CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Formal de partilha expedido nos autos de ação de divórcio consensual, com doação de imóvel ao filho – Qualificação negativa – Necessidade de aceitação do donatário maior – Ausência de recolhimento de imposto – Impossibilidade de reconhecimento de decadência do crédito tributário na via administrativa – Exigências mantidas – Recurso não provido.


  
 

Apelação Cível nº 1110376-32.2020.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1110376-32.2020.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1110376-32.2020.8.26.0100

Registro: 2021.0000381023

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1110376-32.2020.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes RENATO LUÍS DE LINICA GUERRA e MARCELO RICARDO DE LINICA GUERRA, é apelado 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 19 de maio de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1110376-32.2020.8.26.0100

Apelantes: Renato Luís de Linica Guerra e Marcelo Ricardo de Linica Guerra

Apelado: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 31.515.

Registro de Imóveis – Dúvida – Formal de partilha expedido nos autos de ação de divórcio consensual, com doação de imóvel ao filho – Qualificação negativa – Necessidade de aceitação do donatário maior – Ausência de recolhimento de imposto – Impossibilidade de reconhecimento de decadência do crédito tributário na via administrativa – Exigências mantidas – Recurso não provido.

1. Trata-se de recurso de apelação interposto por Renato Luis de Linica Guerra Marcelo Ricardo de Linica Guerra contra a sentença que manteve a recusa de registro do formal de partilha expedido nos autos da ação de divórcio consensual (Processo nº 443/93) ajuizada perante a Vara Distrital de Mongaguá da Comarca de Itanhaém/SP, em que figuraram como partes Joaquim Gomes Guerra Filho e Kattarina Brosch Guerra, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 28.399 do 10º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, com doação ao filho Adriano Brosch Guerra (fl. 108/119).

Alegam os apelantes, em síntese, que reconhecida a eficácia do formal de partilha para registro da doação, dispensando-se a lavratura da escritura pública, nada mais pode ser exigido. Além disso, não há dúvidas sobre o aceite do donatário, pois sempre esteve na posse do bem até a sua morte, e a questão relativa ao pagamento do imposto devido pela doação está superada pela decadência do crédito tributário.

A douta Procuradoria de Justiça pugnou pelo não provimento do recurso a fl. 139/140.

É o relatório.

2. Pretendem os apelantes o registro do formal de partilha expedido nos autos da ação de divórcio consensual (Processo nº 443/93) de Joaquim Gomes Guerra Filho e Kattarina Brosch Guerra, em que convencionaram a doação do imóvel matriculado sob nº 28.399 ao filho Adriano Brosch Guerra.

O acordo foi homologado judicialmente em 12 de agosto de 1993 (fl. 44) e o trânsito em julgado foi certificado em 27 de agosto de 1993 (fl. 47).

E ao tempo da formalização do acordo o donatário tinha 46 anos de idade (fl. 77).

Os títulos judiciais, cumpre lembrar, não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real. E a qualificação negativa do título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial.

No exercício desse dever, o Oficial encontrou óbice ao registro do formal de partilha. Então, ao emitir a nota de devolução (fl. 83) que deu ensejo ao presente procedimento de dúvida, consignou que: “Conforme se verifica das folhas homologadas pela r. sentença proferida em 12 de agosto de 1993, com relação ao imóvel da matrícula nº 28.399, ficou estipulado entre os cônjuges que: “doarão referido imóvel ao filho remanescente Adriano Brosch Guerra, doação esta que será feita com reserva do usufruto vitalício dos cônjuges…”. Portanto, para que seja possível o registro, necessário a formalização da doação por escritura pública, nos termos do artigo 108, do Código Civil.”

Suscitada a dúvida, a pedido dos apresentantes, o Oficial, em suas razões, reafirmou que houve apenas promessa de doação, daí a imprescindibilidade da escritura pública, e, ainda que fosse possível o registro do título apresentado, apontou a necessidade de expressa aceitação do donatário maior para o aperfeiçoamento da doação, a comprovação do pagamento do correspondente imposto e a complementação dos elementos de identificação do beneficiário (fl. 01/02).

Ao ser julgada a dúvida, a MM. Juíza Corregedora Permanente afastou os óbices relativos à escritura pública e qualificação do donatário, mantendo, contudo, as exigências do aceite do beneficiário e recolhimento do tributo (fl. 99/102).

A controvérsia, pois, cinge-se à possibilidade de registro do formal de partilha sem a necessidade da aceitação expressa do donatário maior de idade e recolhimento do correspondente imposto devido pela doação.

A doação é o contrato pelo qual uma das partes transfere bens ou vantagens de sua propriedade para o patrimônio da outra, decorrente de sua própria vontade e sem qualquer contraprestação (art. 1.165 do Código Civil de 1916; art. 538 do atual Código Civil).

A aceitação do beneficiário é elemento essencial para o aperfeiçoamento da doação.

Do título apresentado, não se extrai esse consentimento indispensável à perfectibilização do contrato.

E essa exigência, por sua vez, não é afastada pela morte do donatário.

Importante observar a natureza administrativa do procedimento de dúvida, que se limita à análise das questões pertinentes à registrabilidade do título, vedada, nesta seara, discussão relativa aos seus elementos intrínsecos, cujo exame somente pode ser feito na via judicial.

Inviável, portanto, na qualificação do título levado a registro, a interpretação da vontade das partes, não sendo possível ao Registrador afastar-se do exame do título.

Logo, diante dos estreitos limites deste procedimento administrativo de dúvida registrária, não há como ser reconhecida a alegada aceitação tácita derivada do comportamento adotado pelo beneficiário.

De outra parte, o Oficial de Registro tem o dever de fiscalizar o pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados em razão do ofício e dentre estes impostos se encontra o relativo à doação, cuja prova do recolhimento, ou isenção, deve instruir o formal de partilha.

É o que dispõe o art. 289 da Lei nº 6.015/73:

“Art. 289. No exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício.”

A omissão do titular da delegação pode, inclusive, levar à sua responsabilidade solidária no pagamento do tributo, nos termos do art. 134, VI, do Código Tributário Nacional. Vale destacar, neste ponto, precedente deste Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Formal de Partilha. Ausência de comprovação de recolhimento de Imposto de Transmissão causa mortis-ITCMD. Dever do Oficial de velar pelo seu recolhimento, exigindo a apresentação das respectivas guias, o que não ocorreu em relação a todos os herdeiros. Ausência de discussão quanto ao acerto do cálculo, mas sim ao não recolhimento do tributo, mesmo em valor supostamente inferior ao devido. Cindibilidade do título. Impossibilidade. Indeterminação do que tenha sido partilhado e a quem. Recurso desprovido.” (TJSP; Apelação Cível 1000506-36.2018.8.26.0128; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Cardoso – Vara Única; Data do Julgamento: 23/11/2018; Data de Registro: 06/12/2018).

Inexistente tal prova, correta a recusa manifestada pelo Oficial ao registro do título porque não tem, entre suas atribuições, a de reconhecer a decadência do crédito tributário.

A decadência do crédito tributário não pode ser reconhecida no procedimento de dúvida, tendo em vista sua natureza administrativa, bem como pelo fato de que dele não participa o credor tributário, que é o titular do direito que seria declarado extinto.

Nesse sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. TRIBUTOS. IMPOSSIBILIDADE DO EXAME DE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NO ÂMBITO DA QUALIFICAÇÃO REGISTRAL. DEVER DO OFICIAL EM EXIGIR A PROVA DO PAGAMENTO DO ITBI. ESPECIALIDADE OBJETIVA. DESCRIÇÃO DO IMÓVEL IMPRECISA SEM POSSIBILIDADE DE COMPREENDER SUA EXATA LOCALIZAÇÃO. NECESSIDADE DE APURAÇÃO DO REMANESCENTE QUE NÃO PODE SER SUPRIDA POR LAUDO DE AVALIAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO.” (TJSP; Apelação Cível 1000908-70.2019.8.26.0100; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Comarca de São Paulo; Data do Julgamento: 09/08/2019; Data de Registro: 28/08/2019).

3. À vista do exposto, nega-se provimento à apelação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 09.08.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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