CSM/SP: Registro de Imóveis – Escritura de venda e compra – Ausência de outorga uxória – Óbice mantido – Comunhão universal de bens – Imóvel doado com cláusula de incomunicabilidade – Dúvida procedente – Recurso não provido.


  
 

Apelação Cível nº 1001438-78.2020.8.26.0443

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001438-78.2020.8.26.0443
Comarca: PIEDADE

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1001438-78.2020.8.26.0443

Registro: 2021.0000303808

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001438-78.2020.8.26.0443, da Comarca de Piedade, em que é apelante LUIZ CARLOS LEMES DA SILVA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PIEDADE.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 15 de abril de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1001438-78.2020.8.26.0443

Apelante: Luiz Carlos Lemes da Silva

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Piedade

VOTO Nº 31.482

Registro de Imóveis – Escritura de venda e compra – Ausência de outorga uxória – Óbice mantido – Comunhão universal de bens – Imóvel doado com cláusula de incomunicabilidade – Dúvida procedente – Recurso não provido.

1. Cuida-se de recurso de apelação interposto por LUIZ CARLOS LEMES DA SILVA contra a r. sentença de fl. 72/74, que julgou procedente a dúvida suscitada pela Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Piedade, mantendo-se o óbice registrário.

A Nota de Exigência de fl. 17/19 indicou como motivo de recusa do ingresso do título:

“Conforme análise da escritura de venda e compra ora apresentada para proceder o registro faz necessário a outorga uxória de Regina Celia Santos Frederico Secol, nos termos dos artigos 1.647 e 1.648, da Lei n.º 10.406/02”.

Sustenta o recorrente, em suma, que não há necessidade de concordância da esposa do vendedor, vez que o bem foi adquirido por meio de escritura pública de doação, com cláusula de incomunicabilidade. Nos termos do art. 1.668 do Código Civil, os bens doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade são excluídos da comunhão, de modo que o óbice não se sustenta.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fl. 104/107).

É o relatório.

2. Presentes seus pressupostos legais e administrativos, conheço do recurso.

A apelação, a despeito de seus jurídicos fundamentos, não comporta provimento.

Com efeito, restou apresentada a registro a escritura pública de venda e compra lavrada perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Paruru, Ibiúna, São Paulo, Livro 76, páginas 377/380, outorgada por José Secol Filho em favor de Luiz Carlos Lemes da Silva, ora apelante.

O titulo foi prenotado sob n.º 104860 em 15 de junho de 2020 e, qualificado negativamente, foi expedida a nota de devolução de fl. 17/19.

Da matrícula n.º 23.865 infere-se que por meio de escritura lavrada em 12 de junho de 2015 o imóvel foi doado a José Secol Filho casado sob o regime da comunhão universal de bens com Regina Célia Santos Frederico Secol (fl. 35).

Da Av. 2/23.865 consta que a doação registrada sob o n.º 1 da matrícula encontra-se gravada com cláusula de incomunicabilidade.

Pois bem.

A pretensão do recorrente esbarra no art. 1.647, I, do Código Civil, in verbis:

“Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;

II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;

III – prestar fiança ou aval;

IV – fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.”

Daí decorre que, conquanto os bens gravados com cláusula de incomunicabilidade estejam excluídos da comunhão entre os cônjuges, nos termos do art. 1.668, I, do Código Civil, faz-se necessária, à luz do art. 1.647, I, supra referido, a outorga uxória para aperfeiçoar o negócio jurídico do vendedor.

A questão da incomunicabilidade do bem imóvel diz respeito exclusivamente à atribuição patrimonial entre os cônjuges no momento da extinção da sociedade conjugal, ou na fixação de responsabilidades patrimoniais de cada cônjuge por conta da administração de seus bens particulares na constância da sociedade conjugal (art. 1.665, CC).

Não tem por objeto o direito à livre disposição do bem durante o casamento, mas prevê apenas seu destino e atribuição por conta do fim da sociedade conjugal.

A questão da necessidade da outorga conjugal diz respeito às regras de tutela da entidade familiar, impedindo a realização de alienação de bens imóveis particulares por qualquer um dos cônjuges, salvo as exceções legais, sem que o cônjuge não proprietário concorde com o ato ou sua recusa seja formalmente suprida por decisão judicial.

Não há qualquer ressalva quanto à natureza do bem imóvel, se comum ou particular, caracterizando norma cogente, salvo exceções previstas expressamente na lei.

Neste sentido:

“(…) O dispositivo em estudo não faz referência à natureza do patrimônio que necessite de anuência de ambos os cônjuges, para ser alienado ou gravado com ônus reais, sendo certo, portanto, que a imposição abrange, também, os bens particulares de cada cônjuge. (…)” (Código Civil

Comentado: doutrina e jurisprudência/Cláudio Luiz Bueno de Godoy …[et al.]; coordenação Cezar Peluso 14. Ed. Barueri [SP]: Manole, 2020, pag. 1857).

Isto porque a norma visa, em termos finais, a proteção da entidade familiar e seu patrimônio mínimo para fins de consecução de seus objetivos, colocando a norma tal entidade em local privilegiado em relação aos direitos particulares do cônjuge.

Justifica-se na medida em que, embora a pessoa casada possa, livremente, praticar os atos necessários à mantença do casal, alguns negócios jurídicos são tão relevantes para o patrimônio do casal e manutenção do núcleo familiar que, bem por isso, dependem da expressa anuência do outro cônjuge.

Destarte, independentemente da incomunicabilidade do bem, a anuência do cônjuge do alienante é requisito fundamental para a validade do ato, sem o qual não se admite seu ingresso no registro imobiliário.

Por outro lado, se um dos cônjuges não quer ou não pode anuir à venda que o outro pretende realizar, para a qual a lei exige a vênia conjugal, permite o Código Civil, em seu art. 1.648, o suprimento judicial de tal concordância.

Nesse cenário, não há como se concluir pela superação do óbice apontado pelo registrador.

3. Por essas razões, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 07.07.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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