Registro de Imóveis – Procedimentos administrativo e de dúvida que visaram o cancelamento de registro contido em matrícula e o posterior registro de título apresentado pelo requerente – Procedimento de dúvida julgado procedente por r. sentença que foi mantida em sede de apelação – Contrato particular de compra e venda de dois apartamentos celebrado entre o recorrente e o incorporador original – Posterior cessão da incorporação imobiliária, com transmissão da propriedade do imóvel ao cessionário – Recusa do novo incorporador em ratificar o contrato – Princípio da continuidade – Cessão dos direitos e deveres decorrentes da incorporação que impediu o registro de contrato celebrado com quem não era mais proprietário do imóvel, o que levou à procedência da dúvida e à manutenção da recusa do registro do título apresentado pelo recorrente – Procedimento administrativo – Registro de contrato de compra e venda e alienação fiduciária em garantia celebrado pelo novo incorporador – Existência de anterior prenotação do contrato apresentado pelo recorrente, configurando-se a hipótese de títulos representativos de direitos reais contraditórios – Princípio da prioridade – Bloqueio de matrícula desnecessário, uma vez que nenhum outro título representativo de direito real poderá ingressar enquanto não for cancelada a prenotação daquele apresentado pelo recorrente – Nulidade do registro do contrato de compra e venda e alienação fiduciária que estaria configurada na hipótese de improcedência da dúvida, posto que a procedência teve como efeito o cancelamento da prenotação do título apresentado pelo recorrente – Recurso pretendendo o bloqueio de matrícula e o cancelamento de registro não provido – Disciplinar – Reclamação contra procedimento de Oficial de Registro de Imóveis que não observou prioridade decorrente da ordem cronológica de protocolos de títulos representativos de direitos reais contraditório – Recurso provido em parte para que seja instaurado procedimento administrativo disciplinar.


  
 

Número do processo: 1001738-84.2017.8.26.0624

Ano do processo: 2017

Número do parecer: 406

Ano do parecer: 2018

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1001738-84.2017.8.26.0624

(406/2018-E)

Registro de Imóveis – Procedimentos administrativo e de dúvida que visaram o cancelamento de registro contido em matrícula e o posterior registro de título apresentado pelo requerente – Procedimento de dúvida julgado procedente por r. sentença que foi mantida em sede de apelação – Contrato particular de compra e venda de dois apartamentos celebrado entre o recorrente e o incorporador original – Posterior cessão da incorporação imobiliária, com transmissão da propriedade do imóvel ao cessionário – Recusa do novo incorporador em ratificar o contrato – Princípio da continuidade – Cessão dos direitos e deveres decorrentes da incorporação que impediu o registro de contrato celebrado com quem não era mais proprietário do imóvel, o que levou à procedência da dúvida e à manutenção da recusa do registro do título apresentado pelo recorrente – Procedimento administrativo – Registro de contrato de compra e venda e alienação fiduciária em garantia celebrado pelo novo incorporador – Existência de anterior prenotação do contrato apresentado pelo recorrente, configurando-se a hipótese de títulos representativos de direitos reais contraditórios – Princípio da prioridade – Bloqueio de matrícula desnecessário, uma vez que nenhum outro título representativo de direito real poderá ingressar enquanto não for cancelada a prenotação daquele apresentado pelo recorrente – Nulidade do registro do contrato de compra e venda e alienação fiduciária que estaria configurada na hipótese de improcedência da dúvida, posto que a procedência teve como efeito o cancelamento da prenotação do título apresentado pelo recorrente – Recurso pretendendo o bloqueio de matrícula e o cancelamento de registro não provido – Disciplinar – Reclamação contra procedimento de Oficial de Registro de Imóveis que não observou prioridade decorrente da ordem cronológica de protocolos de títulos representativos de direitos reais contraditório – Recurso provido em parte para que seja instaurado procedimento administrativo disciplinar.

Trata-se de recurso interposto por Fábio Duarte contra r. decisão, reproduzida às fls. 232/237, que julgou procedente dúvida suscitada pelo Sr. Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Tatuí para manter a recusa oposta ao registro de contrato particular de compra e venda dos apartamentos nºs 121 e 172 do “Residencial Life Tatuí”, objeto, respectivamente, das matrícula nºs 91.881 e 91.902, e para indeferir pedido de providências, formulado no presente procedimento, consistentes em declaração da nulidade de registro, bloqueio de matrícula e adoção de medidas disciplinares contra o Oficial de Registro de Imóveis (fls. 1/11).

Foi interposto recurso administrativo contra a r. decisão que indeferiu os pedidos de bloqueio de matrícula, cancelamento de registros e aplicação de sanção disciplinar de perda de delegação contra o Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Tatuí alegando o recorrente, em suma, que em 18 de novembro de 2016 promoveu a prenotação, sob nº 253.605, de instrumento particular de compromisso de compra e venda relativo aos apartamentos nºs 121 e 172 do “Edifício Residencial Life Tatuí”, objeto das matrículas 91.881 e 91.902, que foram celebrados na fase de incorporação imobiliária. Afirmou que o registro foi negado mediante exigência de aditamento do contrato para figurar como vendedora a cessionário da incorporadora original, sendo a exigência incorreta porque a cessão da incorporação transmitiu à nova incorporadora todos os deveres e obrigações relativos aos contratos celebrados anteriormente. Em razão disso, em 06 de dezembro de 2016 requereu a suscitação de dúvida que, porém, não foi apresentada pelo Oficial de Registro de Imóveis apesar do decurso do prazo de mais de três meses. Ademais, no curso do prazo de validade da prenotação nº 253.605 foi promovido o registro de outro contrato de compra e venda do imóvel objeto da matrícula nº 91.811, celebrado pela cessionária da incorporação em 24 de janeiro de 2017, sendo esse registro nulo em razão da violação da prioridade existente em favor do título protocolado em primeiro lugar. Diante do ocorrido, requereu o bloqueio das matrículas, o cancelamento dos registros feitos com violação da prioridade, e a apuração da responsabilidade disciplinar do Oficial de Registro com aplicação da pena de perda da delegação (fls. 127/135).

O presente procedimento foi reunido com o procedimento da dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Tatuí em razão da recusa do registro do contrato de compromisso de compra e venda dos apartamentos objeto das matrículas nºs. 91.881 e 91.901, prenotado em 18 de novembro de 2016 sob nº 253.605 (Proc. nº 100867-89.2017.8.26.0624).

A dúvida, por sua vez, foi julgada procedente para manter a recusa do registro do contrato de compra e venda apresentado pelo recorrente, como se verifica na r. sentença e no v. acórdão reproduzidos às fls.232/237 e 262/274.

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls.161/164).

Os processos foram reunidos para julgamento conjunto dos recursos (fls. 151).

O Colendo Conselho Superior da Magistratura, a seguir, negou provimento à apelação interposta no procedimento de dúvida, o que fez ressalvando a competência da Corregedoria Geral da Justiça para o julgamento do presente recurso administrativo (fls. 262/274)

É o relatório.

A dúvida suscitada mediante provocação do recorrente foi julgada procedente por r. sentença que foi mantida pelo Col. Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 1001867-89.2017.8.26.0624 (fls. 262/274).

Resta, diante disso, o julgamento do recurso apresentado no presente procedimento que diz respeito aos pedidos de bloqueio e cancelamento de registros e adoção de providências de natureza disciplinar contra o Oficial de Registro de Imóveis.

Neste procedimento não há providência a ser tomada em relação ao apartamento 172 do “Condomínio Residencial Life Tatuí”, objeto da matrícula nº 91.902.

Como decorre da certidão de fls. 22, e do julgamento do processo de dúvida, o referido imóvel se tornou de propriedade da empresa “PW5 Incorporadora e Participação Ltda.” desde o registro da compra e venda realizada em conjunto com a cessão da incorporação, e, neste caso concreto, não estão presentes os requisitos para o bloqueio administrativo da matrícula visando garantir o resultado de eventual ação jurisdicional que tenha por objeto o litígio existente entre o recorrente e o titular do domínio quanto aos efeitos de contrato de compra e venda do apartamento.

Desse modo, eventual bloqueio, ou outra medida de natureza cautelar relativa ao apartamento 172 do “Condomínio Residencial Life Tatuí”, objeto da matrícula nº 91.902, deverá ser pleiteado pelo recorrente em ação própria, contenciosa.

Em relação ao apartamento 121 do “Condomínio Residencial Life Tatuí”, objeto da matrícula nº 91.881, o contrato de compra e venda para a empresa “GIM – Negócios e Empreendimentos Imobiliários Ltda. – EPP” e o de constituição de alienação fiduciária em garantia em favor de “Bradesco Administradora de Consórcios Ltda.” foram registrados em 17 de fevereiro de 2017, data do protocolo a que retroagiram os registros (fls. 19/21).

Na referida data estavam vigentes os efeitos da prenotação do contrato de compromisso de compra e venda apresentado pelo recorrente que foi realizada em 18 de novembro de 2016 conforme o Protocolo nº 253.605 (fls. 12/13) e que teve seu prazo prorrogado em razão do requerimento de suscitação de dúvida.

Destarte, não se observou o art. 182 da Lei nº 6.015/73 que confere prioridade aos títulos ingressados no protocolo conforme a rigorosa ordem cronológica de apresentação: “Todos os títulos tomarão, no Protocolo, o número de ordem que lhes competir em razão da sequência rigorosa de sua apresentação”.

Assim ocorrendo, foi violado o princípio da prioridade que segundo Narciso Orlandi Neto: “…determina que, no confronto de direitos contraditórios submetidos simultaneamente à qualificação, os registros seguem a ordem de prenotação dos respectivos títulos” (Retificação do Registro de Imóveis, Ed. Oliveira Mendes – Livraria Del Rey Editora, 1997, pág. 62).

Em razão disso, foi requerida a declaração da nulidade dos R.2 e 3 e da Av.4 da matrícula nº 91.881, com restabelecimento da prenotação nº 253.605 a fim de possibilitar o registro do contrato de compromisso de compra e venda do apartamento 121 do “Residencial Life Tatuí”.

Contudo, o registro do contrato de compromisso de compra e venda celebrado pelo recorrente com “Residencial Life Tatuí SPE Ltda.” não se mostra possível, ao menos na forma pretendida, porque não observa a continuidade do registro imobiliário.

Nesse sentido foi o julgamento da Apelação Cível nº 1001867-89.2017.8.26.0624 cujo resultado não pode ser revisto nesta sede recursal.

O resultado da dúvida suscitada pelo Sr. Oficial de Registro de Imóveis de Tatuí repercute de forma direta sobre os pedidos administrativos de bloqueio de matrículas e cancelamento dos registros realizados na matrícula nº 91.881 do Registro de Imóveis de Tatuí, relativa ao apartamento 121 do “Condomínio Residencial Life Tatuí”, pois não se pode ignorar seus efeitos concretos sobre a prenotação do contrato de compra e venda apresentado pelo recorrente.

Tal porque a procedência da dúvida terá como efeito direto o cancelamento da prenotação nº 253.605, de 18 de novembro de 2016 (fls. 12/13), na forma do art. 203, inciso I, da Lei nº 6.015/73:

“Art. 203. Transitada em julgado a decisão da dúvida, proceder-se-á do seguinte modo:

– se for julgada procedente, os documentos serão restituídos à parte, independentemente de traslado, dando-se ciência da decisão ao oficial, para que a consigne no Protocolo e cancele a prenotação;”.

Com o cancelamento da prenotação nº 253.605 deixará de existir impedimento para a validade dos Registros 2 e 3 e da Averbação 4 da matrícula nº 91.881.

Ademais, o cancelamento desses registros acarretaria o obrigatório restabelecimento dos efeitos da prenotação nº 255.574 que são relativas aos títulos que originaram os R.2 e 3 e a Av.4 da referida matrícula, pois essas prenotações são válidas e os títulos a que se referem deveriam ser qualificados na sequência da cessação da prenotação nº 253.605.

E os títulos objeto da prenotação nºs 255.574 já foram qualificados positivamente pelo Oficial de Registro de Imóveis de Tatuí, não havendo nos autos elementos para inferir que o resultado de nova qualificação será diferente.

Em consequência, o cancelamento dos R. 2 e 3 e da Av. 4 da matrícula nº 91.881 não afastaria os direitos reais já constituídos em relação aos seus respectivos titulares, pois na sequência deveria ser feito o restabelecimento da prenotação nº 255.574, com novos registros e averbação dos mesmos títulos.

Portanto, a manutenção dos referidos registros é a medida que melhor se coaduna com o resultado do julgamento da Apelação Cível nº 1001867-89.2017.8.26.0624 pelo Col. Conselho Superior da Magistratura e, mais do que isso, prestigia o princípio “pas de nullité sans grief”.

Por seu turno, nada impede que mediante uso de ação própria o requerente pleiteie a anulação do R.2 e da Av.3 da matrícula nº 91.881 e promova o registro da citação para referida ação, ou requeira outra medida cautelar que considerar pertinente.

Contudo, para essa finalidade deverá ser movida ação contenciosa de que participem os titulares dos direitos reais de que o recorrente pretende o cancelamento, sendo de se observar que o respeito ao contraditório também seria necessário para o eventual cancelamento administrativo como previsto no art. 214, parágrafo 1º, da Lei nº 6.015/73:

“Art. 214. As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta.

§ 1º A nulidade será decretada depois de ouvidos os atingidos”.

Desse modo, a manutenção da recusa do registro do título apresentado pelo recorrente, que terá como efeito o cancelamento do protocolo nº 253.605, acarreta a manutenção dos registros já promovidos na matrícula nº 91.881 do Registro de Imóveis de Tatuí.

Por seu lado, o bloqueio da matrícula nº 91.881 somente se justificaria se o resultado da dúvida fosse favorável ao recorrente, o que não ocorreu.

De qualquer modo, como esclarecido no v. acórdão prolatado pelo Col. Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 1001867-89.2017.8.26.0624 (fls. 262/274), a suscitação da dúvida ensejou a prorrogação do prazo do protocolo nº 253.605, o que impede o registro de novo título representativo de direito real contraditório, qualquer que seja seu outorgante, até o trânsito em julgado do v. acórdão prolatado pelo Col. Conselho Superior da Magistratura.

Desse modo, nenhum outro título ingressará na matrícula nº 91.881 do Registro de Imóveis de Tatuí enquanto estiverem vigentes os efeitos da prenotação nº 253.605, cabendo ao recorrente o recurso às vias ordinárias, ou seja, à ação contenciosa que se mostrar pertinente, caso pretenda obter medida de natureza cautelar relativa à disponibilidade do imóvel objeto da referida matrícula e ao cancelamento dos registros e da averbação nela realizadas.

Por fim, no que se refere ao aspecto disciplinar, uma vez demonstrados o atraso na suscitação da dúvida e o desrespeito à análise dos títulos conforme a ordem cronológica de apresentação, o que caracteriza violação dos arts. 30, incisos X e XIV, e 31, incisos I e V, ambos da Lei n. 8.935/94, determina-se a imediata instauração de procedimento administrativo disciplinar por meio de Portaria a ser baixada pelo MM. Juiz Corregedor Permanente.

Ante o exposto, o parecer que apresento à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de dar parcial provimento ao recurso administrativo somente para determinar a instauração de procedimento administrativo disciplinar contra o Sr. Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Tatuí, na forma acima prevista, formando-se expediente de acompanhamento nesta Corregedoria Geral da Justiça.

Sub censura.

São Paulo, 1º de outubro de 2018.

José Marcelo Tossi Silva

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria, por seus fundamentos que adoto, e dou parcial provimento ao recurso somente para determinar a instauração de procedimento administrativo disciplinar contra o Sr. Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Tatuí, na forma prevista no parecer. Desde logo, forme-se expediente de acompanhamento nesta Corregedoria Geral da Justiça, com cópias de fls. 01/22, 127/135, 169/274, do parecer e desta decisão. Oficie-se ao MM. Juiz Corregedor Permanente, com as cópias indicadas, para as providências desde logo cabíveis. Oportunamente, remetam-se os autos à Vara de origem. Intimem-se. São Paulo, 5 de outubro de 2018. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça – Advogado: ANTONIO FRANCISCO MASCARENHAS, OAB/SP 69.000, JOÃO GUILHERME SIMÕES DE OLIVEIRA PEREZ, OAB/SP 361.086 e VICTOR DE ANDRADE GALVEZ, OAB/SP 373.171.

Diário da Justiça Eletrônico de 15.10.2018

Decisão reproduzida na página 215 do Classificador II – 2018

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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