Comoriência afasta herança por representação

Renata Rivelli Martins dos Santos e Fabiane Parente Teixeira Martins

Preceitua o artigo 6º do Código Civil que “a existência da pessoal natural termina com a morte”, destacando-se assim a importância da indicação do momento da morte, já que com a morte abre-se a sucessão.

Se duas pessoas ou mais morrerem no mesmo momento sem se poder indicar se uma morte antecedeu a outra, essas mortes serão consideradas simultâneas.

O Código Civil, em seu artigo 8º, assim estabeleceu “Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos”.

A comoriência é, assim, a presunção de morte simultânea, de uma ou mais pessoas, na mesma ocasião (tempo), em razão do mesmo evento ou não, sendo essas pessoas reciprocamente herdeiras.

Com a abertura da sucessão, portanto com a morte, a herança do “de cujus”, composta do acervo patrimonial ativo e passivo, transmite-se aos herdeiros legítimos e testamentários. Assim, para que haja transmissão da herança do falecido para seus herdeiros é preciso que esses herdeiros tenham sobrevivido ao falecido, ou seja, que no momento da morte do autor da herança os seus herdeiros estejam vivos.

Não existe possibilidade de se transmitir a herança a mortos, haja vista que com a morte não existe mais pessoa natural. Com efeito, somente as pessoas podem titularizar direitos e, tendo perdido a personalidade com a morte, impossível receber a propriedade desse acervo patrimonial deixado pelo “de cujus”.

No caso da comoriência, como não se consegue identificar quem faleceu primeiro, sendo os indivíduos considerados simultaneamente mortos, não cabe direito sucessório entre comorientes, vale dizer, comorientes não são herdeiros entre si.

Ensina Maria Berenice Dias:

“Não havendo a possibilidade de saber quem é herdeiro de quem, a lei presume que as mortes foram concomitantes. Desaparece o vinculo sucessório entre ambos. Com isso, um não herda do outro e os bens de cada um passam aos seus respectivos herdeiros.”[i]

Exemplificativamente, se marido e mulher morrerem num acidente de carro sem se conseguir demonstrar quem morreu primeiro, serão os consortes considerados comorientes e, por via de conseqüência, não serão herdeiros entre si. Se os consortes deixaram descendentes, receberão estes, com base no artigo 1.829, C.C., lembrando que cada comoriente deixará sua herança sem contemplar o outro comoriente, razão pela qual não se analisa o regime de bens dos consortes.

Esclarecendo: se os cônjuges, Joca e Julia foram considerados comorientes por não terem conseguido identificar a pré-morte de um deles, não poderão ser considerados herdeiros entre si. A herança de Joca, havendo descendentes sucessíveis, será entregue a estes sem se cogitar o eventual direito de concorrência com base no regime de bens, ou seja, ainda que os consortes fossem casados sob o regime da separação convencional de bens, regime que defere o direito de concorrência, a participação do cônjuge não se aperfeiçoaria, já que comorientes não são considerados herdeiros entre si.

Insta consignar que herança não se confunde com meação (direito que pertencente a cada um dos cônjuges ou companheiros, relacionado à sua participação nos bens adquiridos na constância da união, conforme regime de bens do casamento ou da declaração de união estável), os comorientes não serão considerados herdeiros entre si, mas terão direito para a composição da herança de cada um a meação que lhes competia em virtude do regime de bens.

Se marido e mulher tivessem falecido, na hipótese anterior, sem deixar descendentes sucessíveis, tampouco ascendentes, com base na ordem de vocação hereditária seria chamado o cônjuge sobrevivente, por estar inserido na terceira classe da ordem, todavia como se tratam de comorientes, o cônjuge não poderia ser contemplado, passar-se-ia à quarta classe, ou seja, seriam chamados os colaterais para o recebimento da herança.

Direito de representação
Direito de representação, conforme disposição do artigo 1.851, do CC, consiste no chamamento de parentes do falecido a suceder em seus direitos, caso estivesse vivo:

“Dá-se o direito de representação, quando a lei chama certos parentes do falecido a suceder em todos os direitos, em que ele sucederia, se vivo fosse”

Instituto de origem romana criado para reparar o mal sofrido pela morte prematura dos pais. [ii]

Elucidando a definição legal, Maria Berenice Dias:

“Quando ocorre a morte de um herdeiro antes da abertura da sucessão, a lei chama os descendentes do falecido a sucedê-lo em todos os direitos. Recebem a herança no lugar dele. Daí dizer-se que não herdam por direito próprio, mas na qualidade de representantes do herdeiro pré-morto. Pelo direito de representação corrige-se a injustiça da rigorosa aplicação do principio que exclui os mais remotos em favor dos mais próximos. A finalidade do instituto é preservar a igualdade entre os herdeiros descendentes. A lei coroa a igualdade de filiação aos estipular que os descendentes na mesma classe têm os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes. Falecido um deles não se justifica que os seus sucessores fiquem fora da sucessão. Caso contrário se estaria excluindo o direito de herança pelo simples fato de o herdeiro ter morrido, deixando de se atentar ao fato de ele ter prole”[iii].

A crítica inicial que se faz é à denominação do termo “representação”, uma vez que o representante herda, nessas situações, por si mesmo, em seu nome, pois a lei lhe faz a vocação hereditária.

Como bem explica Mauro Antonini:

“Nas taxativas hipóteses legais, são chamados a suceder os parentes de um herdeiro que morreu antes do de cujus. Esses parentes herdam tudo o que o herdeiro pré-morto herdaria se estivesse vivo, em concorrência com os herdeiros sobreviventes do mesmo grau”[iv]

Os netos, descendentes de 2º grau, podem representar o pai pré-morto, na sucessão do avô, e receberão, por direito de representar o pai, o que este receberia se vivo fosse. Se o “de cujus” deixou dois filhos vivos e um filho pré-morto, a herança será dividida em 3 partes iguais,uma cota-parte para cada filho, e os netos receberão 1/3 da herança, para dividir de forma igualitária entre todos os netos.

A intenção da lei civil, ao excluir os herdeiros mais remotos, nessas hipóteses, é de cunho moral, ou seja, permite-se que a distribuição da herança seja equilibrada entre os descendentes presumivelmente ligados por idêntica afeição ao autor da herança.

“Assim, na linha descendente, os filhos sucedem por cabeça, e os outros descendentes, por cabeça ou por estirpe, conforme se achem ou não no mesmo grau”[v]

Na hipótese apresentada os netos receberão por estirpe ou direito de representação e os filhos do de cujus receberão por cabeça ou direito próprio.

Ensina Silvio de Salvo Venosa: “Se não houver diversidade de graus, isto é, os descendentes vivos mais próximos estiverem no mesmo grau, não haverá representação: a herança é dividida por cabeça. Assim, se o falecido deixou só netos, não havendo filhos vivos, a herança é dividida pelo número exato de netos, não importando quantos tenham sido os filhos”[vi]

Por força do artigo 1.852, do CC, o direito de representação só ocorrerá na linha descendente, não se admitindo a representação na linha ascendente. Os avós, assim, não poderão representar o filho pré-morto na sucessão do neto.

O instituto da representação é admitido para as hipóteses de pré-morte do descendente chamado em primeiro lugar a herdar, transmitindo-se a herança ao descendente de 2º grau, o qual representará seu genitor na sucessão do avô.

Não se admite, com fulcro no artigo 1.811, do Código Civil, o direito de representação para as hipóteses de renúncia, assim o filho do herdeiro renunciante não poderá representar seu pai.

Já na exclusão por indignidade, por tratar a restrição ao direito sucessório de pena aplicada ao herdeiro que cometeu um dos atos atentatórios contra a vida, honra ou liberdade de disposição patrimonial do hereditando, não será transferida aos herdeiros do excluído, cabendo o direito de representação. Com efeito, nessas hipóteses admitida está a representação já que a penalidade não pode passar da pessoa do infrator, ou seja, daquele que foi considerado indigno.

Representação e comoriência
A grande questão que se coloca no enfrentamento do tema comoriência é a hipótese de pai e filho morrerem simultaneamente, sem se conseguir demonstrar a pré-morte de um deles. Aplicando-se a comoriência, pai e filho não serão considerados herdeiros entre si, ou seja, o pai não será aquinhoado com a herança do filho, tampouco o filho será considerado herdeiro de seu pai. Mas o neto poderá representar seu pai na herança do avô? Admite-se o direito de representação nas hipóteses de comoriência?

No caso da comoriência, os comorientes não herdam entre si, mas e os seus filhos também serão afastados da sucessão?

Como na comoriencia os comorientes não são herdeiros entre si, não haverá direito de representação dos descendentes de 2º grau, ou seja, os netos não poderão representar o pai na sucessão do avó. Vale a mesma regra aplicada à renuncia, segundo a qual, o herdeiro renunciante não é mais considerado herdeiro, é como se ele nunca tivesse existido, razão pela qual não se aplica o direito de representação.

Nessas situações, não há preenchimento do primeiro requisito básico para sucessão por representação, qual seja, o representante, para herdar como representante, só terá condição ou legitimidade de herdeiro se o seu ascendente imediatamente anterior houver falecido antes do transmitente da herança. [vii]

Elucidando a questão da comoriência, se pai e filho morreram num acidente de avião, sem se conseguir, aplicando-se todas as técnicas da medicina legal, identificar qual dos mortos faleceu primeiro, serão considerados simultaneamente mortos, sem que um tenha direito a sucessão do outro. Imaginemos que o filho também tivesse deixado um descendente, esse descendente não poderia representar seu pai na sucessão do avô. Por mais injusta que essa solução pode parecer, ela se baseia no fato do comoriente não estabelecer nenhum relação sucessória com o outro comoriente, o que impossibilita a aplicação do direito de representação.

Referido raciocínio lógico é extraído do texto legal, especificamente do artigo 1.854 do Código Civil, que estabelece: “Os representantes só podem herdar, como tais, o que herdaria o representado, se vivo fosse”.

Portanto, caracterizada a comoriência, não há que se falar em recebimento da herança por direito de representação, constatando-se, assim, um paradoxo da legislação civil ao fixar referida regra, uma vez que, nesse caso, não se permite que a distribuição da herança seja equilibrada entre os descendentes presumivelmente ligados por idêntica afeição ao autor da herança pois o neto do falecido na comoriência não herdará a herança deixada por seu avô.

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[i] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Sucessões. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pág. 286.

[ii] VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil Interpretado. São Paulo: Atlas, 2012, pág. 1680.

[iii] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Sucessões. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pág. 209.

[iv] PELUSO, Cezar (Coord.) Código Civil Comentado. Manole, 3ª Ed. pág. 2088.

[v] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões. 2009. pág. 121.

[vi] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões. 2009. pág. 121.

[vii] VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil Interpretado. São Paulo: Atlas, 2012, pág. 1681.

Autoras do artigo:

Renata Rivelli Martins dos Santos é professora de Direito Civil e Empresarial na Universidade Metodista de Piracicaba

Fabiane Parente Teixeira Martins é advogada, mestre em Direito Ambiental pela Universidade Metodista de Piracicaba. professora de Direito Civil e Ambiental da Universidade Metodista de Piracicaba, coordenadora do curso de Especialização em Direito Ambiental da Unimep, professora Responsável pelo setor de Conciliação Pré-Processual das Varas de Família da Comarca de Piracicaba e diretora do Instituto de Estudos de Direito e Cidadania.

Fonte : Assessoria de Imprensa da Arpen/SP. Publicação em 27/03/13.


Uma lição de liderança

Uma lição bíblica sobre liderança: para suportar as dificuldades, divida seu fardo, delegando suas funções mais simples a pessoas capazes, tementes a Deus, dignas de confiança e inimigas do ganho desonesto.

No dia seguinte Moisés assentou-se para julgar as questões do povo, e este permaneceu de pé diante dele, desde a manhã até o cair da tarde. Quando o seu sogro viu tudo o que ele estava fazendo pelo povo, disse: "Que é que você está fazendo? Por que só você se assenta para julgar, e todo este povo o espera de pé, desde a manhã até o cair da tarde? " Moisés lhe respondeu: "O povo me procura para que eu consulte a Deus. Toda vez que alguém tem uma questão, esta me é trazida, e eu decido entre as partes, e ensino-lhes os decretos e leis de Deus". Respondeu o sogro de Moisés: "O que você está fazendo não é bom. Você e o seu povo ficarão esgotados, pois esta tarefa lhe é pesada demais. Você não pode executá-la sozinho. Agora, ouça-me! Eu lhe darei um conselho, e que Deus esteja com você! Seja você o representante do povo diante de Deus e leve a Deus as suas questões. Oriente-os quanto aos decretos e leis, mostrando-lhes como devem viver e o que devem fazer. Mas escolha dentre todo o povo homens capazes, tementes a Deus, dignos de confiança e inimigos de ganho desonesto. Estabeleça-os como chefes de mil, de cem, de cinquenta e de dez. Eles estarão sempre à disposição do povo para julgar as questões. Trarão a você apenas as questões difíceis; as mais simples decidirão sozinhos. Isso tornará mais leve o seu fardo, porque eles o dividirão com você. Se você assim fizer, e se assim Deus ordenar, você será capaz de suportar as dificuldades, e todo este povo voltará para casa satisfeito". Moisés aceitou o conselho do sogro e fez tudo como ele tinha sugerido. Escolheu homens capazes de todo o Israel e colocou-os como líderes do povo: chefes de mil, de cem, de cinquenta e de dez. Estes ficaram como juízes permanentes do povo. As questões difíceis levavam a Moisés; as mais simples, porém, eles mesmos resolviam (Bíblia Sagrada- Nova Versão Internacional- Êxodo 18:13-26)

 


STJ: Conluio contra credores autoriza anulação de leilão de imóveis de empresa falida

Conluio contra credores autoriza anulação de leilão de imóveis de empresa falida A norma do artigo 53 da antiga Lei de Falências (Decreto-Lei 7.661/45) se aplica não só a atos negociais de direito privado, mas a outros atos tendentes a prejudicar o direito do credor e a esvaziar o patrimônio da empresa, como os decorrentes de fraude em leilão judicial. O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar recurso que contestava a anulação de arrematação de imóveis em leilão e pedia, subsidiariamente, a devolução dos valores pagos pelo arrematante.

Os imóveis, onde estava construída a oficina da empresa falida, foram levados a leilão na Justiça do Trabalho e arrematados a preço vil antes da decretação da falência, mas dentro do período suspeito (determinado, no caso, pelo protesto mais antigo em aberto). Juntos, os dois imóveis da empresa falida foram arrematados por R$ 13.800, quando, segundo perícia, valeriam pouco mais de R$ 236 mil.

A massa falida entrou com ação revocatória e a Justiça gaúcha reconheceu a ocorrência de fraude, mediante conluio entre a empresa falida e o adquirente dos bens. Segundo o processo, após a transferência da propriedade, o arrematante alugou os imóveis, por preço simbólico, a uma empresa de fachada formada pelos filhos dos sócios falidos.

A sentença de primeiro grau, referendada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), julgou procedente a ação revocatória para anular a transferência dos imóveis e restituí-los à massa falida.

Finalidade da norma

No recurso interposto no STJ, o arrematante alegou ofensa aos artigos 53 do Decreto-Lei 7.661 e 130 da nova Lei de Falências (Lei 11.101/05), ao argumento de que não estariam preenchidos os requisitos legais para a declaração de ineficácia do ato em ação revocatória, já que a alienação do bem se deu por leilão e não por contrato bilateral entre o falido e o adquirente.

O relator do processo, ministro Sidnei Beneti, explicou que o artigo 53 do Decreto 7.661, em que se apoia o acórdão do TJRS para decretar a nulidade da arrematação ocorrida no processo de falência, fala em “atos praticados com a intenção de prejudicar credores”, o que abrange não somente os atos negociais de direito privado, mas também, em certos casos, a própria arrematação realizada em outro processo, caso seja evidenciada atuação maliciosa da falida em detrimento dos interesses dos credores.

Segundo o ministro Beneti, a alegação do arrematante de que a previsão do artigo 53 do Decreto 7.661 seria destinada apenas aos atos negociais “desatende à finalidade da norma, que é evitar a dilapidação do patrimônio do falido mediante atos fraudulentos” – os quais podem ser disfarçados por meio de hasta pública realizada em outro processo e concretizada por preço vil.

“As normas jurídicas não podem ser interpretadas de modo a se obter resultado contrário ao sentido que lhe serviu de inspiração”, disse o ministro.

Devolução do dinheiro

A Terceira Turma também decidiu que não cabe ao arrematante a devolução imediata dos valores pagos pelos imóveis. A devolução deve obedecer à ordem de preferência de credores, estabelecida em lei.

O arrematante alegava que a devolução imediata era devida, pois o requisito da boa-fé trazido pelo artigo 136 da Lei 11.101 só entrou em vigor após a arrematação, que ocorreu em julho de 2000. Portanto, segundo ele, mesmo sendo mantido o entendimento de que houve conluio para fraudar os credores da falida, a ausência de boa-fé não poderia ser impedimento à devolução imediata do dinheiro pago.

O TJRS negou o pedido sob o argumento de que o arrematante não poderia ser privilegiado em relação aos demais credores. Para o ministro Sidnei Beneti, o julgamento do TJRS, além de justo, “possui sentido altamente moralizador no tocante a atos que se pratiquem à margem do rigor do processo falimentar”.

Mesmo que o artigo 136 da nova Lei de Falências não seja aplicável ao caso, afirmou o ministro, “a solução dada pelo tribunal de origem bem observa, à luz da lei anterior, o melhor sentido de justiça que veio a merecer, depois, legislação expressa”.

Fonte: STJ. Data da Publicação: 26/03/2013.