão do benefício da gratuidade para a lavratura de Escritura Pública, por não ter condições de arcar com os custos do ato notarial. Aduz que a edição da Resolução 326/2020 (combinada com a Resolução 35/2007), ambas do CNJ, prevê o benefício àqueles que declararem a condição de pobreza. Entendendo que a negativa, pela serventia extrajudicial, é infundada, interpôs a presente Representação. A seu turno, o Senhor Interino veio aos autos para esclarecer que a negativa da concessão do benefício da gratuidade se fundou no fato de que não foi constatado, pela unidade, o estado de pobreza da parte interessada, na concepção jurídica do termo, não obstante a alegação efetuada. Nesse sentido, explanou o Designado que o pedido de gratuidade foi deduzido somente ao fim de todo o procedimento, após inclusive a lavratura do ato, coibindo a devida análise do pedido pela unidade de notas. Ainda, a documentação comprobatória de miserabilidade foi requerida às partes, constatando-se que o rendimento mensal médio de cada um dos herdeiros é da soma de R$ 8.500,00, valor bem acima do critério de pobreza adotado pela própria Defensoria Pública e corroborado pela jurisprudência majoritário do TJSP. Por conseguinte, explica o Senhor Interino que foi emitida a devida nota devolutiva e informado à parte interessada que poderiam impugnar a decisão. Todavia, decidiram os interessados representar diretamente a esta Corregedoria Permanente. A seu turno, a parte Representante, instada a se manifestar quanto aos esclarecimentos prestados, reiterou os termos de sua insurgência inicial, deduzindo que a serventia descumpre a Resolução CNJ 326/2020. Pois bem. Primeiramente, consigno que não há dúvidas da previsão legal de gratuidade aos reconhecidamente pobres, nos termos da mencionada Resolução CNJ 326/2020. Por outro lado, sabidamente, não há uma norma jurídica objetiva que fixe um teto de rendas para concessão do benefício da gratuidade, competindo ao serviço extrajudicial o exame de caso a caso de modo a estabelecer um critério igualitário. Com efeito, é devidamente assentado na doutrina e nas normas administrativas que regem a matéria, bem como em firmes precedentes deste Juízo Corregedor Permanente (p. ex.: 0045661-95.2020.8.26.0100; 0013594-43.2021.8.26.0100 e 1024142- 76.2022.8.26.0100) que a declaração de pobreza não pode ser aceita por si só, devendo ser contextualizada mediante a apresentação de documentos comprobatórios da alegada miserabilidade, nos termos do item 80.2, do Capítulo XVI, das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça. Nesse sentido, a declaração acerca da situação jurídica de pobreza não tem caráter absoluto, portanto, observado o respeito à intimidade, deve a Serventia Extrajudicial solicitar maiores esclarecimentos acerca dos rendimentos dos requerentes. Do contrário, a afirmação seria absoluta. No mais, o deferimento do benefício da gratuidade, de maneira indiscriminada, contemplando aqueles que não são, de fato, pobres, na acepção jurídica do termo, traz prejuízos aos cofres públicos, afetando negativamente o cidadão que realmente necessita do amparo do poder estatal. O item 80.2, do Capítulo XVI, das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça, é claro ao afirmar a possibilidade de questionamento da declaração efetuada, ao deduzir que se o Tabelião de Notas, motivadamente, suspeitar da veracidade da declaração de miserabilidade, deverá comunicar o fato ao Juiz Corregedor Permanente, por escrito, com exposição de suas razões, para as providências pertinentes. Ademais, em situação análoga, o disposto no item 3.1, Capítulo XVII, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, ao referir o procedimento de habilitação para o casamento, indica a possibilidade de se averiguar o status de pobreza declarado, destacando-se, assim, o caráter não-absoluto de tal declaração. 3.1. Os reconhecidamente pobres, cujo estado de pobreza será comprovado por declaração do próprio interessado ou a rogo, sob pena de responsabilidade civil e criminal, estão isentos de pagamento de emolumentos pela habilitação de casamento, pelo registro e pela primeira certidão, assim como pelas demais certidões extraídas pelos Registros Civis das Pessoas Naturais, podendo o Oficial solicitar documentos comprobatórios em caso de dúvida quanto à declaração prestada. Sem menos, Alberto Gentil aponta pela possibilidade e necessidade de verificação minuciosa da declaração de miserabilidade, nos seguintes termos: “(…) entendemos que a melhor compreensão do termo “insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas e os honorários (…)” [CPC, art. 98] ainda é exigir da parte interessada na benesse legal a demonstração de insuficiência econômica para o custeio das despesas do Processo e emolumentos. Desse modo, prestigiado o acesso efetivo à justiça na busca da concretização de direitos dos necessitados, ainda manteremos um sistema pautado na boa-fé objetiva e razoabilidade. Boa-fé objetiva, pois trata-se de comportamento leal da parte arcar com as despesas judiciais e extrajudiciais se possui patrimônio suficiente para tanto, ainda que tenha que se desfazer de parte dele. Afinal, prestado um serviço público que exige contrapartida, não se mostra razoável a concessão da gratuidade apenas pela falta de liquidez patrimonial do beneficiado. [Gentil, Alberto. Registros Públicos. – 2º ed. – Rio de Janeiro: Forense; MÉTODO, 2021. P. 53]. Na mesma senda direciona a jurisprudência dominante, a exemplo: (…) Com efeito, a gratuidade da justiça é devida apenas àqueles com comprovada insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios, conforme vigente regramento do NCPC, art. 98. Mesmo na plena vigência da Lei 1.060/50, os requisitos ali estabelecidos eram avaliados à luz do que dispõe a CF – art. 5°, LXXIV, que determina que a assistência jurídica integral e gratuita é devida aos que efetivamente comprovarem insuficiência de recursos. Assim, é lícito ao Juízo tanto exigir a apresentação de documentos comprobatórios quanto denegar o beneficio se os elementos dos autos desde logo indicarem a ausência dos requisitos para a concessão do beneficio. No caso concreto, o que se verifica é que um dos agravantes tem valores expressivos em aplicações financeiras (fls. 155), marcadas pela fácil liquidez, situação a elidir a declaração de pobreza apresentada. Disso tudo decorre que os agravantes não são pobres na acepção juridica do termo, de modo que foi bem o juizo monocrático ao indeferir os beneficios da justiça gratuita. (…) (TJSP, Agravo de Instrumento 2118797-42.2016.8.26.0000, 1ª C. de Direito Privado, Rel. Durval Augusto Rezende, j. 09.09.2016). Diante disso, no caso concreto, não houve ilícito funcional a ensejar quebra de confiança na atuação do Senhor Designado ou falha na prestação do serviço extrajudicial, em acertada negativa que visa coibir a concessão do benefício desmedidamente, sem justa necessidade, e garantir a manutenção da gratuidade para aqueles que efetivamente não têm condições de arcar com as custas e emolumentos dos atos extrajudiciais. Por conseguinte, a insurgência formulada pela parte Representante não pode prosperar, razão pela qual mantenho a negativa imposta pelo Senhor Interino, devendo os interessados providenciar o recolhimento das custas devidas para o prosseguimento do ato. Não havendo outras medidas de cunho administrativo a serem adotadas, determino o arquivamento dos autos. Ciência ao Senhor Designado e ao Ministério Público. P.I.C. – ADV: JEFFERSON ZAMITH (OAB 393310/SP), JEFFERSON ZAMITH (OAB 393310/SP), JEFFERSON ZAMITH (OAB 393310/SP) (DJe de 14.03.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Imóvel adquirido a título oneroso, na vigência de união estável sob regime de comunhão parcial de bens – Posterior constituição de usufruto sobre a metade ideal do imóvel em favor da convivente – Comunicação dos aquestos – Inteligência dos artigos 1.658, 1.660, I e 1.725 do Código Civil – Injustificável a constituição de usufruto em favor de um dos conviventes sobre imóvel sujeito ao regime de comunhão parcial de bens – Usufruto que é direito real sobre coisa alheia – Recurso não provido.


Apelação Cível nº 1010167-54.2021.8.26.0477

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1010167-54.2021.8.26.0477
Comarca: PRAIA GRANDE

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1010167-54.2021.8.26.0477

Registro: 2023.0001107430

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1010167-54.2021.8.26.0477, da Comarca de Praia Grande, em que é apelante SEBASTIANA RODRIGUES DE JESUS, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PRAIA GRANDE.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 15 de dezembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1010167-54.2021.8.26.0477

APELANTE: Sebastiana Rodrigues de Jesus

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Praia Grande

VOTO Nº 39.257

Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Imóvel adquirido a título oneroso, na vigência de união estável sob regime de comunhão parcial de bens – Posterior constituição de usufruto sobre a metade ideal do imóvel em favor da convivente – Comunicação dos aquestos – Inteligência dos artigos 1.658, 1.660, I e 1.725 do Código Civil – Injustificável a constituição de usufruto em favor de um dos conviventes sobre imóvel sujeito ao regime de comunhão parcial de bens – Usufruto que é direito real sobre coisa alheia – Recurso não provido.

Cuida-se de apelação interposta por Sebastiana Rodrigues de Jesus em face da r. sentença (fls. 54/55), de lavra do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Praia Grande, que julgou procedente a dúvida suscitada, negando o acesso ao registro imobiliário da escritura pública de instituição de usufruto, que tem por objeto o imóvel de matrícula n.º 165.653, da referida serventia imobiliária (fls. 58/63).

Da nota devolutiva de nº 116965 (fls. 08), que qualificou negativamente o título, constou o seguinte óbice:

“Inviável, nesta oportunidade, o registro pretendido, pois constam da escritura como outorgante instituinte do usufruto sobre a metade ideal do imóvel MILTON VIEIRA DO NASCIMENTO, e como outorgada usufrutuária SEBASTIANA RODRIGUES DE JESUS, contudo, conforme se verifica da matrícula nº 165.653, deste registro, a aquisição do imóvel se deu na constância da união estável entre eles, porém os conviventes não estipularam o regime de bens na união estável, que neste caso aplica-se o regime da comunhão parcial de bens, conforme estabelece o artigo 1.725, do Código Civil, e tendo em vista que a aquisição do imóvel foi a título oneroso, importa, consequentemente, a comunicabilidade de bens (artigo 1.658, e artigo 1.660, inciso I, do Código Civil), portanto, segundo entendimento jurisprudencial enunciado na Súmula 377, do Supremo Tribunal Federal, e sendo Sebastiana também co-titular da nua-propriedade, não poderia ser usufrutuária”.

Sustenta a apelante, em suma, que a decisão recorrida deve ser reformada porque não há impedimento a que seja constituído usufruto por um companheiro em favor de outrem relativamente a bem que está sob o domínio do casal em mancomunhão.

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 89/91).

É o relatório.

O apelo não merece guarida.

A apelante pretende o registro da escritura pública de instituição de usufruto sobre metade ideal do imóvel objeto da matrícula nº 165.653 do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Praia Grande, em que figuram como instituinte Milton Vieira do Nascimento e como usufrutuária Sebastiana Rodrigues de Jesus, que são conviventes em união estável e que adquiriram o imóvel durante essa união.

Quer dizer, Milton Vieira do Nascimento e Sebastiana Rodrigues de Jesus mantêm união estável e, durante essa convivência, adquiriram a totalidade do imóvel em relação ao qual o convivente pretende instituir usufruto em benefício da companheira.

O óbice apresentado pelo Oficial foi no sentido de que a aquisição onerosa do imóvel durante a união estável do casal, a que deve ser aplicado o regime da comunhão parcial de bens porque não houve estipulação de regime à união estável (artigo 1.725 do Código Civil), faz com que ocorra a comunicabilidade do referido bem (artigos 1.658 e 1.660, I, do Código Civil), de tal sorte que a beneficiária do usufruto, por já deter a copropriedade do imóvel, não pode ser usufrutuária.

O usufruto, como é cediço, constitui direito real sobre coisa alheia, razão pela qual não se admite a instituição de usufruto para beneficiar quem já detém o domínio do bem, como ocorre no presente caso.

Nesse sentido, destaca-se:

“O usufruto tem natureza de direito real sobre coisa alheia e, portanto, não pode ser constituído em favor daquele que já detém o domínio. Em decorrência, não se justifica a constituição de usufruto em favor de um dos cônjuges sobre a totalidade de imóvel sujeito ao regime da comunhão de bens, ou que integrar a universalidade decorrente do regime da comunhão parcial.

A constituição de usufruto em favor do outro cônjuge, desse modo, somente subsiste em relação aos bens particulares de um deles” (Apelação Cível nº 1000578-42.2018.8.26.0348).

Muito embora o precedente se refira a casamento, há de se aplicar a mesma regra à união estável, por força dos já mencionados artigos 1.658, 1.660 e 1.725 do Código Civil.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 15.03.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

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