TJ/SP: Apelação – Mandado de Segurança – Mandamus impetrado contra ato de Oficial de Registro que condicionou o registro de escritura pública translativa do domínio imobiliário à apresentação de certidão negativa de débitos previdenciários – Adequação da via eleita – Existência do procedimento de suscitação de dúvida inversa, de natureza administrativa, na seara da corregedoria permanente, criado por força de interpretação doutrinária e jurisprudencial, que não impede o manejo do remédio constitucional – Precedentes do E. STJ – Necessidade de processamento do feito – Recurso provido


  
 

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1014216-68.2018.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que são apelantes JORGE LUIZ PASSARELLA CHECCHIA e SÔNIA MARIA DE ANDRADE CHECCHIA, é apelado 4° OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE CAMPINAS.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores MARCIA DALLA DÉA BARONE (Presidente) e GIFFONI FERREIRA.

São Paulo, 21 de março de 2019.

Rosangela Telles

Relatora

Assinatura Eletrônica

VOTO Nº 12757

MANDADO DE SEGURANÇA Nº: 1014216-68.2018.8.26.0114

APELANTE: JORGE LUIZ PASSARELLA CHECCHIA

APELADO: 4º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE CAMPINAS

COMARCA: CAMPINAS

JUIZ: BRUNA MARCHESE E SILVA

APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. Mandamus impetrado contra ato de Oficial de Registro que condicionou o registro de escritura pública translativa do domínio imobiliário à apresentação de certidão negativa de débitos previdenciários. Adequação da via eleita. Existência do procedimento de suscitação de dúvida inversa, de natureza administrativa, na seara da corregedoria permanente, criado por força de interpretação doutrinária e jurisprudencial, que não impede o manejo do remédio constitucional. Precedentes do E. STJ. Necessidade de processamento do feito. RECURSO PROVIDO.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a r. sentença de fls. 41/42, cujo relatório adoto, que extinguiu mandado de segurança sem resolução meritória, nos termos do art. 485, VI do CPC/15.

Sustenta o apelante a fls. 70/90, em síntese, que a suscitação de dúvida registral é providência de natureza administrativa, não sendo necessário o seu exaurimento para fins de manejo do mandamus. Cita precedentes. É inviável a negativa por parte do Oficial Registrador, condicionando o registro à apresentação de CND do INSS, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle de constitucionalidade. Busca a reforma da r. sentença, com o processamento do remédio constitucional em primeiro grau de jurisdição.

Não houve oposição ao julgamento virtual.

É o relatório.

Inicialmente, cumpre ressaltar que a decisão guerreada fora proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 2015. Quando da publicação do decisum, já vigia a Lei n. 13.105/2015, de sorte que as disposições desta legislação devem ser observadas, notadamente no que tange ao juízo de admissibilidade recursal.

O impetrante JORGE LUIZ PASSARELLA CHECCHIA, ora apelante, ajuizou mandado de segurança contra ato praticado pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis da Comarca de Campinas. Segundo afirmado na petição inicial, a autoridade impetrada teria condicionado o registro de escritura pública translativa do domínio imobiliário à apresentação de certidão negativa de débitos de INSS o que, na compreensão do recorrente, representaria violação ao seu direito líquido e certo de transferência do domínio.

O Juízo a quo, por sua vez, extinguiu o processo sem resolução meritória, nos termos do art. 485, VI do CPC/15, sob o argumento de existência de procedimento específico para a solução da controvérsia, qual seja, a suscitação inversa de dúvida registrária.

Compreendo que o apelo mereça prosperar.

O Mandado de Segurança, nos termos do art. 5º, LXIX da Constituição Federal e do art. 1º da Lei nº 12.016/2009, é o remédio constitucional que viabiliza a tutela de direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica vier a sofrer violação por parte de autoridade, independentemente de sua categoria.

Não de desconhece que “o âmbito de incidência do mandado de segurança é definido residualmente, pois somente caberá seu ajuizamento quando o direito líquido e certo a ser protegido não for amparado por habeas corpus ou habeas data[1]”.

A subsidiariedade, por sua vez, refere-se aos demais remédios constitucionais previstos no ordenamento jurídico pátrio, sendo as hipóteses de não cabimento do mandamus prevista especificamente no art. 5º da lei de regência, cujo teor abaixo se transcreve:

Art. 5o Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: I – de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução; II – de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo; III – de decisão judicial transitada em julgado.

É certo que o procedimento de suscitação de dúvida inversa sequer goza de previsão legal específica. Em didático julgado sobre o tema, consignou-se que “a Lei de Registros Públicos não cria hipótese de admissão da chamada “dúvida inversa”. Entretanto, a doutrina e a jurisprudência têm admitido o seu manejo pelo particular quando o Oficial do Cartório não a suscita, em razão do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, tal como previsto no art. 5º, XVVV, da Carta Maior, ao dispor que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão”, bem como do princípio do acesso à justiça. – Se há incertezas quanto à efetivação do registro pretendido, cabe ao titular do registro de imóveis suscitar dúvida ao juízo[2]”.

Portanto, é certo que o procedimento de suscitação de dúvida inversa, criado por força de interpretação doutrinária e jurisprudencial, não goza de natureza de recurso, não havendo previsão legal de efeito suspensivo ao ato.

Por tais considerações, não sendo imprescindível o esgotamento da via administrativa para o manejo de Mandado de Segurança, entendo pela viabilidade de processamento do remédio em primeiro grau de jurisdição, não havendo óbice legal para tanto.

Nesse sentido, a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento segundo o qual “o incidente de dúvida não impede o manejo da ação mandamental para sanar possíveis exigências cartorárias tidas como ilegais ou abusivas[3]”.

Ademais, há de se destacar que o impetrado goza de status de autoridade por delegação do poder público no exercício do seu mister, razão pela qual entendo preenchidos das as condições e pressupostos processuais, o que inviabiliza a extinção terminativa do feito.

Posto isso, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO ao recurso, determinando o processamento do mandado de segurança em primeiro grau de jurisdição.

ROSANGELA TELLES

Relatora


Notas:

[1] Alexandre de Moraes, Manual de Direito Constitucional

[2] (TJMG – Apelação Cível 1.0079.12.037855-3/001, Relator(a): Des.(a) Wander Marotta , 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 14/05/2013, publicação da súmula em 17/05/2013)

[3] (STJ – REsp: 1348228 MG 2012/0115796-7, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 12/02/2015, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/05/2015) – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1014216-68.2018.8.26.0114 – Campinas – 2ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Rosangela Telles

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.