Vai se Casar? Conheça o Regime de Participação Final nos Aquestos.

O Código Civil Brasileiro dispõe de alguns regimes de bens para a livre escolha dos nubentes que pretendem se casar. São eles: da comunhão parcial de bens, da comunhão universal de bens, da separação de bens e da participação final nos aquestos. Dentre eles, o casal poderá escolher o que mais lhe convém ou até criar um regime misto.

Antes de adentrarmos no regime de bens que será debatido, vale explicar e exemplificar o regime misto de bens. O citado regime misto é a reunião de mais de um regime de bens, ou seja, o casal pode misturar regras de mais de um deles, estabelecendo cláusulas sobre os bens, a administração deles, etc. Exemplo: o casal pode eleger o regime da comunhão parcial de bens como regra, mas estipularem que as cotas societárias de determinada empresa, na qual somente um dos nubentes é sócio, não farão parte do patrimônio comum do casal.

Vamos, então, ao menos conhecido entre os mencionados regimes de bens, que é o da participação final nos aquestos. Aliás, ainda há confusão entre a população que não lida com os regimes de bens e as diferenças entre eles, mas mesmo aqueles que são operadores do direito, especialmente do Direito de Família, não possuem conhecimento profundo sobre ele, vez que as regras são de difícil aplicação e pouco utilizado no Brasil.

Primeiramente, aquesto é o bem adquirido na constância do casamento. Com efeito, tranquilo notar que este regime de bens tratará da participação final dos cônjuges no patrimônio formado durante a união.

De maneira simples, os bens aquestos são os adquiridos conjuntamente pelo casal, integrando patrimônio comum entre eles. Afora esses bens obtidos durante a união, todos os outros bens, inclusive os comprados individualmente, não integrarão o patrimônio comum para partilha final quando do falecimento de um dos cônjuges ou se ocorrer o divórcio.

Isto é, serão exclusivos de cada cônjuge os bens adquiridos anteriormente ao matrimônio e, mesmo durante o casamento, aqueles obtidos individualmente, a qualquer título, como por exemplo a herança, o legado, a doação, por compra e venda, dentre outros.

Além disso, a administração dos bens que integram o patrimônio próprio (particular) também é exclusiva de cada um. Entretanto, se um dos cônjuges decidir por alienar um bem imóvel, o outro deve anuir para que a operação seja concretizada. Essa é a chamada outorga uxória. Já sobre os bens móveis, cada cônjuge pode dispor livremente sobre eles, independentemente do consentimento do outro.

Outro ponto interessante deste regime de bens é o fato de que cada cônjuge arcará com as suas dívidas posteriores ao casamento, sem que o outro responda por elas, salvo se essas dívidas comprovadamente beneficiaram o outro cônjuge.

Por fim, também imperioso realçar que se o casal optar pelo regime de bens da participação final nos aquestos, deverá obrigatoriamente formalizar um pacto antenupcial, com as cláusulas que atendam as reais necessidades e particularidades de cada um. Esta regra deve ser igualmente aplicada quando a escolha ocorrer pelos regimes da comunhão universal de bens e pela separação de bens.

Portanto, o desconhecido regime de bens da participação final nos aquestos é uma excelente opção para aqueles que pretendem se casar. É bem verdade que a escolha do regime de bens é, quase sempre, negligenciada pelo casal, seja por desinformação ou, principalmente, por ser um assunto delicado entre os cônjuges.

Contudo, é importantíssimo que o tema seja abordado pelo casal, pois é o regime de bens que norteará toda a vida patrimonial durante o casamento e após, se porventura ocorrer o divórcio. Assim, para que o relacionamento seja duradouro, é indispensável que haja uma conversa franca sobre o assunto e que isso não seja um fator determinante na vida de duas pessoas que pretendem constituir uma família.

Quer obter mais informações sobre esse assunto? Entre em contato conosco pelo e-mail serac@souserac.com ou pelo telefone/WhatsApp (11) 3729-0513.

Fonte: Blog do Sou SERAC (http://blog.souserac.com/)

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1VRP/SP: Registro de Imóveis. Compromisso ou promessa de permuta não é ato sujeito a registro no RI.

Processo 1065980-33.2021.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Tania Mara de Oliveira – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada e, em consequência, mantenho o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: MAIRA HONORIO FERNANDES (OAB 344051/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1065980-33.2021.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Requerente: Tania Mara de Oliveira

Requerido: 7º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida inversa suscitada por Tania Mara de Oliveira em face da negativa do Oficial do 7º Registro de Imóveis da Capital em proceder ao registro de instrumento particular de compromisso de venda e compra do imóvel objeto da matrícula n. 124.243 daquela serventia.

O título foi devolvido em razão dos seguintes óbices: 1) os valores indicados nas cláusulas contratuais referentes aos imóveis dados como sinal e princípio de pagamento parcial do preço vão além do saldo representativo em dinheiro, demonstrando, assim, verdadeira promessa de permuta de imóveis e torna em dinheiro, o que não teria acesso ao registro imobiliário por falta de previsão legal no rol taxativo do artigo 167, I, da Lei n. 6015/73; 2) o interessado deverá apresentar o aviso-recibo do IPTU correspondente ao imóvel objeto do compromisso, referente ao exercício de 2021, ou certidão de valor venal do mesmo exercício, para fins de exame e correta inclusão dos dados na matrícula.

A parte suscitante insurge-se apenas contra a primeira exigência, alegando que, a despeito da taxatividade do artigo 167 da Lei de Registros Públicos, a permuta consubstanciada no contrato se aperfeiçoou, já que as parcelas em dinheiros foram pagas, de modo que o contrato, mesmo diante da atecnia em denominar-se como compra e venda, é passível de registro. Juntou documentos às fls. 03/13.

O Oficial suscitado manifestou-se às fls. 17/20, sustentando que a forma de pagamento pactuada no contrato caracteriza promessa de permuta, uma vez que a parte do pagamento em dinheiro é bem menor do que aquela representada pelos imóveis indicados no contrato, importando para análise apenas o seu conteúdo e não sua denominação (entendimento doutrinário e jurisprudencial); que não houve aperfeiçoamento da permuta pelo pagamento da diferença do preço, tornando indispensável o contrato definitivo, quer como compra e venda ou permuta (art. 108 do Código Civil), sendo que apenas a declaração de vontade consignada no título é passível de análise registral; que o original do contato objeto deste feito foi devolvido à parte interessada, com o cancelamento da prenotação, pelo que é necessária a reapresentação do título junto à serventia.

O Ministério Público opinou pela procedência (fls. 24/26 e 34).

A decisão de fls. 27/28 corrigiu a classe processual e determinou a reapresentação do título perante a serventia ante o decurso do trintídio legal da prenotação, o que foi cumprido pela parte interessada (fl. 31).

É o relatório.

Fundamento e decido.

Por primeiro, não se desconsidera o inconformismo voltado a apenas uma das exigências constantes da nota devolutiva de fl.08.

Este procedimento, entretanto, visa à apreciação, como um todo, de eventuais óbices apontados pelo registrador para ingresso direto do título. Não se presta à determinação condicionada a uma conduta futura, uma vez pendentes providências que não foram objeto de irresignação.

Contudo, resposta ao caso concreto se mostra possível a fim de evitar a reapresentação futura do tema (exigência do item 1), notadamente diante da natureza administrativa do procedimento e porque a outra exigência refere-se à entrega de documentos.

No mérito, a dúvida é procedente.

De fato, como bem salientado pelo Oficial, o art. 167 da Lei n. 6.015/73, que dispõe acerca das atribuições do CRI, não prevê o registro ou a averbação de compromisso de permuta.

Tais atribuições são taxativas à vista do princípio da legalidade:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Bem de família legal – Pretensão de registro – Inexistência de previsão no art. 167, da LEI Nº 6.015/73 – Rol taxativo – Impossibilidade do registro – Inaplicabilidade da máxima de que o que não é vedado é permitido, porque o registrador age de acordo com o princípio da legalidade – Recurso não provido” (CSMSP, Apelação Cível 1115570-23.2014, Relator: Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j. 25/02/2016).

Não se desconhece que a permuta em si comporta registro imobiliário, como previsto no item 30 do referido dispositivo.

No entanto, este não é o caso dos autos, já que o título ora discutido possui natureza preliminar (compromisso), tratando-se verdadeiramente de promessa de permuta, ainda que tenha sido denominado de “compromisso de compra e venda”. Isso porque estabeleceu-se que a maior parte do valor total do imóvel (R$340.000,00) seria paga por meio da entrega de dois apartamentos com valor somado de R$200.000,00, como se extrai da cláusula terceira do contrato (fls.09/13)[1].

Também não importa determinar se já ocorreu ou não o pagamento do valor total do contrato para se concluir que a sua natureza é de permuta conforme seu teor, já que o instrumento para validade dos negócios jurídicos que visem à constituição e transferência de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o salário mínimo, incluindo permuta efetiva, é a escritura pública (art. 108 do Código Civil).

Logo, configurado o compromisso de permuta, correta a negativa de registro em respeito à taxatividade do rol previsto no art. 167, I, da LRP.

Nesse sentido, a jurisprudência do E. Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Promessa de permuta – Impossibilidade de registro, à míngua de previsão no rol do art. 167, I, da Lei 6.015/73, que é taxativo – Direito de superfície veiculado em contrato particular – Impossibilidade de registro, pela necessidade da forma pública, nos moldes dos artigos 1369 do Código Civil e 21 da Lei 10.257/01 – Dúvida procedente – Recurso improvido” (CSMSP – Apelação nº 1099413-38.2015.8.26.0100 – rel. Des. Pereira Calças – j. 06/10/2016).

“Registro de imóveis – Dúvida – Instrumento particular de promessa de permuta de imóveis – Título com natureza jurídica diversa da denominação que lhe foi dada – Verdadeiro contrato de compromisso de compra e venda – Rótulo do contrato que não pode servir de óbice ao seu registro quando seu conteúdo está de acordo com os princípios registrais – recusa afastada, com observação” (CSMSP – Apelação nº 9000002-48.2013.8.26.0101, rel. Des. Hamilton Elliot Akel, 26/08/2014).

Por fim, vale anotar que a discussão não adentra na questão da validade do negócio jurídico, mas tão somente acerca da possibilidade de seu ingresso no fólio real

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada e, em consequência, mantenho o óbice registrário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 12 de agosto de 2021.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito

Nota:

[1] A Doutrina reconhece como permuta o negócio em que a prestação principal diga respeito à coisa entregue em pagamento, ainda que haja complemento em dinheiro. Ou seja, estaremos diante de compra e venda apenas na hipótese em que o pagamento feito em dinheiro seja em valor superior ao da coisa entregue em complemento (GOMES, Orlando. Contratos, 26ª edição, Rio de Janeiro: editora Forense, 2009, p. 274/275). (DJe de 16.08.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

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Recurso Especial – Processual civil – Bem de família – Impenhorabilidade – Dívida relativa ao próprio bem – Exceção – Transmissibilidade – Presunção – Impossibilidade – 1. Recurso especial interposto em 22/7/2020 e concluso ao gabinete em 4/5/2021 – 2. O propósito recursal consiste em dizer se: a) a exceção à impenhorabilidade prevista no inciso II, do art. 3º, da Lei nº 8.009/90, se aplica, por sub-rogação, ao imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda de bem de família originalmente penhorável; e b) é lícito, por simples presunção, assumir que os recursos provenientes da venda do bem de família objeto do contrato ora executado foram utilizados na aquisição de outro bem de família, de modo a permitir a penhora deste por dívida relacionada ao primeiro imóvel – 3. O inciso II do art. 3º da Lei nº 8009/90, na linha do que preceitua o §1º do art. 833 do CPC/2015, dispõe que a impenhorabilidade do bem de família não prevalece na hipótese de processo de execução movido “pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato” – 4. Se o primitivo bem de família pode ser penhorado para a satisfação de dívida relativa ao próprio bem, o novo bem de família, adquirido com os recursos da alienação do primeiro, também estará sujeito à exceção prevista no inciso II do art. 3º da Lei nº 8.009/90 – 5. Muito embora seja certo que a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no inciso II do art. 3º da Lei nº 8.009/90 transmite-se ao novo bem de família adquirido, é imprescindível que se comprove que este, de fato, foi adquirido com os recursos da venda daquele – 6. É imperioso o retorno dos autos às instâncias ordinárias para que se verifique, não com fundamento em mera presunção, mas com base nas provas acostadas aos autos, se o imóvel cuja penhora se discute foi ou não adquirido com os recursos provenientes da venda do bem de família que figurava como objeto do contrato ora executado – 7. Recurso especial parcialmente provido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.935.842 – PR (2021/0005404-8)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : MARIA GOMES DA SILVA

ADVOGADOS : SÉRGIO BOTTO DE LACERDA – PR011476

FABRICIO MASSARDO – PR031203

ROLF CRISTHIAN ZORNIG – PR042672

CRISTIAN PEREIRA MENEZES – PR080184

RECORRIDO : LANCOM EMPREENDIMENTOS DE HABITACAO PYRYS LTDA

ADVOGADOS : CARLOS EDUARDO MANFREDINI HAPNER – PR010515

TARCÍSIO ARAÚJO KROETZ – PR017515

FABIOLA POLATTI CORDEIRO – PR021515

JAMILE ERNANDORENA DOS SANTOS – PR050258

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. DÍVIDA RELATIVA AO PRÓPRIO BEM. EXCEÇÃO. TRANSMISSIBILIDADE. PRESUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

1– Recurso especial interposto em 22/7/2020 e concluso ao gabinete em 4/5/2021.

2– O propósito recursal consiste em dizer se: a) a exceção à impenhorabilidade prevista no inciso II, do art. 3º, da Lei n. 8.009/90, se aplica, por sub-rogação, ao imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda de bem de família originalmente penhorável; e b) é lícito, por simples presunção, assumir que os recursos provenientes da venda do bem de família objeto do contrato ora executado foram utilizados na aquisição de outro bem de família, de modo a permitir a penhora deste por dívida relacionada ao primeiro imóvel.

3– O inciso II do art. 3º da Lei n. 8009/90, na linha do que preceitua o §1º do art. 833 do CPC/2015, dispõe que a impenhorabilidade do bem de família não prevalece na hipótese de processo de execução movido “pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato”.

4– Se o primitivo bem de família pode ser penhorado para a satisfação de dívida relativa ao próprio bem, o novo bem de família, adquirido com os recursos da alienação do primeiro, também estará sujeito à exceção prevista no inciso II do art. 3º da Lei n. 8.009/90.

5– Muito embora seja certo que a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no inciso II do art. 3º da Lei n. 8.009/90 transmite-se ao novo bem de família adquirido, é imprescindível que se comprove que este, de fato, foi adquirido com os recursos da venda daquele.

6– É imperioso o retorno dos autos às instâncias ordinárias para que se verifique, não com fundamento em mera presunção, mas com base nas provas acostadas aos autos, se o imóvel cuja penhora se discute foi ou não adquirido com os recursos provenientes da venda do bem de família que figurava como objeto do contrato ora executado.

7– Recurso especial parcialmente provido.

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 22 de junho de 2021(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por MARIA GOMES DA SILVA, com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional.

Recurso especial interposto em: 22/7/2020.

Concluso ao Gabinete em: 4/5/2021.

Ação: de execução de título extrajudicial ajuizada por LANCOM EMPREENDIMENTOS DE HABITAÇÃO PYRYS LTDA, ora recorrida.

Decisão agravada: indeferiu o pedido formulado em exceção de impenhorabilidade relativa a imóvel de matrícula nº 42.796, do 2º Cartório do Registro de Imóveis de Foz do Iguaçu.

Acórdão: por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento, nos termos da seguinte ementa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. LEI Nº 8.009/90. DÉBITO QUE SE ORIGINOU DA AQUISIÇÃO DO PRÓPRIO IMÓVEL PENHORADO. EXCEÇÃO DO INCISO II, ARTIGO 3º, DA LEI 8.009/90. CONFIGURAÇÃO. POSSIBILIDADE DE PENHORA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

(fl. 81)

Embargos de declaração: foram acolhidos, mas sem efeitos infringentes.

Recurso especial: aduz ofensa ao art. 3º, II, da Lei n. 8.009/90, ao argumento de que:

a) o TJPR, erroneamente, por simples presunção, afastou a proteção ao bem de família por considerar que a recorrente haveria utilizado os recursos da venda de apartamento – adquirido em 1992 e perdido em adjudicação – para adquirir a casa ora penhorada perante a Companhia de Habitação do Paraná (COHAPAR), o que ocorreu na década de 1980, de modo que é imperioso concluir que a dívida objeto da presente execução de título extrajudicial não é oriunda do contrato de compra e venda cujo objeto era o imóvel penhorado; e

b) a exceção à impenhorabilidade prevista no inciso II, do art. 3º, da Lei n. 8.009/90 não se aplica, por sub-rogação, ao imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda do bem primitivo, pois a norma que estabelece a referida exceção deve ser interpretada restritivamente.

Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/PR inadmitiu o recurso especial interposto (fls. 190-191).

Em face das razões apresentadas no agravo de fls. 201-209, determinei a sua reautuação como recurso especial, nos termos do art. 34, XVI, do RISTJ, para melhor exame da matéria em debate, sem prejuízo de futuro reexame dos pressupostos de admissibilidade recursal.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO NANCY ANDRIGHI (Relator):

O propósito recursal consiste em dizer se: a) a exceção à impenhorabilidade prevista no inciso II, do art. 3º, da Lei n. 8.009/90, se aplica, por sub-rogação, ao imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda de bem de família originalmente penhorável; e b) é lícito, por simples presunção, assumir que os recursos provenientes da venda do bem de família objeto do contrato ora executado foram utilizados na aquisição de outro bem de família, de modo a permitir a penhora deste por dívida relacionada ao primeiro imóvel.

I. EXCEÇÃO À IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA – TRANSMISSIBILIDADE

1. Aduz a parte recorrente que a exceção à impenhorabilidade prevista no inciso II, do art. 3º, da Lei n. 8.009/90 não se aplica, por sub-rogação, ao imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda do bem primitivo, pois a norma que estabelece a referida exceção deve ser interpretada restritivamente.

2. Ademais, sustenta que o TJPR, erroneamente, por simples venda de apartamento – adquirido em 1992 e perdido em adjudicação – foram utilizados para adquirir a casa ora penhorada perante a Companhia de Habitação do Paraná (COHAPAR), o que ocorreu na década de 1980.

3. Nesse contexto, aponta que o bem objeto do contrato ora executado foi perdido em adjudicação, não tendo sido alienado para a compra do imóvel penhorado.

4. A Corte de origem, não obstante, em um primeiro momento, consignou que, mesmo o imóvel sendo considerado bem de família, poderia ser penhorado, pois a execução versaria sobre dívida oriunda do contrato de compra e venda do referido bem, verbis:

A agravante alega que o imóvel penhorado é bem de família, onde reside com sua filha e, portanto, impenhorável: “resta devidamente demonstrado que até a presente data a Agravante possui um único imóvel, no qual ela e sua única filha portadora de esquizofrenia habitam, que foi penhorado nos presentes autos”.

Não obstante a agravante ter apresentado no recurso comprovantes (movs. 1.3, 1.4 e 1.7) de que este é seu único bem e de que ali reside com sua filha, razão não lhe assiste.

Isso porque a impenhorabilidade do bem de família não é absoluta e comporta algumas exceções, de acordo com a Lei 8.009/90:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato.

Este é o caso da agravante. Mesmo sendo o imóvel considerado bem de família, poderá ser penhorado, pois a execução versa justamente sobre dívida relativa ao não adimplemento das parcelas do contrato de compra e venda do bem.

Diante do exposto, voto em conhecer do recurso e negar-lhe provimento, cassando a liminar concedida no mov. 9.1 do recurso, para manter a penhora sobre o imóvel de matrícula nº 42.796, do 2º CRI de Foz do Iguaçu.

(fls. 82-83) [g.n.]

5. No entanto, ao apreciar os embargos de declaração opostos, o TJPR, sem alterar a conclusão do julgado, reconheceu a existência de omissão no acórdão embargado, admitindo que o imóvel penhorado não seria o mesmo que figurava como objeto do contrato do qual decorre a dívida executada.

6. Em suma, perfilhou o entendimento de que seria possível presumir que o imóvel penhorado foi adquirido com os recursos hauridos da venda do primitivo bem, de modo que a possibilidade de penhora deste acompanharia o novo imóvel pelo princípio da sub-rogação, verbis:

Tem razão a recorrente quanto à alegação de que o acórdão ora embargado não levou em consideração o fato de que o imóvel penhorado não é o mesmo objeto da dívida com a embargada. Contudo, tal ausência não leva a uma mudança de resultado do que foi julgado. Isso porque ela mesma reforça, e traz vários elementos para provar tal afirmação, que possui apenas um imóvel em seu nome e que este seria bem de família e, portanto, impenhorável. Assim, sendo proprietária de um único imóvel, tudo leva a crer que tal bem tenha sido adquirido com os proveitos da venda daquele cujo contrato de compra e venda é objeto deste processo e fundamenta a execução de saldo devedor da aquisição daquilo que então funcionou como residência.

A embargante não integralizou o pagamento do que era devido em razão do contrato em execução. Este a seu turno diz respeito à aquisição de imóvel por ela. Este imóvel não integra mais o seu patrimônio. Com isso é lícito concluir que o imóvel atual de sua moradia foi adquirido com recursos obtidos a partir da venda do primeiro. Daí porque a situação jurídica de um se sub-roga no outro. Surge a presunção de que ao imóvel adquirido com recursos da venda do bem objeto do contrato sob análise são estendidos os mesmos ônus e bônus do primeiro cuja venda favoreceu a compra do segundo. Neste caso, por não ter pago a dívida relativa a um imóvel de moradia, mesmo sendo bem de família, pode ser penhorado o atual imóvel que se presta a tal fim. Portanto, o bem imóvel adquirido com os proveitos da venda do primeiro também pode ser penhorado.

Tendo sido adquirido com o resultado da venda do primeiro, as possibilidades de penhora do primeiro imóvel acompanham o novo, pelo princípio da sub-rogação. Sendo, portanto, aplicável a exceção do inciso II, do art 3°, da Lei 8.009/90 também a este imóvel, o que não altera o resultado do julgamento do Agravo de Instrumento. O bem de família responde pelas dívidas derivadas de sua aquisição, que é o caso sob exame.

(fls. 151-152) [g.n.]

7. Desse modo, a solução da controvérsia demanda que se verifique se a exceção à impenhorabilidade prevista no inciso II, do art. 3º, da Lei n. 8.009/90, se aplica, por sub-rogação, ao imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda de bem de família originalmente penhorável.

8. Nesse contexto, importa consignar que a impenhorabilidade do bem de família funda-se na consideração de que, em determinadas hipóteses, com o objetivo de tutelar direitos e garantias fundamentais, o legislador buscou prestigiar o interesse do devedor em detrimento dos interesses do credor (SHIMURA, Sérgio; GARCIA, Julia Nolasco. A impenhorabilidade na visão do Superior Tribunal de Justiça. Revista de Processo. vol. 305. ano 45. p. 175. São Paulo: Ed. RT, julho 2020).

9. Com efeito, trata-se de garantia legal que visa resguardar o patrimônio mínimo da pessoa humana, valor esse que o legislador optou por preservar em contraposição à satisfação executiva do credor.

10. No entanto, a regras que estabelecem hipóteses de impenhorabilidade estão longe de serem consideradas absolutas, como se observa da própria abolição, no CPC/2015, da expressão “absolutamente” prevista no antigo art. 649, caput, do CPC/1973.

11. No que tange, especificamente aos bens de família, o próprio art. 3º da Lei n. 8009/90 estabelece uma série de exceções à impenhorabilidade.

12. De fato, por mais valiosas que sejam as razões que justificam a impenhorabilidade do bem de família, a jurisprudência desta Corte Superior, de há muito, caminha no sentido de impedir deturpações do benefício legal, evitando que a referida garantia seja utilizada como artifício para frustrar a satisfação dos credores: “não se pode admitir que, sob a sombra de uma disposição legal protetiva, o devedor pratique atos tendentes a inviabilizar a tutela executiva do credor, o que implicaria o uso da lei para promover a injustiça e, com isso, enfraquecer, de maneira global, todo o sistema de especial proteção objetivado pelo legislador” (REsp 1575243/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/03/2018, DJe 02/04/2018).

13. Nesse contexto, o inciso II do art. 3º da Lei n. 8009/90, na linha do que preceitua o § 1º do art. 833 do CPC/2015, dispõe que a impenhorabilidade do bem de família não prevalece na hipótese de processo de execução movido “pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato”.

14. Em outras palavras, é penhorável o bem de família para satisfação de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição. Nesse sentido: REsp 90.330/SP, QUARTA TURMA, julgado em 24/06/1996, DJ 26/08/1996, p. 29695.

15. A norma em apreço possui nítido caráter protetivo dos credores, impedindo comportamentos contrários à boa-fé objetiva, evitando a prática de fraudes e garantindo a segurança jurídica indispensável às relações jurídicas e econômicas.

16. A propósito, manifesta-se abalizada doutrina:

O imóvel residencial e os móveis que o guarnecem são também penhoráveis na execução por crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato.

O legislador, ao prever a exceção do inc. II, estava tratando do imóvel destinado à residência do devedor e de sua família, e não de qualquer imóvel, indistintamente. Mas, na situação descrita no dispositivo legal, seria aplicável, também, a ressalva do § 1.º do art. 833 do CPC/2015 (regra similar à do § 1.º do art. 649 do CPC/1973), pela qual “a impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição”.

Como já referido no Capítulo 1 deste estudo, Cassio Scarpinella Bueno observa que assim se evita “que o executado conserve a propriedade do bem que adquiriu à custa da concessão de um crédito que lhe foi dado para aquela mesma finalidade”. A ressalva quanto aos bens que se consideram impenhoráveis, no Código de Processo Civil, e a exceção à impenhorabilidade legal do bem de família, prevista no inc. II do art. 3.º da Lei 8.009/1990, estão, então, em prefeita harmonia.

Efetivamente, seria ilógico imaginar que alguém pudesse contrair obrigações para construir ou adquirir seu imóvel residencial, furtar-se ao cumprimento de tais obrigações, e ainda arguir a impenhorabilidade desse mesmo imóvel por se tratar de bem de família.

Estão abrangidos na exceção do inc. II quaisquer financiamentos com a finalidade apontada, obtidos junto a particulares ou a instituições financeiras, entre estas as do Sistema Financeiro da Habitação.

[…]

O dispositivo em questão também se refere aos acréscimos decorrentes do contrato de financiamento. Tais acréscimos incluem juros de mora, correção monetária, multas contratuais e outros encargos previstos no contrato, sempre relativos ao financiamento para construção ou aquisição do imóvel residencial.

(VASCONSELOS, Rita. Impenhorabilidade do bem de família. 2. Ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2015) [g.n.]

17. Observa-se, portanto, que “a questão da proteção indiscriminada do bem de família ganha novas luzes quando confrontada com condutas que vão de encontro à própria ética e à boa-fé, que devem permear todas as relações negociais” (REsp 1560562/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/04/2019, DJe 04/04/2019).

18. Desse modo, na espécie, não pode o devedor adquirir novo bem de família com os recursos provenientes da venda de bem de família anterior para, posteriormente, se furtar ao adimplemento da dívida contraída com a compra do primeiro, notadamente tendo em vista a máxima de que a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza.

19. Em outras palavras, se o primitivo bem de família pode ser penhorado para a satisfação de dívida relativa ao próprio bem, o novo bem de família, adquirido com os recursos da alienação do primeiro, também estará sujeito à exceção prevista no inciso II do art. 3º da Lei n. 8.009/90.

20. Tem-se, assim, a adequada ponderação da proteção irrestrita ao bem de família, tendo em vista a necessidade de se vedar as atitudes que atentem contra a boa-fé e a eticidade, ínsitas às relações negociais.

21. Na hipótese dos autos, no entanto, observa-se que o Tribunal a quo concluiu que os valores oriundos da venda do primeiro bem – objeto do contrato ora executado – foram utilizados para a aquisição do imóvel penhorado fundamentando-se, exclusivamente, em mera presunção.

22. De fato, não se extrai do acórdão recorrido qualquer conclusão calcada nas provas colacionadas aos autos, limitando-se a Corte de origem a presumir que um bem foi adquirido com os recursos resultantes da alienação do outro. Veja:

Assim, sendo proprietária de um único imóvel, tudo leva a crer que tal bem tenha sido adquirido com os proveitos da venda daquele cujo contrato de compra e venda é objeto deste processo e fundamenta a execução de saldo devedor da aquisição daquilo que então funcionou como residência.

[…]

A embargante não integralizou o pagamento do que era devido em razão do contrato em execução. Este a seu turno diz respeito à aquisição de imóvel por ela. Este imóvel não integra mais o seu patrimônio. Com isso é lícito concluir que o imóvel atual de sua moradia foi adquirido com recursos obtidos a partir da venda do primeiro. Daí porque a situação jurídica de um se sub-roga no outro. Surge a presunção de que ao imóvel adquirido com recursos da venda do bem objeto do contrato sob análise são estendidos os mesmos ônus e bônus do primeiro cuja venda favoreceu a compra do segundo. Neste caso, por não ter pago a dívida relativa a um imóvel de moradia, mesmo sendo bem de família, pode ser penhorado o atual imóvel que se presta a tal fim. Portanto, o bem imóvel adquirido com os proveitos da venda do primeiro também pode ser penhorado.

(fls. 151-152) [g.n.]

23. Desse modo, muito embora seja certo, como já afirmado, que a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no inciso II do art. 3º da Lei n. 8.009/90 transmite-se ao novo bem de família adquirido, é imprescindível que se comprove que este, de fato, foi adquirido com os recursos da venda daquele.

24. Na espécie, como cediço, alega a parte recorrente que não houve a utilização dos recursos provenientes da venda de um imóvel para a compra do outro, pois: a) o bem de família penhorado foi adquirido antes da aquisição do imóvel objeto do contrato executado, de modo que, por uma questão lógica, os recursos obtidos com a venda de um não poderiam ter sido utilizados para a compra do outro; e b) o imóvel supostamente vendido foi, na realidade, perdido em adjudicação para a Caixa Econômica Federal.

25. Desse modo, é imperioso o retorno dos autos às instâncias ordinárias para que se verifique, não com fundamento em mera presunção, mas com base nas provas acostadas aos autos, se o imóvel cuja penhora se discute foi ou não adquirido com os recursos provenientes da venda do bem de família que figurava como objeto do contrato ora executado.

II. CONCLUSÃO

26. Forte nessas razões, dou parcial provimento ao recurso especial, para determinar o retorno dos autos à Corte de origem para que se determine, com base nas provas colacionadas aos autos, se o imóvel cuja penhora se discute foi ou não adquirido com os recursos provenientes da venda do bem de família que figurava como objeto do contrato ora executado. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.935.842 – Paraná – 3ª Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJ 25.06.2021

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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