CSM/SP: Registro de Imóveis – Apelação – Dúvida julgada improcedente – Legitimidade recursal da instituição financeira credora hipotecária – Óbice afastado – Registro de escritura pública de dação em pagamento – Suficiência da cientificação do credor hipotecário – Desnecessidade de anuência ante a ausência de previsão legal – Hipótese que não se amolda à lei N.º 8.004/90 – Direito de sequela do direito real de hipoteca – Recurso não provido com observação.


  
 

Apelação Cível nº 0001497-05.2020.8.26.0566

Espécie: APELAÇÃO
Número: 0001497-05.2020.8.26.0566
Comarca: SÃO CARLOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 0001497-05.2020.8.26.0566

Registro: 2021.0000381022

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0001497-05.2020.8.26.0566, da Comarca de São Carlos, em que é apelante BANCO DO BRASIL S/A, são apelados MAC LUCER CONSTRUÇÕES LTDA. E OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SÃO CARLOS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, com observação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 19 de maio de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 0001497-05.2020.8.26.0566

Apelante: Banco do Brasil S/A

Apelados: Mac Lucer Construções Ltda. e Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Carlos

VOTO Nº 31.514

Registro de Imóveis – Apelação – Dúvida julgada improcedente – Legitimidade recursal da instituição financeira credora hipotecária – Óbice afastado – Registro de escritura pública de dação em pagamento – Suficiência da cientificação do credor hipotecário – Desnecessidade de anuência ante a ausência de previsão legal – Hipótese que não se amolda à lei N.º 8.004/90 – Direito de sequela do direito real de hipoteca – Recurso não provido com observação.

1. Cuida-se de recurso de Apelação interposto por BANCO DO BRASIL S.A. contra a r. sentença de fl. 169/171 que julgou improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Carlos, afastando o óbice ao registro da escritura pública de dação em pagamento ante a desnecessidade de anuência do credor hipotecário.

Sustenta o recorrente, em síntese, que na qualidade de credor hipotecário do imóvel dado em pagamento pela empresa devedora ao terceiro interessado, deve anuir a transferência do bem, nos termos do art. 1º da Lei n.º 8.004/90, o que efetivamente não ocorreu.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou, preliminarmente, pelo reconhecimento da ilegitimidade recursal do apelante, e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fl. 202/206).

É o relatório.

2. Presentes seus pressupostos legais e administrativos, conheço do recurso.

De proêmio, afasto a alegada ilegitimidade recursal do apelante, sustentada pela D. Procuradoria Geral da Justiça.

Na qualidade de terceiro interessado, afetado pela sentença recorrida, ostenta o apelante legitimidade para recorrer, nos exatos termos do art. 202 da Lei n.º 6.015/73, que assim dispõe:

“Art. 202 – Da sentença, poderão interpor apelação, com os efeitos devolutivo e suspensivo, o interessado, o Ministério Público e o terceiro prejudicado.”

No mérito o recurso não merece provimento.

Com efeito, Mac Lucer Construções Ltda apresentou a registro escritura de dação em pagamento e outras avenças, lavrada no Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Anexos de Tabelião de Notas do Distrito de Água Vermelha, da Comarca de São Carlos, firmada com a incorporadora Agraben Desenvolvimento Imobiliário Ltda, tendo por objeto o imóvel da matrícula n.º 122.657 do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Carlos, consistente em um terreno com incorporação imobiliária gravado com hipoteca em favor do ora recorrente.

O título foi prenotado sob n.º 405.451; o registro foi negado nos termos da nota devolutiva de fl. 13 com o seguinte conteúdo:

“A mera ‘cientificação’ do credor Banco do Brasil S/A, ora apresentada, não foi vista como suficiente para suplantar o óbice da hipoteca constante do R.07./M 122.657, tendo em vista o que determina a cláusula 21ª, §2º do contrato registrado, conforme decidido às fls. 261 e seguintes do Processo de Dúvida sob n.º 000.2438-86.2019.8.26.0566 da 4ª Vara Cível local, que transitou em julgado aos 08/10/2019”.

Suscitada dúvida, cuidou a MM.ª Juíza Corregedora Permanente de julgá-la improcedente, autorizando o ingresso do título no fólio real.

Relevante consignar que o título já fora apresentado anteriormente ao Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Carlos e o registro foi negado com base em dois fundamentos: a) necessidade de anuência da instituição financeira credora; e subsidiariamente, b) necessidade de ao menos ciência da credora hipotecária.

Na oportunidade foi suscitada dúvida, autos do processo n.º 0002438-86.2019.8.26.0566, que foi julgada procedente, constando da r. decisão que:

“Conclui-se que o título não deve ser registrado porque não houve a prova da prévia cientificação do credor hipotecário nos termos do art. 292 da Lei de Registros Públicos e da cláusula vigésima primeira do contrato, celebrado entre a incorporadora e a credora hipotecária” (fl. 63/66) (g.n).

Nestes termos, a apresentante Mac Lucer Construções Ltdae a incorporadora Agraben Desenvolvimento Imobiliário Ltda. notificaram o apelante, por meio da pessoa de Lucas Alberto Guassu, gerente geral da Agência Alexandrina (fl. 14) e apresentaram o título novamente ao Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Carlos e tiveram o registro uma vez mais negado, nos termos da já mencionada nota devolutiva de fl. 13.

A dúvida, outra vez suscitada, foi julgada improcedente entendendo-se desnecessária a anuência do credor hipotecário e suficiente a cientificação da instituição financeira.

Pois bem.

A prévia cientificação do credor hipotecário, como exigido na r. decisão de fl. 63/66, que julgou procedente a dúvida anteriormente suscitada, foi cumprida pela apresentante (fl. 14), não havendo razão para exigência diversa posterior do Oficial.

Restou expressamente dispensada a anuência da instituição financeira como condição para o pretendido registro.

A r. decisão de fl. 63/66 afastou um dos óbices lançados pelo Registrador destacando inexistir “norma jurídica exigindo a anuência do credor hipotecário”, mantendo apenas a necessidade de cientificação da instituição financeira credora, o que foi devidamente cumprido por Mac Lucer Construções Ltda e pela incorporadora.

A questão, ademais, não se amolda às disposições da Lei n.º 8.004/90, que trata do Sistema Financeiro da Habitação.

Consoante dispõe o art. 1º de mencionado Diploma Legal:

“Art. 1º O mutuário do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) pode transferir a terceiros os direitos e obrigações decorrentes do respectivo contrato, observado o disposto nesta lei.

Parágrafo único. A formalização de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão relativas a imóvel financiado através do SFH darse- á em ato concomitante à transferência do financiamento respectivo, com a interveniência obrigatória da instituição financiadora”.

Nos termos de referida Lei especial o mutuário do SFH somente pode alienar o imóvel gravado com a concomitante transferência do financiamento e com interveniência obrigatória da instituição financeira.

Na hipótese, contudo, não houve financiamento por referido sistema e sim financiamento da obra de edificação do empreendimento dando-se em hipoteca o imóvel objeto da matrícula n.º 122.657.

Cuida-se, em verdade, de dação em pagamento de futuras unidades autônomas realizada pela incorporadora e não pelo mutuário do Sistema Financeiro da Habitação, inexistindo, pois, disposição legal acerca da anuência do credor hipotecário.

Não se observa, assim, impedimento à alienação do bem gravado posto não perder o proprietário o “jus disponendi”, transferindo-o ao adquirente, juntamente com o ônus que o grava.

Nos dizeres de Caio Mário da Silva Pereira:

“A alienação transfere o domínio do imóvel; mas este passa ao adquirente com o ônus hipotecário transit cum onere suo” (Instituições de Direito Civil, 18. Ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. IV, p. 386).

E, a sequela constitui um dos efeitos dos direitos reais de garantia, provocando a aderência do ônus à coisa, acompanhando-a em poder de quem se encontre.

Nesta ordem de ideias, cumpre destacar ainda que a apresentante Mac Lucer Construções Ltda. declarou sua ciência sobre a hipoteca na escritura pública de modo que a dívida estará garantida pelos direitos próprios ao referido instituto.

No ponto, não é demais lembrar o teor do art. 1475 do Código Civil:

“É nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado”.

Relevante consignar, ainda, que do V. Acórdão de fl. 117/121 infere-se que foi dado provimento ao Agravo de Instrumento interposto por Mac Lucer Construções Ltda. em face do ora recorrente, concluindo-se pela inexistência de fraude à execução ou até fraude contra credores.

De mais a mais, eventual reconhecimento da existência de fraude à execução, como aventado pela Apelante, implicaria, em tese, apenas na ineficácia da alienação.

Finalmente, contudo, de rigor a revogação da parte final da r. sentença de fl. 169/171 que determinou o registro do título constando a “informação de que a hipoteca foi constituída na forma da mencionada súmula, isentando os adquirentes das unidade autônomas”, uma vez que o ponto extrapola o objeto da dúvida, inexistindo, ademais, previsão legal para averbação da existência e aplicação da Súmula 308 do STJ.

3. Por essas razões, nego provimento ao recurso, com observação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 27.07.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.