Prefeitura de Bauru utiliza o protesto para efetuar cobranças de multas de trânsito

Ao todo, 813 infrações já deram entrada em cartório e cerca de 22 mil serão encaminhadas mensalmente.

Os cartórios de protesto de Bauru, interior de São Paulo, têm representado uma ferramenta rápida e eficaz para efetuar cobranças de multas de trânsito não pagas por motoristas. A afirmação é da diretora do Departamento de Dívida Ativa do município Cláudia Bressan Moretti. “O protesto tem uma força coercitiva maior. O impacto é maior quando a pessoa recebe uma notificação vinda do cartório. Em cinco dias temos todo o processo de cobrança finalizado. Uma ferramenta rápida e eficaz, não só das multas de trânsito, mas de tributos em geral”, explica.

Até agora, a Secretaria Municipal de Finanças já encaminhou 813 dívidas para protesto extrajudicial. O município “importou” da Empresa Muncipal de Desenvolvimento Urbano e Rural de Bauru (Emdurb) mais de 22 mil multas referentes ao período de 2013 a 2016. A prefeitura optou por iniciar os despachos pelas infrações mais antigas, uma vez que, após cinco anos, a multa prescreve, não podendo mais serem reivindicadas. A estimativa, de acordo com a diretora doDepartamento de Dívida Ativa do município, é receber R$ 250 mil, ou seja, algo em torno de 15% do montante apontado (R$ 1,5 milhões).

Vale lembrar que as sanções de 2013 foram inscritas em dívida ativa, quando o município realiza a cobrança de forma administrativa. Ao todo, 5.792 notificações com boleto foram encaminhadas aos contribuintes, em novembro de 2017, com prazo para quitar o valor até 15 de dezembro. Deste total, 429 multas foram pagas até o momento.

De outros anos

Já as multas referentes a 2014 totalizam 4.286, no valor de R$ 628.590,00. Estas, por enquanto, estão sendo inscritas em dívida ativa e os devedores também estão recebendo as notificações, porém, ainda não foram a protesto. O processo de cobrança que envolve as dívidas de 2015 e 2016 será efetuado depois, conforme as demandas anteriores forem sendo executadas.

O secretário de Finanças de Bauru, Everson Demarchi, explica que, antes, a cobrança era realizada apenas de forma administrativa, uma vez que a prefeitura não tinha convênio com os cartórios, o que foi firmado em outubro de 2015. Segundo Cláudia Moretti, “o convênio foi firmado com o intuito de agilizar a cobrança dos créditos fazendários, visto que o protesto se concretiza em espaço curto de tempo, além de ser uma ferramenta que limita o crédito do devedor e o impulsiona a pagar”.

Desde outubro de 2015, já foram recebidos à vista quase 550 mil reais advindos do protesto, sendo que R$ 1.731.999,00 serão recebidos por meio de parcelamento administrativo.

Passo a passo

O secretário Everson Demarchi explica que, depois de esgotados os prazos concedidos pela Emdurb, a cobrança da multa passa a ser de competência da prefeitura. Inicialmente, a infração é inscrita na dívida ativa. “Esse é um termo usado para nomear dívidas vencidas. Isso significa que o devedor não pode mais parcelar o valor, por exemplo”.

O infrator recebe uma notificação para procurar o serviço de trânsito municipal no Poupatempo. Nessa etapa, o prazo para quitar a multa varia de 15 a 30 dias, sendo necessário recolher a quantia referente à infração cometida mais correções.

Caso a inadimplência persista, a dívida é, então, encaminhada a protesto extrajudicial. Depois da entrada nessa documentação, o cartório envia um aviso para o devedor, concedendo a ele três dias para efetuar o pagamento.

Na Justiça

“Para limpar o nome, o devedor deve procurar o cartório para regularizar a situação”, orienta Demarchi, complementando que a prefeitura ainda terá a opção de ajuizar a dívida na Justiça. “Será uma forma de tentar receber o valor, depois de esgotar todas as alternativas”.

Segundo o secretário, em 2017, o município arrecadou R$ 3.2 milhões em multas de trânsito. O valor angariado com as infrações é destinado a serviços de gerenciamento de trânsito na cidade, como compra e manutenção de semáforos, verba para fiscalizações, entre outros.

Fonte: INR Publicações – Jornal do Protesto | 08/05/2018.

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Civil – Processual civil – Ação de reconhecimento de maternidade socioafetiva de filho maior post mortem – Interesse processual e possibilidade jurídica do pedido existentes – Viabilidade da pretensão em tese – Reconhecimento da relação de filiação após o falecimento do filho maior e de sua genitora biológica

RECURSO ESPECIAL Nº 1.688.470 – RJ (2017/0200396-5)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : I S

ADVOGADOS : GUILHERME VERÍSSIMO DA SILVA – RJ089057

MICHELE GARCIA BRANDÃO ANÁTOCLES – RJ114751

INTERES. : R S B – SUCESSÃO

INTERES. : M A S B – SUCESSÃO

EMENTA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE MATERNIDADE SOCIOAFETIVA DE FILHO MAIOR POST MORTEM . INTERESSE PROCESSUAL E POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO EXISTENTES. VIABILIDADE DA PRETENSÃO EM TESE. RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO DE FILIAÇÃO APÓS O FALECIMENTO DO FILHO MAIOR E DE SUA GENITORA BIOLÓGICA. IMPRESCINDIBILIDADE DO CONSENTIMENTO PREVISTO NO ART. 1.614 DO CÓDIGO CIVIL. RESPEITO À MEMÓRIA E À IMAGEM PÓSTUMAS.

1 – Ação distribuída em 11/01/2016. Recurso especial interposto em 09/02/2017 e atribuído à Relatora em 25/08/2017.

2 – O propósito recursal é definir se é possível reconhecer a existência de maternidade socioafetiva entre a parte e filho maior, com genitora biológica conhecida, após a morte de ambos, especialmente para o fim de que a parte possa receber a pensão decorrente da morte do pretenso filho.

3 – A pretensão de reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem de filho maior é, em tese, admissível, motivo pelo qual é inadequado extinguir o feito em que se pretenda discutir a interpretação e o alcance da regra contida no art. 1.614 do CC/2002 por ausência de interesse recursal ou impossibilidade jurídica do pedido.

4 – A imprescindibilidade do consentimento do filho maior para o reconhecimento de filiação post mortem decorre da impossibilidade de se alterar, unilateralmente, a verdade biológica ou afetiva de alguém sem que lhe seja dada a oportunidade de se manifestar, devendo ser respeitadas a memória e a imagem póstumas de modo a preservar a história do filho e também de sua genitora biológica.

6 – Recurso especial conhecido e desprovido, por fundamentação distinta, a fim de julgar improcedente o pedido com resolução de mérito.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 10 de abril de 2018(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

Cuida-se de recurso especial interposto por I S, fundamentado no art. 105, III, alínea “a”, da Constituição Federal.

Recurso especial interposto em: 09/02/2017.

Atribuído à Relatora: 25/08/2017.

Ação: de reconhecimento judicial de maternidade socioafetiva, ajuizada em face de R S B, genitora de M A S B.

Sentença: extinguiu o processo sem resolução de mérito, com fundamento no art. 485, VI, do CPC/15, ao fundamento de que não há interesse processual da recorrente em obter o reconhecimento da maternidade socioafetiva diante do falecimento prematuro do menor (fls. 67/68, e-STJ).

Acórdão: o TJ/RJ negou provimento ao recurso de apelação da recorrente, em acórdão que ficou assim ementado (fls. 133/141, e-STJ):

APELAÇÃO. DIREITO DE FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE MATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA. NECESSIDADE DO CONSENTIMENTO DO APONTADO “FILHO” (ART. 1614, CC). IMPOSSIBILIDADE. FALECIMENTO DELE MUITO ANTES DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO (JÁ COM 26 ANOS DE IDADE) E SEM QUE TIVESSE MANIFESTADO O CONSENTIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE SER O CONSENTIMENTO SUPRIDO JUDICIALMENTE. SENTENÇA DE EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. APELAÇÃO. DESPROVIMENTO.

AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE MATERNIDADE SOCIOAFETIVA DIRECIONADA CONTRA A MÃE BIOLÓGICA (ROSILENE). MÃE BIOLÓGICA (ROSILENE) JÁ FALECIDA E SUPOSTO FILHO SÓCIO AFETIVO (MICHEL) TAMBÉM JÁ FALECIDO (AOS 26 ANOS). AÇÃO AJUIZADA QUANDO AMBOS (ROSILENE e MICHEL) JÁ SE ACHAVAM FALECIDOS. A AUTORA ALEGA SER TIA DE ROSILENE, MÃE DE MICHEL, NASCIDO EM 08/02/87, E QUE OS TRÊS RESIDIAM SOB O MESMO TETO. DIZ QUE, COM O FALECIMENTO DA SOBRINHA ROSILENE, EM 12/08/92, VEIO A SER NOMEADA TUTORA DO MENOR MICHEL E PERMANECEU CUIDANDO DELE, COMO SE MÃE FOSSE, ATÉ O FALECIMENTO DELE, EM 06/06/13. PEDE SEJA RECONHECIA E DECLARADA A SEU FAVOR A MATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA COM RELAÇÃO A MICHEL, POIS PRETENDE, NESSA QUALIDADE, PLEITEAR BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO JUNTO AO EXÉRCITO ONDE MICHEL SERIA SOLDADO PARAQUEDISTA. PARECER DO MP NO SENTIDO DE EXTINGUIR O FEITO, SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, NA FORMA DO ART. 485, VI, DO CPC. SENTENÇA JULGANDO EXTINTO O FEITO, ACOLHENDO A PROMOÇÃO DO PARQUET. APELAÇÃO DA AUTORA. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA, SOB O ARGUMENTO DE QUE NÃO TEVE OPORTUNIDADE DE DEMONSTRAR INEQUIVOCAMENTE O VÍNCULO SOCIOAFETIVO EXISTENTE ENTRE ELA E O FALECIDO. NO MÉRITO, ADUZ A INEXISTÊNCIA DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL, EIS QUE O CONSENTIMENTO PREVISTO NO ART. 1614 DO CC AFRONTA O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E OS DISPOSITIVOS QUE PROTEGEM A ENTIDADE FAMILIAR. REITERA O PEDIDO INICIAL. SENTENÇA QUE NÃO MERECE REPARO. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA QUE NÃO MERECE ACOLHIMENTO. DESPACHO QUE DEU OPORTUNIDADE À AUTORA DE ESCLARECER SEU INTERESSE NO FEITO. SENTENÇA PLENAMENTE MOTIVADA. NO MÉRITO, A FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA ENCONTRA, EM TESE, ALICERCE NO ART. 227, §6º, DA CRFB E NO ART. 1593 DO CC/2003. CONSTITUI UMA RELAÇÃO DE FATO QUE DEVE SER RECONHECIDA E AMPARADA JURIDICAMENTE, TENDO-SE POR PAI/MÃE AQUELE QUE DESEMPENHA O PAPEL DE PROTETOR E EDUCADOR E QUE RECONHECE SOCIALMENTE ESSA FILIAÇÃO. ENTRETANTO, APESAR DE A INICIAL VIR ACOMPANHADA DE PROVA DOCUMENTAL VISANDO COMPROVAR A REFERIDA RELAÇÃO SOCIO-AFETIVA, A PRETENSÃO DA AUTORA ESBARRA EM QUESTOES PROCESSUAIS QUE ANTECEDEM O EXAME DO MÉRITO. AQUI, A FALTA DE CONDIÇÃO PARA O LEGÍTIMO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO RESULTA DA FALTA DO NECESSÁRIO CONSENTIMENTO DO PRETENSO FILHO, COMO EXIGIDO EXPRESSAMENTE NO ART. 1.614 DO CÓDIGO CIVIL, CONSENTIMENTO ESSE NÃO MAIS POSSÍVEL DE SER ALCANÇADO PELA AUTORA JÁ QUE O FILHO FALECEU ANTERIORMENTE AO AJUIZAMENTO DESTA AÇÃO, QUANDO JÁ MAIOR. AINDA QUE SE CONSIDERASSE, HIPOTETICAMENTE, SUPERADO ESSE ENTRAVE, AINDA ASSIM O FEITO NÃO PODERIA TER PROSSEGUIMENTO, JÁ QUE A AÇÃO FOI AJUIZADA CONTRA ROSILENE, MÃE DO SUPOSTO FILHO, ESTANDO ESTA JÁ FALECIDA, PELO QUE O PEDIDO DEVERIA SER CONTRA O ESPÓLIO OU SEUS HERDEIROS. E AINDA QUE ACOLHIDO, SERIA INEFICAZ PERANTE A UNIÃO, ONDE A AUTORA DIZ PRETENDER OBER O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, POR FORÇA DOS LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA (ART. 506, CPC). APELAÇÃO DESPROVIDA.

Recurso especial: alega-se violação aos arts. 1.593, 1.596 e 1.696, todos do CC/2002.

Ministério Público Federal: pronunciou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 208/217, e-STJ).

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

O propósito recursal é definir se é possível reconhecer a existência de maternidade socioafetiva entre a recorrente e M A S B, cuja genitora biológica é R S B, ambos já falecidos, especialmente para o fim de que a recorrente possa receber, perante o Exército Brasileiro, a pensão decorrente da morte de M A S B.

Reconhecimento de maternidade socioafetiva post mortem . Alegada violação aos arts. 1.593, 1.596 e 1.696, todos do CPC/2002.

Inicialmente, não se revela adequada a extinção do processo sem resolução de mérito promovida pelos graus de jurisdição ordinários, ao fundamento de que a recorrente careceria de interesse processual para pleitear o reconhecimento da maternidade socioafetiva de M A S B post mortem .

O interesse processual, compreendido como a demonstração de que o exercício da jurisdição é o meio útil e necessário para que a pretensão de direito material seja obtida, está presente na hipótese, tendo sido bem delineada na petição inicial a lesão que a recorrente alega ter sofrido e, além disso, o provimento requerido pela recorrente é adequado para proteger a situação jurídica de direito material que pretende ver examinada.

A bem da verdade, poder-se-ia cogitar eventualmente, ainda no âmbito das condições da ação, de impossibilidade jurídica do pedido deduzido pela recorrente (ainda existente por ocasião do ajuizamento da ação, aforada ao tempo do CPC/73), na medida em que o consentimento do filho maior seria, sob a ótica da sentença e do acórdão recorrido, uma condição de admissibilidade da pretensão inicial.

Todavia, ainda assim a tese deduzida pela recorrente é minimamente plausível e, dessa forma, suficiente para superar o óbice da admissibilidade para que se resolva a controvérsia pelo mérito, inclusive em virtude do que dispõe o art. 488 do CPC/15, vigente ao tempo da sentença, que determina que “Desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485”, por meio do qual se reconhece também ao réu o direito à tutela jurisdicional de mérito.

Superada essa questão, verifica-se que os dispositivos legais tidos por violados pela recorrente possuem o seguinte conteúdo:

Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem.

Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.

Não se desconhece, à toda evidência, que existe a possibilidade de reconhecimento judicial de relações familiares socioafetivas, independentemente da relação familiar de natureza biológica ou, ainda, de forma concomitante a ela.

Anote-se que o vínculo de natureza socioafetiva tem sido amplamente reconhecido por esta Corte, em hipóteses de adoção e também em quaisquer outras situações que se relacionem com o conceito de “parentescos de outra origem” – para utilizar a letra do art. 1.593 do CC/2002. Nesse sentido, confiram-se, por exemplo: REsp 1.087.163/RJ, 3ª Turma, DJ 18/08/2011; REsp 1.189.663/RS, 3ª Turma, DJ 15/09/2011; REsp 1.326.728/RS, 3ª Turma, DJe 27/02/2014; REsp 1.458.696/SP, 3ª Turma, DJe 20/02/2015; REsp 1.508.671/MG, 3ª Turma, DJe 09/11/2016 e REsp 1.676.877/MG, 3ª Turma, DJe 20/10/2017.

Assim, basta, em princípio, que haja o reconhecimento voluntário e desprovido de vícios acerca daquela relação construída pelo afeto, amor e companheirismo entre as pessoas envolvidas para que exista, por consequência, o reconhecimento da relação familiar fundada na socioafetividade.

A questão que se coloca, todavia, é se a regra do art. 1.614 do CC/2002, que preceitua que “O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação” e que fora utilizada pelo acórdão recorrido para solver a controvérsia, é incompatível com os arts. 1.593, 1.596 e 1.696 do CC/2002, tidos por violados pela recorrente.

Nesse contexto, se é verdade que a doutrina reconhece que o ato de reconhecimento é, em regra, unilateral, não é menos verdade que a doutrina igualmente aponta que o art. 1.614 do CC/2002 excepciona essa regra geral, exigindo o consentimento na hipótese em que se pretenda reconhecer o filho maior.

Admitindo que o fato de se exigir o consentimento não retira a unilateralidade do ato de reconhecimento da filiação, Flávio Tartuce ensina, com fundamento em abalizada doutrina:

O reconhecimento de filhos constitui um ato jurídico stricto sensu, ou em sentido estrito, justamente porque os seus efeitos são apenas aqueles decorrentes da lei. Não há, em regra, uma composição de vontades, a fazer com que o mesmo seja configurado como um negócio jurídico. Trata-se também de um ato unilateral e formal.

Entretanto, dúvidas surgem quanto ao que consta da primeira parte do art. 1.614 do CC/2002, segundo o qual “O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que seguirem à maioridade, ou à emancipação”. Essa primeira parte do dispositivo em questão, quanto ao reconhecimento de filho maior, reproduz o art. 4º da Lei 8.560/1992.

Pelo que consta do Código Civil atual, fica a dúvida: o reconhecimento de filho maior passa a ser um ato bilateral? Para Silvio Rodrigues, em obra atualizada por Francisco José Cahali, a resposta é negativa. São suas palavras: “Entretanto, temos que a referida circunstância não tira do ato seu caráter unilateral. A existência do assentimento do filho maior reconhecido ou a permissão para o menor impugnar tempestivamente o ato que o reconheceu são medidas protetoras que se justificam no fato de o reconhecimento envolver efeitos morais e materiais de enorme relevância, que não podem ser provocadas pelo arbítrio de um só” (Direito Civil…, 2006, p.320).

Na mesma linha, como bem leciona Paulo Lôbo, “O reconhecimento é ato complexo, que apenas consuma seus efeitos quando é seguido de outro ato – o do consentimento. Atente-se para o fato de que não se converte em negócio jurídico, a que se pode equivocadamente levar a obrigatoriedade do consentimento. São dois atos distintos e complementares (LÔBO, Paulo. Famílias…, 2008, p.244).

Filia-se integralmente aos juristas, sendo certo que o ato, no caso em questão, passa a ser um ato unilateral receptício , que apenas depende da recepção da outra parte, até porque o ato de reconhecimento é o que predomina nessas hipóteses. (TARTUCE, Flávio. Direito Civil Vol. 5: direito de família. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 467/468).

Por seu turno, Silvio de Salvo Venosa, sem divergir da imprescindibilidade da aquiescência do filho maior, posiciona-se pela bilateralidade do ato, lecionando que:

O reconhecimento é ato unilateral, porque gera efeitos pela simples manifestação de vontade do declarante. Não depende de concordância, salvo com relação ao maior de idade, de vez que o art. 1.614 do vigente Código, assim como o art. 4º da Lei nº 8.560/92, exige seu consentimento. Há, de fato, um caráter sinalagmático no ato de reconhecimento, não só porque é necessária a concordância do filho, se maior, como também porque pode o menor reconhecido impugnar o reconhecimento quando se tornar capaz. (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 278/279).

Consta do acórdão recorrido, em premissa fática imutável, que a relação estabelecida entre a recorrente e M A S B, especialmente após o precoce falecimento da genitora biológica R S B, desenvolveu-se sob as balizas do mais puro e fraternal afeto, ternura e amor, tendo sido a recorrente, inclusive, a responsável pela transmissão dos valores éticos e morais que M A S B possuiu até o momento de igualmente precoce falecimento.

A despeito disso, não se pode, sem o consentimento do pretenso filho – que é impossível na hipótese –, reconhecer a existência de maternidade socioafetiva pleiteada pela recorrente, sob pena de se promover um injustificado ataque à memória e à imagem póstuma de M A S B e, também, de sua genitora biológica R S B.

Com efeito, descabe ao Poder Judiciário imiscuir-se em searas tão íntimas, sobretudo sem o expresso consentimento dos atores que efetivamente vivenciaram essa relação tripartite.

Sob qualquer fundamento ou pretexto, seria demasiadamente invasivo determinar a retificação do registro civil de alguém, após a sua própria morte, para substituir o nome de sua mãe biológica pela mãe socioafetiva ou, ainda, para colocá-la em posição de igualdade com a sua genitora.

É preciso, pois, respeitar integralmente a memória e a imagem de quem já faleceu, especialmente o direito de ter a sua história narrada como ela efetivamente ocorreu, o que inclui o público reconhecimento do louvável papel exercido pela recorrente na formação humana de M A S B.

O fato de não ser possível o reconhecimento da maternidade socioafetiva não resulta, é importante registrar, em nenhuma espécie de desmerecimento à recorrente. A fluidez e a ausência de rótulos, que são cada vez mais frequentes e reconhecidas no âmbito do direito familiar, não implicam em desprestígio aos graus de parentesco historicamente reconhecidos pela sociedade e pelo direito, de modo que é certo afirmar que ainda existirão, por um longo período, as clássicas figuras dos avós, dos tios, dos sobrinhos e dos primos – cada qual com o seu papel na formação e desenvolvimento das gerações presentes e futuras.

Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e NEGO-LHE PROVIMENTO, por fundamentação distinta do acórdão recorrido, a fim de que a ação seja julgada improcedente e o processo extinto com resolução de mérito (art. 487, I, do CPC/15).

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.688.470 – Rio de Janeiro – 3ª Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJ 13.04.2018

Fonte: INR Publicações.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida Inversa – Carta de sentença – Servidão administrativa – Princípio da especialidade objetiva – Impossibilidade de identificar a servidão dentro da área dos imóveis atingidos, em razão da descrição deficiente – Dúvida inversa improcedente – Recurso desprovido.

Apelação nº 1005783-49.2017.8.26.0037

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1005783-49.2017.8.26.0037
Comarca: ARARAQUARA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1005783-49.2017.8.26.0037

Registro: 2018.0000187372

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1005783-49.2017.8.26.0037, da Comarca de Araraquara, em que são partes é apelante INTERLIGAÇAO ELETRICA DO MADEIRA S/A, é apelado 2ª OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE ARARAQUARA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 9 de março de 2018.

PINHEIRO FRANCO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação nº 1005783-49.2017.8.26.0037

Apelante: Interligaçao Eletrica do Madeira S/A

Apelado: 2ª Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Araraquara

VOTO Nº 37.291

Registro de imóveis – Dúvida Inversa – Carta de sentença – Servidão administrativa – Princípio da especialidade objetiva – Impossibilidade de identificar a servidão dentro da área dos imóveis atingidos, em razão da descrição deficiente – Dúvida inversa improcedente – Recurso desprovido.

Trata-se de apelação interposta por INTERLIGAÇÃO ELÉTRICA DO MADEIRA S.A. contra r. sentença que, no julgamento de dúvida inversa, manteve a negativa de registro de carta de sentença de servidão administrativa, acolhendo as razões trazidas pelo Sr. Oficial do 2° Ofício de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Araraquara quanto à necessidade de prévia retificação das matrículas atingidas pela servidão.

A apelante sustenta que o georreferenciamento, conforme §§ 3º e 4º art. 176 da Lei n° 6.015/1973, somente é obrigatório em caso de transferência de titularidade e quando há alteração dos limites do imóvel, o que não é o caso da servidão administrativa.

Ademais, seria impossível a obtenção das assinaturas dos proprietários nos mapas e memoriais, bem como assinatura dos confrontantes, já que se trata de servidão constituída judicialmente.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

Tratando-se de dúvida inversa prenotada e impugnando a integralidade da nota devolutiva, conheço do recurso.

No mérito, o recurso não comporta provimento.

A recorrente é concessionária de serviço público de transmissão de energia elétrica e lhe coube a construção, operação e manutenção do empreendimento elétrico denominado de Linha de Transmissão Coletora Porto Velho Araraquara 2, cujo traçado passou pelos Estados de Rondônia, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e São Paulo.

Não evoluindo as tentativas de formalização da faixa de servidão pela via administrativa, a recorrente, na forma do Decreto-Lei n.º 3.365/41, obteve sentença judicial favorável para a constituição de servidão administrativa nas áreas das matrículas n° 3.296 e 9.297 da referida serventia imobiliária (autos n° 0007918-61.2011.8.26.0037), com expedição da judiciosa carta de sentença.

O título, contudo, obteve qualificação negativa perante o 2º Ofício de Registro de Imóveis de Araraquara, conforme nota de devolução nº 12.339/2017 (fls.102/103).

A qualificação registral imobiliária é expressão do exame registral, após apresentação do título original.

Ela é feita pelo Oficial Registrador, com verdadeira natureza de tutela preventiva de conflitos (órgão pacificador de conflitos).

Por essas razões, a qualificação deve observar todos os princípios e regras aplicáveis, sejam legais, sejam administrativas.

Como é sabido, os títulos judiciais também não escapam ao crivo da qualificação registral, [1] de modo que o registrador, longe de questionar o conteúdo da decisão e tampouco o seu mérito, deverá examinar se estão atendidos os princípios registrais pertinentes ao caso, para seu perfeito ingresso no fólio real.

Trata-se, assim, de análise formal, restrita aos requisitos extrínsecos do título.

E, de fato, não seria possível o ingresso do título, à míngua de descrição suficiente da área e dos limites dos imóveis, sem a indicação de marcos seguros que permitam identificar a sua correta base geodésica, sob pena de ofensa ao princípio da especialidade objetiva.

A questão não é nova; são diversos os precedentes deste Eg. Conselho Superior da Magistratura sobre a matéria, no sentido de que o registro da servidão administrativa se submete a todos os princípios informadores dos registros públicos.

A servidão administrativa proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a proprietário diverso, com força de limitação administrativa. Uma vez registrada, grava o direito real em favor de seu titular, no caso, a Administração Pública ou suas concessionárias.

E não se pode admitir a constituição de um direito real sem a necessária certeza sobre a amarração da área objeto da servidão à base territorial sobre a qual está sendo implantada. [2]

É verdade que as servidões administrativas não têm natureza similar à da desapropriação, como modo de aquisição de domínio; entretanto, de outro enfoque, traduzem gravame e limitam o exercício da propriedade, com natureza pública, instituído sobre imóvel alheio [3].

Não se pode falar em mitigação da especialidade objetiva para atos de registro constitutivo de um novo direito real, sob pena de ofensa a todos os princípios de segurança jurídica e publicidade afetos ao serviço de registro imobiliário. [4]

Embora sustente o apelante, decisão anterior proferida por outro Juízo então responsável pela Corregedoria Permanente, ou mesmo a existência de outra nota devolutiva com exigência não feita anteriormente não obstam a nova análise feita pela r. sentença recorrida, especialmente face à inexistência de coisa julgada administrativa nesta hipótese.

Ademais, não há óbice que impossibilite, de forma absoluta, que a apelante promova a retificação das matrículas, na condição de interessada no registro da servidão, uma vez que, na impossibilidade de assinatura de titulares de domínio ou confrontantes, serão feitas as regulares notificações, na forma do art. 213 e parágrafos da Lei n° 6.015/73.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator


Notas:

[1] Apelações CSM n° 1006009-07.2016.8.26.0161 e 0001652-41.2015.8.26.0547.

[2] Ver Apelação CSM n° 1003805-88.2015.8.26.0269.

[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 145.

[4] CSM, Apelações nº 122-6/9, 456-6/2, 454-6/3 e 666-6/0 e 0001620-50.2014 e 1001809-55.2015. (DJe de 02.05.2018 – SP)

 

Fonte: INR Publicações | 07/05/2018.

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