DECISÃO DA CGJ/SP SOBRE COBRANÇA DOS ATOS DA LEI Nº 11.441/07

DICOGE 5.1

PROCESSO Nº 2016/204317 – SÃO PAULO – CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

Parecer nº 35/2017-E

Tabelionato de Notas – Consulta formulada por tabelião acerca do alcance da nota explicativa 3.1.1 da tabela dos Cartórios de Notas instituída pela Lei Estadual nº 11.331/02 – Nota explicativa que, em relação à escritura de partilha, aplica-se apenas àquela lavrada nos termos do artigo 2.015 do Código Civil – Aplicação do item 78.2 do Capítulo XIV das NSCGJ para o cálculo dos emolumentos concernentes às escrituras de separação e divórcio seguidos de partilha e do item 78.3 do Capítulo XIV das NSCGJ para o cálculo dos emolumentos relativos às escrituras de inventário e partilha (Lei nº 11.441/07) – Uniformização do entendimento administrativo, na forma do artigo 29, § 2º, da Lei Estadual nº 11.331/02 – Regramento em caráter geral e normativo.

Pleito formulado pelo Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo, no sentido de incluir o valor da meação do cônjuge sobrevivente na base de cálculo dos emolumentos relativos à lavratura de escritura de inventário e partilha – Meação devida ao cônjuge supérstite, que não caracteriza transmissão de bens, mas mera atribuição daquilo que já lhe pertencia – Ausência de partilha – Emolumentos que, além disso, são cobrados com a exclusão do valor da meação há uma década sem indício de prejuízo aos tabeliães – Parecer pelo indeferimento do pedido.

Vistos.

Trata-se de consulta formulada pelo Tabelião de Notas e Oficial de Registro de Imóveis de Presidente Epitácio ao Juiz Corregedor Permanente daquela serventia, a respeito dos emolumentos a serem cobrados pela lavratura de escrituras de permuta, de divisão de imóvel e de partilha. Questionou o delegatário, considerando a Nota Explicativa 3.1.11 da tabela dos Cartórios de Notas instituída pela Lei Estadual nº 11.331/02, se o cálculo dos emolumentos relativos a esses atos deve levar em conta o total do patrimônio partilhado ou o valor de cada um dos pagamentos realizados aos interessados (fls. 11/13).

O MM. Juiz Corregedor Permanente do Tabelião de Notas e Oficial de Registro de Imóveis de Presidente Epitácio, por meio da decisão copiada a fls. 15/16, decidiu que a cobrança dos emolumentos deveria ocorrer por pagamento realizado.

Posteriormente, após a manifestação da Tabeliã de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de Presidente Epitácio (fls.22/25), o MM Juiz Corregedor Permanente esclareceu que a decisão anteriormente prolatada “não se aplica aos inventários e divórcios extrajudiciais”, devendo ser observada, nessas hipóteses, “a regulamentação do item 78.2 das Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais” (fls. 26).

Na forma do artigo 29, § 2º, da Lei Estadual nº 11.331/022, as decisões proferidas pelo MM. Juiz Corregedor Permanente foram encaminhadas a esta Corregedoria Geral.

Instado a se manifestar (fls. 33), o Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo apresentou suas ponderações sobre o tema (fls. 36/42). Em relação aos emolumentos concernentes à lavratura de escritura de inventário e partilha, o Colégio sustentou que o dispositivo aplicável é o item 78.33 do Capítulo XIV das NSCGJ. Aproveitou o ensejo para postular a revisão de parte do que dispõe esse item das Normas. Argumentando que o trabalho de formalização de vontades feito pelo notário também inclui a vontade do meeiro, requer, nas escrituras de inventário e partilha, a inclusão do valor da meação do cônjuge sobrevivente na
base de cálculo dos emolumentos.

É o relatório.

Preceitua o item 3.1.1 das Notas Explicativas da Tabela dos Tabelionatos de Notas instituída pela Lei Estadual nº11.331/02:

3.1.1. – Nas escrituras de permuta, ou de divisão de imóvel, ou de partilha, o cálculo deverá ser feito por pagamento, obedecendo os critérios dispostos nesta lei, quando ao interessado for atribuído mais de um bem ou direito, salvo disposição em contrário aqui prevista.

Com base nessa nota, cuja redação permanece inalterada desde a entrada em vigor da Lei Estadual nº 11.331/02, o Tabelião de Notas e Oficial de Registro de Imóveis de Presidente Epitácio questionou seu Corregedor Permanente acerca da forma de cobrança dos emolumentos nessas hipóteses.

No que tange às escrituras de permuta e divisão de imóvel, parece não haver dúvida sobre a aplicabilidade dessa nota explicativa. Ou seja, nesses casos, salvo disposição em contrário e desde que ao interessado seja atribuído mais de um bem ou direito, o cálculo dos emolumentos será feito por pagamento.

Já em relação às escrituras de inventário, divórcio e separação, houve certa dúvida acerca dos emolumentos incidentes.

No entanto, como bem ponderado pela Tabeliã de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de Presidente Epitácio (fls. 22/25), manifestação endossada pelo Colégio Notarial do Brasil (fls. 36/42), em relação a essas escrituras, aplicáveis os itens 78.2 e 78.3 do Capítulo XIV das NSCGJ:

78.2. Enquanto inexistir previsão específica dos novos atos notariais na tabela própria anexa à Lei Estadual nº 11.331, de 26 de novembro de 2002, a definição do valor dos emolumentos dar-se-á por meio da classificação dos atos nas atuais categorias gerais da tabela, pelo critério escritura com valor declarado, quando houver partilha de bens, considerado o valor total do acervo, e pelo critério escritura sem valor declarado, quando não houver partilha de bens.

78.3. Se houver partilha, prevalecerá como base para o cálculo dos emolumentos, o maior valor dentre aquele atribuído pelas partes e o venal. Nesse caso, em inventário e partilha, excluir-se-á da base de cálculo o valor da meação do cônjuge sobrevivente.

Desse modo, para separação e divórcio seguidos de partilha, utiliza-se o item 78.2 do Capítulo XIV das Normas: ou seja, cobra-se pelo ato como escritura com valor declarado, considerado, para fins de cálculo de emolumentos, o valor total do acervo a ser partilhado entre os cônjuges.

No caso de escritura de inventário e partilha, aplica-se o item 78.3, que é específico: calculam-se os emolumentos como escritura com valor declarado, considerado o valor total do acervo a ser partilhado entre os herdeiros, excluída a meação do cônjuge sobrevivente.

E em que hipótese aplicar-se-ia o item 3.1.1 à escritura de partilha?

Conforme explicação dada pela Tabeliã de Presidente Epitácio e pelo Colégio Notarial do Brasil, o item 3.1.1 tem aplicabilidade para a hipótese de partilha de bens entre os herdeiros, por escritura pública, com posterior homologação judicial. Nesse sentido, o artigo 2.015 do Código Civil:

Art. 2.015. Se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha amigável, por escritura pública, termo nos autos do inventário, ou escrito particular, homologado pelo juiz.

A explicação para essa aplicação limitada é de ordem cronológica.

Com efeito, por ocasião da entrada em vigor da Lei nº 11.331/02 e, por consequência, da nota explicativa 3.1.1 da tabela dos Cartórios de Notas, não existia dispositivo legal que permitisse a realização inventário, separação ou divórcio extrajudicial. Isso só se tornou possível com a Lei nº 11.441/07, que entrou em vigor cinco anos depois da Lei Estadual de custas.

Assim, às escrituras de inventário, separação e divórcio, aplicam-se os itens 78.2 e 78.3, que são específicos e cuja redação atual é posterior à Lei nº 11.441/07.

Resolvida a questão da aplicabilidade da nota explicativa 3.1.1, passa-se à análise do pleito do Colégio Notarial do Brasil. Requer a associação a alteração das Normas de Serviço, mais especificamente do item 78.3 do Capítulo XIV, com a fixação de nova base de cálculo para os emolumentos nas escrituras de inventário e partilha. De acordo com seu pleito, todo o acervo, inclusive a meação do cônjuge sobrevivente, passaria a ser considerado para fins de cálculo dos emolumentos.

Salvo melhor juízo de Vossa Excelência, o pedido não pode ser deferido.

Cabe destacar, de início, que o Desembargador Gilberto Passos de Freitas, então Corregedor Geral da Justiça, por meio da Portaria nº 1/2007, instituiu Grupo de Estudos para o exame e aplicação prática das novidades trazidas pela Lei Federal nº 11.441/2007.

Desse grupo de notáveis, fizeram parte os Desembargadores José Roberto Bedran e José Renato Nalini; os então Juízes das Varas de Registros Públicos da Capital e hoje Desembargadores Marcelo Martins Berthe e Márcio Martins Bonilha Filho; o então Juiz Auxiliar da Corregedoria e hoje Desembargador Vicente de Abreu Amadei; o Defensor Público Vitore André Zilio Maximiano; a Advogada Márcia Regina Machado Melaré; e o Tabelião Paulo Tupinambá Vampré.

Desses todos, apenas o Tabelião Paulo Tupinambá Vampré discordou da redação dada à conclusão 2.5, que deu origem ao atual item 78.3 do Capítulo XIV das NSCGJ:

2.5. Havendo partilha, prevalecerá como base para o cálculo dos emolumentos, o maior valor dentre aquele atribuído pelas partes e o venal. Nesse caso, em inventário e partilha, excluir-se-á da base de cálculo o valor da meação do cônjuge sobrevivente (APROVADA POR MAIORIA DE VOTOS, VENCIDO O TABELIÃO DE NOTAS PAULO TUPINAMBÁ VAMPRÉ).

Ou seja, com exceção do Tabelião que fazia parte do Grupo de Estudos, todos os outros componentes concluíram que a meação do cônjuge supérstite não  poderia integrar a base de cálculo dos emolumentos.

E há motivos técnicos que embasam esse entendimento.

Meação decorre do regime de bens e preexiste à morte do cônjuge. Ela é devida ao cônjuge viúvo, mas não se trata de transmissão. Trata-se de simples atribuição de parcela do patrimônio comum ao cônjuge sobrevivente, em virtude do falecimento do outro.

Desse modo, como não há partilha dos bens que serão atribuídos ao meeiro, não se justifica que o valor desses bens seja utilizado para o cálculo dos emolumentos devidos pela lavratura da escritura.

Pelo mesmo motivo – ausência de efetiva transmissão –, o ITCMD não incide sobre o valor da meação. Nesse sentido: “O imposto não incide sobre a totalidade do patrimônio inventariado, ou seja, o monte-mor, mas apenas sobre a herança transmitida aos herdeiros e legatários. Assim, havendo cônjuge meeiro sobrevivo (com direito à comunhão de bens), será apartado o valor da meação, a qual não decorre de transmissão de bens e sim do regime de comunhão no casamento. A
outra metade deixada pelo inventariado é que fica sujeita ao tributo, já que transmitida aos herdeiros” (Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim, “Inventários e Partilhas – Direito das Sucessões – Teoria e Prática”, 23ª edição, 2013, p. 366).

Aos argumentos de ordem técnica, soma-se argumento de ordem prática.

Conforme manifestação do Colégio Notarial do Brasil, “segundo estatísticas da Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados – CENSEC, administrada pelo Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal, mais de 1,5 milhão de atos de divórcios, separações e inventários já foram realizados nos cartórios extrajudiciais brasileiros após o advento da Lei 11.441/07, contribuindo para desafogar o Poder Judiciário” (fls. 41).

Ou seja, faz uma década que os cartórios de notas passaram a prestar esse novo serviço, sem indício de que a exclusão do valor da meação no cálculo dos emolumentos da escritura de inventário e partilha inviabilizasse financeiramente o serviço.

Se tecnicamente a exclusão da meação fosse o caminho mais acertado, mas, na prática, isso acarretasse prejuízo aos notários, talvez o tema realmente devesse ser revisto.

No entanto, além de ser a posição tecnicamente mais acertada, a experiência desses dez anos mostrou que o cálculo dos emolumentos na forma do item 78.3 do Capítulo XIV das NSCGJ é financeiramente viável para os tabelionatos.

E não se pode afastar a ideia de que parte do sucesso na lavratura de inventários e partilhas extrajudiciais seja decorrente da razoabilidade do valor cobrado pelo serviço. Com a inclusão do valor da meação, os emolumentos, em alguns casos, praticamente dobrariam. Isso, provavelmente, faria com que parte dos usuários optasse pela via judicial, ou mesmo que deixasse a realização do inventário e da partilha para momento posterior.

Ante o exposto, o parecer sugere:

a) que a nota explicativa 3.1.1 da tabela dos Tabelionatos de Notas instituída pela Lei Estadual nº 11.331/02, ao mencionar “escritura de partilha”, refere-se tão-somente às escrituras desse tipo lavradas na forma do art. 2.015 do Código Civil (partilha amigável a ser homologado pelo juiz);
b) que para o cálculo dos emolumentos das escrituras de separação e divórcio seguidos de partilha, aplica-se o item 78.2 do Capítulo XIV das NSCGJ;
c) que para o cálculo dos emolumentos das escrituras de inventário e partilha (Lei nº 11.441/07), aplica-se o item 78.3 do Capítulo XIV das NSCGJ;
d) o indeferimento do pleito formulado pelo Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo, com a manutenção da redação do item 78.3 do Capítulo XIV das NSCGJ, excluindo-se o valor da meação do cônjuge sobrevivente do cálculo dos emolumentos relativos à lavratura de escritura de inventário e partilha.
Caso este parecer seja aprovado e devido à relevância da matéria, sugiro sua publicação na íntegra no Diário da Justiça Eletrônico, por três dias alternados.

Sub censura.
São Paulo, 21 de fevereiro de 2017.
(a) Carlos Henrique André Lisboa

Juiz Assessor da Corregedoria

3.1.1. – Nas escrituras de permuta, ou de divisão de imóvel, ou de partilha, o cálculo deverá ser feito por pagamento, obedecendo os critérios dispostos nesta lei, quando ao interessado for atribuído mais de um bem ou direito, salvo disposição em contrário aqui prevista.
2 § 2º – As dúvidas formuladas por escrito e suas respectivas decisões serão encaminhadas pelo Juiz Corregedor Permanente
à Corregedoria Geral da Justiça, para uniformização do entendimento administrativo a ser adotado no Estado.
3 78.3. Se houver partilha, prevalecerá como base para o cálculo dos emolumentos, o maior valor dentre aquele atribuído pelas partes e o venal. Nesse caso, em inventário e partilha, excluir-se-á da base de cálculo o valor da meação do cônjuge sobrevivente.

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que acolho, a fim de uniformizar o entendimento administrativo a ser adotado no Estado (artigo 29, § 2º, da Lei Estadual nº 11.331/02) esclareço: a) que a nota explicativa 3.1.1 da tabela dos Tabelionatos de Notas instituída pela Lei Estadual nº 11.331/02, ao mencionar “escritura de partilha”, refere-se tão-somente às escrituras desse tipo lavradas na forma do art. 2.015 do Código Civil (partilha amigável a ser homologado pelo juiz); b) que para o cálculo dos emolumentos das escrituras de separação e divórcio, aplica-se o item 78.2 do Capítulo XIV das NSCGJ; c) que para o cálculo dos emolumentos das escrituras de inventário e partilha (Lei nº 11.441/07), aplica-se o item 78.3 do Capítulo XIV das NSCGJ. Sem prejuízo, em que pese o pleito do Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo, mantenho inalterada a redação do item 78.3 do Capítulo XIV das NSCGJ. Dada a relevância da matéria, publique-se no DJE esta decisão e o parecer ora aprovado em três dias alternados. Na forma do artigo 29, § 3º, da Lei Estadual nº 11.331/12, encaminhem-se cópias desta decisão e do parecer ora aprovado à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, para acompanhamento e  aprimoramento da legislação relativa aos emolumentos. São Paulo, 22 de fevereiro de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça.

Fonte: CNB/SP – DJE/SP | 06/03/2017.

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DJE/SP: UNIÃO ESTÁVEL – REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA – INÍCIO DA CONVIVÊNCIA – QUALIFICAÇÃO REGISTRAL

UNIÃO ESTÁVEL – REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA – Segundo a jurisprudência do E. STJ, aplica-se à união estável o art. 1641, II, do CC – É a idade dos conviventes no início da convivência que importa para eventual imposição do regime de separação de bens, sendo irrelevante o momento em que eventualmente venham a formalizar a união, por meio de escritura pública – Salvo raras exceções, não cabe ao Tabelião ou ao Registrador colher provas da veracidade das idades que os conviventes declararem por ocasião da escritura pública de união estável – Recurso desprovido.

CGJSP > PROCESSO: 1000633-29.2016.8.26.0100 LOCALIDADE: São Paulo
DATA JULGAMENTO: 13/10/2016 DATA DJ: 21/11/2016
Relator: Manoel de Queiroz Pereira Calças
Legislação:

CC2002 – Código Civil de 2002 | 10.406/2002, ART: 1641, INC: II

íntegra:

Processo nº 1000633-29.2016.8.26.0100 – Parecer 220/2016-E

UNIÃO ESTÁVEL – REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA – Segundo a jurisprudência do E. STJ, aplica-se à união estável o art. 1641, II, do CC – É a idade dos conviventes no início da convivência que importa para eventual imposição do regime de separação de bens, sendo irrelevante o momento em que eventualmente venham a formalizar a união, por meio de escritura pública – Salvo raras exceções, não cabe ao Tabelião ou ao Registrador colher provas da veracidade das idades que os conviventes declararem por ocasião da escritura pública de união estável – Recurso desprovido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Cuida-se de recurso interposto pelo Ministério Público, em face de r. sentença que determinou registro de escritura pública de união estável, prevendo regime de comunhão parcial de bens, embora lavrada quando o convivente já contava mais de setenta anos. Sustenta o recorrente que a idade a determinar a aplicação do art. 1641, II, do CC, impondo regime de separação de bens, é aquela da época da lavratura da escritura, ainda que os conviventes declarem que a união teve início ao tempo em que nenhum dos dois havia completado setenta anos, como forma de evitar que o instrumento passe a servir de subterfúgio a quem pretenda fraudar terceiros credores.

Em primeiro grau, previamente à sentença, o Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo e a ARPEN-SP manifestaram-se pela validade da escritura e pela regularidade do registro pretendido.

A Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

Preambularmente, cumpre rememorar a existência de acirrado debate acerca da constitucionalidade do art. 1641, II, do Código Civil. Não faltam doutrinadores a sustentar que a norma viola princípios como os da isonomia, da intimidade e da dignidade da pessoa humana:

Com os magistérios de Milton Paulo de Carvalho Filho:

“Contudo, a jurisprudência e a doutrina observam que o referido dispositivo (art. 1.641, II) fere os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica e da intimidade, bem como a garantia do justo processo da lei, esse tomado na acepção substantiva, firmando entendimento no sentido de que a norma contida no artigo em exame, que repete aquela contida no art. 258, parágrafo único, II, do CC anterior, não foi recepcionado pela CR. Isso porque o nubente ou o companheiro com 70 anos ou mais é plenamente capaz para o exercício de todos os atos da vida civil e para a livre disposição de seus bens. Não há justificativa a amparar o intuito da disposição legal de reduzir a autonomia do cônjuge ou do companheiro, em evidente contrariedade à lei Maior (veja-se a propósito o brilhante acórdão proferido nos autos da Ap. Cível n. 007.512-4/2-00, da 2ª Câm. Do TJSP, em que foi relator o atual Ministro do STF Cezar Peluso, então desembargador daquele egrégio tribunal).” (Código Civil Comentado, São Paulo: Manole, 10ª ed., 2016, p. 1944)

Não destoam do entendimento aludido os ensinamentos de Maria Berenice Dias:

“Das várias previsões que visam negar efeitos de ordem patrimonial ao casamento, a mais desarrazoada é a imposta aos nubentes maiores de 70 anos (CC 1.641 II), em flagrante afronta ao Estatuto do Idoso. A limitação da vontade, em razão da idade, longe de se constituir em uma precaução (norma protetiva), se constituiu em verdadeira sanção. Somente quando o casamento é antecedido de união estável não vigora a odiosa restrição, podendo os noivos optar pelo regime de bens que desejarem.

Trata-se de presunção juris et de jure de total incapacidade mental. De forma aleatória e sem buscar sequer algum subsídio probatório, o legislador limita a capacidade de alguém exclusivamente para um único fim: subtrair a liberdade de escolher o regime de bens quando do casamento. A imposição da incomunicabilidade é absoluta, não estando prevista nenhuma possibilidade de ser afastada a condenação legal.

Nas demais hipóteses em que a lei impõe esse regime de bens, ao menos existem justificativas de ordem patrimonial. Consegue-se identificar a tentativa de proteger o interesse de alguém (CC 1.641 I). Além disso, a restrição é reversível. Pode o juiz excluir dita apenação (CC 1.523 parágrafo único). Essa chance não é dada aos noivos idosos. Mesmo que provem a sinceridade do seu amor, sua higidez mental ou que sequer têm família a quem deixar seus bens. Não há opção. A lei é implacável. Essa restrição não existe na união estável. Mas como a limitação acabava tornando mais vantajosa a união informal, passou a jurisprudência a impor o regime da separação também à união estável. Surpreendentemente é feita interpretação analógica para limitar direitos.” (Manual de Direito das Famílias, São Paulo: Revista dos Tribunais, 11ª ed., 2016, p. 254/255)

Ainda que se a tome por constitucional, surge outra discussão de relevo, relacionada à aplicabilidade da referida norma à união estável, por analogia. Ainda com Maria Berenice Dias:

“Havia uma circunstância que talvez fizesse a união estável mais vantajosa do que o casamento: quando um, ou ambos, têm mais de 70 anos. Para quem casar depois dessa idade, o casamento não gera efeitos patrimoniais. É o que diz a lei (CC 1.641, II), que impõe o regime da separação obrigatória de bens. Como essa limitação não existe na união estável, não cabe interpretação analógica para restringir direitos. No entanto, o STJ estende a limitação também à união estável.” (Manual de Direito das Famílias, São Paulo: Revista dos Tribunais, 11ª ed., 2016, p. 254/255)

Já para Milton Paulo de Carvalho Filho:

“O inciso II do art. 1641 prevê a obrigatoriedade do regime da separação de bens às pessoas com 70 anos ou mais que contraírem matrimônio. O art. 1723 não faz referência à idade dos companheiros nem, tampouco, o artigo ora comentado ou qualquer outro dispositivo legal, estabelece limite máximo de idade para a adoção do regime de bens pelos companheiros. Portanto, este inciso também não tem aplicação à união estável.” (Código Civil Comentado, São Paulo: Manole, 10ª ed., 2016, p. 1944)

Tais teses, ao menos por ora, não comportaram acolhida das Cortes brasileiras, que têm decidido pela constitucionalidade do art. 1641, II, da Lei Civil, bem como por sua incidência às hipóteses de união estável. De rigor, então, analisar em qual momento a idade dos conviventes deve ser considerada, para fins de eventual imposição do regime de separação de bens.

Como se nota do v. acórdão colacionado a fls. 13/28, o E. Superior Tribunal de Justiça reiterou ser o início da convivência, com os requisitos elencados no art. 1723 do Código Civil, o marco a determinar o regime de bens entre os conviventes, ainda que, posteriormente, lavrem escritura pública de união estável.

“Nessa toada, verifica-se que, no caso, por ocasião do início da união estável, ou seja, aos 2/11/1999, o ex-companheiro C.G.G. não contava com sessenta anos. Tinha bem menos, 54 anos, de modo que, à luz da orientação jurisprudencial citada, não incidia a imposição do regime da separação obrigatória de bens à sua união estável.” (Recurso Especial 1.383.624/MG, Relator: Ministro Moura Ribeiro, DJ 12/6/15)

Aquela Corte já havia prolatado decisões outras que apontavam para o mesmo Norte:

“É obrigatório o regime de separação legal de bens na união estável quando um dos companheiros, no início da relação, conta com mais de sessenta anos, à luz da redação originária do art. 1.641, II, do Código Civil, a fim de realizar a isonomia no sistema, evitando-se prestigiar a união estável no lugar do casamento.” (REsp 1403419 / MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJE 14/11/2014; grifos não constam do original)

“Devem ser estendidas, aos companheiros, as mesmas limitações previstas para o casamento, no caso de um dos conviventes já contar com mais de sessenta anos à época do início do relacionamento, tendo em vista a impossibilidade de se prestigiar a união estável em detrimento do casamento.” (RESP 1.369.860, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 19/8/2014; grifos não constam do original)

Sedimentado, ainda, que o contrato de convivência pode ser firmado a qualquer tempo, disciplinando efeitos de situação fática que lhe será preexistente. Pertinentes, ainda uma vez, as palavras de Maria Berenice Dias:
“No entanto, há a possibilidade de os conviventes, a qualquer tempo (antes, durante, ou mesmo depois de dissolvida a união), regularem da forma que lhes aprouver as questões patrimoniais, agregando, inclusive, efeito retroativo às deliberações.” (Manual de Direito das Famílias, São Paulo: Revista dos Tribunais, 11ª ed., 2016, p. 255/256)

Aliás, será raro que o documento marque o início da união estável. Deveras, a iniciativa de elaborar contrato surgirá, no mais das vezes, quando a convivência já se tiver tornado pública, contínua, duradoura e com o fim de constituir família. Nos moldes da orientação do E. STJ:

“A união estável, como situação de fato não se sujeita a nenhuma solenidade. Normalmente, concretizar-se-á com o decorrer do tempo, pois não há como saber previamente se ela será duradoura e estável. Dessa forma, eventual contrato de convivência pode ser formalizado a qualquer momento, seja na sua constância seja previamente ao seu início. Isso se justifica, pois, como não se submetem às solenidades e rigores do casamento, os conviventes possuem maior liberdade para decidir o momento em que vão celebrar o contrato. Além disso, o que não é proibido ou contrário à lei, presume-se permitido.” (Recurso Especial 1.383.624/MG, Relator: Ministro Moura Ribeiro, DJ 12/6/15)

Neste passo, cumpre observar ser inexigível do Tabelião ou do Registrador que colham provas para confirmar o momento em que a convivência teve início. Valerá, para tais fins, a data declarada pelos próprios conviventes, ressalvadas situações absolutamente excepcionais, em que o uso da união estável como meio de fraudar terceiros esteja às escâncaras.

De outro bordo, para casamentos precedidos de união estável entre os nubentes, não incidirá a limitação do art. 1641, II, da Lei Civil, se, ao tempo do início da convivência, nenhum dos conviventes tivesse completado 70 anos, ainda que algum deles tenha ultrapassado a idade legal quando do casamento.

“Se tivesse sido, desde logo, celebrado o casamento, quando iniciado o relacionamento entre as partes, o qual perdurou, no total, por mais de 30 anos, não haveria a obrigatoriedade da adoção do regime da separação obrigatória de bens, pois o de cujus ainda não completara 60 anos de idade.
Mesmo não sendo expresso, naquela época (1978), o princípio segundo o qual a Lei deverá reconhecer as uniões estáveis, fomentando sua conversão em casamento (art. 226, §3º, da CF), não havia – e não há – sentido em se admitir que o matrimônio do de cujus e da recorrida tenha implicado, para eles, restrição de direitos, ao invés de ampliar proteções.” (REsp 1254252 / SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 29/4/14)

“O reconhecimento da existência de união estável anterior ao casamento é suficiente para afastar a norma, contida no CC/16, que ordenava a adoção do regime da separação obrigatória de bens nos casamentos em que o noivo contasse com mais de sessenta, ou a noiva com mais de cinquenta anos de idade, à época da celebração. As idades, nessa situação, são consideradas reportando-se ao início da união estável, não ao casamento.” (REsp 918643 / RS, Rel. Min. Massami Uyeda, DJ 13/5/11)

Se, nas hipóteses de casamento precedido de união estável, é a idade dos nubentes ao tempo do começo da convivência que deve ser verificada para fins do art. 1641, II, do CC, igualmente haverá de ser a idade dos conviventes quando do início da convivência o dado de relevo para análise de eventual obrigatoriedade do regime de separação de bens, pouco importando a data de formalização da união estável, por meio de escritura pública.

Frise-se, ademais, que a escritura pública de união estável não vincula terceiros. Aliás, tampouco o faz a coisa julgada da sentença que declare existência e data de início da união estável, quando dada apenas entre os conviventes, por conta de seus limites subjetivos. Quer na hipótese de escritura pública, quer na hipótese de sentença que declare existência e termo inicial da união estável, eventuais prejudicados seguirão podendo mover demanda judicial em face dos conviventes, contestando a data apontada como a de começo da união.

Em síntese, na situação versada nos presentes autos, é de se admitir, como data de início da convivência, 15/10/12, época em que o convivente contava 68 anos, escapando, pois, do regime de separação obrigatória de bens.

Aliás, a intelecção divulgada pelo aresto de fls. 13/28, aplicada à situação destes autos, vai além da possibilidade de adoção do regime de comunhão parcial: proíbe a adoção do regime de separação de bens. Com efeito, definiu o E. STJ que a escritura pública de união estável lavrada depois do início da convivência não poderá alterar o regime de bens, que será aquele legalmente previsto ao tempo do início da convivência, conforme as características dos conviventes.

Sobremais, como forma de equiparar a união estável ao casamento (art. 1639, §2º, da Lei Civil), a Corte Superior fixou que somente por decisão judicial o regime de bens vigente entre os conviventes poderá ser alterado e esvaziou a eficácia da cláusula de separação de bens, estipulada entre os conviventes com o intuito de modificar o regime legal da comunhão parcial.

“O dispositivo legal autoriza que os conviventes formalizem suas relações patrimoniais e pessoais por meio de contrato e que somente na ausência dele aplicar-se-á, no que couber, o regime de comunhão parcial. Numa palavra: enquanto não houver a formalização da união estável, vigora o regime da comunhão parcial, no que couber.

O contrato de convivência, no entanto, não pode conceder mais benefícios à união estável do que ao casamento, pois o legislador constitucional, não obstante reconhecer os dois institutos como entidade familiar e lhes conferir proteção, não os colocou no mesmo patamar, pois expressamente dispôs que a lei facilitará a conversão daquele neste (§ 3º do art. 226 da CF).

Nessa linha de pensamento, como no casamento o regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento (§ 1º do art. 1.639 do CC/02) e a sua modificação somente é permitida mediante autorização judicial requerida por ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvado o direito de terceiros (§ 3º do art. 1.639 do CC/02), não vejo como o contrato de convivência poderia reconhecer uma situação que o legislador, para o casamento, prevê a intervenção do Judiciário.

É a situação dos autos, pois durante oito anos de convivência e diante da ausência de contrato presume-se que vigia entre o casal o regime da comunhão parcial de bens. Após, com a superveniência do ajuste, modificou-se o regime para o da separação total de bens e lhe conferiu efeitos retroativos, como se o outro jamais tivesse existido e produzido efeitos jurídicos. Admitir essa situação seria conferir, sem dúvida, mais benefícios à união estável do que ao matrimônio civil, bem como teria o potencial de causar prejuízo a direito de terceiros que porventura tivessem contratado com eles. Essa pode ter sido a vontade do legislador quando produziu a norma em análise.” (Recurso Especial 1.383.624/MG, Relator: Ministro Moura Ribeiro, DJ 12/6/15)

Desta feita, são premissas fixadas pelo E. STJ: a) O art. 1641, II, do Código Civil aplica-se analogamente à união estável; b) O marco inicial da união estável é o começo da convivência pública, contínua, duradoura e com o fito de constituir família; c) É a idade dos conviventes ao tempo do início da união estável que deve ser analisada, para eventual imposição do regime de separação de bens, na forma do art. 1641, II, do CC, ainda que se casem, ou lavrem escritura pública de convivência posteriormente; d) Assim como acontece com o casamento (art. 1639, §2º, do CC, o regime de bens vigente entre os conviventes quando do início da união estável somente poderá ser alterado por decisão judicial.

Por todo o aduzido, afigurando-se de rigor o registro, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de se negar provimento ao recurso administrativo.

Sub censura.

São Paulo, 11 de outubro de 2016.

Iberê de Castro Dias

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO

Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso administrativo.
Publique-se.

São Paulo, 13 de outubro de 2016.

PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça

Assinatura Eletrônica

PROCESSO Nº 1000633-29.2016.8.26.0100 – SÃO PAULO – MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO – (220/2016-E) – DJe 21.11.2016, p. 10.

Fonte: CNB/SP – DJE/SP | 06/03/2017.

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Oficial Ademar Fioranelli fala sobre nova regra dos dados judiciais inseridos na matricula do imóvel

Na matéria divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo (veja aqui), desde o dia 18 de fevereiro, a matrícula do imóvel passa a informar se o atual proprietário é alvo de alguma ação judicial que possa colocar em risco a futura propriedade.

Com a concentração das informações na matrícula – e a consequente redução no número de procedimentos do cartório –, o tempo para transmissão de propriedade deve cair 20%, de 25 dias para 20 dias, de acordo com estimativas do Banco Mundial.

O Oficial do 7º Registro de Imóveis da Capital, Dr. Ademar Fioranelli, falou com a TV Registradores sobre este assunto.

“Nós devemos aguardar o pronunciamento do Judiciário, a formação de uma jurisprudência segura, para que o princípio da concentração – e que é muito importante – venha dar ao Registro de Imóveis aquilo que ele merece, um órgão capaz de oferecer a segurança social as pessoas que procuram um cartório para realizar os seus negócios”.

Fonte: iRegistradores | 03/03/2017.

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