VRP/SP: Usucapião extrajudicial. Impugnação. O julgamento deve se dar de plano ou após instrução sumária, não cabendo ao juiz corregedor permitir a produção de prova para que se demonstre a existência de óbice ao reconhecimento da usucapião

Processo 1078673-49.2021.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – GEA Administração de Bens Eireli e outro – Municipalidade de São Paulo – Diante do exposto, ACOLHO A IMPUGNAÇÃO apresentada pela municipalidade, determinando a extinção da usucapião extrajudicial, com cancelamento da prenotação e remessa da parte interessada às vias ordinárias para solução do conflito nos termos dos itens 420.7 e 420.8 do Cap. XX das NSCGJ. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: DANIELE BRANDÃO GAZEL DE ARAÚJO (OAB 174289/SP), MARCIA DUSCHITZ SEGATO (OAB 63916/SP), HELOISA OLIVA DE ANDRADE ROSAS (OAB 305588/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo nº: 1078673-49.2021.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Requerente: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital e outro

Requerido: Municipalidade de São Paulo

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida formulada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital em decorrência de impugnação da municipalidade contra requerimento de GEA ADMINISTRAÇÃO DE BENS EIRELI pelo reconhecimento extrajudicial de usucapião de área que dá acesso aos imóveis matriculados sob nº 46.304, nº67.302 e nº63.602 daquela serventia, porque de domínio público.

A requerente foi intimada a se manifestar, mas quedou-se inerte, sendo a questão remetida a este juízo na forma do item 420.1, Cap.XX, das NSCGJ.

Documentos vieram às fls. 03/256.

O Ministério Público opinou pelo indeferimento do pedido diante da impugnação fundamentada (fls. 261/262).

É o relatório.

Fundamento e Decido.

O procedimento de usucapião extrajudicial tem como principal requisito a inexistência de lide, de modo que, apresentada qualquer impugnação, a via judicial se torna necessária, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum nos termos do §10, do artigo 216-A, da Lei n. 6.015/73.

As Normas de Serviço da Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo, prestigiando a qualificação do Oficial de Registro e a importância do procedimento extrajudicial, trouxeram pequena flexibilização a tal regra no item 420.5 de seu Capítulo XX, permitindo que seja julgada a fundamentação da impugnação, com afastamento daquela claramente impertinente ou protelatória:

“420.5. Em qualquer das hipóteses acima previstas, os autos da usucapião serão encaminhados ao juízo competente que, de plano ou após instrução sumária, examinará apenas a pertinência da impugnação e, em seguida, determinará o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que prosseguirá no procedimento extrajudicial se a impugnação for rejeitada, ou o extinguirá em cumprimento da decisão do juízo que acolheu a impugnação e remeteu os interessados às vias ordinárias, cancelando-se a prenotação”.

Como bem esclarece o dispositivo, tal julgamento deve se dar de plano ou após instrução sumária, não cabendo ao juiz corregedor permitir a produção de prova para que se demonstre a existência de óbice ao reconhecimento da usucapião.

É dizer que, apresentada impugnação, deve-se apenas verificar se seu caráter é meramente protelatório ou completamente infundado.

Havendo qualquer indício de veracidade que justifique a existência de conflito de interesses, a via extrajudicial se torna prejudicada, devendo o interessado se valer da via contenciosa, sem prejuízo de utilizar-se dos elementos constantes do procedimento extrajudicial para instruir seu pedido, emendando a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum (item 420.8, Cap. XX, das NSCGJ).

No caso em tela, a municipalidade traz manifestações técnicas e documentos para corroborar a afirmação de que a área usucapienda serve de passagem e área de manobras, dando acesso a várias casas, conforme alvará de licença nº5.401, expedido em 08 de junho de 1940, em favor do proprietário tabular Manoel Pereira (fls. 157/166 e 231/240).

Ademais, intimada a se manifestar, a parte requerente permaneceu inerte (fls.253/256).

Desse modo, resta configurado conflito em relação à área, o que impede a análise da questão por este juízo administrativo, devendo tal impasse ser solucionado nas vias ordinárias.

Em outros termos, por estar a impugnação devidamente fundamentada e por não ser possível afastar de plano a alegação de domínio público, a questão deverá ser dirimida na via

ordinária com contraditório e ampla defesa (possibilidade de dilação probatória).

Diante do exposto, ACOLHO A IMPUGNAÇÃO apresentada pela municipalidade, determinando a extinção da usucapião extrajudicial, com cancelamento da prenotação e remessa da parte interessada às vias ordinárias para solução do conflito nos termos dos itens 420.7 e 420.8 do Cap. XX das NSCGJ.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 18 de agosto de 2021. (DJe de 23.08.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

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2VRP/SP: Procuração particular lavrada em Portugual não pode ser utilizada para lavratura de escritura pública.

Processo 0019715-87.2021.8.26.0100

Pedido de Providências – 2ª Vara de Registros Públicos – VISTOS, Trata-se de pedido de providências instaurado a partir de comunicação encaminhada pela E. Corregedoria Geral da Justiça, do interesse do Senhor R. F. C., que se insurge contra recusa pelo Senhor Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas de Subdistrito desta Capital, de Procuração Particular, autenticada, realizada em Portugal, para instrução de Escritura Pública de Inventário e Partilha. O Senhor Titular prestou esclarecimentos (fls. 11/26). Instado a se manifestar, o Senhor Representante quedou-se inerte (fls. 28). O Ministério Público ofertou parecer opinando pelo arquivamento do feito, ante a inexistência de indícios de falha na prestação do serviço por parte da serventia correicionada (fls. 32/34). É o breve relatório. Decido. Cuidam os autos de representação formulada pelo Senhor R. F. C. em face do Senhor Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas de Subdistrito desta Capital. Narrou o Senhor Representante que a serventia recusou Procuração realizada em Portugal, autenticada e apostilada, para instrução de Escritura Pública de Inventário e Partilha. A seu turno, o Senhor Titular veio aos autos para esclarecer que a normativa legal que recobre a matéria lavratura de Escritura Pública impede a aceitação da Procuração Particular. Nesse sentido, referiu que a citada procuração, a despeito do indicado pela parte, não se cuida de instrumento público, revestido das solenidades normativas, mas sim de instrumento particular autenticado, conforme certificado pelo próprio advogado que chancelou o termo. Pois bem. Pese embora compreensível a insurgência apresentada pelo Representante, verifico que assiste razão ao Senhor Oficial e Tabelião de Notas. Explico. O Artigo 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro consagra a regra locus regit actum, aplicando-se à obrigação as leis do local na qual ela foi constituída. No entanto, o parágrafo primeiro do referido artigo traz clara exceção à norma geral. Assim, o §1º indica que, destinado o ato estrangeiro a produzir efeitos em território nacional (o que é o caso da referida procuração), e sendo esses efeitos dependentes de forma estabelecida por lei nacional (Escritura Pública), esta deve ser observada, admitindo-se eventuais peculiaridades da lei estrangeira quanto a requisitos extrínsecos do ato. Nessa senda, o artigo 982, caput, do Código Civil estabelece que o Inventário pode ser feito na via judicial, como praxe, e também na via extrajudicial, por meio de Escritura Pública. In verbis: Art. 982. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário. Combinando-se o anterior item à intelecção do artigo 657, do mesmo diploma legal, que refere que a “outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado (…)”, depreende-se, então, a obrigatoriedade da representação por meio de Procuração Pública para a lavratura da Escritura Pública pretendida pelas partes interessadas. Com efeito, é a procuração pública o instrumento hábil a produzir os corretos e desejados efeitos no tocante à representação para a lavratura do ato que as partes desejam pactuar. Assim, os outorgantes não podem conferir poderes à outrem, para a realização do Inventário Extrajudicial pretendido, por meio de procuração particular, sob pena de invalidade do ato praticado e, portanto, acertada a recusa levantada pela serventia extrajudicial. Ainda, noutro turno, sabidamente, é função precípua do Tabelião garantir a plena mediação entre as partes e conferência de segurança jurídica a negócios realizados. Não diferente é o disposto nas Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça, em seu Capítulo XVI, acerca da atividade notarial: 1. O Tabelião de Notas, profissional do direito dotado de fé pública, exercerá a atividade notarial que lhe foi delegada com a finalidade de garantir a eficácia da lei, a segurança jurídica e a prevenção de litígios. 1.1. Na atividade dirigida à consecução do ato notarial, atua na condição de assessor jurídico das partes, orientado pelos princípios e regras de direito, pela prudência e pelo acautelamento. Nesse sentido, igualmente acertada a recusa à Procuração Particular, que macularia o ato com grave vício de formação. No mais, cabe deduzir que, acaso a procuração estrangeira, tal qual efetuada, se revista de caráter de ato público, o Senhor Representante, que invoca tal eficiência, é o responsável por lhe dar comprovação, por analogia ao artigo 14, da LINDB, o que não foi feito. Finalmente, é de conhecimento público que Portugal dispõe de Notariado nos moldes Latino, sendo plenamente possível a lavratura de Procuração Pública frente a Notário. Por conseguinte, reputo satisfatórias as explicações ofertadas pelo Senhor Oficial e Tabelião, que fundamentou suficientemente a recusa, não vislumbrando responsabilidade funcional apta a ensejar a instauração de procedimento administrativo, no âmbito disciplinar. Ante a todo o exposto, mantenho o óbice apontado pelo Senhor Delegatário, devendo ser apresentada Procuração Pública para a realização do ato pretendido. Ciência ao Senhor Titular, ao Ministério Público e ao Representante, por email. Não menos importante, determino à z. Serventia Judicial que publique a presente decisão no DJE, uma vez que os fatos aqui relatados são de interesse da sociedade e as observações ora deduzidas contribuirão para a higidez do serviço público como um todo, resultando, como fim maior, no pleno atendimento do cidadão. Encaminhe-se cópia desta r. Sentença, bem como de fls. 11/26, 28 e 32/34, à E. Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente como ofício. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.I.C. (DJe de 23.08.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

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Recurso Especial – Embargos de Terceiro – Taxas de manutenção – Loteamento urbano – Débitos anteriores – Arresto – Imóvel – Arrematação – Contrato padrão – Registro – Posteriores adquirentes – Vinculação – Obrigação – Instituição de encargo – Pagamento – Taxa de manutenção – Início – Aquisição – 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ) – 2. Cinge-se a controvérsia a definir se (i) houve falha na prestação jurisdicional, (ii) o fato de a cobrança de taxa de manutenção estar prevista no contrato padrão registrado vincula os adquirentes não somente à obrigação de pagar as taxas de associação a partir da aquisição, como também a responder pelos débitos do anterior proprietário, e (iii) a verba honorária foi fixada em valor exacerbado – 3. Não há falar em falha na prestação jurisdicional se o Tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível, ainda que em desacordo com a expectativa da parte – 4. No julgamento do REsp nº 1.422.859/SP, ficou decidido que por força do disposto na lei de loteamento, as restrições e obrigações constantes no contrato-padrão, depositado em cartório como condição para o registro do projeto de loteamento, incorporam-se ao registro e vinculam os posteriores adquirentes, porquanto dotadas de publicidade inerente aos registros públicos – 5. O fato de a cobrança de taxa de manutenção estar prevista no contrato-padrão registrado no Cartório de Imóveis vincula os adquirentes somente à obrigação de pagar as taxas a partir da aquisição, não abrangendo os débitos do anterior proprietário, diante da ausência de previsão expressa na lei de regência – 6. A não indicação do dispositivo que se tem por violado impede o conhecimento do recurso especial ante a incidência da Súmula nº 284/STF – 7. Recurso especial conhecido em parte e, na parte conhecida, não provido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.941.005 – SP (2021/0026282-5)

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

RECORRENTE : ASSOCIACAO DOS PROPRIETARIOS DO VALE DO FLAMBOYANT

ADVOGADO : PATRÍCIA MOURA RIBEIRO – SP174778

RECORRIDO : ENRIQUE MORENO CASTILLO

RECORRIDO : RITA DE CASSIA GIANNELLA MORENO

ADVOGADOS : EDISON GONZALES – SP041881

FELIPE GRANADO GONZALES – SP239869

PAMELA PARPINELLI DOS SANTOS – SP316896

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. TAXAS DE MANUTENÇÃO. LOTEAMENTO URBANO. DÉBITOS ANTERIORES. ARRESTO. IMÓVEL. ARREMATAÇÃO. CONTRATO PADRÃO. REGISTRO. POSTERIORES ADQUIRENTES. VINCULAÇÃO. OBRIGAÇÃO. INSTITUIÇÃO DE ENCARGO. PAGAMENTO. TAXA DE MANUTENÇÃO. INÍCIO. AQUISIÇÃO.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. Cinge-se a controvérsia a definir se (i) houve falha na prestação jurisdicional, (ii) o fato de a cobrança de taxa de manutenção estar prevista no contrato padrão registrado vincula os adquirentes não somente à obrigação de pagar as taxas de associação a partir da aquisição, como também a responder pelos débitos do anterior proprietário, e (iii) a verba honorária foi fixada em valor exacerbado.

3. Não há falar em falha na prestação jurisdicional se o Tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível, ainda que em desacordo com a expectativa da parte.

4. No julgamento do REsp nº 1.422.859/SP, ficou decidido que por força do disposto na lei de loteamento, as restrições e obrigações constantes no contrato-padrão, depositado em cartório como condição para o registro do projeto de loteamento, incorporam-se ao registro e vinculam os posteriores adquirentes, porquanto dotadas de publicidade inerente aos registros públicos.

5. O fato de a cobrança de taxa de manutenção estar prevista no contrato-padrão registrado no Cartório de Imóveis vincula os adquirentes somente à obrigação de pagar as taxas a partir da aquisição, não abrangendo os débitos do anterior proprietário, diante da ausência de previsão expressa na lei de regência.

6. A não indicação do dispositivo que se tem por violado impede o conhecimento do recurso especial ante a incidência da Súmula nº 284/STF.

7. Recurso especial conhecido em parte e, na parte conhecida, não provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 22 de junho de 2021(Data do Julgamento)

Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por ASSOCIAÇÃO DOS PROPRIETÁRIOS DO VALE DO FLAMBOYANT, com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, impugnando acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado:

“EMBARGOS DE TERCEIROS – Oposição à conversão em penhora de anterior arresto requerido pela embargada, para garantia de pagamento de taxas associativas incidentes sobre imóvel arrematado pelos embargantes em outro (sic) – Alegação de que a dívida exigida não tem natureza propter rem – Sentença de procedência – Inconformismo da embargada, defendendo a natureza propter rem da obrigação e expressa previsão desta na matrícula do imóvel e no edital de leilão – Rejeição – Natureza pessoal da dívida – Precedentes da jurisprudência – Sub-rogação do débito no montante da arrematação – Aplicação analógica do art. 130 do CTN – Apelo desprovido” (fl. 285, e-STJ).

Os embargos de declaração foram rejeitados (fls. 358/362, e-STJ).

No recurso especial, a recorrente alega violação dos seguintes dispositivos, com as respectivas teses:

(i) Artigo 1.022 do Código de Processo Civil de 2015 – porque o Tribunal teria deixado de se manifestar acerca dos seguintes temas: (a) a dívida está expressamente prevista no trecho do edital em que constou o arresto determinado na ação de cobrança; (b) a associação não pode se sub-rogar na dívida nos autos do processo em que houve a arrematação, pois a sub-rogação estava prevista somente para os créditos fiscais; (c) a obrigação de pagar a taxa de associação está prevista no contrato padrão arquivado no registro de imóveis, vinculando toda a cadeia de adquirentes (obrigação propter rem contida na cláusula 174 do “contrato padrão”), (d) o caráter propter rem das obrigações previstas no contrato padrão, constituindo ônus real, e (e) a caracterização da dívida por decisão transitada em julgado.

(ii) artigos 24, 25 e 29 da Lei nº 6.766/1979 – porque se incorporam ao registro do loteamento e vinculam os adquirentes às obrigações impostas pelos loteadores no contrato padrão regularmente registrado no Cartório de Registro de Imóveis, o que inclui os débitos dos antigos proprietários.

Afirma, além disso, que a verba de sucumbência foi fixada em valor exacerbado, porém, não menciona nenhum dispositivo legal.

Requer o provimento do recurso especial para declarar a nulidade do acórdão recorrido ou para que seja decretada a manutenção da penhora sobre o bem imóvel arrematado.

O recurso especial foi inadmitido pela decisão de fls. 390/392 (e-STJ), sendo determinada a conversão do agravo em recurso especial pela decisão de fls. 725/726 (e-STJ).

Contrarrazões às fls. 384/389 (e-STJ).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): O acórdão impugnado pelo presente recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

A insurgência não merece prosperar.

Cinge-se a controvérsia a definir se (i) houve falha na prestação jurisdicional, (ii) o fato de a cobrança de taxa de manutenção estar prevista no contrato padrão registrado vincula os adquirentes não somente à obrigação de pagar as taxas de associação a partir da aquisição, como também a responder pelos débitos do anterior proprietário, e (iii) a verba honorária foi fixada em valor exacerbado.

1. Breve histórico

Colhe-se dos autos que a Associação dos Proprietários do Vale do Flamboyant promoveu ação contra Osmar Ferreira para cobrança de taxas de manutenção do loteamento denominado Jardim Flamboyant. A ação foi julgada parcialmente procedente. Iniciada a liquidação e frustrada a citação do devedor, foi requerido o arresto do lote nº 14, com a respectiva averbação na matrícula do imóvel em 25.2.2003. O arresto foi convertido em penhora em 28.9.2010, entretanto não foi promovido o registro.

A par disso, o referido imóvel foi levado a leilão em ação de extinção de condomínio e foi arrematado pelos ora recorridos, Enrique Moreno Castillo e outra, em 14.8.2017, levada a carta de arrematação a registro em 25.9.2017.

Os adquirentes então peticionaram nos autos da ação de cobrança promovida pela Associação dos Proprietários do Vale do Flamboyant requerendo o cancelamento do arresto.

No entanto, a a autora se opôs, sob o entendimento de que caberia aos adquirentes pagar o débito relativo às taxas de manutenção do antigo proprietário.

O Juízo indeferiu o pedido de cancelamento do arresto, afirmando:

“(…)

O arresto deve ser mantido, assim como a penhora no rosto daqueles autos, determinada à fl. 676 deste feito, pois a averbação constou do edital do leilão promovido pelo juízo ad quem (fls. 699), de modo que o arrematante adquiriu o bem ciente desse ônus” (fl. 47, e-STJ).

Diante disso, os adquirentes opuseram embargos de terceiro contra a Associação dos Proprietários do Vale do Flamboyant, esclarecendo que ao adquirirem o imóvel aderiram ao contrato padrão arquivado no Registro de Imóveis e passaram a contribuir com a taxa mensal, mas que não podem ser responsabilizados pelos débitos contraídos pelos proprietários anteriores, por não terem usufruído dos benefícios e por não se tratar de obrigação propter rem.

Os embargos de terceiro foram julgados procedentes. Na ocasião, a juíza de primeiro grau expôs a seguinte fundamentação:

“(…)

Certo é que, em relação à dívida cobrada na ação de cobrança, processo nº 583.00.1998.911024-4, a responsabilidade pelo pagamento só pode ser reconhecida como de Osmar Ferreira.

Não sendo a dívida propter rem, não pode ela ‘perseguir a coisa’.

Neste panorama, havendo constrição anterior (arresto) em favor da embargada no imóvel levado a leilão, era de rigor que a embargada tivesse se valido do direito de preferência naqueles autos, levantando preferencialmente os valores frutos da arrematação no limite da sua dívida.

Ao que consta a embargada não exerceu tal direito e foi expedida carta de arrematação, nada restando a este juízo que não liberar a constrição em relação ao imóvel leiloado, que agora é de propriedade do embargante.

Sem prejuízo, poderá a embargada continuar com o cumprimento de sentença, em busca do patrimônio pessoal do requerido Osmar Ferreira” (fls. 217/218, e-STJ – grifou-se).

A Associação ora recorrente interpôs apelação, não provida por unanimidade pela Nona Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Sobreveio o recurso especial.

2. Da violação do artigo 1.022 do Código de Processo Civil de 2015

Cumpre assinalar, de início, que não há falar em falha na prestação jurisdicional se o Tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível, ainda que em desacordo com a expectativa da parte.

Na hipótese, o Tribunal local se manifestou expressamente sobre a dívida exigida não constar especificamente do edital, se pronunciando inclusive sobre a existência do arresto e a necessidade de a recorrente ter se valido do direito de preferência, alegando sua sub-rogação, como se extrai do seguinte trecho do acórdão:

“(…)

Nesse passo, como bem consignado pelo MM. Juízo, ‘…havendo constrição anterior (arresto) em favor da embargada no imóvel levado a leilão, era de rigor que a embargada tivesse se valido do direito de preferência naqueles autos, levantando preferencialmente os valores frutos da arrematação no limite de sua dívida. Ao que consta a embargada não exerceu tal direito e foi expedida a carta de arrematação, nada restando a este juízo que não liberar a constrição em relação ao imóvel leiloado, que agora é de propriedade dos embargantes.

Note-se ademais que, ao contrário do que sustenta a apelante o edital de leilão não fez menção expressa ao débito a ela devido, mas apenas dispôs genericamente que: ‘Cabe à parte interessada a verificação de eventuais débitos incidentes sobre o bem, tais como débitos de condomínio e outros, IPTU e demais taxas e impostos poderão ser sub-rogados no valor da arrematação nos termos do art. 130, caput, e parágrafo único, do CTN, desde que respeitado o concurso de credores a ser decidido pelo M.M. Juízo Comitente” (fl. 229)

Desse modo, ao contrário do que alega a recorrente, o arrematante não responde pelos débitos pendentes sobre o imóvel antes da arrematação, pelo que caberia à credora, ora recorrente, ter postulado a sub-rogação de seu crédito no montante objeto da arrematação” (fls. 288/289, e-STJ).

A Corte paulista também tratou da caracterização da dívida em sentença transitada em julgado, de seu caráter pessoal, não aderindo ao próprio bem e, portanto, não obrigando a cadeia de adquirentes:

“(…)

Como é sabido, o c. Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento de que as contribuições criadas por associações de moradores ostentam natureza de dívida pessoal, não aderindo ao próprio bem, daí porque as dívidas pretéritas não são de responsabilidade dos proprietários posteriores.

(…)

Nesses termos, ainda que reconhecida a obrigação de pagar a dívida por sentença transitada em julgada, a natureza da dívida não se modifica” (fl. 288, e-STJ)

Cumpre assinalar, de todo modo, que o imóvel, quando foi arrematado, em 2017, não mais pertencia a Osmar Ferreira, devedor originário, nome que consta do registro de arresto de 2003 (fls. 27/32, e-STJ).

Ressalte-se, por fim, que a motivação contrária ao interesse da parte ou mesmo omissa em relação a pontos considerados irrelevantes pelo julgador não autoriza o acolhimento dos embargos declaratórios, daí porque se afasta também a alegada ofensa ao art. 489, incisos II e § 1º e IV, do Código de Processo Civil de 2015.

3. Do direito de preferência

Registre-se que tanto o juízo de primeiro grau quanto o Tribunal paulista entenderam que a recorrente deveria ter exercitado o seu direito de preferência na ação de dissolução de condomínio (que tinha como partes Alfa Invest Factoring Ltda. e Nilza Capitoste Ferreira) na qual ocorreu a arrematação.

Quanto ao ponto, a recorrente apenas aponta violação do artigo 1.022 do CPC/2015, afirmando que o acórdão recorrido foi omisso, não respondendo a sua alegação de que não poderia ter exercido o direito de preferência, pois o edital previa tão somente a sub-rogação dos débitos tributários.

Como se verifica do aresto recorrido, o edital previa a sub-rogação dos débitos tributários mas com a ressalva de que deveria ser respeitado o “concurso de credores”:

“(…)

Note-se ademais que, ao contrário do que sustenta a apelante o edital de leilão não fez menção expressa ao débito a ela devido, mas apenas dispôs genericamente que: ‘Cabe à parte interessada a verificação de eventuais débitos incidentes sobre o bem, tais como débitos de condomínio e outros, IPTU e demais taxas e impostos poderão ser sub-rogados no valor da arrematação nos termos do art. 130, caput, e parágrafo único, do CTN, desde que respeitado o concurso de credores a ser decidido pelo M.M. Juízo Comitente” (fl. 229)

Ora, se é necessário o respeito ao concurso de credores é porque outros créditos poderiam se sub-rogar no preço, cabendo ao Juízo liberar os valores segundo a ordem de preferência. Ademais, a sub-rogação decorre de lei, valendo transcrever, no ponto, o disposto no artigo 908 do Código de Processo Civil de 2015:

Art. 908. Havendo pluralidade de credores ou exequentes, o dinheiro lhes será distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas preferências.

§ 1º No caso de adjudicação ou alienação, os créditos que recaem sobre o bem, inclusive os de natureza propter rem, sub-rogam-se sobre o respectivo preço, observada a ordem de preferência.

§ 2º Não havendo título legal à preferência, o dinheiro será distribuído entre os concorrentes, observando-se a anterioridade de cada penhora.

Nesse contexto, o fundamento relativo à necessidade de exercício do direito de preferência não foi impugnado especificamente pela recorrente, que se limitou a apontar a existência de falha na prestação jurisdicional, o que não ocorreu.

4. Da violação dos artigos 24, 25 e 29 da Lei nº 6.766/1979

A recorrente afirma que as obrigações impostas pelos loteadores no contrato padrão regularmente registrado no Cartório de Registro de Imóveis vinculam os adquirentes.

Ressalta que, no caso dos autos, consta do contrato-padrão depositado por ocasião do registro do loteamento Vale do Flamboyant no Registro de Imóveis, previsão de que caberia ao comprador pagar aos vendedores, ou a quem eles indicassem, taxa mensal de manutenção e limpeza, assim como ratear os custos de obras de melhoramento.

Defende que o registro do contrato padrão no Cartório de Registro de imóveis vincula toda a cadeia de adquirentes, de modo que os recorridos devem responder pelas dívidas do proprietário anterior.

Cumpre assinalar, de início, que a jurisprudência desta Corte está assentada no sentido de que a taxa de manutenção cobrada por associação de moradores tem natureza pessoal, não se equiparando a despesas condominiais.

A propósito:

“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. AÇÃO DE COBRANÇA. PARCIAL PROCEDÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/73. OMISSÃO E FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO INEXISTENTES. TAXA DE MANUTENÇÃO. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. OBRIGAÇÃO PROPTER REM NÃO CONFIGURADA. NATUREZA PESSOAL. PRECEDENTES. DISSÍDIO INTERPRETATIVO. ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DESTA CORTE. SÚMULA Nº 568 DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO, COM APLICAÇÃO DE MULTA.

1. Aplicabilidade do NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.

2. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC/73 quando o Tribunal a quo se manifestou clara e fundamentadamente acerca dos pontos indispensáveis para o desate da controvérsia, sendo desnecessário rebater, uma a uma, as razões suscitadas pelas partes.

3. Consoante a reiterada jurisprudência das Turmas que compõem a eg. Segunda Seção deste Sodalício, as taxas de manutenção cobradas por associação de moradores não podem ser equiparadas a despesas condominiais, não ostentando a dívida natureza propter rem. Precedentes.

4. Estando o acórdão recorrido em conformidade com a jurisprudência dominante desta Corte, incide, na espécie, o óbice da Súmula nº 568 do STJ, segundo a qual o relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.

5. Agravo interno não provido, com aplicação de multa.

(AgInt no AREsp 970.354/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/4/2017, DJe 16/5/2017 – grifou-se)

Ademais, no julgamento do REsp nº 1.439.163/SP e do REsp nº 1.280.871/SP, submetidos ao rito dos recursos repetitivos, restou fixado o entendimento de que as taxas instituídas por associação de moradores e/ou condomínios de fato não alcançam quem não é associado ou que não tenha aderido ao ato que instituiu o encargo.

Também foi objeto de discussão nesta Corte a possibilidade de cobrança da taxa de manutenção na hipótese de ela estar prevista no contrato-padrão que acompanha o projeto de loteamento registrado no Cartório de Registro de Imóveis, ficando estabelecido que as obrigações constantes do contrato-padrão vinculam os adquirentes. Vale transcrever, no ponto, a ementa do REsp nº 1.422.859/SP:

“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. TAXAS DE MANUTENÇÃO. ADMINISTRADORA DE LOTEAMENTO. SOCIEDADE EMPRESÁRIA. CAUSA DE PEDIR. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO CONTRATUAL. REGISTROS PÚBLICOS. LOTEAMENTO URBANO. CONTRATO-PADRÃO. POSTERIORES ADQUIRENTES. VINCULAÇÃO. OBRIGAÇÃO. FONTE NA LEI E EM CONTRATO. INSTITUIÇÃO DO ENCARGO. ATO. ADESÃO INEQUÍVOCA. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA.

1. Na origem, trata-se de ação de cobrança proposta por sociedade empresária administradora de loteamento, contratada pelos proprietários/loteadores para a prestação de determinados serviços discriminados na avença, contra moradores dos lotes.

2. A Segunda Seção desta Corte, no julgamento do REsp nº 1.439.163/SP e do REsp nº 1.280.871/SP, processados sob o rito dos recursos repetitivos, sedimentou o entendimento de que “as taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou que a elas não anuíram”. Para tanto, fundamentou-se principalmente nos seguintes pontos: (i) inviabilidade de cerceamento da liberdade de associação e (ii) impossibilidade da criação de obrigação que não tenha fonte na lei ou em contrato.

3. A situação fática dos autos é totalmente distinta daquela decidida nos autos do repetitivo porque (i) a autora não é associação de moradores, mas sim, sociedade empresária limitada prestadora de serviços de administração de loteamento e (ii) a causa de pedir está fundada no descumprimento de obrigação contratual existente entre as partes, e não em estatutos de associação civil ou no princípio constitucional da vedação do enriquecimento sem causa.

4. Por força do disposto na lei de loteamento, as restrições e obrigações constantes no contrato-padrão, depositado em cartório como condição para o registro do projeto de loteamento, incorporam-se ao registro e vinculam os posteriores adquirentes, porquanto dotadas de publicidade inerente aos registros públicos.

5. Tendo constado nas escrituras públicas de compra e venda dos lotes adquiridos pelos réus a ressalva de que os terrenos estariam sujeitos às condições restritivas impostas pelos loteadores por época do registro de loteamento, não há falar em falta de anuência. Há, ao contrário, adesão inequívoca ao ato que instituiu o encargo.

6. Recurso especial conhecido em parte e, na parte conhecida, não provido.

(REsp 1422859/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 26/11/2015 – grifou-se)

“AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. 1. LOTEAMENTO URBANO. TAXAS DE MANUTENÇÃO. CAUSA DE PEDIR. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO CONTRATUAL. REGISTROS PÚBLICOS. CONTRATO-PADRÃO. IMÓVEL TRANSMITIDO POR SUCESSÃO. VINCULAÇÃO OBRIGATÓRIA. SÚMULA 83/STJ. 2. AFERIÇÃO DA AVERBAÇÃO, NA MATRÍCULA DO IMÓVEL, DA OBRIGAÇÃO QUE DEU ENSEJO À COBRANÇA DAS TAXAS DE MANUTENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 3. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. Nos termos do entendimento deste Tribunal, “por força do disposto na lei de loteamento, as restrições e obrigações constantes no contrato-padrão, depositado em cartório como condição para o registro do projeto de loteamento, incorporam-se ao registro e vinculam os posteriores adquirentes, porquanto dotadas de publicidade inerente aos registros públicos” (REsp 1.422.859/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 3/11/2015, DJe 26/11/2015).

2. O quadro fático delineado nos autos difere-se daquele constante dos recursos repetitivos (REsp n. 1.439.163/SP e n. 1.280.871/SP), uma vez que, não obstante a autora seja associação de moradores, as despesas cobradas não decorrem de taxas por ela criadas, mas, sim, de obrigação constante em contrato-padrão, depositado em cartório como condição para o registro do projeto de loteamento fechado, sendo, com isso, exigíveis os débitos buscados na presente ação de cobrança, nos termos da cognição exarada pela Terceira Turma no REsp 1.422.859/SP.

3. A modificação da conclusão delineada no acórdão recorrido – acerca da existência de adesão, na matrícula do imóvel adquirido pelo agravante por sucessão, ao ato que instituiu o encargo oriundo do loteamento fechado – demandaria necessariamente o revolvimento dos fatos e das provas dos autos, atraindo, assim, o óbice disposto na Súmula 7/STJ.

4. Agravo interno desprovido.

(AgInt no REsp 1.755.648/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/11/2018, DJe 16/11/2018)

No presente recurso, a discussão gira em torno de definir se o fato de a cobrança de taxa de manutenção estar prevista no contrato-padrão registrado vincula os adquirentes não somente à obrigação de pagar as taxas de associação a partir da aquisição, como também a responder pelos débitos do anterior proprietário.

Em outras palavras, a recorrente alega que o depósito do contrato padrão no Cartório de Registro de Imóveis transforma a obrigação de pagar a taxa de manutenção e limpeza em propter rem, de modo que obriga a cadeia de adquirentes do imóvel.

É preciso deixar expresso, inicialmente, que é fato incontroverso nos autos que o contrato-padrão do loteamento, devidamente registrado no Cartório de Registro de Imóveis, contém cláusula que prevê o pagamento de taxa de manutenção e limpeza. Transcreve-se, no ponto, o seguinte trecho da petição inicial dos embargos de terceiro:

“(…)

É exatamente o caso dos embargantes, que ao adquirirem o imóvel por força da arrematação em 14 de agosto de 2017, imediatamente aderiram ao contrato padrão arquivado no Registro de Imóveis e passaram a contribuir com a taxa mensal de contribuição fixada pela embargada, a partir de setembro de 2017 (doc. 12)” (fl. 6, e-STJ).

Nesse contexto, ainda que o Tribunal de origem tenha se limitado a afirmar que a obrigação não adere ao bem, não tendo se manifestado expressamente a respeito dos termos do contrato padrão, como inexiste discussão entre as partes acerca de seus termos, não parece haver óbice para o julgamento do recurso.

Fixada essa premissa, faz-se necessário transcrever os dispositivos apontados como violados, que têm a seguinte redação:

Art. 24. O processo de loteamento e os contratos de depositados em Cartório poderão ser examinados por qualquer pessoa, a qualquer tempo, independentemente do pagamento de custas ou emolumentos, ainda que a título de busca.”

“Art. 25. São irretratáveis os compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessão, os que atribuam direito a adjudicação compulsória e, estando registrados, confiram direito real oponível a terceiros.”

“Art. 29. Aquele que adquirir a propriedade loteada mediante ato inter vivos, ou por sucessão causa mortis, sucederá o transmitente em todos os seus direitos e obrigações, ficando obrigado a respeitar os compromissos de compra e venda ou as promessas de cessão, em todas as suas cláusulas, sendo nula qualquer disposição em contrário, ressalvado o direito do herdeiro ou legatário de renunciar à herança ou ao legado.” (grifou-se)

Também se transcreve a cláusula do contrato padrão que trata da taxa de manutenção:

“IX – ENCARGOS DO COMPRADOR

f) pagar, aos ‘Vendedores’ ou a quem eles indicarem, uma taxa de manutenção de vias de acesso ao imóvel, limpeza das ruas, conservação das calçadas gramadas, arborização, serviços de guarda, etc. pagamento esse que será mensal e à vista dos correlativos comprovantes das despesas;

g) responsabilizar-se, a partir dessa data, pelos impostos e taxas que recaiam ou venham a recair sobre o lote de terreno deste contrato;

h) a pagar, proporcionalmente, o custo de quaisquer obras de melhoramento a serem executadas não só pelos Poderes Competentes, como também pelos ‘Vendedores’, ou a quem os mesmos encarregarem” (fls. 307/308, e-STJ).

A recorrente interpreta o mencionado artigo 27 da Lei nº 6.766/1979 no sentido de que o adquirente sucede o transmitente em todas as suas obrigações, isto é, responderá pelos débitos da taxa de conservação em aberto. Os recorridos, a seu turno, entendem que a norma se limita a estipular quais as obrigações que os futuros adquirentes irão ter a partir da aquisição, não tendo o alcance de os responsabilizar por débitos passados.

A esse respeito é preciso ponderar que um dos principais objetivos do registro imobiliário do projeto de parcelamento urbano, com a previsão de depósito de diversos documentos (artigo 18 da Lei nº 6.766/1979), dentre eles o contrato padrão (artigo 26 da Lei nº 6.766/1979), é proteger os adquirentes dos lotes.

Vicente de Abreu Amadei assim sintetiza os objetivos do registro especial do parcelamento urbano:

“(…)

Por consequência e em suma, pode-se sintetizar ‘o registro imobiliário do parcelamento do solo urbano em tríplice ratio iures: a) primeira: a necessidade de proteção jurídico-social aos adquirentes de lotes (quer quanto à liquidez do domínio, quer quanto à segurança do negócio jurídico); b) segunda: a necessidade de segurança jurídico-registral para o eficaz controle de disponibilidade e especialidade, nas situações de fracionamentos imobiliários; c) terceira: a necessidade de concentrar em um órgão, com função de marcar a juridicidade do parcelamento do solo, o controle formal de todas as licenças administrativas exigíveis em tutela dos aspectos urbanísticos e ambientais do empreendimento” (Registro de imóveis e parcelamento do solo. Coleção de Direito Imobiliário.1ª ed. Thomson Reuters Brasil, 2020, livro eletrônico).

Nesse contexto, se o intuito é proteger os adquirentes, a interpretação da norma que impõe obrigações e responsabilidades não pode ser feita extensivamente.

Com efeito, conforme se extrai da leitura do artigo 29 da Lei nº 6.766/1979 não existe previsão expressa de que o adquirente responderá pelos débitos dos antigos proprietários mas, tão somente, que sucederá o transmitente em suas obrigações, isto é, na obrigação de pagar a taxa de manutenção.

De fato, quando a lei estabelece a responsabilidade de o adquirente responder pelos débitos do alienante, como ocorre no caso de condomínio edilício, o faz expressamente e de forma inequívoca, consoante se verifica do artigo 1.345 do Código Civil:

“Art. 1.345. O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios”

O fato de o contrato padrão ter sido levado a registro, permitindo que seja consultado por qualquer interessado, além de ter sido reproduzido em parte na matrícula do imóvel, apenas indica que os compradores foram cientificados de que estariam aderindo à cobrança de uma taxa de manutenção e não de que responderiam por débitos de antigo proprietário, que nem sequer era o titular do domínio na época da arrematação.

Nesse contexto, não se constata a existência de violação dos artigos 24, 25 e 29 da Lei nº 6.766/1979.

5. Dos honorários advocatícios

No que respeita à afirmação de que os honorários de advogado teriam sido fixados em valor exacerbado, a recorrente não informa qual o dispositivo legal que teria sido violado, o que atrai a incidência da Súmula nº 284/STF.

6. Do dispositivo

Ante o exposto, conheço parcialmente do recurso especial e, nessa parte, nego-lhe provimento.

Na origem, os honorários sucumbenciais foram fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, os quais devem ser majorados para 12% (doze por cento), em favor do advogado da parte recorrida, nos termos do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015, observado o benefício da gratuidade da justiça, se for o caso.

É o voto. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.941.005 – São Paulo – 3ª Turma – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJ 30.06.2021

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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