CSM/SP: Registro de Imóveis – Apelação – Dúvida julgada improcedente – Legitimidade recursal da instituição financeira credora hipotecária – Óbice afastado – Registro de escritura pública de dação em pagamento – Suficiência da cientificação do credor hipotecário – Desnecessidade de anuência ante a ausência de previsão legal – Hipótese que não se amolda à lei N.º 8.004/90 – Direito de sequela do direito real de hipoteca – Recurso não provido com observação.

Apelação Cível nº 0001497-05.2020.8.26.0566

Espécie: APELAÇÃO
Número: 0001497-05.2020.8.26.0566
Comarca: SÃO CARLOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 0001497-05.2020.8.26.0566

Registro: 2021.0000381022

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0001497-05.2020.8.26.0566, da Comarca de São Carlos, em que é apelante BANCO DO BRASIL S/A, são apelados MAC LUCER CONSTRUÇÕES LTDA. E OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SÃO CARLOS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, com observação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 19 de maio de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 0001497-05.2020.8.26.0566

Apelante: Banco do Brasil S/A

Apelados: Mac Lucer Construções Ltda. e Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Carlos

VOTO Nº 31.514

Registro de Imóveis – Apelação – Dúvida julgada improcedente – Legitimidade recursal da instituição financeira credora hipotecária – Óbice afastado – Registro de escritura pública de dação em pagamento – Suficiência da cientificação do credor hipotecário – Desnecessidade de anuência ante a ausência de previsão legal – Hipótese que não se amolda à lei N.º 8.004/90 – Direito de sequela do direito real de hipoteca – Recurso não provido com observação.

1. Cuida-se de recurso de Apelação interposto por BANCO DO BRASIL S.A. contra a r. sentença de fl. 169/171 que julgou improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Carlos, afastando o óbice ao registro da escritura pública de dação em pagamento ante a desnecessidade de anuência do credor hipotecário.

Sustenta o recorrente, em síntese, que na qualidade de credor hipotecário do imóvel dado em pagamento pela empresa devedora ao terceiro interessado, deve anuir a transferência do bem, nos termos do art. 1º da Lei n.º 8.004/90, o que efetivamente não ocorreu.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou, preliminarmente, pelo reconhecimento da ilegitimidade recursal do apelante, e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fl. 202/206).

É o relatório.

2. Presentes seus pressupostos legais e administrativos, conheço do recurso.

De proêmio, afasto a alegada ilegitimidade recursal do apelante, sustentada pela D. Procuradoria Geral da Justiça.

Na qualidade de terceiro interessado, afetado pela sentença recorrida, ostenta o apelante legitimidade para recorrer, nos exatos termos do art. 202 da Lei n.º 6.015/73, que assim dispõe:

“Art. 202 – Da sentença, poderão interpor apelação, com os efeitos devolutivo e suspensivo, o interessado, o Ministério Público e o terceiro prejudicado.”

No mérito o recurso não merece provimento.

Com efeito, Mac Lucer Construções Ltda apresentou a registro escritura de dação em pagamento e outras avenças, lavrada no Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Anexos de Tabelião de Notas do Distrito de Água Vermelha, da Comarca de São Carlos, firmada com a incorporadora Agraben Desenvolvimento Imobiliário Ltda, tendo por objeto o imóvel da matrícula n.º 122.657 do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Carlos, consistente em um terreno com incorporação imobiliária gravado com hipoteca em favor do ora recorrente.

O título foi prenotado sob n.º 405.451; o registro foi negado nos termos da nota devolutiva de fl. 13 com o seguinte conteúdo:

“A mera ‘cientificação’ do credor Banco do Brasil S/A, ora apresentada, não foi vista como suficiente para suplantar o óbice da hipoteca constante do R.07./M 122.657, tendo em vista o que determina a cláusula 21ª, §2º do contrato registrado, conforme decidido às fls. 261 e seguintes do Processo de Dúvida sob n.º 000.2438-86.2019.8.26.0566 da 4ª Vara Cível local, que transitou em julgado aos 08/10/2019”.

Suscitada dúvida, cuidou a MM.ª Juíza Corregedora Permanente de julgá-la improcedente, autorizando o ingresso do título no fólio real.

Relevante consignar que o título já fora apresentado anteriormente ao Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Carlos e o registro foi negado com base em dois fundamentos: a) necessidade de anuência da instituição financeira credora; e subsidiariamente, b) necessidade de ao menos ciência da credora hipotecária.

Na oportunidade foi suscitada dúvida, autos do processo n.º 0002438-86.2019.8.26.0566, que foi julgada procedente, constando da r. decisão que:

“Conclui-se que o título não deve ser registrado porque não houve a prova da prévia cientificação do credor hipotecário nos termos do art. 292 da Lei de Registros Públicos e da cláusula vigésima primeira do contrato, celebrado entre a incorporadora e a credora hipotecária” (fl. 63/66) (g.n).

Nestes termos, a apresentante Mac Lucer Construções Ltdae a incorporadora Agraben Desenvolvimento Imobiliário Ltda. notificaram o apelante, por meio da pessoa de Lucas Alberto Guassu, gerente geral da Agência Alexandrina (fl. 14) e apresentaram o título novamente ao Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Carlos e tiveram o registro uma vez mais negado, nos termos da já mencionada nota devolutiva de fl. 13.

A dúvida, outra vez suscitada, foi julgada improcedente entendendo-se desnecessária a anuência do credor hipotecário e suficiente a cientificação da instituição financeira.

Pois bem.

A prévia cientificação do credor hipotecário, como exigido na r. decisão de fl. 63/66, que julgou procedente a dúvida anteriormente suscitada, foi cumprida pela apresentante (fl. 14), não havendo razão para exigência diversa posterior do Oficial.

Restou expressamente dispensada a anuência da instituição financeira como condição para o pretendido registro.

A r. decisão de fl. 63/66 afastou um dos óbices lançados pelo Registrador destacando inexistir “norma jurídica exigindo a anuência do credor hipotecário”, mantendo apenas a necessidade de cientificação da instituição financeira credora, o que foi devidamente cumprido por Mac Lucer Construções Ltda e pela incorporadora.

A questão, ademais, não se amolda às disposições da Lei n.º 8.004/90, que trata do Sistema Financeiro da Habitação.

Consoante dispõe o art. 1º de mencionado Diploma Legal:

“Art. 1º O mutuário do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) pode transferir a terceiros os direitos e obrigações decorrentes do respectivo contrato, observado o disposto nesta lei.

Parágrafo único. A formalização de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão relativas a imóvel financiado através do SFH darse- á em ato concomitante à transferência do financiamento respectivo, com a interveniência obrigatória da instituição financiadora”.

Nos termos de referida Lei especial o mutuário do SFH somente pode alienar o imóvel gravado com a concomitante transferência do financiamento e com interveniência obrigatória da instituição financeira.

Na hipótese, contudo, não houve financiamento por referido sistema e sim financiamento da obra de edificação do empreendimento dando-se em hipoteca o imóvel objeto da matrícula n.º 122.657.

Cuida-se, em verdade, de dação em pagamento de futuras unidades autônomas realizada pela incorporadora e não pelo mutuário do Sistema Financeiro da Habitação, inexistindo, pois, disposição legal acerca da anuência do credor hipotecário.

Não se observa, assim, impedimento à alienação do bem gravado posto não perder o proprietário o “jus disponendi”, transferindo-o ao adquirente, juntamente com o ônus que o grava.

Nos dizeres de Caio Mário da Silva Pereira:

“A alienação transfere o domínio do imóvel; mas este passa ao adquirente com o ônus hipotecário transit cum onere suo” (Instituições de Direito Civil, 18. Ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. IV, p. 386).

E, a sequela constitui um dos efeitos dos direitos reais de garantia, provocando a aderência do ônus à coisa, acompanhando-a em poder de quem se encontre.

Nesta ordem de ideias, cumpre destacar ainda que a apresentante Mac Lucer Construções Ltda. declarou sua ciência sobre a hipoteca na escritura pública de modo que a dívida estará garantida pelos direitos próprios ao referido instituto.

No ponto, não é demais lembrar o teor do art. 1475 do Código Civil:

“É nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado”.

Relevante consignar, ainda, que do V. Acórdão de fl. 117/121 infere-se que foi dado provimento ao Agravo de Instrumento interposto por Mac Lucer Construções Ltda. em face do ora recorrente, concluindo-se pela inexistência de fraude à execução ou até fraude contra credores.

De mais a mais, eventual reconhecimento da existência de fraude à execução, como aventado pela Apelante, implicaria, em tese, apenas na ineficácia da alienação.

Finalmente, contudo, de rigor a revogação da parte final da r. sentença de fl. 169/171 que determinou o registro do título constando a “informação de que a hipoteca foi constituída na forma da mencionada súmula, isentando os adquirentes das unidade autônomas”, uma vez que o ponto extrapola o objeto da dúvida, inexistindo, ademais, previsão legal para averbação da existência e aplicação da Súmula 308 do STJ.

3. Por essas razões, nego provimento ao recurso, com observação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 27.07.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

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TJ/SP – Registro de Imóveis – Escritura pública de instituição de bem de família – Título qualificado negativamente – Indisponibilidade decorrente de penhora em favor da Fazenda Nacional que impede qualquer ato de disposição do bem, que não a forçada – Exigência de levantamento da constrição averbada na matrícula – A situação registral a ser analisada é aquela existente no momento em que apresentada a escritura para registro – Inadmissibilidade de registro condicional – Instituição voluntária do bem de família, com o registro obrigatório no ofício imobiliário da situação do bem, que se destina ao abrigo ou proteção familiar – Ato que não importa em alienação do imóvel, o qual permanece sob o domínio do devedor do crédito que originou a penhora – Instituição do bem de família ineficaz em relação à credora que penhorou o imóvel anteriormente, por força do direito de sequela – Óbice afastado – Dá-se provimento ao recurso interposto.

Apelação Cível nº 1067433-97.2020.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1067433-97.2020.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1067433-97.2020.8.26.0100

Registro: 2021.0000361665

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1067433- 97.2020.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante LAURIVAL LAÉRCIO GABRIELLI JÚNIOR, é apelado 15º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 4 de maio de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1067433-97.2020.8.26.0100

Apelante: Laurival Laércio Gabrielli Júnior

Apelado: 15º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

VOTO Nº 31.495

Registro de Imóveis – Escritura pública de instituição de bem de família – Título qualificado negativamente – Indisponibilidade decorrente de penhora em favor da Fazenda Nacional que impede qualquer ato de disposição do bem, que não a forçada – Exigência de levantamento da constrição averbada na matrícula – A situação registral a ser analisada é aquela existente no momento em que apresentada a escritura para registro – Inadmissibilidade de registro condicional – Instituição voluntária do bem de família, com o registro obrigatório no ofício imobiliário da situação do bem, que se destina ao abrigo ou proteção familiar – Ato que não importa em alienação do imóvel, o qual permanece sob o domínio do devedor do crédito que originou a penhora – Instituição do bem de família ineficaz em relação à credora que penhorou o imóvel anteriormente, por força do direito de sequela – Óbice afastado – Dá-se provimento ao recurso interposto.

1. Trata-se de apelação interposta por Laurival Laercio Gabrielli Júnior contra a sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 15º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, objetivando o registro de escritura pública de instituição de bem de família tendo por objeto o imóvel matriculado sob no 2.098 junto à referida serventia imobiliária (fl. 218/220).

O registrador emitiu nota de devolução, consignando que “o imóvel (…) encontra-se gravado pela penhora objeto da AV. 10 na matrícula nº 2.098, em favor da Fazenda Nacional, o que torna o imóvel indisponível, conforme § 1º do artigo 53 da Lei 8212/91”. Assim, exigiu o prévio cancelamento da referida penhora (fl. 18).

Alega o apelante, em síntese, que reside no imóvel com sua família, desde 1985, razão pela qual o bem já estava protegido, nos termos do art. 1º da Lei nº 8.009/90, antes mesmo da averbação da penhora em favor da Fazenda Nacional. Nesse sentido, afirma que o imóvel, sendo bem de família, não poderia ser penhorado por expressa disposição legal. Defende, também, a possibilidade da prática do ato de registro sob condição, ou seja, garantindo a proteção legal do bem de família enquanto não houver decisão judicial em sentido contrário, nos autos da ação de embargos à execução fiscal em que se discute a impenhorabilidade do bem. Por fim, sustenta que a indisponibilidade, se admitida, atingiria apenas a meação do executado e não, de sua esposa, ressaltando que, à época da lavratura do ato, ficou expressamente constando da escritura de instituição de bem de família que não havia indisponibilidade do bem (fl. 225/235).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 263/266).

É o relatório.

2. Busca o apelante o registro da escritura de instituição de bem de família tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 2.098 junto ao 15º Oficial de Registro de Imóveis da Capital (fl. 117/124).

Desde logo, é preciso anotar que, diferentemente do que sustenta o apelante, não há como se admitir o registro condicional, subordinado ao futuro julgamento dos embargos à execução que tramita perante a Justiça Federal (Processo nº 0003404-17.2013.4.03.6133). A respeito, merece ser transcrito ilustrativo trecho do voto vencedor proferido pelo Desembargador Márcio Martins Bonilha, na Apelação Cível nº 82.230-0/0, da Comarca de Piracicaba:

“Cumpre, inicialmente, ressaltar que não há como admitir o registro condicional, subordinado à futura apresentação de determinado documento, ou certidão explicativa. A legalidade da desqualificação é aferida tomando-se como parâmetro o momento exato da suscitação da dúvida, independentemente de documentos novos acostados aos autos no curso do procedimento, ou prometidos pelo interessado.

Lembre-se que admitir o cumprimento de exigências no curso do procedimento acarretaria a indevida prorrogação da prenotação, em detrimento potencial de outros titulares de direitos posicionais contraditórios (…)”.

É que a dúvida, se não prejudicada, comporta apenas duas soluções: procedência ou improcedência. Jamais poderá ser julgada improcedente para deferimento da prática de ato de registro condicionado a um evento futuro e incerto.

Ainda, no que diz respeito à alegação de que o imóvel em questão é destinado à moradia do apelante e sua família desde 1985 e que, portanto, a proteção legal decorrente do disposto na Lei nº 8.009/90 antecede a averbação da penhora em favor da Fazenda Nacional, importa lembrar que o título é qualificado pelo Oficial do registro de imóveis segundo as regras vigentes ao tempo em que a inscrição (lato sensu) foi rogada. Assim, mesmo que na escritura de instituição de bem de família não tenha constado a indisponibilidade decorrente da penhora averbada na matrícula, a situação registral a ser analisada é aquela existente no momento em que apresentada a escritura para registro.

No caso concreto, a recusa do registrador está fundada na exigência de cancelamento da averbação de penhora do referido imóvel em favor da Fazenda Nacional e consequente levantamento da indisponibilidade do bem.

A propósito da indisponibilidade, prevê o art. 53, § 1º, da Lei nº 8.212/91:

Art. 53. Na execução judicial da dívida ativa da União, suas autarquias e fundações públicas, será facultado ao exeqüente indicar bens à penhora, a qual será efetivada concomitantemente com a citação inicial do devedor.

§ 1º Os bens penhorados nos termos deste artigo ficam desde logo indisponíveis.

A redação da norma permite concluir que, penhorado o imóvel por dívida ativa da União, de suas autarquias ou de suas fundações públicas, de pronto estará indisponível o bem. E a indisponibilidade, decorrente da penhora em favor da Fazenda Nacional, impede qualquer ato de disposição do bem, que não a forçada. Sobre o tema, há inúmeros precedentes deste C. Conselho Superior da Magistratura: Apelação Cível nº 3003761-77.2013.8.26.0019, Rel. Elliot Akel, j. 03.06.2014; Apelação Cível nº 1003418-87.2015.8.26.0038, Rel. Pereira Calças, j. 25.04.2016; Apelação Cível nº 0006500-59.2019.8.26.0344, Rel. Pinheiro Franco, j. 10.12.2019.

Nesse contexto, é preciso ponderar se a instituição de bem de família importa em alienação voluntária do imóvel.

Pois bem. O Código Civil não traz uma definição específica sobre o instituto, nem seu conceito, apenas prevendo sua existência, forma de constituição e finalidade. Nesse sentido, dispõem os arts. 1.711 e 1.712 do referido diploma legal:

Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.

Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.

Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.

Para Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (“Direito das Famílias”. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pp. 702/703), o instituto é uma forma de afetação de bens a um destino especial, visando assegurar a dignidade humana dos componentes de uma família, garantindo sua sobrevivência, com base no mínimo existencial de patrimônio, para a realização da justiça social. Caio Mário da Silva Pereira (“Instituições de Direito Civil: direito de família”, 23ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, v. 5, p. 244) entende que “o bem de família é uma forma de afetação de bens a um destino especial que é ser a residência da família, e, enquanto for, é impenhorável por dívidas posteriores à sua constituição, salvo provenientes de impostos devidos pelo próprio prédio”. De seu turno, Sílvio de Salvo Venosa (“Direito Civil: Direito de família”, 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, pp. 384/386) transmite o pensamento de Serpa Lopes, para quem o bem de família é um condomínio sui generis, no qual nenhum dos cotitulares possui uma quota parte, ensejando uma coletividade que abarca o instituto, representada pelo chefe da família.

Assim, conclui:

“Trata-se da destinação ou afetação de um patrimônio em que opera a vontade do instituidor, amparada pela lei. É uma forma de tornar o bem como coisa fora do comércio, em que são combinadas a vontade da lei e a vontade humana. Nesse diapasão, o bem de família fica isento de execução por dívidas posteriores sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio ou despesas de condomínio (art. 1.715)”.

A instituição voluntária do bem de família, com o registro obrigatório no ofício imobiliário da situação do bem, destina-se ao abrigo ou proteção familiar. Com isso, o imóvel em que a família está domiciliada torna-se impenhorável (isento de dívidas futuras, salvo obrigações tributárias referentes ao bem e despesas condominiais – art. 1.715 do Código Civil) e inalienável (só poderá ser alienado com a autorização dos interessados, cabendo ao Ministério Público intervir quando houver participação de incapaz – art. 1.717 do Código Civil), até a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela (art. 1.722 do Código Civil).

Como se vê, a instituição do bem de família não se consubstancia numa transferência de domínio, ou seja, não equivale à alienação do imóvel. Ao contrário, o imóvel permanece sob o domínio do devedor do crédito que originou a penhora em questão.

A respeito, ressalta Caio Mário da Silva Pereira que:

“Não se verifica uma transmissão (salvo constituição por terceiros), porque a coisa não sai da propriedade do pater familias, e não ocorre a criação de um condomínio, pela razão de nenhum dos membros do grupo familiar ter uma quota ideal do imóvel. Se se atentar para o fato de que com a morte dos cônjuges e a maioridade dos filhos se opera, pleno iure, a sua extinção, da mesma forma que esta pode ser declarada a requerimento dos interessados, se o bem tiver deixado de preencher o requisito de sua destinação, concluir-se-á que não sofre a coisa, como objeto de relação jurídica, uma alteração essencial na sua natureza. É, e continua sendo objeto do direito de propriedade do instituidor, mas afetado a uma finalidade, sub conditione da utilização como domicílio dos membros da família” (“Instituições de Direito Civil”. 28ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010, p. 230).

Ademais, em relação à credora que penhorou o imóvel a instituição do bem de família é ineficaz, por força do direito de sequela. Em princípio, responderá o imóvel pelos débitos pretéritos, certo que eventual impenhorabilidade decorrente de lei deverá ser discutida nos autos dos embargos à execução que está em curso perante a Justiça Federal.

Nesse cenário, o registro da escritura pública de instituição de bem de família, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 2.098 junto ao 15º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, não pode ser obstado, sendo de rigor o afastamento, no caso concreto, da exigência de prévio levantamento da penhora averbada em favor da Fazenda Nacional (AV. 10 – fl. 117/124), que deu ensejo à indisponibilidade do bem (art. 53, § 1º, da Lei 8.212/91).

3. À vista do exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação interposta, para julgar a dúvida improcedente.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 27.07.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

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TJ/SP – Apelação – Remessa necessária – Mandado de Segurança – ITCMD – Bem sobrepartilhado – Cobrança de correção monetária, juros de mora e multas sobre o conjunto de bens, além da perda do desconto concedido anteriormente – Impossibilidade – Declaração retificadora que não afasta o direito ao desconto previsto no art. 31, § 1º, do Decreto Estadual nº 31.655/2002 – Ausência de indícios de má-fé – Sentença concessiva da segurança mantida por seus próprios fundamentos – Art. 252 RITJSP – Apelação e Remessa Necessária desprovidas. (Nota da Redação INR: ementa oficial)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 1064607-45.2020.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ESTADO DE SÃO PAULO e Recorrente JUÍZO EX OFFICIO, são apelados GUSTAVO PINTO GIORGI e RICARDO PINTO GIORGI.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao apelo e ao reexame necessário. V.U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores FERREIRA RODRIGUES (Presidente sem voto), RICARDO FEITOSA E OSVALDO MAGALHÃES.

São Paulo, 17 de junho de 2021.

ANA LIARTE

Relator(a)

Assinatura Eletrônica

4ª CÂMARA – SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO

Apelação/Remessa Necessária nº 1064607-45.2020.8.26.0053 – Digital

Comarca de origem: São Paulo 14ª Vara da Fazenda Pública

Recorrente: JUÍZO EX OFFICIO

Apelante: FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Apelados: GUSTAVO PINTO GIORGI E OUTRO

Voto nº 24.078

APELAÇÃO – REMESSA NECESSÁRIA – MANDADO DE SEGURANÇA – ITCMD – Bem sobrepartilhado – Cobrança de correção monetária, juros de mora e multas sobre o conjunto de bens, além da perda do desconto concedido anteriormente – Impossibilidade – Declaração retificadora que não afasta o direito ao desconto previsto no art. 31, § 1º, do Decreto Estadual nº 31.655/2002 – Ausência de indícios de má-fé – Sentença concessiva da segurança mantida por seus próprios fundamentos – Art. 252 RITJSP – Apelação e Remessa Necessária desprovidas.

Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por GUSTAVO PINTO GIORGI E RICARDO PINTO GIORGI contra ato do CHEFE DO 10º POSTO FISCAL DA CAPITAL/SP, visando à desconstituição de cobrança de correção monetária e multas de protocolização e moratória, além de juros de mora, em razão do recolhimento intempestivo de Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) incidente sobre bem objeto de sobrepartilha.

A r. sentença de fls. 169/174 concedeu a segurança.

Recorre a Fazenda Pública do Estado de São Paulo a fls. 206/211, sustentando não haver ilegalidade na desconsideração do desconto para o bem sobrepartilhado, haja vista o recolhimento do tributo ter se dado após o prazo previsto no art. 31, § 1º, do Decreto Estadual n. 46.655/02.

Recurso tempestivo, sem necessidade de preparo, acompanhado de contrarrazões (fls. 226/235).

É o relatório.

É dos autos que os Impetrantes são herdeiros de bens deixados por Dante Marcelo Artigas Giorgi, falecido em 06.07.2018. O Impetrante Gustavo recolheu o ITCMD devido no prazo legal de 90 dias e, assim, obteve desconto de 5%, conforme previsto no art. 31, § 1º, do Decreto Estadual n. 46.655/02. Já o impetrante Ricardo recolheu o tributo acrescido de juros de mora e de multa moratória em 29.03.2019. Posteriormente, realizou-se sobrepartilha de um dos bens e, ao preencherem a declaração do ITCMD os Impetrantes verificaram que o Fisco desconsiderou o desconto de 5% anteriormente concedido, fazendo incidir correção monetária, multa de protocolização, multa de mora e juros de mora. Pugnam, assim, pelo reconhecimento do direito de recolher o ITCMD incidente apenas e tão somente sobre o bem objeto da sobrepartilha, sem a inclusão de qualquer outro valor.

A r. sentença concedeu a segurança (fls. 169/174).

Deve ser a r. sentença mantida por seus próprios fundamentos, ora ratificados em sede recursal, por mostrar-se suficientemente motivada, nos termos do art. 252 do Regimento Interno deste E. Tribunal de Justiça. Ressalta-se que isto não configura omissão ou ofensa ao dever de fundamentação, conforme a orientação do C. Superior Tribunal de Justiça, ilustrada nas ementas abaixo:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. ADOÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. POSSIBILIDADE. DANOS MATERIAIS E MORAIS. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA Nº 7/STJ. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA Nº 284/STF.

1. Esta Corte já se posicionou no sentido de não ser desprovido de fundamento o julgado que ratifica as razões de decidir adotadas na sentença, transcritas no corpo do acórdão. (…) 5. Agravo regimental não provido.

(STJ, AgRg no AREsp 473.327/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/06/2016, DJe 20/06/2016)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE OFENSA AOS ARTS. 165, 458 E 535 DO CPC. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE ADOTOU OS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. PRECEDENTES.

1. Segundo a jurisprudência desta Corte, não configura omissão ou ausência de fundamentação do acórdão estadual a adoção do juízo de valor firmado na sentença, inclusive transcrevendo-o. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.

(STJ, AgRg no AREsp 295.963/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 04/08/2015, DJe 12/08/2015)

Adotam-se, portanto, os fundamentos expostos na sentença e abaixo transcritos:

“Vistos.

Gustavo Pinto Giorgi e Ricardo Pinto Giorgi, qualificado(a)(s) a fls. 1, ajuizou(aram) mandado de segurança contra ato do(a)(s) Chefe do 10º Posto Fiscal da Capital/sp Pfc-10 da 3ª Delegacia Regional Tributária da Capital/sp Drtc-iii, alegando que: são herdeiros de Dante Marcelo Artigas Giorgi, falecido em 6 de julho de 2018; receberam bens imóveis por força da herança deixada pelo falecido; o impetrante Gustavo recolheu o ITCMD devido no prazo legal de 90 dias e obteve o desconto de 5% previsto no art. 31, § 1º, do Decreto Estadual n. 46.655/02; de outro lado, o impetrante Ricardo recolheu o tributo acrescido de juros de mora e de multa de mora em 29 de março de 2019; realizarão a sobrepartilha de um dos bens (fração de 3,125% da vaga de garagem de conjunto comercial localizado em condomínio edilício, nesta Capital), relativo ao qual receberam a fração de 50%; ao preencherem a declaração do ITCMD em relação à sobrepartilha, o Fisco desconsiderou o desconto de 5% concedido ao impetrante Gustavo e apurou uma diferença a título do imposto superior ao valor do próprio bem acrescido; a sobrepartilha deveria gerar saldo de ITCMD de apenas R$ 45,75, acrescido de juros de mora e de multa de mora, a ser dividido entre os impetrantes; no entanto, o Fisco aponta como saldo devedor a quantia de R$ 22.629,75 quanto ao imperante Gustavo e de R$ 18.753,65 quanto ao impetrante Ricardo, a título de imposto, correção monetária, multa de protocolização, multa de mora e juros de mora; “o afastamento do desconto configura uma ilegalidade em sentido amplo (ilegalidade e inconstitucionalidade), pois viola a disposição prevista pelo art. 31, §1º, do Decreto n. 46.655/2002, além de estabelecer um tratamento distinto entre contribuintes única e exclusivamente pela transmissão de declaração retificadora, independentemente da alteração dos valores lançados em afronta à garantia da isonomia tributária, prevista pelo art. 150, inc. II, da Constituição Federal”; o art. 15 do Decreto Estadual n. 46.655/02 dispõe que, na sobrepartilha, o ITCMD será recalculado para considerar apenas o acréscimo patrimonial de cada quinhão, logo, a exigência do Fisco é ilegal; e a exclusão do desconto fere o princípio da razoabilidade, já que o Fisco desconsiderou o pagamento do tributo no prazo de 90 dias a contar da abertura da sucessão. Pediu, por consequência, seja concedida a ordem a fim de “reconhecer o direito dos Impetrantes de recolher o ITCMD incidente apenas e tão somente sobre o bem objeto da sobrepartilha (matrícula n. 56.845), determinando o recebimento e o processamento da Declaração do ITCMD Retificadora n. 60348519, sem a inclusão de qualquer outro valor que não o ITCMD incidente sobre o referido bem (mantendo-se inalterada a Declaração de ITCMD inicial e o inventário já realizado, bem como o desconto de 5% em relação aos recolhimentos realizados dentro do prazo de 90 dias da data da abertura da sucessão (nas transmissões ‘causa mortis’), nos termos do art. 31, §1º, do Decreto Estadual n. 46.655/2002”. Requereu medida liminar para idêntico fim.

Instruíram a petição inicial com documentos (fls. 14/85).

Deferida foi a liminar (fls. 87/90).

Notificada (fls. 112), a autoridade coatora prestou informações (fls. 149/156), alegando que: preliminarmente, os impetrantes buscam ordem manifestamente de feição normativa, descabida em sede de mandado de segurança; no mérito, não há ilegalidade alguma na forma como foi apurado o valor do ITCMD sobre o bem objeto da sobrepartilha; o desconto de 5% referido pelos impetrantes apenas é cabível no prazo de 90 dias a partir da abertura da sucessão e, no caso, o imposto foi pago fora de referido prazo, daí que o impetrante Gustavo não tem direito a tal benesse; e o §1º do art. 31, do Decreto Estadual n. 46.655/02, somente permite sejam relevados os juros e a multa após o prazo de 180 dias, se comprovado motivo justo e reconhecimento judicial, e, no caso em tela, não se verificam tais hipóteses.

Manifestaram-se os impetrantes, alegando não ter sido a liminar cumprida integralmente.

Aberta vista dos autos ao MP, não foi apresentado parecer.

É o relatório.

Passo a decidir.

Os impetrantes herdaram, pela morte de seu genitor, diversos bens.

Anteriormente ao recolhimento do ITCMD, o impetrante Gustavo ajuizou ação mandamental outra contra ato do Chefe do 10º Posto Fiscal da Capital para fins de garantir a incidência de desconto de 5% sobre o valor da retificação da declaração do tributo com espeque no art. 17, § 2º, da Lei Estadual n. 10.705/00, e no art, 31, § 1º, do Decreto Estadual n. 46.655/02.

E foi a ordem em favor de Gustavo concedida (fls. 52/56), ficando mantida a concessão da ordem em segundo grau de jurisdição (fls. 57/62), ocorrendo então o trânsito em julgado aos 27 de outubro de 2020 (fls. 63).

Sobre esses bens e todos os outros incluídos na Declaração (total de 36 bens tributáveis), recolheram os impetrantes o ITCMD, cuja base de cálculo foi R$ 3.937.901,63 (fls. 30).

Em 28 de janeiro de 2019, os impetrantes entregaram uma declaração retificadora daquela primeira (fls. 37/48) na qual constaram novamente 36 bens tributáveis, porém o valor total tributável passou a ser de R$ 3.951.988,63 (fls. 46) teria havido alteração dos valores dos veículos automotores , motivo pelo qual recolheu o impetrante Gustavo R$ 7.309,33 de ITCMD complementar (fls. 48), enquanto o impetrante Ricardo recolheu a quantia de R$ 88.062,69 (fls. 48).

Posteriormente, emitiram os impetrantes, em virtude de sobrepartilha, nova declaração retificadora do ITCMD (fls. 69/72), pela qual se incluiu vaga de garagem no valor de R$ 1.143,64 (parcela/fração de 3,125% da vaga de garagem do conjunto nº 930, localizado em edifício da Rua Peixoto Gomide, 996, São Paulo/SP; matrícula nº 56.845 do 13º Oficial de Registro de Imóveis da Capital; fls. 64/67).

Por tal declaração, o valor total de bens tributáveis recebido por Gustavo foi de R$ 1.976.566,16, tendo o sistema do Fisco calculado o saldo de ITCMD como sendo de R$ 4.371,96, mas, acrescido de juros, multas (de mora e de protocolização) e correção monetária, o valor do débito passou a ser de R$ 22.629,75 (fls. 70); e quanto a Ricardo, o valor indicado de bens tributáveis recebidos foi o mesmo, afinal a partilha foi feita à razão de 50% para cada impetrante (totalizando patrimônio tributável de R$ 3.953.132,32), porém indicou-se como valor do imposto em aberto a quantia de R$ 11.077,40, que acrescida de juros de mora e multa (de mora e de protocolização), além de atualização monetária, chegou a R$ 18.753,65 (fls. 70).

Sustentam os impetrantes que o valor indicado como devido é muito superior ao correto, o que teria ocorrido por ter o Fisco desconsiderado o desconto de 5% que havia sido concedido ao impetrante Gustavo. Segundo a petição inicial, a retificação dos valores do monte da herança não implica em afastamento do benefício do art. 31, §1º, do Decreto n. 46.655/2002.

Além da exclusão do desconto de Gustavo, pela declaração retificadora em questão, alegam os impetrantes que o Fisco considerou o valor da garagem referido como muito superior ao correto. Isto porque, sustentam os impetrantes, a fração de 3,125% da garagem foi calculada com base no valor venal do imóvel (fls. 68), daí que resultou em R$ 1.143,64, o que fizeram com base no decidido no bojo do mandado de segurança afeto ao processo com autos n. 1043243-85.2018.8.26.0053, pelo qual se garantiu a eles o cálculo do ITCMD sobre o valor venal dos bens.

Pois bem.

O prazo para o pagamento do ITCMD é de 30 dias após a decisão homologatória do cálculo ou do despacho que determinou seu pagamento, além de não poder exceder 180 dias a partir da abertura da sucessão, conforme enuncia o art. 17, caput e § 1º, da Lei Estadual n. 10.705/00. Mas caso haja recolhimento no prazo de 90 dias a partir da abertura da sucessão, prevê o Decreto Estadual n. 46.455/02 (art. 31, §1º, 2), com base no § 2º do art. 17 da Lei Estadual n. 10.705/00, o desconto de 5%.

Esse desconto foi garantido, conforme r. sentença proferida em processo outro, ao impetrante Gustavo e deveria ter sido mantido quando do cálculo feito para a sobrepartilha. Isto porque a primeira declaração entregue pelos herdeiros é que deu ao Fisco ciência da abertura da sucessão, havendo então o recolhimento de tributo (para o qual houve o desconto), de modo que retificações posteriores não deveriam ser consideradas como geradoras de tributo a ser pago em atraso com perda do desconto já ocorrido quanto ao montante igualmente já pago.

Além disso, não há indícios de má-fé por parte dos impetrantes na apresentação da declaração retificadora.

Outro não é o posicionamento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo sobre a matéria, in verbis:

“APELAÇÃO. ITCMD. Base de cálculo do valor do ITCMD deverá corresponder ao valor venal do bem ou direito individualmente transmitido, conforme disposto no art. 9º da Lei nº 10.705/2000 – Revogação do desconto, anteriormente, concedido aos autores, nos termos do art. 31, § 1º, item 2, do Decreto nº 46.655/2002, em decorrência da apresentação, após ultrapassado o prazo estabelecido para a concessão da benesse, de declaração retificadora do ITCMD. Inadmissibilidade. Houve apenas a retificação do equívoco relativo à declaração anteriormente apresentada, concernente a um dos bens transmitidos do espólio, a saber, quotas sociais da empresa e, portanto, não se mostra razoável a revogação da integralidade da benesse fiscal relativa ao recolhimento correto e tempestivo do ITCMD incidente sobre os outros bens transmitidos – Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1021527-17.2019.8.26.0554; Relator (a): Vicente de Abreu Amadei; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Público; Foro de Santo André – 2ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 01/04/2020; Data de Registro: 01/04/2020);

“APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO MANDADO DE SEGURANÇA ITCMD Segurança concedida para afastar a incidência da multa prevista no artigo 21, inciso I, da Lei Estadual nº 10.705/00, reconhecendo que a escritura de abertura e nomeação de inventariante foi lavrada dentro do prazo de 60 dias Manutenção A necessidade de complementação posterior de valores, não impede a parte de usufruir da concessão do desconto legal de 5% (Decreto 46.665/2002), notadamente porque o recolhimento do tributo efetivou-se em data inferior aos 90 (noventa) dias da data da abertura da sucessão. Sentença mantida. Apelação desprovida” (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1021479-68.2018.8.26.0562; Relator (a): Percival Nogueira; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Público; Foro de Santos – 3ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 03/04/2019; Data de Registro: 03/04/2019); e

“MANDADO DE SEGURANÇA – ITCMD – Pretensão de manutenção do desconto de 5% concedido para recolhimento do imposto e afastamento da cobrança de juros e multa sobre o ITCMD, em razão de suposto atraso no pagamento – Imposto recolhido dentro do prazo legal, com direito ao desconto – Complementação de valores retificados que não impede a concessão do desconto previsto no art. 31 item 2, do Decreto nº 46.655/2002 – Observância do art. 21, inciso I, da Lei Paulista nº 10.705/2000 – Precedentes – Segurança parcialmente concedida – R. Sentença mantida. Recursos oficial e das partes improvidos” (TJSP; Apelação/Remessa Necessária 1038656-49.2020.8.26.0053; Relator (a): Carlos Eduardo Pachi; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro Central Fazenda Pública/Acidentes – 15ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 16/12/2020; Data de Registro: 16/12/2020).

Prospera a tese dos impetrantes neste ponto, portanto.

No tocante ao valor calculado como da fração ideal da vaga de garagem acrescida na declaração retificadora em questão, também têm a razão os impetrantes na medida em que adotaram o valor venal e já havia sido a eles garantido, por r. sentença proferida no processo de mandado de segurança de autos n. 1043243-85.2018 (3ª Vara da Fazenda Pública da Capital; fls. 73/81), o direito de recolher o ITCMD com base nesse valor, afastando-se o valor venal de referência.

Posto isto, ratifico a liminar e concedo a segurança para à autoridade coatora, no cálculo do ITCMD a ser feito em virtude de declaração retificadora a ser entregue pelos impetrantes nos termos daquela copiada a fls. 69/71, determinar que: (i) mantenha o desconto de 5% outrora concedido para o ITCMD já recolhido no prazo de 90 dias da abertura da sucessão relativamente ao quinhão do impetrante Gustavo Pinto Giorgi, ficando para tanto declarada a inexigibilidade de qualquer saldo atinente a este mesmo tributo e correlatos bens integrantes de seu quinhão a cujo respeito já se fez seu pagamento com aquele desconto; e (ii) considere o limite da fração herdada pelos impetrantes e o valor venal do bem adotado para fim de lançamento de IPTU do ano do óbito do autor da herança (atualizado monetariamente desde então) quanto ao imóvel objeto da matrícula nº 56.845, do 13º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, para fim de cálculo do ITCMD (acrescido de multas e juros de mora calculados com referência a este bem unicamente e no limite da fração dele herdado pelos impetrantes), afastado para tanto o valor venal de referência, ficando também declarada, por corolário, a inexigibilidade de qualquer saldo de ITCMD que exceda o critério ora fixado.

Oficie-se.

Custas e despesas, se houver, pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo. Não há condenação em honorários advocatícios.

No tocante à alegação de fls. 157/160, deverá a autoridade coatora manifestar-se em 5 dias, para que se possa verificar se houve ou não o cumprimento integral da decisão concessiva da liminar e que se ora ratifica pela ordem concedida.

Transcorrido o prazo para recurso ou processado o que eventualmente foi interposto, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Seção de Direito Público, para reexame necessário, inclusive por inaplicável ser ao caso o art. 496, § 3º, do C.P.C., dado haver regra específica a regular o tema (art. 14 da Lei Federal n. 12.016/091).

P.R.I. e C..”

Este também é o entendimento do E. Tribunal de Justiça:

MANDADO DE SEGURANÇA – ITCMD – RECOLHIMENTO COMPLEMENTAR DO TRIBUTO – Necessidade de retificação ulterior dos valores declarados com complementação do recolhimento do tributo – Manutenção do desconto legal de 5% (cinco por cento) – Possibilidade – Necessidade de complementação que não desconstitui o direito ao desconto concedido ao contribuinte que observa o prazo legal para o pagamento previsto no Decreto Estadual nº 31.655/2002, art. 31, inc. I, §1º, it.2 – Boa-fé comprovada na hipótese. Valor complementar que não caracteriza má-fé na retificação e recolhimento posterior da diferença apurada pelo Fisco. BASE DE CÁLCULO – Quotas de Sociedade limitada – Adoção do valor nominal das ações (valor patrimonial contábil) – Impossibilidade de o Fisco se valer do valor de mercado dos patrimônios da empresa para determinar a base de cálculo do tributo – Inteligência do art. 14, §3º, da Lei Estadual nº 10.705/00 – Entendimento pacificado por este Tribunal. Precedentes. Recurso voluntário não provido, solução extensiva à remessa oficial. (TJSP; Apelação Cível 1041363-24.2019.8.26.0053; Relator (a): Reinaldo Miluzzi; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 9ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 19/04/2021; Data de Registro: 20/04/2021)

TRIBUTÁRIO. ITCMD. Sobrepartilha. Cobrança de multa e juros sobre a universalidade dos bens e reversão do desconto de 5% anteriormente concedido pelo pagamento tempestivo do imposto sobre os demais bens quando da realização do inventário original. Impossibilidade. Pedido de sobrepartilha que não abona a cobrança de encargos indevidos, tampouco a revogação do benefício, desconsiderando o recolhimento sobre os demais bens transmitidos, retroagindo a situação ao momento inicial. Ausência de previsão legal. Sentença mantida. Recurso não provido. (TJSP; Apelação Cível 1031821-45.2020.8.26.0053; Relator (a): Coimbra Schmidt; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 3ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 08/02/2021; Data de Registro: 08/02/2021)

Mandado de Segurança. ITCMD. Cobrança de multa e juros, com base no artigo 21, inciso I, da Lei Estadual n. 10.705/2000. Inadmissibilidade. Escritura de inventário extrajudicial lavrada dentro do prazo legal. Pedido de sobrepartilha, posteriormente ao encerramento do inventário, que não justifica a cobrança de encargos dessa natureza. Ausência de previsão legal. Segurança concedida. Recursos desprovidos. (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1045428-62.2019.8.26.0053; Relator (a): Ferreira Rodrigues; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 14ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 09/10/2020; Data de Registro: 09/10/2020)

De rigor, portanto, a manutenção da r. sentença.

Diante do exposto, NEGA-SE PROVIMENTO à Apelação e à Remessa Necessária.

ANA LIARTE

Relatora – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação / Remessa Necessária nº 1064607-45.2020.8.26.0053 – São Paulo – 4ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Ana Liarte – DJ 22.06.2021

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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