Jurisprudência mineira – Remessa necessária – Apelação cível – Ação de indenização por danos materiais e morais – Anulação de testamento – Delegação de serviço público – Responsabilidade objetiva – Responsabilidade subsidiária do Estado


  
 

REMESSA NECESSÁRIA – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – ANULAÇÃO DE TESTAMENTO – DELEGAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO – PRESERVAÇÃO DO CARÁTER PÚBLICO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – ART. 236 DA CF/88 – ART. 22 DA LEI Nº 8.935/94 – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO ESTADO – FORÇA ECONÔMICA PARA SUPORTAR A CONDENAÇÃO – PRECEDENTES DO STJ – LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO

– Os Notários e Oficiais de Registro possuem responsabilidade objetiva direta pelos danos causados a terceiros, segundo o art. 22 da Lei nº 8.935/1994. O desenvolvimento de atividade estatal delegada deve se dar por conta e risco do delegatário (inteligência do art. 236, § 1°, da CR/88).

– A responsabilidade do Estado, em relação aos serviços notariais, é objetiva e subsidiária, ou seja, o Estado só tem responsabilidade pelos atos praticados pelos Oficiais Cartorários caso estes não possuam força econômica para suportarem os valores atribuídos a título de indenização por ato cometido em virtude da delegação.

– O dano material é o prejuízo financeiro efetivamente sofrido, que importa em diminuição do patrimônio. O dano de ordem material, assim, divide-se em dano emergente, isto é, o que a parte lesada efetivamente perdeu, e o que razoavelmente deixou de ganhar (os chamados lucros cessantes). Não restou configurado o dano emergente, visto que os autores nunca foram possuidores dos bens deixados em testamento, já que a anulação do ato praticado em desconformidade com as prescrições legais produz efeitos ex tunc, retroagindo a nulidade à sua origem.

Apelação Cível/Remessa Necessária nº 1.0261.12.002213-0/001 – Comarca de Formiga – Apelantes: 1º) Estado de Minas Gerais – 2os) João Pinto Neto e outro, Ana Luiza Leal Pinto – 3ª) Lina Maria Portela – Apelados: Estado de Minas Gerais, João Pinto Neto e outro, Ana Luiza Leal Pinto, Lina Maria Portela – Relator: Des. Dárcio Lopardi Mendes

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em rejeitar a preliminar arguida e, em remessa necessária, reformar em parte a sentença. Prejudicado o primeiro recurso. Negar provimento às apelações.

Belo Horizonte, 22 de agosto de 2017. – Dárcio Lopardi Mendes – Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES – Trata-se de remessa necessária e apelação cível interposta pelo Estado de Minas Gerais (1º apelante), João Pinto Neto e outro (2os apelantes) e Lina Maria Portela (3ª apelante), contra sentença de f. 333/344, aclarada pelos embargos de f. 359, proferida pelo MM. Juiz da 2° Vara Cível da Comarca de Formiga, que, nos autos da ação de indenização por danos materiais e morais, condenou Lina Maria Portela e o requerido Estado de Minas Gerais, subsidiariamente, a pagarem aos requerentes, a título de danos morais, a importância de R$10.000,00 (dez mil reais) para cada um, acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação, corrigida monetariamente a partir do arbitramento, bem como importância a título de danos materiais, em valor correspondente a 90% (noventa por cento) das glebas existentes por ocasião da morte do testador João Rodrigues, no valor de R$2.906,569,80, acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês e de correção monetária, tudo a partir da citação.

Condenou, ainda, os requeridos ao pagamento de despesas processuais e de honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, observada a isenção de custas concedida ao Estado.

Em suas razões (f. 351/355), o Estado de Minas Gerais argumenta, em suma, que é subsidiariamente responsável por eventual dano causado a terceiro, devendo ser condenado apenas se comprovada a insolvência da notária/registradora; que não pode haver condenação referente aos danos morais, pois o que ocorreu foram “meros aborrecimentos” causados pela “quebra de expectativa” decorrida da anulação do testamento, o que não pode ser configurado como “abalo à personalidade”; que o Estado não pode ser culpado por atos ilícitos que feriram os direitos de personalidade dos requerentes, praticados por alguns moradores; que o valor fixado a título de danos morais deve ser reduzido, visto que arbitrado de forma elevada.

Alega que não pode ser considerado o termo inicial para incidência de correção monetária na apuração dos danos materiais, a data da citação, mas sim a partir do desapossamento sofrido pelos requerentes, com fundamento na Súmula nº 43 do STJ.

Assevera, por fim, que, para a correção monetária a incidir sob a condenação, nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, deverá ser mantida a TR (em detrimento do IPC), além dos juros moratórios nos mesmos índices da poupança, ou seja, 0,5% ao mês (ao invés de 1%).

Pede, em sede de preliminar, seja apreciado o agravo retido e sejam julgados improcedentes os pedidos iniciais, em face da ausência de insolvência da notária; pugna pela redução do valor da indenização fixada a título de danos morais, bem como dos honorários de sucumbência fixados, ou, eventualmente, que sejam corrigidos os valores na forma preconizada no recurso. Em suas razões de f. 361/374, buscam os apelantes seja reformada, em parte, a sentença, para considerar a responsabilidade solidária do Estado, bem como para majorar o valor da indenização por dano moral. Com essas razões, requerem a reforma parcial da sentença e informam que litigam sob o pálio da gratuidade.

A apelante Lina Maria Portela, em suas razões de f. 377/391, argui, em preliminar, sua ilegitimidade passiva para responder pelos danos sofridos pelos autores, porquanto não respondeu pela ação anulatória de testamento, não tendo oportunidade de produzir provas no sentido de que o ato fora válido; que não teve oportunidade de se defender na ação anulatória; que em nenhum momento foi negligente ou imprudente. No mérito, assevera que os autores sofreram meros aborrecimentos, que não configuram dano de ordem moral; que, quanto ao dano material, não foi homologada a partilha, com transmissão definitiva dos bens, existindo mera expectativa de direito, não sendo possível falar em prejuízo efetivo. Pede seja acolhida a preliminar arguida, ou, caso ultrapassada, seja totalmente reformada a sentença, julgados improcedentes os pedidos. Junta preparo à f. 392. Recursos recebidos em ambos os efeitos, f. 375.

Contrarrazões apresentadas às f. 397/429 e 430/434.

Parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça às f. 446/450, opinando pelo não provimento do recurso.

Conheço da remessa necessária e das apelações, estando presentes os requisitos de admissibilidade.

De início, ressalto que os recursos serão analisados conjuntamente, restando prejudicada a matéria ventilada em agravo retido, visto que analisada em sede de preliminar.

Assim, cabe salientar que tanto a notária/apelante como o Estado de Minas Gerais são partes legítimas para figurar no polo passivo da presente ação, pois, como cediço, ambos possuem responsabilidade objetiva, eventualmente comprovado o dano pela prática irregular de ato notarial.

Com efeito, a obrigação de indenizar é da pessoa jurídica a que pertencer o agente, ou a que preste um serviço público, delegado do ente estatal, de caráter eminentemente público, com fundamento na doutrina do risco administrativo, como dispõe a Constituição Federal, in verbis:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e também ao seguinte:

[…]

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável no caso de dolo ou culpa.”

Por sua vez, a Lei nº 8.935/94, que dispõe sobre os serviços notariais e de registro, prevê, em seu art. 22, que:

“Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos.”

Da análise do dispositivo citado, pode-se concluir que os serviços notariais são exercidos em caráter privado, respondendo os oficiais pelos danos que causarem a terceiros na prática de atos próprios da serventia. Assim, são eles os responsáveis principais, enquanto a responsabilidade do Estado é subsidiária.

A questão da espécie de responsabilidade em casos como o presente é bastante controvertida na jurisprudência, enquanto alguns entendem se tratar de responsabilidade solidária, outros concluem que é subsidiária. A meu juízo, entretanto, nas hipóteses de delegação de serviço estatal, o desenvolvimento da atividade se dá por conta e risco do delegatário, como ocorre nas concessões e permissões de serviço público regidas pela Lei nº 8.987/95.

Nesse sentido, o art. 22 da Lei nº 8.935/94 é claro ao atribuir responsabilidade civil a título principal para os Notários e Oficiais de Registro. Nesse caso, eventual responsabilidade civil do Estado seria objetiva, mas subsidiária.

Nesses termos, o Estado só tem responsabilidade pelos atos praticados pelos Oficiais Cartorários caso estes não possuam força econômica para suportarem os valores atribuídos a título de indenização por ato cometido em virtude da delegação.

Sobre o tema, importante é a lição de Celso Antônio Bandeira de Melo:

“Pode dar-se o fato de o concessionário responsável por comportamento danoso vir a encontrar-se em situação de insolvência. Uma vez que exercia atividade estatal, conquanto por sua conta e risco, poderá ter lesado terceiros por força do próprio exercício da atividade que o Estado lhe pôs em mãos. […] Neste caso, parece indubitável que o Estado terá que arcar com os ônus daí provenientes. Pode-se, então, falar em responsabilidade subsidiária (não solidária), existente em certos casos, isto é, naqueles – como se expôs – em que os gravames suportados por terceiros hajam procedido do exercício, pelo concessionário, de uma atividade que envolveu poderes especificamente do Estado. É razoável, então, concluir que os danos resultantes de atividades diretamente constitutivas do desempenho do serviço, ainda que realizado de modo faltoso, acarretam, no caso de insolvência do concessionário, responsabilidade subsidiária do poder concedente” (Curso de direto administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 745).

Nesse sentido, é a jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça:

“Administrativo. Danos materiais causados por titular de serventia extrajudicial. Atividade delegada. Responsabilidade subsidiária do Estado. 1. Hipótese em que o Tribunal de origem julgou procedente o pedido deduzido em ação ordinária movida contra o Estado do Amazonas, condenando-o a pagar indenização por danos imputados ao titular de serventia. 2. No caso de delegação da atividade estatal (art. 236, § 1º, da Constituição), seu desenvolvimento deve se dar por conta e risco do delegatário, nos moldes do regime das concessões e permissões de serviço público. 3. O art. 22 da Lei 8.935/1994 é claro ao estabelecer a responsabilidade dos notários e oficiais de registro por danos causados a terceiros, não permitindo a interpretação de que deve responder solidariamente o ente estatal. 4. Tanto por se tratar de serviço delegado, como pela norma legal em comento, não há como imputar eventual responsabilidade pelos serviços notariais e registrais diretamente ao Estado. Ainda que objetiva a responsabilidade da Administração, esta somente responde de forma subsidiária ao delegatário, sendo evidente a carência de ação por ilegitimidade passiva ad causam. 5. Em caso de atividade notarial e de registro exercida por delegação, tal como na hipótese, a responsabilidade objetiva por danos é do notário, diferentemente do que ocorre quando se tratar de cartório ainda oficializado. Precedente do STF. 6. Recurso especial provido” (STJ – REsp 1087862/AM – Relator: Ministro Herman Benjamin – Segunda Turma – j. em 02.02.2010 – DJe de 19.05.2010).

Portanto, cumpre observar que, em ações em que se pleiteiam a reparação de um dano supostamente causado por ato de Oficial de Cartório Extrajudicial, podem ser demandados tanto o Estado como o Tabelião, ou ambos, como se dá no presente caso, pois, na qualidade de serviço público delegado a particular, qualquer um deles pode responder pelo prejuízo causado, o que afasta a ilegitimidade arguida pelos apelantes.

Por ser esclarecedor, segue trecho do voto vencedor, proferido em sede de preliminar, pelo Desembargador Moreira Diniz nos autos da Apelação Cível nº 1.0702.09.555138-9/001, cuja relatoria coube à Desembargadora Ana Paula Caixeta (DJe de 16.06.2014), ambos desta 4ª Câmara Cível:

“[…] ainda que com alguma conotação de atividade privada, o titular de Cartório age como delegado do Estado, de forma que seus possíveis erros podem levar à responsabilização do Estado. O art. 236 da Constituição Federal, mencionado no voto da eminente Relatora, apenas cria a possibilidade de o Estado delegar a terceiro a atividade cartorária, mas a mesma Constituição mantém o vínculo do Estado com a atividade, ao afirmar que o que se faz é uma delegação. A delegação não constitui repasse definitivo, excludente, da competência, mas apenas empresta a terceiro a competência originária, que, em sua raiz, ainda é mantida em favor do Estado. Quem age sob delegação está sujeito à fiscalização, a certa forma de ‘prestação de contas’, o que não elimina o vínculo responsabilizador do Poder Público, ante terceiros, por situações provocadas pelo desvio no exercício da delegação. Dessa forma, o cidadão que se sentir prejudicado por algum ato cartorial pode ajuizar a ação reparatória contra o titular do Cartório, ou contra o Estado, ou contra ambos”.

Assim, tanto o Notário como o Estado de Minas Gerais são partes legítimas para figurar no polo passivo desta ação, pois ambos possuem responsabilidade objetiva, caso comprovado o dano pela prática de irregular ato notarial.”

Rejeito, pois, as preliminares arguidas e passo ao exame do mérito.

Pois bem.

A responsabilidade civil, consubstanciada no dever de indenizar o dano sofrido por outrem, provém do ato ilícito, caracterizandose pela violação da ordem jurídica com ofensa ao direito alheio e lesão ao respectivo titular, conforme a regra expressa nos arts. 186 e 927 do Código Civil, in verbis, respectivamente:

“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

“Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

O referido instituto, no ordenamento jurídico brasileiro, comporta duas modalidades: a subjetiva, que exige a presença do dano, da conduta do agente, do elemento subjetivo da conduta, consistente no dolo ou na culpa, e o nexo causal entre a conduta e o dano. A outra modalidade é a responsabilidade objetiva, para a qual, também, se exige a presença do dano, da conduta do agente e do nexo causal entre ambos, dispensando, todavia, a verificação de dolo ou culpa.

Essa última modalidade, por penalizar o agente da conduta independentemente de sua intenção de lesionar terceiro, ou de sua negligência, imprudência ou imperícia, é excepcional, e somente será possível em casos expressamente previstos em lei. Assim, enquanto a responsabilidade subjetiva é a regra no Direito Brasileiro, são restritas as hipóteses em que se admite a objetiva, ou seja, independentemente de averiguação de culpa do causador do dano, em razão de sua gravidade, visto que o próprio fundamento do instituto da responsabilidade civil encontra respaldo na necessidade de reparar o dano, em função da culpabilidade de seu causador. Cumpre analisar apenas a configuração do fato, do dano e do nexo causal entre eles. Infere-se dos autos que a questão da declaração de nulidade do testamento através do qual os autores/apelantes foram beneficiados restou superada, diante de sentença transitada em julgado.

E ainda, como mencionado, configurada a responsabilidade objetiva, in casu, tendo em vista que o testamento fora anulado por inobservância de regularidade formal da lavratura do documento, necessário analisar, portanto, se fora demonstrado o sofrimento hábil a ensejar a indenização por dano de ordem moral pleiteado.

O dano moral, salienta-se, é aquele que surte efeitos no ser humano, causando-lhe dor, tristeza, aborrecimento ou qualquer outro sentimento capaz de lhe afetar, sem qualquer repercussão de caráter econômico.

Sobre a configuração do referido instituto, transcrevo a seguinte ilação:

“[…] há danos morais que se presumem, de modo que ao autor basta a alegação, ficando a cargo da outra parte a produção de provas em contrário; assim, os danos sofridos pelos pais em decorrência da perda dos filhos e vice-versa, para um cônjuge relativamente à perda do outro; também os danos sofridos pelo próprio ofendido, em certas circunstâncias especiais, reveladoras da existência da dor para o comum dos homens” (Câmara do TJSP, 30.06.1994, JTJ 167/45). No caso em tela, considerando que restou configurada quebra de expectativa dos apelantes em perceberem bens materiais de considerável valor que lhes foram destinados, alterando sua situação econômica e social, bem como pelo fato de terem sofrido toda sorte de desconforto emocional, já que ridicularizados na região onde residem, conforme prova testemunhal produzida (f. 384/387), não há dúvida de que restou configurado o dano de ordem moral sofrido, bem como a responsabilidade civil da agente cartorária em ressarcir os lesionados. Demonstrada, portanto, a ocorrência de fatos e acontecimentos capazes de romper com o equilíbrio psicológico do indivíduo, necessários para a configuração da pretensão indenizatória, patente é o dever de indenizar. Caracterizado, portanto, o dano moral, passa-se a analisar o quantum indenizatório a ser arbitrado. Este deve ser fixado diante da análise do caso concreto, atendendo-se ao caráter de punição do infrator, no sentido de que o requerido seja desestimulado a incidir novamente em conduta lesiva a terceiros; e ao caráter compensatório em relação à vítima lesionada. Nesse sentido, Caio Mário da Silva Pereira (Responsabilidade civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 97) leciona:

“[…] quando se cuida de reparar o dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se deslocado para a convergência de duas forças: ‘caráter punitivo’ para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o ‘caráter compensatório’ para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido. Deve o Magistrado levar em consideração, ainda, a extensão dos prejuízos, a situação econômica do ofensor e do ofendido e as circunstâncias do fato lesivo, tomando as devidas cautelas para não tornar inócuo o caráter de punição a que visa esse tipo de compensação.

Sobre o tema, observa Nelson Rosenvald (Direito das obrigações. 2. edição, Rio de Janeiro: Impetus, p. 208):

“Diversamente, a pretensão ao dano moral detém simultaneamente caráter punitivo ao infrator e compensatório à vítima, como duas faces de uma mesma moeda. O sofrimento é irresarcível (aliás, a dor não tem preço), por impraticável a eliminação dos efeitos extrapatrimoniais de uma lesão. Todavia, a vítima não pleiteia um preço por seu padecimento, porém uma compensação parcial da dor injusta com os valores percebidos, como forma de amenizar o seu sofrimento. A frustração da vítima será compensada por uma sensação agradável, capaz de anestesiar o mal impingido. Já a finalidade punitiva consiste em uma espécie de castigo ao ofensor pelo dano causado. Pode ser compreendida pela teoria do valor do desestímulo, caracterizada pela condenação do infrator à reparação em valores elevados, como modo de inibir a reincidência da conduta lesiva em situações análogas, funcionando ainda como fator pedagógico. O dano moral alcança valores ideais, não apenas a dor física ou o reflexo patrimonial. Repita-se, há duas diretrizes que merecem especial destaque: a finalidade da sanção reparatória, não no sentido de pena, mas para que o ato abusivo não se repita; e a finalidade da reparação moral, que visa não à restauração do patrimônio da vítima, mas apenas proporcionar-lhe uma indenização compensatória pela lesão sofrida.”

Dessa forma, atento às circunstâncias concretas e, ainda, aos objetivos maiores a que busca o instituto da responsabilidade civil, entendo que, no caso, a indenização por danos morais fixada no montante total de R$20.000,00 (vinte mil reais) deve ser mantida. Não que tal montante vá servir para corrigir o erro, porquanto impossível, mas serve ao menos para compensar, de certa forma, a dor e dissabores sofridos pelos requerentes.

No que tange à condenação por danos materiais, entretanto, entendo que não agiu com acerto o douto Sentenciante. Isso porque, como cediço, o dano material é o prejuízo financeiro efetivamente sofrido, que importa em diminuição do patrimônio. O dano de ordem material, assim, divide-se em dano emergente, isto é, o que a parte lesada efetivamente perdeu e o que razoavelmente deixou de ganhar (os chamados lucros cessantes).

A respeito do pretendido dano emergente, razão não assiste aos autores, visto que, em regra, a anulação do ato praticado em desconformidade com as prescrições legais produz efeitos ex tunc, retroagindo a nulidade à sua origem, destituindo-se o ato de qualquer efeito.

Na hipótese, conquanto a sentença tenha sido anulada nove anos após a lavratura do testamento e possa ter produzido atos consumados de natureza irreversível, tal como modificação do terreno herdado, por exemplo, diante da boa-fé dos ocupantes, na realidade, não verifico o dano alegado, já que os autores nunca foram possuidores das glebas de terra e outros bens deixados. Ora, não houve perda patrimonial, mas expectativa frustrada de direitos.

Não vislumbro dos autos os alegados danos emergentes. Tampouco há que falar em lucros cessantes. Passo à análise da atualização da condenação.

Quanto à correção monetária, ressalto que é simples instrumento de atualização, capaz de preservar o valor econômico da moeda, objetivando preservar o valor do montante que era devido em momento passado, imprescindível, portanto, sua incidência na condenação.

Em se tratando de danos morais, a jurisprudência é mansa e pacífica no sentido de que o termo inicial para sua incidência é a data da prolação da decisão que estipulou o valor da indenização. Vejamos:

“A correção monetária das importâncias fixadas a título de danos morais e estéticos ‘incide desde a data do arbitramento’ (Enunciado nº 362 da Súmula do STJ)” (REsp 934.969/SP, Rel. Ministro Antônio Carlos Ferreira, Quarta Turma, j. em 24.04.2014, DJe de 10.11.2014).

“[…] No que tange à correção monetária da indenização por danos morais, o termo inicial é a data da prolação da decisão que estipulou as indenizações. Precedentes” (REsp 703.194/SC).

“É devida correção monetária sobre o valor da indenização por dano moral fixado a partir da data do arbitramento. Precedentes” (REsp. 931.556/RS).

Eis a Súmula 362 do STJ: “A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento.”

Sobre o tema tratado nos autos, confira-se o aresto do egrégio STJ:

“Agravo regimental no recurso especial. Duplicata sem aceite. Endosso-caução. Protesto indevido. Danos morais. – 1. Não há falar em violação ao art. 535 do Código de Processo Civil, pois o eg. Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. 2. A instituição financeira que recebe títulos via endosso-caução, diferentemente do endosso-mandato, responde pelos danos causados em decorrência de protesto indevido. 3. Indenização fixada em R$10.000,00, com correção a partir da data do arbitramento e juros de mora desde o evento danoso. 4. Agravo regimental a que se nega provimento” (AgRg no REsp 1115621/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. em 17.09.2013, DJe de 23.09.2013).

“Processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Responsabilidade civil. Falsa acusação de furto em estabelecimento comercial. Abordagem inadequada. Dano moral. Configurado. Fixação do quantum. Relação extracontratual. Correção monetária. Súmula nº 362/STJ. Juros de mora. Súmula nº 54/STJ. – 1. A falsa acusação de furto e a abordagem inadequada dos prepostos do estabelecimento comercial expõem a pessoa a situação vexatória ensejadora de abalo emocional, ensejando, portanto, a indenização por dano moral. – 2. O termo inicial da correção monetária incidente sobre a indenização por danos morais é a data do seu arbitramento, consoante dispõe a Súmula nº 362/STJ: ‘A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento’. – 3. Os juros moratórios, em se tratando de responsabilidade extracontratual, incidem desde a data do evento danoso, na forma da Súmula nº 54/STJ: ‘Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual’. – 4. Agravo regimental desprovido” (AgRg no REsp 1258882/SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, j. em 18.06.2013, DJe de 27.06.2013).

Em se tratando de responsabilidade extracontratual, na indenização por danos morais, a correção monetária é devida desde a data do arbitramento (data da sentença), acrescida de juros moratórios a partir do evento danoso.

Assim, pelo exposto, considerando que o evento danoso ocorreu antes da vigência da Lei nº 11.960/09, em se tratando de danos morais, a quantia deverá ser atualizada com juros à taxa de 1%, ao mês (Código Civil de 2002, art. 406), desde o evento danoso, até a data 29.06.2009, momento em que os juros e a correção (esta desde a data do arbitramento) deverão respeitar o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação que lhe atribuiu a Lei nº 11.960/09.

Ante o exposto, pelas razões ora aduzidas, rejeito em preliminar arguida e em remessa necessária, reformo parcialmente a sentença para dela decotar a condenação por danos materiais, bem como para determinar que sobre o montante devido a título de danos morais incida a correção nos moldes mencionados acima. Julgo prejudicado o recurso interposto pelo Estado e nego provimento às apelações interpostas.

Custas recursais, ex lege.

DES.ª ANA PAULA CAIXETA – De acordo com o Relator.

DES. RENATO DRESCH – O Estado recorre quanto à sua responsabilidade, entendendo que essa é subsidiária. Tenho entendimento firmado exatamente nesse sentido, ou seja, de que a responsabilidade civil para serviços delegados é apenas subsidiária, respondendo apenas no caso de incapacidade financeira da delegatária.

Portanto, lanço o presente voto para registrar a subsidiariedade da responsabilidade do Estado.

Súmula – REJEITARAM A PRELIMINAR ARGUIDA E, EM REMESSA NECESSÁRIA, REFORMARAM EM PARTE A SENTENÇA. PREJUDICADO O PRIMEIRO RECURSO. NEGARAM PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES.

Fonte: Recivil – DJE/MG | 14/11/2017.

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